Os riscos do império ideológico
Por força do vazio deixado pelo fim da União Soviética e da fraqueza político-militar da Europa, os Estados Unidos receberam o “fardo” imperial suportado anteriormente por outros poderes: Roma depois das Guerras Púnicas, os Áustrias na Europa dos séculos XVI e XVII, Napoleão a partir de Austerlitz e Iena, a Inglaterra no século XIX.
Os impérios duradouros nunca foram ideológicos: não procuraram impor os “valores” políticos e os costumes sociais do centro imperial à periferia; toleraram, quando não encorajaram, a persistência de usos e costumes locais; criaram ordem e segurança, a troco de suserania política e tributo; governaram mais através de autoridades locais, com governadores e procônsules, que por administração directa.
Os impérios “ideológicos” não duram muito; foi o caso do austro-espanhol, que quis impor o Catolicismo ou o napoleónico que quis impor o Liberalismo. Geraram reacções nacionalistas e religiosas, encarnadas pela Holanda protestante ou, no caso de Napoleão, pelos russos, portugueses e espanhóis. E o Império ideológico-militar soviético caiu por razões parecidas.
Ao contrário, o Império Romano e o Império Britânico criaram um espaço terrestre e marítimo de ordem e paz, garantindo a circulação de pessoas e bens no quadro geopolítico; e tiveram o cuidado de não interferir com as crenças religiosas e os costumes nos seus domínios. Deixaram a “mudança” operar pelo “soft power” - cultura e economia.
Quanto aos EUA, poder hegemónico nos anos 90, depois do 11/9, tanto quanto a guerra do Afeganistão - a base recuada e território dos atacantes - foi certa, a guerra do Iraque, soberbamente conduzida no terreno, falhou nas suas razões políticas: não havia WMD no Iraque; Saddam, um tirano execrável mas pragmático, nunca atacaria os interesses americanos, nem faria causa comum com os radicais religiosos; o petróleo não precisava de controlo directo. Os iraquianos não tinham liberdades políticas mas viviam mais tranquilos. E morriam menos.
Mas, ao contrário da interpretação esquerdista, a democracia falhou no Iraque não por causa do método - a força. Na Alemanha e no Japão resultou. Eram nações.
O problema é que, antes da democracia é necessário haver um Estado nacional e não três comunidades - curdos, shiitas e sunitas - num Estado só unido pela força; haver forças armadas e de segurança, disciplinadas e fiéis; e uma sociedade de base poliárquica, em que a propriedade e a religião são respeitadas, há “poderes” sociais e há uma tradição de direitos civis frente ao Estado.
Isto havia em Portugal e em Espanha nos anos 70. Nada disto havia ou há, no Iraque. Nem em vastas regiões do Médio-Oriente, da Ásia e da África subsariana. O poder hegemónico que pretenda subsistir e equilibrar, não pode impor modelos políticos, pois, nesse dia será um agressor por boas que sejam as suas intenções e credenciais. Está à vista, e como amigos dos Estados Unidos devemos dizê-lo.
(Jaime Nogueira Pinto, Expresso, 28-10-06)
Os impérios duradouros nunca foram ideológicos: não procuraram impor os “valores” políticos e os costumes sociais do centro imperial à periferia; toleraram, quando não encorajaram, a persistência de usos e costumes locais; criaram ordem e segurança, a troco de suserania política e tributo; governaram mais através de autoridades locais, com governadores e procônsules, que por administração directa.
Os impérios “ideológicos” não duram muito; foi o caso do austro-espanhol, que quis impor o Catolicismo ou o napoleónico que quis impor o Liberalismo. Geraram reacções nacionalistas e religiosas, encarnadas pela Holanda protestante ou, no caso de Napoleão, pelos russos, portugueses e espanhóis. E o Império ideológico-militar soviético caiu por razões parecidas.
Ao contrário, o Império Romano e o Império Britânico criaram um espaço terrestre e marítimo de ordem e paz, garantindo a circulação de pessoas e bens no quadro geopolítico; e tiveram o cuidado de não interferir com as crenças religiosas e os costumes nos seus domínios. Deixaram a “mudança” operar pelo “soft power” - cultura e economia.
Quanto aos EUA, poder hegemónico nos anos 90, depois do 11/9, tanto quanto a guerra do Afeganistão - a base recuada e território dos atacantes - foi certa, a guerra do Iraque, soberbamente conduzida no terreno, falhou nas suas razões políticas: não havia WMD no Iraque; Saddam, um tirano execrável mas pragmático, nunca atacaria os interesses americanos, nem faria causa comum com os radicais religiosos; o petróleo não precisava de controlo directo. Os iraquianos não tinham liberdades políticas mas viviam mais tranquilos. E morriam menos.
Mas, ao contrário da interpretação esquerdista, a democracia falhou no Iraque não por causa do método - a força. Na Alemanha e no Japão resultou. Eram nações.
O problema é que, antes da democracia é necessário haver um Estado nacional e não três comunidades - curdos, shiitas e sunitas - num Estado só unido pela força; haver forças armadas e de segurança, disciplinadas e fiéis; e uma sociedade de base poliárquica, em que a propriedade e a religião são respeitadas, há “poderes” sociais e há uma tradição de direitos civis frente ao Estado.
Isto havia em Portugal e em Espanha nos anos 70. Nada disto havia ou há, no Iraque. Nem em vastas regiões do Médio-Oriente, da Ásia e da África subsariana. O poder hegemónico que pretenda subsistir e equilibrar, não pode impor modelos políticos, pois, nesse dia será um agressor por boas que sejam as suas intenções e credenciais. Está à vista, e como amigos dos Estados Unidos devemos dizê-lo.
(Jaime Nogueira Pinto, Expresso, 28-10-06)
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home