O clima espiritual da época
No excelente site da revista Permanência encontro um interessante estudo de Gladstone Chaves de Melo sobre "A decadência da língua literária". Vale bem a pena imprimir e ler. São só 16 páginas, e quantas verdades!
Uma das causa da "decadência da língua literária", segundo Gladstone, está no "clima espiritual da época". Julgai por vós mesmos.
O ambiente espiritual do nosso tempo é, em geral, de horror ao esforço, de imediatismo, de falta de sólida e madura preparação para a vida. A grande arma de vitória é a improvisação e a grande virtude, a audácia.
Uma perigosa filosofia do êxito fácil, conjugada com a filosofia do conforto, insinuou-se profundamente entre a nossa mocidade, alterando a concepção geral da vida, pela subestima dos valores éticos e privativamente humanos. Daí aquele horror ao esforço, a fuga à reflexão, a ausência de formação longa e fecunda. Daí uma atitude de espírito excessivamente independente, desrespeitadora dos valores morais essenciais e das autoridades naturais ou constituídas. Daí um obscurecimento da noção profunda de "dever", entendido como uma necessidade moral, como uma fidelidade do homem a si mesmo, um corolário da sua Personalidade. Substituiu-se esse conceito verdadeiro pela ideia de "dever" imposição exterior, a que se satisfaz por atos externos, superficiais, formais, faltos de toda substância moral, pois eles serão sonegados, falsificados ou defraudados quando falte o olho policial. É o espírito farisaico que se generaliza, a ética de aparências. Donde decorre e se alastra com pavorosa rapidez uma mentalidade de "sabotagem". Há uma forte tendência para desumanizar o trabalho, procurando cada qual tirar, na atividade que exerce, o máximo de proveitos, lícitos ou ilícitos (aliás é esta uma distinção que se vai esmaecendo!), e dar o menos possível de sua pessoa. Nada de trabalho entendido como dever moral e muito menos como obra de arte, em que o homem é pessoa cônscia de sua dignidade, e artista cioso de sua criação.
Não quero exemplificar para não ferir suscetibilidades, mas não se terá dificuldade em colher amostras.
Há dias, no interior, visitava eu a oficina de um velho marceneiro siciliano, habilíssimo no seu ofício, em que atingiu invejável perfeição. E, admirando a finura do lavor e o impecável acabamento de um guarda-roupa, lamentei que tão belo espécime se destinasse a pessoa da roça. Respondeu-me o artífice, na sua meia-língua: "Mas a obra é muito mais minha do que do freguês".
Estranhei e me alegrei de encontrar num homem rude tão bela concepção do trabalho, concepção essa que vai ficando anacrônica, mas que precisa de reviver a todo preço. No caso citado, a mentalidade corrente aplicaria o aforismo "para quem é bacalhau basta".
Pois bem: é essa falsa mentalidade, que se vai generalizando a ponto de constituir a "atmosfera" da nossa época a primeira responsável pela decadência da língua literária.
Alguém poderia achar quixotesca esta última sentença. Mas não o é. Tal decadência é apenas um sintoma, ou, se quiserem, um dos muitos efeitos daquela grande causa. Escrever bem exige observação atenta, meticulosa, estudo, reflexão, planejamento, e, depois, retoque, polimento. Tudo isso briga com o espírito da época.
Uma das causa da "decadência da língua literária", segundo Gladstone, está no "clima espiritual da época". Julgai por vós mesmos.
O ambiente espiritual do nosso tempo é, em geral, de horror ao esforço, de imediatismo, de falta de sólida e madura preparação para a vida. A grande arma de vitória é a improvisação e a grande virtude, a audácia.
Uma perigosa filosofia do êxito fácil, conjugada com a filosofia do conforto, insinuou-se profundamente entre a nossa mocidade, alterando a concepção geral da vida, pela subestima dos valores éticos e privativamente humanos. Daí aquele horror ao esforço, a fuga à reflexão, a ausência de formação longa e fecunda. Daí uma atitude de espírito excessivamente independente, desrespeitadora dos valores morais essenciais e das autoridades naturais ou constituídas. Daí um obscurecimento da noção profunda de "dever", entendido como uma necessidade moral, como uma fidelidade do homem a si mesmo, um corolário da sua Personalidade. Substituiu-se esse conceito verdadeiro pela ideia de "dever" imposição exterior, a que se satisfaz por atos externos, superficiais, formais, faltos de toda substância moral, pois eles serão sonegados, falsificados ou defraudados quando falte o olho policial. É o espírito farisaico que se generaliza, a ética de aparências. Donde decorre e se alastra com pavorosa rapidez uma mentalidade de "sabotagem". Há uma forte tendência para desumanizar o trabalho, procurando cada qual tirar, na atividade que exerce, o máximo de proveitos, lícitos ou ilícitos (aliás é esta uma distinção que se vai esmaecendo!), e dar o menos possível de sua pessoa. Nada de trabalho entendido como dever moral e muito menos como obra de arte, em que o homem é pessoa cônscia de sua dignidade, e artista cioso de sua criação.
Não quero exemplificar para não ferir suscetibilidades, mas não se terá dificuldade em colher amostras.
Há dias, no interior, visitava eu a oficina de um velho marceneiro siciliano, habilíssimo no seu ofício, em que atingiu invejável perfeição. E, admirando a finura do lavor e o impecável acabamento de um guarda-roupa, lamentei que tão belo espécime se destinasse a pessoa da roça. Respondeu-me o artífice, na sua meia-língua: "Mas a obra é muito mais minha do que do freguês".
Estranhei e me alegrei de encontrar num homem rude tão bela concepção do trabalho, concepção essa que vai ficando anacrônica, mas que precisa de reviver a todo preço. No caso citado, a mentalidade corrente aplicaria o aforismo "para quem é bacalhau basta".
Pois bem: é essa falsa mentalidade, que se vai generalizando a ponto de constituir a "atmosfera" da nossa época a primeira responsável pela decadência da língua literária.
Alguém poderia achar quixotesca esta última sentença. Mas não o é. Tal decadência é apenas um sintoma, ou, se quiserem, um dos muitos efeitos daquela grande causa. Escrever bem exige observação atenta, meticulosa, estudo, reflexão, planejamento, e, depois, retoque, polimento. Tudo isso briga com o espírito da época.
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