Descobertas, descobertos e descobridores
Este fim de semana que passou travei conhecimento, sem querer, com uma transcendente polémica que segundo parece dá para aquecer ânimos lá pelo imenso Brasil.
Encontrei um brasileiro, velhote, em visita turística a Portugal, que a propósito e a despropósito repetia, de dedo em riste, suplicando a emenda de um erro histórico: “mas Cabral não descobriu o Brasil, não!!!”.
A insistência surpreendeu-me, percebi que aquilo era importante para ele, e não o contrariei. Diga-se aliás que ninguém o contraditou, apesar das tentativas dele para encontrar alguém com quem discutir o seu ponto de vista.
A bem dizer, sorri para dentro: ele tem razão, se pensarmos com um pouco de rigor. Cabral não descobriu o Brasil, evidentemente. O Brasil formou-se com o tempo, foi uma construção que custou mais de trezentos anos de esforço, de sacrifício, de trabalho sem fim. Muito sangue, suor e lágrimas, como diria o outro, e o Brasil nasceu. Tinham passado mais de trezentos anos desde que Cabral havia desembarcado.
De maneira que não me apeteceu contrariar o brasileiro velhote (pareceu-me aliás que ele não devia sofrer de manias nativistas, na verdade tinha ar de filho de português e não de índio), e nem quis concordar com ele da pior forma, que seria lembrar-lhe que o Brasil era então coisa inexistente, que Cabral nunca poderia por isso descobrir.
A obsessão é talvez inofensiva, mera fruta da moda, e não merece excessiva atenção.
Pensando no assunto recordei um encontro de há uns anos com o famoso antropólogo Cláudio Villas-Boas, então de visita à Universidade de Évora.
O conhecido estudioso e protector dos índios do Amazonas, a que dedicara décadas da sua vida, não era um defensor de nenhuma das ideias feitas que circulam com geral aceitação da vulgata em uso. Não andava a espalhar moeda falsa.
Explicava melancolicamente que não acreditava na “preservação das culturas índias”, de que tantos faziam bandeira. Percebia perfeitamente que a História está repleta de culturas que desaparecem. E que a assimilação da sua gente significa efectivamente o desaparecimento daquelas sociedades, que só poderiam sobreviver num isolamento tornado impossível.
Mas Villas Boas questionava mais longe e mais fundo: podemos nós, os civilizados, passar o tempo a proclamar os direitos fundamentais de todos os homens à educação, à habitação, à saúde, etc. etc. – e ao mesmo tempo propor como programa (a bem da preservação das sociedades indígenas!!) que certos grupos predefinidos de seres humanos sejam acantonados em reservas (zoos?), cuidadosamente separados do resto do mundo, para que possam continuar a viver na idade da pedra?
Afinal, esse programa tem por fim garantir a felicidade deles, que “têm direito ao seu modo de vida”, ou visa apenas dar-nos satisfação a nós, que somos cultos e civilizados e gostamos de ver ursos e bisontes em parques naturais e fotografar “homens primitivos” em reservas exóticas?
Cabral não descobriu o Brasil. Mas não há dúvida que os ameríndios que ele lá encontrou também nunca o descobriram, nem nunca o teriam descoberto.
Encontrei um brasileiro, velhote, em visita turística a Portugal, que a propósito e a despropósito repetia, de dedo em riste, suplicando a emenda de um erro histórico: “mas Cabral não descobriu o Brasil, não!!!”.
A insistência surpreendeu-me, percebi que aquilo era importante para ele, e não o contrariei. Diga-se aliás que ninguém o contraditou, apesar das tentativas dele para encontrar alguém com quem discutir o seu ponto de vista.
A bem dizer, sorri para dentro: ele tem razão, se pensarmos com um pouco de rigor. Cabral não descobriu o Brasil, evidentemente. O Brasil formou-se com o tempo, foi uma construção que custou mais de trezentos anos de esforço, de sacrifício, de trabalho sem fim. Muito sangue, suor e lágrimas, como diria o outro, e o Brasil nasceu. Tinham passado mais de trezentos anos desde que Cabral havia desembarcado.
De maneira que não me apeteceu contrariar o brasileiro velhote (pareceu-me aliás que ele não devia sofrer de manias nativistas, na verdade tinha ar de filho de português e não de índio), e nem quis concordar com ele da pior forma, que seria lembrar-lhe que o Brasil era então coisa inexistente, que Cabral nunca poderia por isso descobrir.
A obsessão é talvez inofensiva, mera fruta da moda, e não merece excessiva atenção.
Pensando no assunto recordei um encontro de há uns anos com o famoso antropólogo Cláudio Villas-Boas, então de visita à Universidade de Évora.
O conhecido estudioso e protector dos índios do Amazonas, a que dedicara décadas da sua vida, não era um defensor de nenhuma das ideias feitas que circulam com geral aceitação da vulgata em uso. Não andava a espalhar moeda falsa.
Explicava melancolicamente que não acreditava na “preservação das culturas índias”, de que tantos faziam bandeira. Percebia perfeitamente que a História está repleta de culturas que desaparecem. E que a assimilação da sua gente significa efectivamente o desaparecimento daquelas sociedades, que só poderiam sobreviver num isolamento tornado impossível.
Mas Villas Boas questionava mais longe e mais fundo: podemos nós, os civilizados, passar o tempo a proclamar os direitos fundamentais de todos os homens à educação, à habitação, à saúde, etc. etc. – e ao mesmo tempo propor como programa (a bem da preservação das sociedades indígenas!!) que certos grupos predefinidos de seres humanos sejam acantonados em reservas (zoos?), cuidadosamente separados do resto do mundo, para que possam continuar a viver na idade da pedra?
Afinal, esse programa tem por fim garantir a felicidade deles, que “têm direito ao seu modo de vida”, ou visa apenas dar-nos satisfação a nós, que somos cultos e civilizados e gostamos de ver ursos e bisontes em parques naturais e fotografar “homens primitivos” em reservas exóticas?
Cabral não descobriu o Brasil. Mas não há dúvida que os ameríndios que ele lá encontrou também nunca o descobriram, nem nunca o teriam descoberto.
2 Comments:
Excelente post.
Infelizmente, quanto a presença Portuguesa os brasileiros sõ muito tendenciosos e em defesa de uma forma de vida com o perdão da expressão, ridícula, como a indígena.
Entonces.....¿Alvarez Cabral no era Español?
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