Casos práticos
A questão não tem interesse apenas teórico, como é bom de ver - especialmente para quem esteja acusado pela pluralidade.
O Código Penal vigente até há poucos dias dispunha no seu art. 30º o seguinte:
1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Por conseguinte, o tal violador que violara por três vezes a mesma vítima ou o violador que tivesse violado uma vez cada uma de três vítimas diferentes eram de igual forma condenados como autores de três crimes de violação, em concurso real (como consta da regra geral contida no n.º 1 do artigo em análise).
Entretanto, surgiu a Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro, que deu nova redacção ao mesmo artigo. Agora é assim:
1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
3 – O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima.
Como se verifica, foi aditado um n.º 3 que antes não existia. A redacção desse número 3 começa por consagrar o entendimento geral quanto à inaplicabilidade da figura do crime continuado, prevista no n.º 2, aos crimes que lesem bens eminentemente pessoais. Porém, estranhamente, a essa parte que pouco acrescenta ao regime anterior, porque corresponde à interpretação e aplicação já seguidas, veio juntar uma vírgula e uma excepção que, essas sim, constituem novidade: "salvo tratando-se da mesma vítima". Portanto, quem seja eventualmente condenado por ter abusado sexualmente da mesma criança 30 ou 40 vezes pode alimentar a legítima expectativa de vir a ser condenado como autor de um único crime na forma continuada... Safa, sempre é melhor do que ser condenado como autor de 30 ou 40 crimes em concurso real!
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