terça-feira, março 13, 2007

Duas eleições

Alberto João e Carmona Rodrigues têm alguns pontos em comum.
Desde logo, os dois estão à frente de centros de poder importantes e cobiçados. Depois, ambos estão em oposição à força política que neste momento hegemonizou o poder central, e ameaça seriamente submergir toda a sociedade portuguesa.
Até agora Sócrates e o socratismo têm conseguido sair vitoriosamente de todas as batalhas eleitorais.
Não foi só a estrondosa vitória nas legislativas.
Nas autárquicas Carrilho perdeu, e ele saiu reforçado com esse naufrágio. Nas presidenciais Soares perdeu, e ele esfregou as mãos de contente. No referendo ganhou o Sim, e ele colheu os louros. Os guterristas juntaram-se aos carrilhistas e aos soaristas, todos quietos, calados e virados prá frente.
Sócrates pode usar com propriedade uma máxima antiga – uma Maioria, um Governo, um Presidente – e até fazer-lhe uns acrescentos: um Cardeal-Patriarca, um Procurador-Geral da República, um Tribunal Constitucional, um Tribunal de Contas, uma imprensa às ordens… uma oposição cinzenta, conformada e acomodada.
Não se vislumbram no horizonte “forças de bloqueio” susceptíveis de lhe fazer frente.
Poderá Sócrates somar ainda a Câmara Municipal de Lisboa – maior que a maior parte dos Ministérios – e o Poder Regional da Madeira, único reduto do poder político que lhe escapa?
Não se sabe, mas pelo que se está a ver entre Carmona e Jardim existe ainda outro ponto em comum: ambos parecem decididos a lutar pelo lugar.
No resto, tudo os separa. Personalidades, estilos, estratégias – tudo.
Carmona, que entrou na política com a imagem de não ser um político profissional, aprendeu rapidamente as regras de sobrevivência da casta. Agarra-se ao lugar, tece a sua rede, cria cumplicidades e traça alianças, e aguarda – sem nunca dar combate frontal, mas nunca descurando as trincheiras.
Sabe perfeitamente que se for aguentando pode chegar o momento crucial e acontecer que o PSD tenha que o recandidatar a ele, porque todas as outras soluções serão mais fracas e politicamente inviáveis, e o PS tenha que limitar-se a um carrilho qualquer, dilacerado que está internamente por infindáveis lutas de galos.
E em política a memória é muito curta: o resultado que nesta hora parece inevitável pode dissipar-se pelo desgaste que o tempo traga (também) ao PS, incapaz de dar resposta a uma situação em que para toda a gente surgia como evidente o imperativo das eleições intercalares.
Um ano, um ano e meio, e tudo pode acontecer na política portuguesa – eis o que sabe de cor qualquer aprendiz e não escapou a um Carmona Rodrigues muito mais astuto e matreiro do que a imagem que quiseram vender dele.
Jardim, para o mal e para o bem, é diferente. Ele, que há mais de três décadas é a encarnação do político profissional, manteve o sentido do risco e do desafio. Adora o confronto, e não foge a combates frontais.
Não se pode crer que ele desconheça os hábitos do regime, e não esteja portanto consciente que era possível negociar e transigir – como é de regra. Ao contrário, ele sabe que conserva poder negocial e que Sócrates provavelmente preferiria um entendimento a um embate de resultados imprevisíveis.
Mas - e nisto deparamos com a especificidade que há que reconhecer a Jardim – o homem é um jogador. Prefere arriscar, pôr tudo em cima da mesa, e atirar-se ao combate.
Sabe que tem 65 anos, que Sócrates fará o que puder para o fazer perder (quase de certeza fingindo não se envolver directamente) e que uma derrota será efectivamente o fim da sua carreira política. Mas escolheu o confronto: está-lhe no sangue.
Desta opção pode sair a primeira verdadeira derrota de Sócrates. Com efeito, neste contexto a vitória de Jardim, e tanto mais quanto mais expressivos forem os números, terá inevitavelmente consequências de âmbito nacional, e não apenas regional.
Sócrates e a sua gente sabem disso. Pode acontecer na Madeira o marco inicial da sua trajectória descendente. Daí a amargura que se lhes nota de quando em vez. Se assim acontecer, ficaremos a dever essa a Jardim.
Em Lisboa, com Carmona, e pelas razões expostas, não acontecerá nada. Com significado que exceda a dança das cadeiras, entenda-se.

(texto já publicado na Alameda Digital)

3 Comments:

At 9:56 da tarde, Anonymous Anónimo said...

"terá inevitavelmente consequências de âmbito nacional, e não apenas regional."

Porquê?

 
At 10:00 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Sócrates tem jogado com a hostilidade da(s) opinião(ões) pública(s) em relação a certos grupos, ou classes, que perderam credibilidade.

Os primeiros, já há anos, foram os estudantes. Quanto mais se manifestam, maior é o asco que a opinião pública lhes tem.

Sócrates estendeu a coisa, nomeadamente, à Função Pública e a Jardim. Quanto mais manifs dos funcionários públicos, maiores as sondagens de Sócrates - e se forem organizadas pelo PCP, melhor ainda!

Com Jardim é a mesma coisa. Retirar fundos a Jardim foi dos actos mais aplaudidos e apoiados por toda a opinião.

A opinião já sabe que Jardim vai ganhar. É inconcebível pensar que isso pode afectar Sócrates.

 
At 8:11 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Tudo isto é um conjunto de fait-divers que não tem o menor significado.
Serve para entreter o pagode.
Ouvir falar de toda essa gente inútil, oportunista e idiota é o mesmo que ver a televisão das tias.
Portugal não tem um partido que represente o Povo. Seria a Direita que, constitucionalmente, não pode ter assento no parlamento.
Divirto-me imenso quando se diz que o CDS é a direita, pois lembro-me sempre de ver o Freitas do Amaral - desde sempre um tachista -, com um ar muito sério, a esclarecer via TV que esse partido está rigorosamente ao centro - como se houvesse um centro em política...
Por isso, ainda é mais ridículo sabermos que o CDS se associou, por várias vezes, à esquerda socialista e que o dito Freitas do Amaral parece ter acabado a carreira no actual governo socialista.

Nuno

 

Enviar um comentário

<< Home