segunda-feira, setembro 10, 2007

Enganos

Todos os anos antes do Natal há reportagens junto dos comerciantes, que a uma só voz se lamentam invariavelmente de estar a viver o pior Natal de sempre. As televisões podiam poupar trabalho recorrendo às imagens dos anos anteriores, e ninguém notava a marosca. É assim, e não são só os comerciantes. Em Portugal a regra é o lamento. Lamentam-se todos, e frequentemente os que menos se lamentam são os que mais razões têm. Ao geral nem vale a pena perguntar como está, as respostas oscilam entre o desânimo e a revolta. Tudo está mal, e a caminho do pior.
Mesmo aos que estão bem um medo atávico impede-os de o confessar - é despertar o mal da inveja.
Falando cruamente, as mais das vezes esta lamúria ritual não significa mais do que a aplicação prática do ensinamento imemorial que diz que quem não chora não mama. Então chora-se, puxa-se a lagriminha para o canto do olho, ainda que a custo.
O mais curioso é que com isto se engana muita gente que devia ter por norma mais frieza na análise. Não estou a pensar nos sociólogos, que nesta matéria são menos expostos a conclusões interessadas, mas em activistas políticos diversos. São os que definem a sua intervenção toda em função do mercado do descontentamento, que acreditam de repente (embora por vezes repetidamente) ser uma espécie de eldorado. Bem se esfalfam a bater na tecla da indignação e da revolta, e depois nada. Aos seus brados de basta já só responde a indiferença dos destinatários teoricamente esmagados pelo insuportável.
Resultado, e aqui ingressamos em pleno observatório político, os partidos e movimentos protestatários são cada vez mais confinados às margens do sistema político, e à margem da vida política. A clientela é pouca, porque nem o descontentamente é algo por aí além nem os portugueses estão tão mal assim.
Com efeito, os portugueses até não parecem nada mal. Vão indo, entre o Colombo e o IKEA.
Portugal é que talvez esteja a apagar-se, mas isso interessa a poucos.