O referendo: um momento e só isso
Pode uma derrota transformar-se numa vitória?
Pensava nisso enquanto perdia algum tempo, contra os meus hábitos, a escutar o que se dizia na televisão no rescaldo do referendo de hoje.
Que fique bem claro que sinto que se perdeu uma oportunidade valiosíssima que a ter sido aproveitada teria grandes repercussões, interna e externamente.
Com este resultado, mais arrastada e prolongada fica a guerra, já de si naturalmente longa, em que esta batalha se insere. Que ninguém se iluda: a "agenda social" não vai parar, porque dela vivem projectos políticos que a têm como programa. A curto prazo temos já marcada em Lisboa mais uma arrancada da campanha para a "legalização das drogas leves". Pelo que entendi de certas referências, também não teremos que esperar muito pelas campanhas pelo direito ao casamento dos homossexuais, pelo direito à adopção por parte das parelhas homossexuais, pela "morte assistida nos hospitais"... etc., etc., e o mais que se verá.
A terminologia militar, com campanhas, batalhas, guerras, tácticas e estratégias, não sou eu que a invento - mas não me parece desadequada.
Quanto ao aborto, a luta vai transferir-se agora para a Assembleia da República e depois necessariamente para o Tribunal Constitucional.
Quem hoje ganhou vantagem não deixará de tentar alargar a porta que julga ter aberto, e quem a isso se opõe não poderá ficar de braços cruzados.
Estamos portanto no início de uma confrontação duradoura, e não de um final que está longe de estar à vista.
Mas poderá uma derrota transformar-se em vitória?
Curiosamente, entre aqueles que com convicção me acompanharam nestes últimos tempos não encontrei nesta noite ninguém vencido ou convencido. Todos sentiam a mágoa e a derrota, mas vencidos ou convencidos não havia. Pelo contrário, pareceu-me que, ao fazer o balanço destes trabalhos em que voluntariosamente nos lançámos, todos se reforçavam no seu sentimento de que estivemos certos, e estivemos bem. Todos partilhavam o orgulho de uma mobilização ímpar na sociedade portuguesa, feita de generosidade, de espontaneísmo e dedicação, inteiramente desligada das máquinas partidárias e da nomenklatura dirigente, toda assente em redes informais que mergulham as suas raízes exclusivamente no corpo social.
Poderá uma derrota transformar-se em vitória?
A realidade dos números não me parece difícil de explicar. O acréscimo de votação verificada traduziu-se efectivamente numa mobilização do eleitorado que quis dizer Sim. O lado do Não conseguiu mobilizar as suas forças, mas não conseguiu ultrapassar e extravazar os limites demasiado estreitos do eleitorado que já conquistara em 1998. Não verifiquei mas julgo que em números absolutos não houve descida do Não, comparativamente a 1998. Houve queda percentual devido à mobilização eficaz de um eleitorado novo que lhe foi hostil. Ou, dizendo o mesmo de outra forma, o Não foi incapaz de conquistar sectores significativos e decisivos do eleitorado para além do que já lhe era afecto, de modo a alargar o seu campo e garantir a vitória mesmo no caso de aumento da participação eleitoral. Mas vendo bem o que houve de diferente praticamente reduz-se à diferença entre Sócrates e Guterres. Há anos o primeiro-ministro em exercício fazia saber que os seus sentimentos eram pelo Não, e congelava o aparelho partidário mantendo o PS oficialmente fora da disputa. Agora o primeiro-ministro empenhou-se pessoalmente pelo Sim, e empenhou nisso todo o partido. Se somarmos o eleitorado cativo da extrema-esquerda, do PCP e do PS (este tinha da outra vez engrossado a abstenção), considerando os números normais em legislativas, vemos que não é difícil encontrar o número de votantes que deu neste referendo a vitória ao Sim.
Deste ponto de vista a vitória do Sim pode ser vista como uma vitória dos aparelhos partidários, contra as forças dispersas do Não que tinham por si apenas organizações avulsas de cidadãos anónimos e instituições particulares surgidas fora do Estado e longe dele.
Poderá uma derrota transformar-se numa vitória?
Depende de nós próprios. O debate que se travou, é visível que não o perdemos. Nota-se até nos discursos ora cautelosos ora atabalhoados dos que em princípio saíram vencedores, mas que parecem não saber o que fazer com esta vitória.
