O silêncio dos professores
Fui professor durante alguns anos. Conheci tanto o secundário, em todos os graus deste, como a universidade.
Já então o panorama era desolador.
Entretanto, segui outros caminhos. Afastei-me. Segundo me dizem os conhecidos que continuaram no ensino, as coisas nestes últimos vinte anos só têm piorado - e todos me transmitem uma visão depressiva e pessimista.
Tenho um amigo que é responsável pelo pelouro do pessoal numa Direcção Regional de Educação. Quando me encontra conta-me sempre com renovado espanto o que aprende aí: as baixas, as juntas médicas, as reformas antecipadas – parece que anda todo o pessoal docente em esgotamento ou quase, com problemas psicológicos ou mesmo psiquiátricos. Tudo à beira de um ataque de nervos (os que ainda não chegaram lá).
E não me admiro: o experimentalismo constante, as reformas sucessivas, as estratégias, o planeamento, as fichas para tudo e para nada, as orientações pedagógicas em mutação permanente, as teorias mais delirantes circuladas à vez por cada nova equipa reinante, os programas, os livros, tudo em revolução incessante, tudo somado a um burocratismo amalucado, são para dar cabo da cabeça mais sólida. Nem era precisa a indisciplina que da sociedade alastra para as escolas e para as salas de aula, fruto da deseducação institucionalizada em casa.
Os resultados do regabofe que tem sido o ensino nestas últimas décadas estão à vista de toda a sociedade: já temos resmas e resmas de licenciados que não sabem escrever – e nem ler, e nem falar, se entendermos estas acções como implicando um domínio um pouco mais que rudimentar do vocabulário e das regras básicas da língua.
Resta referir que tudo isto ainda por cima é sempre acompanhado de optimismo oficial e obrigatório – se não está tudo no melhor dos mundos para lá caminha, evidentemente. E o “sucesso escolar” medido invariavelmente pela não retenção do aluno: se todos transitarem de ano é um “sucesso escolar” retumbante - cem por cento, como dirão os relatórios a enviar para a Unesco.
Acresce que, como todos concordam, não é exagerado afirmar que as questões relacionadas com o ensino e a educação são de tal maneira cruciais que condicionam de todo o futuro da sociedade portuguesa.
Ora é perante estas constatações que não cessa de me intrigar o silêncio de uma classe tão numerosa como são os professores. Perante as experiências em que são passivas cobaias, os maus tratos, o desrespeito sistemático, a degradação que não pára, não se vislumbram reacções, nem públicas nem privadas, que não sejam a resignação, o alheamento, o desinteresse, o afastamento, quando a saturação chega e a paciência ou a saúde não dão para mais.
O direito à revolta, proclamado por um dos pais da pátria que temos, ainda não chegou a tais bandas.
(SÁBADO, NOVEMBRO 22, 2003)
Já então o panorama era desolador.
Entretanto, segui outros caminhos. Afastei-me. Segundo me dizem os conhecidos que continuaram no ensino, as coisas nestes últimos vinte anos só têm piorado - e todos me transmitem uma visão depressiva e pessimista.
Tenho um amigo que é responsável pelo pelouro do pessoal numa Direcção Regional de Educação. Quando me encontra conta-me sempre com renovado espanto o que aprende aí: as baixas, as juntas médicas, as reformas antecipadas – parece que anda todo o pessoal docente em esgotamento ou quase, com problemas psicológicos ou mesmo psiquiátricos. Tudo à beira de um ataque de nervos (os que ainda não chegaram lá).
E não me admiro: o experimentalismo constante, as reformas sucessivas, as estratégias, o planeamento, as fichas para tudo e para nada, as orientações pedagógicas em mutação permanente, as teorias mais delirantes circuladas à vez por cada nova equipa reinante, os programas, os livros, tudo em revolução incessante, tudo somado a um burocratismo amalucado, são para dar cabo da cabeça mais sólida. Nem era precisa a indisciplina que da sociedade alastra para as escolas e para as salas de aula, fruto da deseducação institucionalizada em casa.
Os resultados do regabofe que tem sido o ensino nestas últimas décadas estão à vista de toda a sociedade: já temos resmas e resmas de licenciados que não sabem escrever – e nem ler, e nem falar, se entendermos estas acções como implicando um domínio um pouco mais que rudimentar do vocabulário e das regras básicas da língua.
Resta referir que tudo isto ainda por cima é sempre acompanhado de optimismo oficial e obrigatório – se não está tudo no melhor dos mundos para lá caminha, evidentemente. E o “sucesso escolar” medido invariavelmente pela não retenção do aluno: se todos transitarem de ano é um “sucesso escolar” retumbante - cem por cento, como dirão os relatórios a enviar para a Unesco.
Acresce que, como todos concordam, não é exagerado afirmar que as questões relacionadas com o ensino e a educação são de tal maneira cruciais que condicionam de todo o futuro da sociedade portuguesa.
Ora é perante estas constatações que não cessa de me intrigar o silêncio de uma classe tão numerosa como são os professores. Perante as experiências em que são passivas cobaias, os maus tratos, o desrespeito sistemático, a degradação que não pára, não se vislumbram reacções, nem públicas nem privadas, que não sejam a resignação, o alheamento, o desinteresse, o afastamento, quando a saturação chega e a paciência ou a saúde não dão para mais.
O direito à revolta, proclamado por um dos pais da pátria que temos, ainda não chegou a tais bandas.
(SÁBADO, NOVEMBRO 22, 2003)
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