terça-feira, setembro 19, 2006

O triunfo dos M-L

Eu ainda sou do tempo em que a luta política em Portugal pareceu cingir-se ao confronto Soares/Cunhal.
Era o que alguns de nós expressivamente descrevíamos como um combate entre a “esquerda Pestana & Brito” e a “esquerda sobrancelha e bruto”.
Diga-se que nunca levei muito a sério a possibilidade, que durante algum tempo parecia desenhar-se, de vitória do projecto político protagonizado pelo representante local da gerontocracia moscovita. A hipótese sentia-a tão exótica e extravagante como a criação de ursos polares na Amareleja.
Não partilhava portanto o susto da burguesia nacional, já aflita com a sorte das pratas. Não só porque nisso não podia acompanhar-lhe as dores, visto que não tinha pratas que me doessem, mas sobretudo porque acreditava eu, e quer-me parecer que muito realisticamente, que logo após cumpridos os deveres, que era sobretudo encaminhar para boas mãos todo o país de além-mar, sossegariam os próceres locais da estratégia sovietista. Os patrões eles mesmos lhes puxariam os freios, que não estavam para pagar preços disparatados e correr riscos incomportáveis para alimentar fantasias cubanas no Oeste da Europa. Medo disso tinham eles.
Ao mesmo tempo, encerrada a fase de deitar país fora, suspiraria aliviada a burguesia entretanto esquerdizada (aquela que tão bem se encontra nas memórias de Maria Filomena Mónica, que para este efeito de caracterização é documento valioso). Logo, ingressaria satisfeita e ronronante no regaço anafado do camarada Soares, com quem seguramente não corriam perigo as pratas e não havia a recear ultramares.
Triunfaria pois a “Europa”, no fim, como efectivamente triunfou. Teríamos muita democracia e eleições abundosas, como temos tido.
No entretanto, muito sofrimento ficaria para trás. Nos breves anos em que o panorama político se desenhava assim houve em Portugal mais presos políticos do que nos cinquenta anos anteriores. Morreu mais gente em certas semanas em que o Diabo esteve à solta, só em Angola ou Moçambique ou Timor, do que no total de todos os teatros de operações durante os famosos treze anos de guerra. Houve mais destruição, do Minho a Timor, do que em todas as calamidades naturais dos últimos cem anos, devidamente somadas.
Mas o que a História diz é o que dizem os que a fazem, e a verdade é que todas essas fatalidades só deixaram para as lamentar a direita a que veio agora a chamar-se dura, aquela que pagou o preço necessário – tanto no que se refere ao fim do “pesadelo africano” que afligia a “direita mole” como no que se refere ao enfrentar da ofensiva comunista, em que ainda tratou de tirar do lume, com as inerentes queimaduras, as castanhas que os triunfadores haveriam de comer.
Para além do soarismo/cunhalismo, havia uma colorida troupe de esquerdismos vários, a que também nunca concedi muita importância. Não porque seja verdade que fossem “um bando de fanáticos que não faziam mal a ninguém”, como recentemente pintou a Dra. Maria José Morgado. Faziam e fizeram muito mal a muita gente. Quando digo que não conseguia vê-los como realmente relevantes refiro-me ao futuro dos respectivos projectos políticos, que mais pareciam delírios de esquizofrénico febril.
Para ser franco, sempre me pareceram meros aguadeiros a correr por conta de outros. Com estes, os corredores de fundo que entretanto se resguardavam, é que era preciso contar nas etapas seguintes.
Aqui chegados, confesso que me enganei. Subestimei as capacidades de adaptação da espécie, ou as suas faculdades miméticas, ou o seu poder de recuperação, ou o seu golpe de rins, fosse lá o que fosse.
Hoje, não se consegue dar um pontapé numa pedra que não se tropece em dois ou três M-L. E não se pode abanar uma árvore que não caiam de lá quatro ou cinco. Se encalharmos então numa estação de televisão, num conselho de ministros, numa redacção de jornal, num encontro de empresários liberais, ou num colóquio de fazedores de opinião, é certo e sabido: são às dúzias.
Eu, que ainda sou do tempo que comecei por descrever, quedo-me espantado com o fenómeno: olho-os e continuo a vê-los de punhos cerrados e cabeleiras hirsutas ao vento, recortados sobre enormes cartazes vermelhos com figuras barbudas, e um fundo sonoro de gritos e palavras de ordem que já não distingo com nitidez.
O que é que querem, é a geração da minha mocidade!

4 Comments:

At 7:12 da tarde, Blogger Mário Casa Nova Martins said...

Caro Manuel Azinhal
Li com atenção o texto de Rui Ramos, e diria que sempre houve uma direita mole, a dos interesses, e uma direita dura, a dos valores. E, pelo que tenho lido n’ O Sexo dos Anjos, estamos, permita-me, do lado dos Valores.
Portanto, da dicotomia que elaborou o biógrafo de João Franco, não há inovação.
Quanto ao “triunfo” dos M-L, tem a sua verdade, em Portugal, mas como é uma moda, não lhes auguro muito futuro.
Veja o que está a acontecer nos EUA, onde os neo-conservadores, vindos da esquerda americana, estão em queda livre, e os conservadores, aqueles que com a sua doutrina realizaram a Revolução Conservadora dos tempos de Ronald Reagam, regressam, porque tiveram sempre razão.
É tudo uma questão de tempo.
Cumprimentos.

 
At 6:45 da tarde, Blogger Mendo Ramires said...

Análise (social) brilhante!

 
At 7:02 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Os M-L quiseram partir isto tudo, e acabaram a mandar em grande parte disto. Em especial na Justiça, que está cheia deles, caso da citada Maria José Morgado. Que paradoxo: os fautores da ilegalidade "revolucionária" acabaram a fazer, gerir e impôr as leis.

 
At 10:34 da tarde, Blogger Bigmac said...

Lembra-se certamente nessa altura da estatistica em que a amareleja era a aldeia com mais concentração de mulheres deste país. Seria pelo tinto revolucionário ou pelo branco Espanhol?

 

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