segunda-feira, março 05, 2007

Globalização?

Há uns anos largos, estando eu na Cinemateca a assistir à exibição do filme que Jonh Ford dedicou a Maria Stuart (filme aliás notável - apesar de bem anterior às suas obras mais aclamadas -, e onde está bem presente já a genialidade do mestre, como nos restantes da sua sequência céltica) senti a dada altura uma impressão de estranheza.
O sobressalto ocorreu durante as cenas em que se viam na tela uns concílios de grandes senhores escoceses, momentos obviamente essenciais para o enredo. Aqueles nobres dignitários, reunidos gravemente em seus castelos para decidir de tão magnas questões como era a sucessão, acabavam por lembrar irresistivelmente, na expressão corporal, nas interjeições ou no tom, um grupo de cow-boys discutindo à roda da fogueira.
Não era para admirar, explicaram-me, visto que aqueles actores secundários eram gente rodada na tarimba fordiana, com centenas de horas de western em cima.
Os exageros histriónicos, nos gestos ou nas palavras, eram afinal normais vindos de onde vinham.
Lembrei-me agora disto por força desta vaga de epopeias onde se juntam o heroísmo e os mitos da antiguidade clássica com uma espectacularidade consumista e industrial obviamente hollywoodesca.
Refiro-me aos filmes sobre Alexandre e sobre Tróia, mesmo ao Gladiator e ao mais recente versando os 300 das Termópilas, e certamente outros mais que ora esqueço.
Como em quase tudo, é possível encontrar-lhes coisas boas e menos boas, ou coisas más e menos más (conforme a ordem das sensações). Mas para uma sensibilidade clássica não pode deixar de ressaltar uma americanização que invade tudo. Estou a escrever com um sorriso amarelo, lembrando Leónidas e os seus trezentos. E não é pelos simplismos ou pelos anacronismos da fita, ou pela opção decidida por uma história de heróis invencíveis e efectivamente vencedores em todas as ocasiões, como os super-heróis dos comics, em detrimento da versão mais complexa do sacrifício total.
O sorriso liga-se com a lembrança remota do que seria a contenção espartana, a sobriedade e o laconismo de uma gente para quem o supérfluo ou a exteriorização eram fraquezas desprezíveis – e depois a observação de um Leónidas aos urros, de cenas que podiam ser de uns filmes de kung-fu ou shao-lin, uma mímica e uma expressividade que não seriam diferentes numa fita sobre caçadores de vampiros, uns combatentes que podiam sem custo imaginar-se como gladiadores do asfalto em feroz disputa sobre rodas, ou polícias da guerra das estrelas em combate mortal com as mais monstruosas criaturas, guerreiros gregos com tiques de exterminador, algures entre schwarzenegger e wesley snipes.
No fundo, mesmo onde se procura a diferença ameaça a uniformização.