Organizar a resistência
A ressaca da mobilização verificada com a campanha do referendo sobre o aborto pode trazer um fenómeno já conhecido nestas situações de derrota. É um efeito que podemos caracterizar como de esvaziamento, com a desertificação do campo que se tinha organizado em torno desse tema e a consequente dispersão e desânimo dos núcleos e pessoas que para esse combate se tinham congregado.
Sendo conhecido o fenómeno, pode ser evitado. Resta ver se haverá gente e ânimo para obstar com êxito a essa tendência.
Um dado da experiência parece certo: são indispensáveis bandeiras, temas de mobilização que ofereçam causas e tarefas capazes de manter o nível da mobilização.
O problema é que provavelmente essas causas mobilizadoras não existem feitas, como no pronto-a-vestir.
Subsistem apenas questões parcelares, localizadas, que cada sector atingido sente como afronta particular mas que não tem sido possível federar de modo a dar-lhe a expressão de um descontentamento generalizado.
Na ausência, por incapacidade ou por vontade, da oposição partidária organizada, falta o cimento político para todos esses núcleos de revolta.
Assistimos assim às manifestações contra o encerramento de centros de saúde e urgências, anunciam-se já os protestos contra a concentração dos meios policiais, ouvem-se queixas de militares, de professores, de magistrados, de médicos ou de doentes – sem que a nada disso corresponda um efectivo desgaste da equipa governamental.
O que parece é que Sócrates conseguiu realmente neutralizar a oposição político-partidária, e triunfa na estratégia de salamização da oposição social, isolando e esmagando à vez cada um dos sectores visados – e reforçando-se com a humilhação de cada um dos alvos.
É possível inverter-se o sentido de marcha dos acontecimentos?
Vem a propósito a este respeito recordar que também houve alturas em que o cavaquismo e o guterrismo pareceram solidificar-se como algo de definitivo. Precisamente antes de desabarem fragorosamente.
Claro que pode observar-se que tanto o cavaquismo como o guterrismo caíram por dentro, como aliás é tradição em Portugal caírem os governos e os regimes.
Mas será assim tão seguro que no edifício da governação socrática não haja rachas nem fissuras? Não parece que alguém o possa afirmar com segurança.
O que podemos e devemos fazer em cada momento é preparar o momento seguinte. Dar voz aos grupos sociais ameaçados, dar um sentido coerente à revolta difusa, dar expressão política ao descontentamento, integrar e organizar a dissidência.
Se deixamos que se afundem ou dissolvam à míngua de apoios todos os movimentos sociais espontâneos de contestação não podemos estranhar a consequência lógica de ficar o poder sozinho em campo, dono do jogo e sem oposição.
Nesta altura é indispensável reforçar as estruturas organizadas especificamente políticas, sem esquecer nunca que o sucesso destas depende essencialmente da qualidade da comunicação que possam estabelecer com a opinião pública. É ponto assente de há muito que tem sido nesta área, da qualidade da comunicação, que se têm verificado as maiores fragilidades das forças políticas habitualmente alinhadas à Direita. Temos que ter sempre presente o facto, e apostar, ou continuar a apostar, na criação e desenvolvimento de canais de comunicação eficazes, operacionais, eficientes. Mas ao mesmo temo não desertar do terreno propriamente político, porque se é certo que sem os mecanismos de acesso à opinião pública todos os esforços se perdem também é verdade que não vale a pena ter os meios se nada houver para comunicar.
O trabalho directamente político, a partir do real, incrementando a organização existente, tem que conjugar-se com o combate de fundo, metapolítico, o único que pode construir os alicerces do futuro, viabilizando o bom sucesso no médio e longo prazo de um movimento que, para isso, tem que existir já.
(publicado já no Alameda Digital)
Sendo conhecido o fenómeno, pode ser evitado. Resta ver se haverá gente e ânimo para obstar com êxito a essa tendência.
Um dado da experiência parece certo: são indispensáveis bandeiras, temas de mobilização que ofereçam causas e tarefas capazes de manter o nível da mobilização.
O problema é que provavelmente essas causas mobilizadoras não existem feitas, como no pronto-a-vestir.
Subsistem apenas questões parcelares, localizadas, que cada sector atingido sente como afronta particular mas que não tem sido possível federar de modo a dar-lhe a expressão de um descontentamento generalizado.
Na ausência, por incapacidade ou por vontade, da oposição partidária organizada, falta o cimento político para todos esses núcleos de revolta.
Assistimos assim às manifestações contra o encerramento de centros de saúde e urgências, anunciam-se já os protestos contra a concentração dos meios policiais, ouvem-se queixas de militares, de professores, de magistrados, de médicos ou de doentes – sem que a nada disso corresponda um efectivo desgaste da equipa governamental.
