Educação e ensino, educar e instruir
(artigo para o semanário regionalista "O Almonda", de Torres Novas)
A primeira função da escola é instruir ou educar? As crianças vão à escola para aí serem educadas? É isso que os pais esperam em primeiro lugar? Quem se encarrega então de as instruir? Como se explica que o fracasso escolar tenha a sua origem na escola primária? Quais são as consequências para o futuro, até aos níveis mais elevados do ensino superior?
Estas interrogações tomei-as de Laurent Lafforgue, das suas reflexões sobre as “finalidades da escola”. Lafforgue é um autor que em França tem procurado agitar as águas do debate sobre as fragilidades constantemente apontadas ao sistema de ensino instituído.
Significativamente, Laurent Lafforgue é professor de Matemática; e não menos significativamente uma das preocupações dominantes da sua intervenção cívica tem sido centrada na relevância do ensino da língua materna.
Como se compreende, o meu interesse por Laurent Lafforgue relaciona-se com as evidentes afinidades entre os casos português e francês, onde as preocupações e os termos do debate não são muito diferentes dos nossos.
Também por lá a sociedade se queixa que o sistema educativo está notoriamente degradado, e que fornece sistematicamente à vida social pessoas que não sabem ler, nem escrever, nem contar, nem falar, nem escutar, nem lavar-se, nem respeitar um horário, nem admitir um conselho – ou que conjugam todos ou alguns desses predicados.
Também por lá se verifica que a coincidir com a crise da escola existe a crise das famílias, onde os progenitores se demitiram do seu papel tradicional e comodamente se instalaram na sugestão ideológica de que à escola compete fazer o que só eles podem fazer.
Insurgindo-se contra as ideias instaladas no próprio aparelho educativo surgiu entre nós o livro de Nuno Crato “O eduquês em discurso directo – Uma crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista”, como tinham aparecido há anos o “Filhos de Rousseau”, de Maria Filomena Mónica, e o “Manifesto para a Educação da República” (2002), onde saliento a assinatura de António Barreto.
Todas estas intervenções se situam num plano em que a política de ensino surge questionada pela crítica dos seus métodos e das concepções ideológicas que lhe estão subjacentes. São obras vinda de dentro, de quem está obrigado a viver no sistema, que reflectem sobre os métodos e os resultados com base em experiências concretas e pessoais.
Olhando para o panorama de hoje, parece-me importante constatar o silêncio e a indiferença em que caíram as questões apontadas; não porque tenham sido ultrapassadas (todos concordam que elas se mantêm, e são prementes) mas porque, receio bem, se passou de uma fase em que todos se interrogavam e ninguém sabia para uma fase em que todos sabem mas ninguém quer saber.
Contra o que seria razoavelmente de supor, continuamos a deparar a cada passo com posições teóricas solidamente implantadas em que o “desenvolvimento de competências” ou a “motivação dos alunos” substituem por inteiro a aquisição de conhecimentos, a prossecução de objectivos, a superação de metas, a assimilação de conteúdos.
A nebulosa ideológica que se instalou e oficializou entre nós, desde há décadas, traduziu-se numa pedagogia do laxismo e da irresponsabilidade, expressa no “aprender a aprender”, no “ensino centrado no aluno”, na “aprendizagem em contexto”, na “aquisição de competências”, na “educação intercultural”, em abundante tralha discursiva a encobrir o vazio – sempre acompanhada de sistemática despreocupação e desvalorização quanto à transmissão de conhecimentos.
Estamos bem longe da aceitação simples de que a escola seja um lugar para ensinar e aprender.
Para alguns, preocupação principal da escola em relação aos seus alunos continua a ser “valorizar os seus saberes particulares”. Um pimpolho conheci eu em Torres Novas que desde bem cedinho demonstrava um notável talento para abrir e pôr a andar qualquer viatura que encontrasse. Também ia à escola, quando assim entendia – porque não se deve impor nada às crianças, como é sabido. Na família acontecia o mesmo. Não aprendeu mais nada, e continuou a especializar-se apenas no seu ramo particular do saber. Tem passado a juventude noutro sítio, para onde o levaram mesmo contra vontade.
Manuel Azinhal
manuel.azinhal@gmail.com
A primeira função da escola é instruir ou educar? As crianças vão à escola para aí serem educadas? É isso que os pais esperam em primeiro lugar? Quem se encarrega então de as instruir? Como se explica que o fracasso escolar tenha a sua origem na escola primária? Quais são as consequências para o futuro, até aos níveis mais elevados do ensino superior?
Estas interrogações tomei-as de Laurent Lafforgue, das suas reflexões sobre as “finalidades da escola”. Lafforgue é um autor que em França tem procurado agitar as águas do debate sobre as fragilidades constantemente apontadas ao sistema de ensino instituído.
