segunda-feira, março 19, 2007

Sobre o "direito de não ser pai"

O artigo de João Folque na Revista da Ordem dos Advogados a que fiz referência anteriormente. Haverá um direito do homem a recusar a paternidade não desejada, correspondente ao direito da mulher a evitar, por aborto, a maternidade que não deseja?

"E Agora? Ficamos Por Aqui?"

Julgo que poucos terão dúvidas que o último referendo teve subjacente uma vontade legítima de tentar dar resposta a problemas muito sérios e reais da nossa sociedade, sendo certo, também, que da solução encontrada emergem novas questões de difícil resolução. Para melhor se perceber o que se quer demonstrar, nada melhor do que recorrer a uma situação ficcionada:
- António diz-se vítima da obsessão de uma amiga que, aproveitando-se do seu estado de embriaguez decorrente de uma festa em que ambos estavam, o induziu a com ela manter relações sexuais;
- Sendo certo que, caso não estivesse nesse estado nunca teria tido relações com a dita amiga, a qual, segundo me afirma, sempre teve por ele uma enorme obcecação tendo sido sempre rejeitada;
- Dessa situação resultou uma gravidez e o nascimento de uma criança;
- O António só em estado muito avançado da gravidez é que dela teve conhecimento;
- Nunca aceitou que a criança fosse sua filha, ainda que biologicamente assim viesse a ser decretado, o que veio a suceder após o decurso de uma acção de investigação da paternidade;
- A verdade é que sempre se sentiu traído e vítima de uma manobra pouco leal e transparente perpetrada pela mãe da criança; sempre aceitou que a filha não tinha qualquer culpa pela situação, não sendo essa razão, no entanto, suficiente para o levar a agir como Pai e, consequentemente, a aceitar o vínculo da paternidade, apesar de existir uma sentença judicial que o obrigue formalmente a tal;
- Não quer ser pai, nunca desejou tal condição, nem sente essa criança como sua filha.
E agora?
Será que perante o resultado deste último referendo, pode este cidadão (homem), vir a exigir, à sombra do princípio constitucional da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, que a lei não o obrigue a ser pai?
Dito de outra forma: podendo a mãe, por sua exclusiva vontade e por razões da sua estrita conveniência desejar, nas condições da lei, não ser mãe, não poderá o pai reivindicar um direito similar, com a vantagem, em caso de colisão de direitos, de não existir necessidade, sequer, de se fazer terminar com o processo biológico que, caso a natureza não seja contrariada, terminará no nascimento de um ser humano? Não deverá o Estado ter de respeitar esta sua decisão, substituindo-o naquilo que seriam os seus deveres, nomeadamente, o de alimentos, quanto à menor?
A questão que agora me suscita algumas dúvidas é, pois, a da (in)constitucionalidade de todas as normas que impõem a um pai que o seja, isto face ao dito princípio constitucional da igualdade de tratamento entre mulheres e homens e a possibilidade que agora é aberta à mulher pelo resultado do referendo de, por sua exclusiva vontade e atendendo, tão só, a razões de sua conveniência (as quais nem necessitará de explicitar), não querer ser mãe. O pai não terá um direito similar?
Será que o António não poderá ter alguma razão quando reivindica o direito, malgré o odioso que a situação sempre suscita nas consciências dos outros, de não querer ser pai, de nunca ter sido tido nem achado na questão da interrupção, ou não, da gravidez, de só ter contribuído de forma totalmente inconsciente para que a filha nascesse, não se sentindo pai, nem o querendo ser.
As mães, agora, vão passar a ter o direito de dispor, sem constrangimentos de espécie alguma, sobre o fruto de uma relação sexual, e o pai não tem, no que a isso diz respeito, direito rigorosamente a nada? Só lhe cabe o dever de arcar com as consequências e responsabilidades do seu acto?
Qual a razão que leva as mulheres a abortar?
Não é uma questão de (in)conveniência (seja ela qual for, ninguém terá nada com isso), de direito a entenderem, pelas razões que só a si dizem respeito, que não querem aquele filho? O que é que isto verdadeiramente tem a ver com o facto de a natureza ter escolhido a mulher para ser nela que se desenvolva e dê o milagre do nascimento, ainda por cima agora que o Homem, em Portugal, decidiu que lhe é possível interferir e fazer terminar esse processo? O homem tem de aceitar e resignar-se com aquilo que a natureza lhe impõe, ao invés da mulher que a pode contrariar?
É tudo isto mera tolice ou poderá ser esta “provocação” entendida como singelo contributo destinado a mexer as águas e tentar dar ainda mais expressão ao princípio da igualdade entre homens e mulheres, seja através do redesenhar do conteúdo dos direitos emergentes desse princípio, seja através do reequacionar de toda a problemática subjacente a estas questões, obrigando o Estado, de uma forma ou de outra, a comportar-se como tal e a não se demitir, nunca, das suas responsabilidades sociais?
Será que estamos a abrir a caixa de Pandora?
Ou, ao invés, teremos a serenidade e lucidez suficientes para, através de uma justa e adequada ponderação de tudo o que está em causa darmos expressão a um quadro valorativo que defenda, acima de tudo, o Homem em todas as suas dimensões?