Os que votaram Não, votaram por convicções. Muitos dos que votaram Sim, e mais do que os que o fizeram por convicção, foram votar levados atrás de bandeiras e de dependências várias, umas psicológicas e outras piores. O nosso foi um voto livre de pessoas livres; grande parte do Sim desconfio que não o foi.
Temos que permanecer, e reforçar a cadeia que tornou possível este combate. Reforçar as nossas trincheiras, alargar, sistematizar e aprofundar o trabalho a todos os níveis na sociedade. Conquistar a opinião, porque os que ganharam agora só se limitaram a recolher o que já estava maduro.
Pensava nisso enquanto perdia algum tempo, contra os meus hábitos, a escutar o que se dizia na televisão no rescaldo do referendo de hoje.
Que fique bem claro que sinto que se perdeu uma oportunidade valiosíssima que a ter sido aproveitada teria grandes repercussões, interna e externamente.
Com este resultado, mais arrastada e prolongada fica a guerra, já de si naturalmente longa, em que esta batalha se insere. Que ninguém se iluda: a "agenda social" não vai parar, porque dela vivem projectos políticos que a têm como programa. A curto prazo temos já marcada em Lisboa mais uma arrancada da campanha para a "legalização das drogas leves". Pelo que entendi de certas referências, também não teremos que esperar muito pelas campanhas pelo direito ao casamento dos homossexuais, pelo direito à adopção por parte das parelhas homossexuais, pela "morte assistida nos hospitais"... etc., etc., e o mais que se verá.
A terminologia militar, com campanhas, batalhas, guerras, tácticas e estratégias, não sou eu que a invento - mas não me parece desadequada.
Quanto ao aborto, a luta vai transferir-se agora para a Assembleia da República e depois necessariamente para o Tribunal Constitucional.
Quem hoje ganhou vantagem não deixará de tentar alargar a porta que julga ter aberto, e quem a isso se opõe não poderá ficar de braços cruzados.
Estamos portanto no início de uma confrontação duradoura, e não de um final que está longe de estar à vista.
Mas poderá uma derrota transformar-se em vitória?
Curiosamente, entre aqueles que com convicção me acompanharam nestes últimos tempos não encontrei nesta noite ninguém vencido ou convencido. Todos sentiam a mágoa e a derrota, mas vencidos ou convencidos não havia. Pelo contrário, pareceu-me que, ao fazer o balanço destes trabalhos em que voluntariosamente nos lançámos, todos se reforçavam no seu sentimento de que estivemos certos, e estivemos bem. Todos partilhavam o orgulho de uma mobilização ímpar na sociedade portuguesa, feita de generosidade, de espontaneísmo e dedicação, inteiramente desligada das máquinas partidárias e da nomenklatura dirigente, toda assente em redes informais que mergulham as suas raízes exclusivamente no corpo social.
Poderá uma derrota transformar-se em vitória?
A realidade dos números não me parece difícil de explicar. O acréscimo de votação verificada traduziu-se efectivamente numa mobilização do eleitorado que quis dizer Sim. O lado do Não conseguiu mobilizar as suas forças, mas não conseguiu ultrapassar e extravazar os limites demasiado estreitos do eleitorado que já conquistara em 1998. Não verifiquei mas julgo que em números absolutos não houve descida do Não, comparativamente a 1998. Houve queda percentual devido à mobilização eficaz de um eleitorado novo que lhe foi hostil. Ou, dizendo o mesmo de outra forma, o Não foi incapaz de conquistar sectores significativos e decisivos do eleitorado para além do que já lhe era afecto, de modo a alargar o seu campo e garantir a vitória mesmo no caso de aumento da participação eleitoral. Mas vendo bem o que houve de diferente praticamente reduz-se à diferença entre Sócrates e Guterres. Há anos o primeiro-ministro em exercício fazia saber que os seus sentimentos eram pelo Não, e congelava o aparelho partidário mantendo o PS oficialmente fora da disputa. Agora o primeiro-ministro empenhou-se pessoalmente pelo Sim, e empenhou nisso todo o partido. Se somarmos o eleitorado cativo da extrema-esquerda, do PCP e do PS (este tinha da outra vez engrossado a abstenção), considerando os números normais em legislativas, vemos que não é difícil encontrar o número de votantes que deu neste referendo a vitória ao Sim.
Deste ponto de vista a vitória do Sim pode ser vista como uma vitória dos aparelhos partidários, contra as forças dispersas do Não que tinham por si apenas organizações avulsas de cidadãos anónimos e instituições particulares surgidas fora do Estado e longe dele.
