Normalidade jurídica submetida às conveniências políticas
Um comentário do Prof. José Carlos Vieira de Andrade, no "Público", sobre assuntos já aqui focados anteriormente:
"Segundo notícia do PÚBLICO, poderá ter havido uma intenção de retardar o processo de nomeação dos novos juízes do Tribunal Constitucional, de forma a garantir que seja a actual formação a apreciar a nova lei do aborto, caso o Presidente da República solicite a fiscalização preventiva do decreto da Assembleia. De acordo com a fonte do jornal, assim se faria em nome da "qualificação dos actuais juízes" do Tribunal Constitucional e da "estabilidade doutrinária" sobre o assunto.
Estranha-se a justificação, desde logo por parecer desnecessária, perante a ausência de um estrito prazo constitucional ou legal para o efeito e, sobretudo, em face dos atrasos incomensuravelmente maiores que, por vicissitudes políticas várias, aconteceram em anteriores nomeações de juízes.
Mas também por ser inconsistente, pois que nem os novos juízes deverão ser menos qualificados que os actuais, nem a estabilidade doutrinária é um valor que possa ser convocado neste contexto - até porque a questão da constitucionalidade da lei poderá sempre ser suscitada em qualquer momento depois da sua entrada em vigor.
Só que, a ser verdadeira, a fundamentação revela uma manobra partidária que submete confessadamente a normalidade jurídica às conveniências políticas, uma manipulação que, para além de integrar o arsenal de má fama das "habilidades políticas", constitui, ressalvada a menor grandeza do episódio, mais um "momento maquiavélico" da nossa experiência democrática.
Acresce que esse pequeno ardil parece representar ainda, do ponto de vista da sua influência no espaço público, uma deprimente confirmação oficial da imagem jornalístico-tablóide da jurisprudência do Tribunal Constitucional, que conta os votos dos seus membros como espingardas de partidos. E essa leitura, avaliada seriamente, ofende a liberdade de espírito dos juízes e apouca a instituição à qual confiamos a tarefa de garantir a força normativa da nossa Constituição.
Não está, por isso, de parabéns a nossa democracia."
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