Prodígios legislativos
Mais uma achega para a compreensão da recente reforma legislativa em matéria penal e processual penal: na regulamentação dos prazos de duração da prisão preventiva estatuiu-se também relativamente a crimes que não existem... porque as normas que os previam foram revogadas há quatro anos. Cada um dos intervenientes no complicado processo legislativo estava concentrado nas suas próprias preocupações, e ninguém reparou nesses pormenores técnicos.
O modo de produção destas alterações legislativas, que se traduziu num longo processo negocial em que as diversas forças intervenientes se esforçaram por consagrar cada uma as suas próprias pretensões, introduzidas de forma avulsa, só poderia resultar nisto: um conjunto de alterações sem qualquer orientação de fundo a ligá-las, retalhos variados onde não se descortina coerência interna ou qualquer lógica sistemática ou a menor preocupação de ordem técnica. É a parlamentarização do processo legislativo no pior sentido dos termos: nós cedemos aqui se vós cederdes acolá, muda-se isto se concordarem em mudar aquilo... e vá de tesourada no edifício normativo. No fundo, o que saiu como reformas foi apenas um naipe de alterações a pedido (por vezes traduzindo impulsos contraditórios) a que nem sequer foi assegurada a cobertura técnica que disfarçasse as fragilidades do método.
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