O combate dos poetas
(Editorial do "Jornal dos Poetas & Trovadores" n.º 39, Outubro/Dezembro de 2006, pág. 1, da autoria de Barroso da Fonte)
No Diário XII, encontrando-se em Coimbra, em 14 de Outubro de 1974, escreveu Miguel Torga aquilo que me apetece repetir no dia em que acompanho pela RTP1, o primeiro debate sobre os Grandes Portugueses: «Oiço e leio esta inflação de discursos que toldam a atmosfera política do país e fico agoniado. Somos na verdade uma cambada de primários, de temperamento e paixões à medida da nossa testa». E no dia seguinte, também em Coimbra, repetiu: «mete impressão ver nos escaparates tanta publicação pejada de raiva humorística. A prova de que o português está de facto doente e que apenas sabe abrir a boca para tropeçar. Um poeta vive em desequilíbrio enquanto a magia da letra não dá cobertura à lição dos sentidos. É a óptica do poema que organiza a paleta das percepções. O espanto renasce cada vez que um novo verso lhe revela uma nova aparência».
Nesse debate coordenado por Maria Elisa (que não consegue dizer obrigada, em vez de obrigado, como mandam as regras gramaticais), a regressada profissional revelou um facciosismo enervante, ao dar voz, imagem e gesto quanto baste, aos muitos e raivosos que tudo fizeram para silenciar o corajoso Historiador José Hermano Saraiva, o único que foi ao painel defender o antigo Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar. Fora seu ministro da educação. Sempre foi coerente. Nunca deu a cambalhota, como lhe seria mais cómodo, a exemplo de tantos, alguns dos quais ali estavam. Uma cáfila de pretensos donos da Pátria, semelhando corvos esfomeados, sem qualquer sentido histórico, sem uma nesga de bom senso, sem nada que os identifique com a dignidade que merece, o Homem que mandou construir a Ponte sobre o Tejo e que, da noite para o dia 25 de Abril de 1974, reduziram à mutilação vergonhosa, sendo esses e outros vampiros que usurparam o nome de um político, cujo maior crime foi o de morrer pobre, para deixar em barras de ouro o bastante para suportar os tempos sinistros do PREC. Ocorre-me abordar este tema depois de ler no Público de 24 de Outubro que «cada português deve 2,6 hectares à terra. Cada habitante de Portugal precisa de 4,2 hectares de terras e de superfície de água para si. Este é o resumo dos cálculos mais recentes da «pedagogia ecológica». Ocorre-me invocar, neste contexto, o Prof. António José Saraiva, irmão do Ministro da Educação de Salazar, para justificar a causa desta miséria franciscana a que chegámos. No Diário de Notícias de 26/1/1979, escreveu ele: «os cravos do 25 de Abril fanaram-se sobre um monte de esterco…Os militares portugueses fugiram como pardais, largando armas e calçado, abandonando os portugueses e os africanos que confiavam neles. Foi a maior vergonha de que há memória desde Alcácer Quibir». E retomo Miguel Torga, o tal que proclamou: «não posso ter outro partido senão o da liberdade» que desabafou, em 27 de Abril de 1974, face às reacções de alguns exaltados que reclamavam a chacina dos agentes: «as vinganças raras vezes são exercidas pelas efectivas vítimas da repressão. Há nelas um pudor que as não deixa macular o sofrimento. São os outros, os que não sofreram, que se excedem, como se estivessem de má consciência e quisessem alardear um desespero que jamais sentiram».
Talvez por essas e por outras, frustrado com o clima de oportunismo a que assistira nessa primeira semana de revolução, o insuspeito Miguel Torga, confessava: «não é cómodo cultivar as letras em nenhuma parte do mundo. Mas entre nós, só por penitência. Nunca um escritor aqui teve direito à dignidade de assumir um unânime destino colectivo ou um solitário destino pessoal, sem que sirva de bandeira para uns e de espantalho para outros». E três dias depois: «em Portugal todos os verdadeiros escritores escrevem em tensão negativa. Com raiva, com sarcasmo, com ironia ou com amargura. Daí que façamos da caneta um estadulho, um instrumento, ao mesmo tempo, de agressividade e de maceração». E remata: «cada português é um espantalho vestido de gente, um parente infeliz da humanidade e onde um poeta é um trambolho social».
É esta a reprimenda aos abutres da nossa intelectualidade que me ocorre, quando recordo aquele julgamento sumário contra Salazar, num canal público de televisão que nos consome a paciência e os milhões, limitando-se a garantir aos governantes o mediatismo que os mantém à frente de todas as sondagens e, a partir delas, nos comerem a carne e os ossos. Tudo sob a capa da democracia.
