ANÓNIMOS, DIZEM ELES
(Um artigo de Manuel António Pina, da revista "Visão")
Vai grande alvoroço na net (e fora dela) acerca do anonimato. A coisa vem de longe mas acendeu-se com a publicação num blogue de transcrições de um best-seller alegadamente copiadas de um livro alheio. Por um golpe de rins comum em debates do género, a polémica do plágio tem sido, em alguns jornais, transferida para a questão do anonimato na blogosfera, segundo o sabido modelo daquilo que, em informação e contra-informação, se chama de «técnica de desautorização», pois «não se devem discutir as ideias do adversário ( ... ), e antes, ao invés de debater uma tese, deve desconsiderar-se o adversário»; como espertamente recomenda o «livro de estilo» dos candidatos do Partido Socialista Brasileiro. (Mais de meio século depois da publicação de Le viol des foules par la propagande politique, Tchakhotine é parte do inconsciente da nossa cultura comunicacional, e qualquer recém-chegado à política ou qualquer estagiário de jornalismo já vem equipado com a desconversa no código genético).
De qualquer modo, mais interessante do que a questão da acusação de plágio e dos seus contornos de petite histoire escandalosa, é decerto a do anonimato. Os meios tradicionais de comunicação, a imprensa sobretudo, apontam frequentemente o dedo acusador à natureza anónima de muitos blogues como se grande parte daquilo que hoje se publica nos jornais não tivesse origem em fontes anónimas. Com uma diferença: um blogue tem um endereço IP identificável, enquanto as fontes anónimas dos jornais se ocultam por sistema atrás do sigilo das fontes e do sigilo profissional, donde não é fácil arrancá-las sem que (como aconteceu no chamado «caso do envelope 9») se levante uma gritaria generalizada clamando aqui d'el"rei que está em causa a liberdade da informação. Há, claro, a questão da responsabilidade, maxime penal, mas a história recente da responsabilização da imprensa entre nós não é particularmente tranquilizadora a este respeito.
Os jornais publicam todos os dias, corno fazem alguns blogues, informações incorrectas ou incompletas, quando não simplesmente falsas, acusações sem provas, opiniões e comentários ofensivos, e exilam depois (quase sempre muitos dias depois) o direito de resposta dos visados para páginas recônditas e corpos 6 ou 8. Ao menos nos blogues (praticamente todos têm caixas de comentários abertas), correcções e rectificações são publicadas em directo e no mesmo exacto local, como bem lembra o blogue grandelojadoqueijolimiano.blogspot.com.
Como os jornais, há blogues mais credíveis e menos credíveis, e há blogues, corno há jornais, sem qualquer espécie de credibilidade. Convenhamos, no entanto, que factos são factos, independentemente de virem com assinatura (pseudónima ou ortónima que ela seja) ou não. Não deixa, aliás, de ser sintomático do clima que hoje se vive em algumas redacções a circunstância de muitos bloggers serem jornalistas que publicam na blogosfera factos que não podem publicar nos órgãos de informação em que trabalham. Anonimamente, pois o preço da liberdade começa a ser de novo muito alto e nem todos podem pagá-lo. Heróis como Anna Politovskaia servem-se, como no poema de Reinaldo Ferreira, mortos ou, portuguesmente, apenas desempregados.
A questão do anonimato tem também sido posta na China, onde se pretende que os bloggers sejam identificados e tenham ficha na polícia. Mas a blogosfera, na China como por estas mansas paragens, é um espaço de liberdade e pluralidade que veio para ficar, é melhor irem-se habituando a isso os donos da informação.
Vai grande alvoroço na net (e fora dela) acerca do anonimato. A coisa vem de longe mas acendeu-se com a publicação num blogue de transcrições de um best-seller alegadamente copiadas de um livro alheio. Por um golpe de rins comum em debates do género, a polémica do plágio tem sido, em alguns jornais, transferida para a questão do anonimato na blogosfera, segundo o sabido modelo daquilo que, em informação e contra-informação, se chama de «técnica de desautorização», pois «não se devem discutir as ideias do adversário ( ... ), e antes, ao invés de debater uma tese, deve desconsiderar-se o adversário»; como espertamente recomenda o «livro de estilo» dos candidatos do Partido Socialista Brasileiro. (Mais de meio século depois da publicação de Le viol des foules par la propagande politique, Tchakhotine é parte do inconsciente da nossa cultura comunicacional, e qualquer recém-chegado à política ou qualquer estagiário de jornalismo já vem equipado com a desconversa no código genético).
De qualquer modo, mais interessante do que a questão da acusação de plágio e dos seus contornos de petite histoire escandalosa, é decerto a do anonimato. Os meios tradicionais de comunicação, a imprensa sobretudo, apontam frequentemente o dedo acusador à natureza anónima de muitos blogues como se grande parte daquilo que hoje se publica nos jornais não tivesse origem em fontes anónimas. Com uma diferença: um blogue tem um endereço IP identificável, enquanto as fontes anónimas dos jornais se ocultam por sistema atrás do sigilo das fontes e do sigilo profissional, donde não é fácil arrancá-las sem que (como aconteceu no chamado «caso do envelope 9») se levante uma gritaria generalizada clamando aqui d'el"rei que está em causa a liberdade da informação. Há, claro, a questão da responsabilidade, maxime penal, mas a história recente da responsabilização da imprensa entre nós não é particularmente tranquilizadora a este respeito.
Os jornais publicam todos os dias, corno fazem alguns blogues, informações incorrectas ou incompletas, quando não simplesmente falsas, acusações sem provas, opiniões e comentários ofensivos, e exilam depois (quase sempre muitos dias depois) o direito de resposta dos visados para páginas recônditas e corpos 6 ou 8. Ao menos nos blogues (praticamente todos têm caixas de comentários abertas), correcções e rectificações são publicadas em directo e no mesmo exacto local, como bem lembra o blogue grandelojadoqueijolimiano.blogspot.com.
Como os jornais, há blogues mais credíveis e menos credíveis, e há blogues, corno há jornais, sem qualquer espécie de credibilidade. Convenhamos, no entanto, que factos são factos, independentemente de virem com assinatura (pseudónima ou ortónima que ela seja) ou não. Não deixa, aliás, de ser sintomático do clima que hoje se vive em algumas redacções a circunstância de muitos bloggers serem jornalistas que publicam na blogosfera factos que não podem publicar nos órgãos de informação em que trabalham. Anonimamente, pois o preço da liberdade começa a ser de novo muito alto e nem todos podem pagá-lo. Heróis como Anna Politovskaia servem-se, como no poema de Reinaldo Ferreira, mortos ou, portuguesmente, apenas desempregados.
A questão do anonimato tem também sido posta na China, onde se pretende que os bloggers sejam identificados e tenham ficha na polícia. Mas a blogosfera, na China como por estas mansas paragens, é um espaço de liberdade e pluralidade que veio para ficar, é melhor irem-se habituando a isso os donos da informação.
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