quarta-feira, setembro 05, 2007

Incomodidades

O tempo, o que a uns traz a outros leva.
Aqui no meu canto, olhando melancolicamente o fluir da vida, reconheço muitas vezes noutros o rosto familiar de ilusões e desilusões que já tive. Por pudor e por cansaço, e também pela inutilidade do gesto, abstenho-me de intervir. As pessoas fazem tudo para ter razão, mesmo que daí nenhum outro bem lhes possa resultar. E só aceitam que não a têm quando o descobrem eles mesmos.
A vida, a uns dá em abundância o que a outros nega de todo.
Mistérios da contabilidade suprema, fatalidades da existência terrena, não se explicam nem se entendem. Podemos aceitar, viver com resignação, poupando-nos a sobressaltos angustiosos e vãos?
Segundo esclarece Desmond Morris num livrinho que somou à sua enorme e variada bibliografia e que encontrei agora nas livrarias, sobre "A essência da felicidade", qualquer estado permanente de felicidade é ilusório e a felicidade genuína é preciosa e fugaz.
Estamos, portanto, no domínio do transitório, senão mesmo do efémero. Por mim, estou em acatar o sábio britânico e não me maçar mais com semelhantes futilidades.
Não fora o caso de ele, não sei se a provocar-nos ou a caçoar de nós, dizer depois que vive feliz, lá na vida e na terra dele. Um cínico.

2 Comments:

At 7:39 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Vinicius de Moraes diz isso tão bem: "Tristeza não tem fim, felicidade sim. A felicidade é como a pluma que o vento vai levando...". Enfim, é a condição humana.

 
At 3:34 da manhã, Anonymous Anónimo said...

"... a felicidade genuína é preciosa e fugaz."
É possível que Desmond Morris seja um cínico, como lhe chama. Também é possível que não. Ele poderá ser tudo que se lhe quiser chamar, mas não será de certeza um crente.

Mas não é justamente pelo facto da felicidade ser preciosa e fugaz - e porque foi deste modo que Deus a predestinou - que ela é assim designada e por nós tão desejada? Dito doutro modo, pelo facto de não nos ser consentido viver em permanente felicidade (para quem é crente tal não é possível após o pecado original, para quem o não é e porque estes não encontram um motivo lógico, plausível e satisfatório para o acontecimento, vivem em permanente estado de revolta que só a genuinidade da alma (de que carecem) pode aquietar, levando uma vida inteira na incessante e inglória procura da felicidade fora da Fé, quando esta é afinal a única força capaz de a proporcionar - e porque são pobres de espírito, ingénua e egoìsticamente julgam-na fàcilmente alcansável por outros meios que não o único possível - mas não sem umas mal disfarçadas impotência e genuína angústia, sendo estas paradoxalmente as causas principais da sua revolta interior ou infelicidade, que mais não é do que o resultado da ausência de uma Fé verdadeira - mas que eles próprios, por princípios ideológicos ou outros, não reconhecem nem aceitam, antes desmentem-lhe categòricamente a existência, mas com a qual não obstante, levam inconscientemente uma vida inteira a debater-se cheios de dúvidas (não é verdade que cientistas, intelectuais de renome e até escritores laureados já desaparecidos, todos descrentes de toda uma vida, confessaram humildemente nos seus momentos finais terrenos que "a Fé estorva mas faz falta", ou que "o homem precisa de Deus" ou que "a Fé dá muito trabalho durante a vida mas é uma preciosa ajuda quando estamos às portas da morte"?) mas com resultados nulos porque carecem de 'una alma límpia' e vivem em permanente estado de revolta interior contra tudo e contra todos - não esquecendo ainda aqueles que tentam obter para si e para os povos que lhes estão sujeitos através de promessas mirabolantes a troco das suas almas puras, pequenas felicidades transitórias e portanto ilusórias, que mais não são do que curtos interregnos de uma 'felicidade vendida a pataco', que acarretarão posteriores angústias terríveis, dramas inenarráveis e profundas dores espirituais e físicas a esses mesmos povos, mas porque não possuem alma (algo indefinível, essa parte imaterial do ser humano que efectivamente existe e que quando é verdadeiramente pura nos consegue transmitir através da Fé de que está impregnada, por mais adversidades por que passemos, períodos de felicidade espiritual sublime, a única aliás importante nesta nossa brevíssima passagem terrena) nunca conseguirão lobrigar.

Extrapolando, quando nos impedem de colectivamente 'vivermos a felicidade genuína' isto é, de vivermos em paz e sossego e a felicidade colectiva está intrìnsecamente ligada à felicidade individual ainda que o não pareça (e o 'estado permanente de felicidade' não sendo de todo ilusório tem, como num gráfico, altos e baixos e não é constante, o que torna impossível ser-se feliz em permanência e é assim para que justamente o ser humano reconheça claramente a distinção entre os dois estados de alma e dê a cada um o valor (negativo ou positivo) correspondente, atribuindo ao estado de felicidade genuína, preciosa e fugaz e justamente porque o é, a imediata perceptibilidade), ou se desiste da vida ou tenta-se viver isoladamente o melhor que se pode, isto é, tenta-se contruir uma espécie de casulo dentro do qual se consegue viver uma felicidade relativa mas genuína, aquela que o próprio deliberadamente escolheu mas também a única a que na sua perpectiva tem acesso e que até pode ser preciosa e não fugaz porque justamente a vive à sua maneira. E há uma infinidade de personalidades conhecidas e haverá muitas mais desconhecidas, que fizeram esta opção de vida e nada há a dizer, encontraram a 'sua' felicidade e muito bem, não venderam a alma ao diabo nem se martirizaram, afastaram-se simplesmente. Pelo contrário e apesar de comungarem (ou não) da Fé verdadeira, aqueles cujas almas forem demasiado sensíveis, se não encontrarem nesta vida uma felicidade genuína ainda que transitória, se não desistirem de vider, simplesmente enlouquecem. Para que possamos sentir uma felicidade genuína, preciosa ainda que fugaz, é imprescindível sermos possuidores de uma Fé inabalável e de uma alma pura, pois só com elas nos é possível suportar o peso da Cruz que nos foi (indiferentemente) predestinada ou imposta e deste modo A sobrelevar.


Pela parte que me toca, muitos parabéns pelo seu regresso. Desculpe que lhe diga mas já não era sem tempo. Este meu desabafo também não é nada de mais, já lho transmiti por diversas vezes, como recordará.
Maria

 

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