O que parece é que Sócrates conseguiu realmente neutralizar a oposição político-partidária, e triunfa na estratégia de salamização da oposição social, isolando e esmagando à vez cada um dos sectores visados – e reforçando-se com a humilhação de cada um dos alvos.
É possível inverter-se o sentido de marcha dos acontecimentos?
Vem a propósito a este respeito recordar que também houve alturas em que o cavaquismo e o guterrismo pareceram solidificar-se como algo de definitivo. Precisamente antes de desabarem fragorosamente.
Claro que pode observar-se que tanto o cavaquismo como o guterrismo caíram por dentro, como aliás é tradição em Portugal caírem os governos e os regimes.
Mas será assim tão seguro que no edifício da governação socrática não haja rachas nem fissuras? Não parece que alguém o possa afirmar com segurança.
O que podemos e devemos fazer em cada momento é preparar o momento seguinte. Dar voz aos grupos sociais ameaçados, dar um sentido coerente à revolta difusa, dar expressão política ao descontentamento, integrar e organizar a dissidência.
Se deixamos que se afundem ou dissolvam à míngua de apoios todos os movimentos sociais espontâneos de contestação não podemos estranhar a consequência lógica de ficar o poder sozinho em campo, dono do jogo e sem oposição.
Nesta altura é indispensável reforçar as estruturas organizadas especificamente políticas, sem esquecer nunca que o sucesso destas depende essencialmente da qualidade da comunicação que possam estabelecer com a opinião pública. É ponto assente de há muito que tem sido nesta área, da qualidade da comunicação, que se têm verificado as maiores fragilidades das forças políticas habitualmente alinhadas à Direita. Temos que ter sempre presente o facto, e apostar, ou continuar a apostar, na criação e desenvolvimento de canais de comunicação eficazes, operacionais, eficientes. Mas ao mesmo temo não desertar do terreno propriamente político, porque se é certo que sem os mecanismos de acesso à opinião pública todos os esforços se perdem também é verdade que não vale a pena ter os meios se nada houver para comunicar.
O trabalho directamente político, a partir do real, incrementando a organização existente, tem que conjugar-se com o combate de fundo, metapolítico, o único que pode construir os alicerces do futuro, viabilizando o bom sucesso no médio e longo prazo de um movimento que, para isso, tem que existir já.
(publicado já no Alameda Digital)
5 Comments:
O que é necessário é encontrar o denominador comum de todo o descontentamento e uma ideia que una toda a nossa gente.
A questão é bastante complexa.
Tenho para mim que, se a alma portuguesa ainda existe, a Direita acabará por aparecer num movimento popular como tantas vezes já aconteceu na nossa História.
Todavia, é muito difícil e, presentemente, há imensos meios de propaganda e massificação. A sociedade - que está cada vez mais descontente - está dormente, anestesiada. Luta, com tremenda dificuldade, pela resolução dos seus problemas do dia-a-dia porque tem que sobreviver, mas não reage para além disso.
O regime instaurado com a abrilada tratou de impedir, por todos os meios e depressa, que se verificasse uma reacção. Não foi em vão que destruiram tudo o que eram forças militares e militarizadas.
Politicamente, ou seja, com bons modos, não me parece que se possa dar uma volta a este texto que já nos pôs no fundo e de onde é quase impensáver saír - nem com uma obra de engenharia do calibre do levantamento do Wasa...
Nuno
O meu acordo e a minha cooperação !
Mas, é fundamental, é indispensável determinar os conceitos básicos em que alicerçar o "movimento nacionalista" !
Façamos evidentes as distinções entre "nação" e "pátria", entre "povo" e "população" !
Sejamos conscientes de que a Europa não é uma organização burocrática , mas sim uma expressão étnico-cultural de "nações" !
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Prometheus
http://.hesperialeuropa.blogspot.com
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Mneme
http://mnemeeuropa.blogspot.com.
António Lugano,
Sim, sim. É preciso passar das palavras à acção.
Lembro-me sempre da velha fábula dos ratos que discutiam como resolver o problema e concluiram que era preciso que o gato tivesse um guizo. Sempre calado, um deles, depois de um silêncio, perguntou: "pois, e quem é que vai pôr o guizo ao gato?"
Nuno
Temos que arranjar maneira de contactarmos uns com os outros para se prever uma data tentativa em que nos reunamos para definir quais os problemas da Nação e marcar nova reunião para estudar a estratégia a seguir que nos leve a uma assembleia onde se discutam os meios de colmatar as inúmeras deficiências porque Portugal está a passar e então promover outra ou várias reuniões onde se tentará levantar o interesse de descortinar soluções ... blá... blá ... blá... até que surja um valente que, se calhar sem qualquer apoio, vá pôr o guizo ao gato!
Vai ser ainda mais complicado mas o certo é que fiquei estafado...
Nuno
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