No Diário XII, encontrando-se em Coimbra, em 14 de Outubro de 1974, escreveu Miguel Torga aquilo que me apetece repetir no dia em que acompanho pela RTP1, o primeiro debate sobre os Grandes Portugueses: «Oiço e leio esta inflação de discursos que toldam a atmosfera política do país e fico agoniado. Somos na verdade uma cambada de primários, de temperamento e paixões à medida da nossa testa». E no dia seguinte, também em Coimbra, repetiu: «mete impressão ver nos escaparates tanta publicação pejada de raiva humorística. A prova de que o português está de facto doente e que apenas sabe abrir a boca para tropeçar. Um poeta vive em desequilíbrio enquanto a magia da letra não dá cobertura à lição dos sentidos. É a óptica do poema que organiza a paleta das percepções. O espanto renasce cada vez que um novo verso lhe revela uma nova aparência».
Nesse debate coordenado por Maria Elisa (que não consegue dizer obrigada, em vez de obrigado, como mandam as regras gramaticais), a regressada profissional revelou um facciosismo enervante, ao dar voz, imagem e gesto quanto baste, aos muitos e raivosos que tudo fizeram para silenciar o corajoso Historiador José Hermano Saraiva, o único que foi ao painel defender o antigo Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar. Fora seu ministro da educação. Sempre foi coerente. Nunca deu a cambalhota, como lhe seria mais cómodo, a exemplo de tantos, alguns dos quais ali estavam. Uma cáfila de pretensos donos da Pátria, semelhando corvos esfomeados, sem qualquer sentido histórico, sem uma nesga de bom senso, sem nada que os identifique com a dignidade que merece, o Homem que mandou construir a Ponte sobre o Tejo e que, da noite para o dia 25 de Abril de 1974, reduziram à mutilação vergonhosa, sendo esses e outros vampiros que usurparam o nome de um político, cujo maior crime foi o de morrer pobre, para deixar em barras de ouro o bastante para suportar os tempos sinistros do PREC. Ocorre-me abordar este tema depois de ler no Público de 24 de Outubro que «cada português deve 2,6 hectares à terra. Cada habitante de Portugal precisa de 4,2 hectares de terras e de superfície de água para si. Este é o resumo dos cálculos mais recentes da «pedagogia ecológica». Ocorre-me invocar, neste contexto, o Prof. António José Saraiva, irmão do Ministro da Educação de Salazar, para justificar a causa desta miséria franciscana a que chegámos. No Diário de Notícias de 26/1/1979, escreveu ele: «os cravos do 25 de Abril fanaram-se sobre um monte de esterco…Os militares portugueses fugiram como pardais, largando armas e calçado, abandonando os portugueses e os africanos que confiavam neles. Foi a maior vergonha de que há memória desde Alcácer Quibir». E retomo Miguel Torga, o tal que proclamou: «não posso ter outro partido senão o da liberdade» que desabafou, em 27 de Abril de 1974, face às reacções de alguns exaltados que reclamavam a chacina dos agentes: «as vinganças raras vezes são exercidas pelas efectivas vítimas da repressão. Há nelas um pudor que as não deixa macular o sofrimento. São os outros, os que não sofreram, que se excedem, como se estivessem de má consciência e quisessem alardear um desespero que jamais sentiram».
Talvez por essas e por outras, frustrado com o clima de oportunismo a que assistira nessa primeira semana de revolução, o insuspeito Miguel Torga, confessava: «não é cómodo cultivar as letras em nenhuma parte do mundo. Mas entre nós, só por penitência. Nunca um escritor aqui teve direito à dignidade de assumir um unânime destino colectivo ou um solitário destino pessoal, sem que sirva de bandeira para uns e de espantalho para outros». E três dias depois: «em Portugal todos os verdadeiros escritores escrevem em tensão negativa. Com raiva, com sarcasmo, com ironia ou com amargura. Daí que façamos da caneta um estadulho, um instrumento, ao mesmo tempo, de agressividade e de maceração». E remata: «cada português é um espantalho vestido de gente, um parente infeliz da humanidade e onde um poeta é um trambolho social».
É esta a reprimenda aos abutres da nossa intelectualidade que me ocorre, quando recordo aquele julgamento sumário contra Salazar, num canal público de televisão que nos consome a paciência e os milhões, limitando-se a garantir aos governantes o mediatismo que os mantém à frente de todas as sondagens e, a partir delas, nos comerem a carne e os ossos. Tudo sob a capa da democracia.
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