João Folque (Advogado)

6 Comments:

At 5:47 da manhã, Anonymous Anónimo said...

É, sem dúvida, uma questão de grande relêvo, quanto mais não seja porque há imensos "Antónios".
A primeira conclusão, básica, é que não se pode apanhar uma bebedeira se houver fêmeas por perto.
Outra, será a que os "Antónios" com os copos têm de ter a lucidez mínima para garantir a presença de amigos ou alguém que testemunhe que quem fez o filho não foram eles e sim elas. Francamente, não sei se se pode considerar a fígura de que um homem é violado - mas a verdade é que há imensos homens "violados".
O espaço é necessariamente curto mas há ainda, pelo menos, um outro aspecto: o homem teve um acto sexual "consentido" e depois quer o filho que, eventualmente, resulte.
Então a parceira tem o direito de matar o filho "sem mais aquelas"?

Nuno

 
At 9:11 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Se é com esta malta, completamente desligada dos problemas sérios, que se vai lutar, bem podemos tirar o cavalinho da chuva...
É espantoso o desinteresse. Sinceramente, tenho vergonha quando falo do povo português e, em especial, das suas elites.

 
At 7:28 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Quem escreveu o último comentário fui eu e fico espantado com o desinteresse dos visitantes que aqui aparecem.

Nuno

 
At 3:15 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Pois eu acho que não é tanto o desinteresse de quem passa por aqui é mais a falta de divulgação deste blogue, é a falta de procura de quem está nesta situação, que "empurrado" pela pressão da sociedade deixa de se questionar, se é justo ser obrigado a padecer de tal condição (a de ser pai de uma criança indesejada que fica à partida privada de uma vida normal), se é justo a decisão de por uma vida no mundo ser unilateral - O homem nao vale nada, nao tem voto na matéria, é um dador que só tem deveres, é um escravo da reprodução não desejada.
O exemplo do caso do Antonio é extremo... Imaginemos que uma gravidez de um casal de simples namorados, tenha sido resultado de um acidente ou pseudo-acidente, quando os contraceptivos deixaram de funcionar (intencionalmente ou não), porque é que a decisão de por uma criança (potencialmente infeliz) nesta selva é exclusiva da mãe?
E se, como o nuno diz, o pai quer ter a criança, nao o querendo a mâe? Nesses casos o que tem a "sociedade julgadora" a dizer do direito à igualdade dos sexos? O que têm as associações feministas a dizer?
Porque é que o Estado legisla no sentido de promover a protecção da vida e o incentivo pela reprodução mas depois se demite da responsabilidade da sustentação dessa legislação atribuindo esse encargo ao "Dador" do espermatozóide que foi sempre, desde conhecido o "acidente", contra a irresponsabilidade de colocar uma criança indesejada ao mundo?
Não seria possível "policiar" toda a gravidez mas porque não criar um instrumento legal que possibilitasse igualar os direitos dos sexos? Como por exemplo uma providência cautelar... Se uma mulher pode impedir, legalmente e moralmente aceitável, por conveniência, de colocar uma vida neste mundo, porque não pode um homem impedir que uma mulher egoísta, desiquelibrada, destroçada ponha mais uma vida infeliz no mundo?
Não seria uma forma de garantir, até certo ponto, a diminuição de crianças orfãs indesejadas? Até podia levar a que mulheres, "desejosamente loucas" por serem mâes, se tornassem mais adoptivas (e ha tanta criança necessitada e carente em tantas instituições) do que golpistas...