Significativamente, Laurent Lafforgue é professor de Matemática; e não menos significativamente uma das preocupações dominantes da sua intervenção cívica tem sido centrada na relevância do ensino da língua materna.
Como se compreende, o meu interesse por Laurent Lafforgue relaciona-se com as evidentes afinidades entre os casos português e francês, onde as preocupações e os termos do debate não são muito diferentes dos nossos.
Também por lá a sociedade se queixa que o sistema educativo está notoriamente degradado, e que fornece sistematicamente à vida social pessoas que não sabem ler, nem escrever, nem contar, nem falar, nem escutar, nem lavar-se, nem respeitar um horário, nem admitir um conselho – ou que conjugam todos ou alguns desses predicados.
Também por lá se verifica que a coincidir com a crise da escola existe a crise das famílias, onde os progenitores se demitiram do seu papel tradicional e comodamente se instalaram na sugestão ideológica de que à escola compete fazer o que só eles podem fazer.
Insurgindo-se contra as ideias instaladas no próprio aparelho educativo surgiu entre nós o livro de Nuno Crato “O eduquês em discurso directo – Uma crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista”, como tinham aparecido há anos o “Filhos de Rousseau”, de Maria Filomena Mónica, e o “Manifesto para a Educação da República” (2002), onde saliento a assinatura de António Barreto.
Todas estas intervenções se situam num plano em que a política de ensino surge questionada pela crítica dos seus métodos e das concepções ideológicas que lhe estão subjacentes. São obras vinda de dentro, de quem está obrigado a viver no sistema, que reflectem sobre os métodos e os resultados com base em experiências concretas e pessoais.
Olhando para o panorama de hoje, parece-me importante constatar o silêncio e a indiferença em que caíram as questões apontadas; não porque tenham sido ultrapassadas (todos concordam que elas se mantêm, e são prementes) mas porque, receio bem, se passou de uma fase em que todos se interrogavam e ninguém sabia para uma fase em que todos sabem mas ninguém quer saber.
Contra o que seria razoavelmente de supor, continuamos a deparar a cada passo com posições teóricas solidamente implantadas em que o “desenvolvimento de competências” ou a “motivação dos alunos” substituem por inteiro a aquisição de conhecimentos, a prossecução de objectivos, a superação de metas, a assimilação de conteúdos.
A nebulosa ideológica que se instalou e oficializou entre nós, desde há décadas, traduziu-se numa pedagogia do laxismo e da irresponsabilidade, expressa no “aprender a aprender”, no “ensino centrado no aluno”, na “aprendizagem em contexto”, na “aquisição de competências”, na “educação intercultural”, em abundante tralha discursiva a encobrir o vazio – sempre acompanhada de sistemática despreocupação e desvalorização quanto à transmissão de conhecimentos.
Estamos bem longe da aceitação simples de que a escola seja um lugar para ensinar e aprender.
Para alguns, preocupação principal da escola em relação aos seus alunos continua a ser “valorizar os seus saberes particulares”. Um pimpolho conheci eu em Torres Novas que desde bem cedinho demonstrava um notável talento para abrir e pôr a andar qualquer viatura que encontrasse. Também ia à escola, quando assim entendia – porque não se deve impor nada às crianças, como é sabido. Na família acontecia o mesmo. Não aprendeu mais nada, e continuou a especializar-se apenas no seu ramo particular do saber. Tem passado a juventude noutro sítio, para onde o levaram mesmo contra vontade.
Manuel Azinhal
manuel.azinhal@gmail.com
1 Comments:
Há muitos anos, na última página do Paris-Match, li um artigo d'opinião assinado por um intelectual (cujo nome infelizmente não fixei) que criticava acerbamente o francês que se falava então no seu País, sobretudo pela juventude, motivado pelo mau ensino que vinha sendo ministrado nas escolas desde há anos, dando origem ao modo absolutamente aviltante como o francês médio falava a sua própria língua, sem que pelo facto os alunos, por exemplo, fossem punidos pelos professores e antes pelo contrário fossem deixados completamente à vontade para fazer dela (língua) o que bem entendessem, isto é, quanto pior a falassem e escrevessem tanto melhor, mas o mesmo igualmente se passava com o francês escrito nos jornais e revistas e até de como ele era falado na televisão. Dizia ele que se as coisas continuassem naquele ritmo e por aquele caminho não saberia onde iria parar a bela língua de Molière. Bem, isto foi há cerca de 20 anos. Se ele estivesse a viver agora em Portugal, falasse português e escutasse o mesmo tipo de pessoas pertencentes às mesmas classes sociais que ele criticara então no seu País, por comparação daria bençãos a Deus, apesar de tudo, por as coisas se terem passado bem melhor no seu País naquela altura (e possìvelmente agora) do que presentemente por estas bandas...
Parabéns pelo seu artigo.
Maria
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