terça-feira, março 13, 2007

Organizar a resistência

A ressaca da mobilização verificada com a campanha do referendo sobre o aborto pode trazer um fenómeno já conhecido nestas situações de derrota. É um efeito que podemos caracterizar como de esvaziamento, com a desertificação do campo que se tinha organizado em torno desse tema e a consequente dispersão e desânimo dos núcleos e pessoas que para esse combate se tinham congregado.
Sendo conhecido o fenómeno, pode ser evitado. Resta ver se haverá gente e ânimo para obstar com êxito a essa tendência.
Um dado da experiência parece certo: são indispensáveis bandeiras, temas de mobilização que ofereçam causas e tarefas capazes de manter o nível da mobilização.
O problema é que provavelmente essas causas mobilizadoras não existem feitas, como no pronto-a-vestir.
Subsistem apenas questões parcelares, localizadas, que cada sector atingido sente como afronta particular mas que não tem sido possível federar de modo a dar-lhe a expressão de um descontentamento generalizado.
Na ausência, por incapacidade ou por vontade, da oposição partidária organizada, falta o cimento político para todos esses núcleos de revolta.
Assistimos assim às manifestações contra o encerramento de centros de saúde e urgências, anunciam-se já os protestos contra a concentração dos meios policiais, ouvem-se queixas de militares, de professores, de magistrados, de médicos ou de doentes – sem que a nada disso corresponda um efectivo desgaste da equipa governamental.
O que parece é que Sócrates conseguiu realmente neutralizar a oposição político-partidária, e triunfa na estratégia de salamização da oposição social, isolando e esmagando à vez cada um dos sectores visados – e reforçando-se com a humilhação de cada um dos alvos.
É possível inverter-se o sentido de marcha dos acontecimentos?
Vem a propósito a este respeito recordar que também houve alturas em que o cavaquismo e o guterrismo pareceram solidificar-se como algo de definitivo. Precisamente antes de desabarem fragorosamente.
Claro que pode observar-se que tanto o cavaquismo como o guterrismo caíram por dentro, como aliás é tradição em Portugal caírem os governos e os regimes.
Mas será assim tão seguro que no edifício da governação socrática não haja rachas nem fissuras? Não parece que alguém o possa afirmar com segurança.
O que podemos e devemos fazer em cada momento é preparar o momento seguinte. Dar voz aos grupos sociais ameaçados, dar um sentido coerente à revolta difusa, dar expressão política ao descontentamento, integrar e organizar a dissidência.
Se deixamos que se afundem ou dissolvam à míngua de apoios todos os movimentos sociais espontâneos de contestação não podemos estranhar a consequência lógica de ficar o poder sozinho em campo, dono do jogo e sem oposição.
Nesta altura é indispensável reforçar as estruturas organizadas especificamente políticas, sem esquecer nunca que o sucesso destas depende essencialmente da qualidade da comunicação que possam estabelecer com a opinião pública. É ponto assente de há muito que tem sido nesta área, da qualidade da comunicação, que se têm verificado as maiores fragilidades das forças políticas habitualmente alinhadas à Direita. Temos que ter sempre presente o facto, e apostar, ou continuar a apostar, na criação e desenvolvimento de canais de comunicação eficazes, operacionais, eficientes. Mas ao mesmo temo não desertar do terreno propriamente político, porque se é certo que sem os mecanismos de acesso à opinião pública todos os esforços se perdem também é verdade que não vale a pena ter os meios se nada houver para comunicar.
O trabalho directamente político, a partir do real, incrementando a organização existente, tem que conjugar-se com o combate de fundo, metapolítico, o único que pode construir os alicerces do futuro, viabilizando o bom sucesso no médio e longo prazo de um movimento que, para isso, tem que existir já.

(publicado já no Alameda Digital)

5 Comments:

At 3:50 da tarde, Blogger Francisco Múrias said...

O que é necessário é encontrar o denominador comum de todo o descontentamento e uma ideia que una toda a nossa gente.

 
At 7:54 da manhã, Anonymous Anónimo said...

A questão é bastante complexa.
Tenho para mim que, se a alma portuguesa ainda existe, a Direita acabará por aparecer num movimento popular como tantas vezes já aconteceu na nossa História.
Todavia, é muito difícil e, presentemente, há imensos meios de propaganda e massificação. A sociedade - que está cada vez mais descontente - está dormente, anestesiada. Luta, com tremenda dificuldade, pela resolução dos seus problemas do dia-a-dia porque tem que sobreviver, mas não reage para além disso.
O regime instaurado com a abrilada tratou de impedir, por todos os meios e depressa, que se verificasse uma reacção. Não foi em vão que destruiram tudo o que eram forças militares e militarizadas.
Politicamente, ou seja, com bons modos, não me parece que se possa dar uma volta a este texto que já nos pôs no fundo e de onde é quase impensáver saír - nem com uma obra de engenharia do calibre do levantamento do Wasa...

Nuno

 
At 3:35 da tarde, Blogger António Lugano said...

O meu acordo e a minha cooperação !
Mas, é fundamental, é indispensável determinar os conceitos básicos em que alicerçar o "movimento nacionalista" !
Façamos evidentes as distinções entre "nação" e "pátria", entre "povo" e "população" !
Sejamos conscientes de que a Europa não é uma organização burocrática , mas sim uma expressão étnico-cultural de "nações" !
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Prometheus
http://.hesperialeuropa.blogspot.com
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Mneme
http://mnemeeuropa.blogspot.com.

 
At 7:43 da manhã, Anonymous Anónimo said...

António Lugano,
Sim, sim. É preciso passar das palavras à acção.
Lembro-me sempre da velha fábula dos ratos que discutiam como resolver o problema e concluiram que era preciso que o gato tivesse um guizo. Sempre calado, um deles, depois de um silêncio, perguntou: "pois, e quem é que vai pôr o guizo ao gato?"

Nuno

 
At 7:18 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Temos que arranjar maneira de contactarmos uns com os outros para se prever uma data tentativa em que nos reunamos para definir quais os problemas da Nação e marcar nova reunião para estudar a estratégia a seguir que nos leve a uma assembleia onde se discutam os meios de colmatar as inúmeras deficiências porque Portugal está a passar e então promover outra ou várias reuniões onde se tentará levantar o interesse de descortinar soluções ... blá... blá ... blá... até que surja um valente que, se calhar sem qualquer apoio, vá pôr o guizo ao gato!
Vai ser ainda mais complicado mas o certo é que fiquei estafado...

Nuno

 

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