csg: Um indignado que pensa pragmaticamente

 
At 7:54 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Seja por embriaguez, seja por violação, seja porque o preservativo rompeu, porque há um acidente, etc., poder-se-ia elaborar uma panóplia de causas que dariam origem a uma paternidade indesejada.
A partir do momento em que um espermatozóide de um "António" fecunda um óvulo de uma portadora que quer levar para diante o seu "projecto individual" contra a vontade do “António”, geram-se imediatamente problemas a dois envolvidos que não pediram tal fardo, ao qual estão adjacentes papéis e respectivas responsabilidades: ao pai e à criança. A vida de um “António” torna-se imediatamente afectada. E porquê? Porque, em primeiro lugar, o "natural" é que um "António" tenha de assumir a paternidade mesmo contrariado, nem que prejudique a sua própria vida, nem que prejudique a vida da própria criança. O Estado, a Escola, os Media, a Igreja, esperam que os cidadãos e cidadãs mantenham intacta a instituição "Família", e assumir a paternidade enquanto aparência é, pelo menos, o mínimo requerido. Se a criança carece de acompanhamento paternal (educação, afecto, apoio monetário), então essa é uma conjuntura de problemas a juntar às milhares que nos rodeiam, e que acabam por afectar os/as implicados/as, nomeadamente pais e filhos que não encomendaram tais papéis. Existem também aqueles casos em que os/as implicados/as arrastam-se numa vida de remorso por assumirem compromissos de paternidade contra a sua vontade, por assumirem sacrifícios e por colocarem de parte os seus projectos pessoais e a sua individualidade em torno de imposições externas. Se as frustrações pessoais destes pais se fizerem sentir de forma violenta sobre as mulheres, sobre os/as progenitores/as ou mesmo sobre eles próprios, então poder-se-á mais uma vez elaborar um outro quadro de estatísticas que englobem milhares de “Antónios” que descontam a frustração disfarçada em outrem, ou em si próprios, devido à paternidade imposta.
Em segundo lugar, existe a opção de o “António” simplesmente não assumir a paternidade. Esta tomada de posição não é menos constrangedora e punitiva para o “António”. Ao não assumir a paternidade, terá então a inevitabilidade de ter "dedos de censura apontados”, quer por parte das famílias dos progenitores, quer por parte dos amigos dos progenitores, e de ser inquirido: “porque é que não queres ser pai?!”. Os “Antónios” têm de justificar porque não querem ser pais, mas os maus pais e más mães das famílias tradicionais não têm de justificar porque tomaram a decisão de procriarem. A instituição “Família” protege os maus pais e más mães porque, afinal, ser um bom/boa cidadão/cidadã passa por constituir família. Se o António sair deste trilho pré-estabelecido significa que recusa reproduzir os modelos pré-estabelecidos, legítimos por serem defendidos pelo Estado, pela Igreja, pelos Media e por serem reproduzidos por maiorias. Às minorias, das quais o “António” faz parte, aponta-se o dedo incriminatório. A juntar a esta opressão em rede, o “António” terá também o bónus de saber que a criança, em relação à qual é o pai biológico, notará certamente pela sua falta e carecerá do seu acompanhamento. O “António” assume a sua individualidade e prossegue com os seus projectos pessoais, mas trespassam-lhe sentimentos como a angústia, remorso, por sentir na pele o sofrimento de alguém que não pediu para nascer. (continua...)

 
At 7:54 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Se ao “António” se censura, se com ele se cortam relações, o mesmo não acontece com a progenitora, aquela que levou para diante o seu “projecto individual”. A esta, os pares, a família, os amigos tecerão elogios laudatórios por ter tido a “coragem de assumir a criança sozinha”. Esta vestirá o fato de heroína de uma fábula trágica em que a criança será o elemento socorrido, ajudado; ela cumpre com um papel que queria desde o tempo em que brincava com os bebes “Nenuco”. Cumpre com o papel de ser mãe tal como fez a sua mãe; tal como fazem as amigas; tal como fazem as mulheres com determinada idade nas telenovelas, dos filmes e das séries televisivas. E essas justificações são suficientes porque, afinal, o que se espera é que ela seja mãe. E ser mãe, ou pai carece de justificação. Mas ser pai cumpridor dos papéis respectivos por obrigação, ou ser pai ausente é pungente, para o pai e para a criança.
Enquanto mais um “António”, eu exijo que o Estado reconheça o meu direito de não ser pai e me conceda, a mim e a outros “Antónios”, mecanismos legais para que eu obtenha direitos iguais em relação às mulheres, que são os direitos de reprodução e sobre a propriedade do meu esperma. Se a mulher pode determinar como, quando e com quem quer procriar, eu também exijo o mesmo direito. - RPF

 

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