Homens bons
Chegado a este ponto em que estou a pensar lembro-me sempre da "superioridade moral dos comunistas". Os jovens do meu tempo recordam certamente os nossos debates de então com os colegas militantes dessa fé organizada, e como era inevitável que tarde ou cedo surgisse na discussão a "superioridade moral dos comunistas". A rapaziada do partido andava sempre com o livro de Cunhal debaixo do braço, ou já enfiado na cabeça, e aquilo era visivelmente importante. Volta e meia lá entrava no mais aceso do debate a "superioridade moral dos comunistas", com um sorriso de orgulho. A superioridade era mesmo importante. E quando não eram eles a puxar o tema era quase certo que ele surgia do outro lado: quem se posicionava contra, impaciente com o que sentia como a desfaçatez e a arrogância, quando não cinismo e fanatismo, das hostes empenhadas naquela religião secular, acabava inevitavelmente por disparar contra essa superior manifestação de cegueira. A "superioridade" era realmente importante.
Quem viveu empenhamentos políticos e é capaz de algum sentido crítico e distanciamento percebe porquê. As tropas precisam de acreditar. Frequentemente contra toda a realidade, os nossos têm que ser os melhores, os mais justos, os mais inteligentes, os mais cultos. Sobretudo, porque o nosso é o lado certo, os nossos têm que ser moralmente superiores. Também nós nos sentimos melhor por participarmos dessa superioridade. A certeza reconfortante da bondade dos nossos, das suas imensas virtudes, do seu heroísmo, desinteresse e altruísmo, são condimentos necessários para o combate e a mobilização. O caucionamento e a legitimação do que fazemos (até o mal?) decorrem daí. Se as almas esfriam, os exércitos dispersam.
Claro que a vivência destroça as ilusões, e todos acabamos por saber que em todos os campos iremos encontrar patifes, em número infinito, até ao fim do mundo.
É normal que assim seja; o homem é um ser mais propenso ao vício do que à virtude.
Todavia, poderá essa normalidade ser o bastante para consolo e resignação?
Também sentimos que não. As misérias dos "nossos", a maldade que sentimos no lado que defimos como "o nosso", dói muito mais.
A verdade é que precisamos de homens bons, e estes não abundam.
Quem viveu empenhamentos políticos e é capaz de algum sentido crítico e distanciamento percebe porquê. As tropas precisam de acreditar. Frequentemente contra toda a realidade, os nossos têm que ser os melhores, os mais justos, os mais inteligentes, os mais cultos. Sobretudo, porque o nosso é o lado certo, os nossos têm que ser moralmente superiores. Também nós nos sentimos melhor por participarmos dessa superioridade. A certeza reconfortante da bondade dos nossos, das suas imensas virtudes, do seu heroísmo, desinteresse e altruísmo, são condimentos necessários para o combate e a mobilização. O caucionamento e a legitimação do que fazemos (até o mal?) decorrem daí. Se as almas esfriam, os exércitos dispersam.
Claro que a vivência destroça as ilusões, e todos acabamos por saber que em todos os campos iremos encontrar patifes, em número infinito, até ao fim do mundo.
É normal que assim seja; o homem é um ser mais propenso ao vício do que à virtude.
Todavia, poderá essa normalidade ser o bastante para consolo e resignação?
Também sentimos que não. As misérias dos "nossos", a maldade que sentimos no lado que defimos como "o nosso", dói muito mais.
A verdade é que precisamos de homens bons, e estes não abundam.
2 Comments:
Cortando a... respiração.
Além daquele artigo que já relataste, sobre o que é ser de esquerda, este texto não podia vir mais a calhar. Por vezes sou obrigado a dizer aos outros que a defesa dos trabalhadores por exemplo, não é exclusivo de um partido ou de uma ideologia...
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