Poderá uma derrota transformar-se numa vitória?
Depende de nós próprios. O debate que se travou, é visível que não o perdemos. Nota-se até nos discursos ora cautelosos ora atabalhoados dos que em princípio saíram vencedores, mas que parecem não saber o que fazer com esta vitória.
Os que votaram Não, votaram por convicções. Muitos dos que votaram Sim, e mais do que os que o fizeram por convicção, foram votar levados atrás de bandeiras e de dependências várias, umas psicológicas e outras piores. O nosso foi um voto livre de pessoas livres; grande parte do Sim desconfio que não o foi.
Temos que permanecer, e reforçar a cadeia que tornou possível este combate. Reforçar as nossas trincheiras, alargar, sistematizar e aprofundar o trabalho a todos os níveis na sociedade. Conquistar a opinião, porque os que ganharam agora só se limitaram a recolher o que já estava maduro.
3 Comments:
Ontem perdi um comentário sobre o seu texto no Blog PELA VIDA. Nele, não só lhe dava os parabéns como deixava claro que o que se perdeu - se é que algo se perdeu - foi uma pequena batalha e mesmo assim essa análise é duvidável. A guerra não está perdida. Como escreveu um comentador ontem nesse Blog, a luta não pode parar, tem de continuar. Como igualmente o Manuel propõe o mesmo. Baixar os braços, NUNCA.
Afinal quem ganhou o Referendo foi a abstenção, que deste modo se manifestou clara e eloquentemente contra este género de consulta às populações e contra a política deste governo, a cujo apelo ao voto no 'instrumento referendo' virou ostensivamente as costas.
Este e todos os Blogs pelo NÃO e muitos bloguistas que os não integraram, excederam-se até ao limite do possível na campanha extraordinàriamente positiva e digna que levaram a efeito.
Todos os que, quase diàriamente, esgrimiram educadamente argumentos plausíveis, coerentes, correctos e extrêmamente bem fundamentados pelo NÃO, estão (estamos) de parabéns.
Maria
Vejamos: afinal, o que é a abstenção em Portugal?
Creio que o Povo Português, é naturalmente desconfiado, ponderado e não gosta de protagonismo. Vive a sua vida com discrição. Mas, facilmente, é generoso - e quantas vezes, mais tarde, acaba por se arrepender de ter aberto tanto as portas da sua casa...
Tem uma moral sólida e pouco lhe interessa o que se passa à sua volta, mesmo quando, lá longe, atinge o disparate que lhe custa a entender.
Não aceita os criminosos, os drogados, a sida, os homossexuais, tudo o que se afasta da conduta natural, e, portanto, por definição, rejeita o aborto. Nada destas coisas faz parte da sua vida.
Por isso e resumidamente, quando há votações, tende a abster-se.
No que respeita a política, vai abrindo os olhos e, na melhor das hipóteses, poderá ir votar na escolha do mal menor - em que é, quase sempre, enganado pela propaganda desenfreada.
Quando se trara de um referendo, se for para uma regionalização, a coisa não lhes interessa porque sente que tem a sua própria região; se for por causa do aborto, a questão é perfeitamente indiferente para ele porque pura e simplesmente não o faz - nem lhe passa pela cabeça.
Fiquei admiradíssimo ao constatar uma abstenção de apenas 55 por cento. A justificação talvez esteja no facto de, presentemente, haver mais familiares e amigos na cidade e, se calhar, até julga que abortar será uma boa defesa para os que lá vivem - o Povo não gosta e não quer a vida da cidade, embora já esteja, de alguma maneira, a habituar-se a ir ao supermercado. Pois, pois é...
Agora, para Portugal, as consequências é que são pesadas porque os socialistas & cambada vão tirar partido da maioria pró aborto expressa nos votos, estando-se completamente nas tintas para o facto de que apenas um em cada quatro portugueses concorda com a prática do crime de aborto.
Escrevi há pouco uma frase que não está correcta, por omissão:
"Tem uma moral sólida e pouco lhe interessa o que se passa à sua volta, mesmo quando, lá longe, atinge o disparate que lhe custa a entender."
Isto deverá ser entendido no sentido de "o que se passa à sua volta" mas afastado do seu ambiente, porque o Povo é totalmente solidário com os seus vizinhos e do próximo que o cerca, de uma solidarieda que os meios os urbanos, infelizmente, desconhecem em absoluto.
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