Ignorância e preconceito de mãos dadas
(um artigo de João Mattos e Silva)
A ignorância e o preconceito andam de mãos dadas e entrelaçadas, numa história de amor comovedora, sempre que se fala de monarquia. Dois exemplos recentes chegam para aferir esta afirmação.
Numa entrevista dada em Outubro último, uma conhecida jornalista – que habitualmente discorre ex catedra sobre todos os temas e sobretudo os que considera «progressistas» – a propósito do golpe de estado republicano, acusou a monarquia de ser, em 1910, absolutista e de haver falta de liberdade, entre outras coisas igualmente risíveis, como ter o novo regime dado mais direitos aos cidadãos e ter o novo regime implantado a democracia. Além de desconhecer que em 1910 a monarquia era constitucional, que havia partidos políticos, que havia um Parlamento eleito, que existia um partido republicano, que os republicanos faziam comícios, tinham jornais republicanos, deputados republicanos, em total liberdade e representavam apenas 10% do eleitorado, desconhece que a lei eleitoral publicada pela república em 14 de Maio de 1911 conferia o direito de voto apenas aos maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever ou fossem chefes de família há mais de um ano (em 1913 os chefes de família analfabetos perderam esse direito), excluindo os analfabetos, as mulheres e os militares no activo. Curiosamente, foi em 1931, na ditadura, que as mulheres, mesmo com limitações, puderam ser eleitoras. Como parece desconhecer que em 1910 havia 850 mil eleitores recenseados e em 1913, apenas 400 mil.
No seu romance «Rio das Flores», o jornalista Miguel Sousa Tavares, situa o início da história no primeiro quartel do século XX e desenvolve o retrato de um personagem, o primeiro de três gerações que a atravessam, grande proprietário no Alentejo, monárquico convicto e homem que, frontalmente, critica a república nascente. Caracterizando o novo regime diz o autor: «O poder autocrático e distante dos últimos anos da Monarquia fora substituído por um poder dissoluto, deliquescente, que parecia sem rumo. A aristocracia caduca e inculta dera lugar a uma pequena-burguesia ávida de acreditação social e de importância pública». E mais adiante, diz sobre outro personagem, que fora tratado por «morgado»: «Diogo atrapalhou-se: não gostava de ser tratado por morgado, esse título que se referia ao iníquo sistema sucessório em que o filho varão mais velho herdava tudo...A República pusera fim legal aos morgadios…» Miguel Sousa Tavares, além de jornalista é licenciado em Direito e tem obrigação de saber História. E é filho de um monárquico ilustre e ilustrado que defendeu a monarquia constitucional contra a maré dos que, durante o Estado Novo, a denegriram, defendendo esse regime de liberdade contra os monárquicos anti-liberais e os apoiantes do autoritarismo republicano. Tem, por isso, a obrigação de saber que o poder nos últimos anos da monarquia não era autocrático, regulava-se por uma Carta Constitucional, liberal, que definia e limitava os poderes dos órgãos do Estado. E que entre a aristocracia, que não era só constituída por burgueses endinheirados, alguns realmente incultos, que foram nobilitados por razões políticas, como muitos outros têm sido feitos comendadores da república, a maioria era culta e havia pessoas de enormíssima craveira intelectual e cultural, de que são meros exemplos Bernardo Pinheiro de Melo, Conde de Arnoso, António Maria Vasco de Melo César e Meneses, Conde de Sabugosa, que pertenceram aos «Vencidos da Vida», António Macedo Papança, Conde de Monsaraz, importante poeta, António Sebastião de Carvalho, Visconde de Chanceleiros, grande político, tribuno e agricultor ou D. Tomaz de Mello Breyner, Conde de Mafra, distintíssimo médico. Sem esquecer o próprio Rei D. Carlos, pintor de valor reconhecido e oceanógrafo notável, E que não foi a república que extinguiu os morgadios, mas a Monarquia Liberal, em 1863.
Entre preconceitos, má fé e ignorância se quer construir a História, se pretende influenciar a opinião pública e se faz a apologia de um regime. Contra essas vozes e outras que se irão fazer ouvir, mentindo e deturpando, para enaltecer os cem anos da república, não podemos calar-nos.
A ignorância e o preconceito andam de mãos dadas e entrelaçadas, numa história de amor comovedora, sempre que se fala de monarquia. Dois exemplos recentes chegam para aferir esta afirmação.
Numa entrevista dada em Outubro último, uma conhecida jornalista – que habitualmente discorre ex catedra sobre todos os temas e sobretudo os que considera «progressistas» – a propósito do golpe de estado republicano, acusou a monarquia de ser, em 1910, absolutista e de haver falta de liberdade, entre outras coisas igualmente risíveis, como ter o novo regime dado mais direitos aos cidadãos e ter o novo regime implantado a democracia. Além de desconhecer que em 1910 a monarquia era constitucional, que havia partidos políticos, que havia um Parlamento eleito, que existia um partido republicano, que os republicanos faziam comícios, tinham jornais republicanos, deputados republicanos, em total liberdade e representavam apenas 10% do eleitorado, desconhece que a lei eleitoral publicada pela república em 14 de Maio de 1911 conferia o direito de voto apenas aos maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever ou fossem chefes de família há mais de um ano (em 1913 os chefes de família analfabetos perderam esse direito), excluindo os analfabetos, as mulheres e os militares no activo. Curiosamente, foi em 1931, na ditadura, que as mulheres, mesmo com limitações, puderam ser eleitoras. Como parece desconhecer que em 1910 havia 850 mil eleitores recenseados e em 1913, apenas 400 mil.
No seu romance «Rio das Flores», o jornalista Miguel Sousa Tavares, situa o início da história no primeiro quartel do século XX e desenvolve o retrato de um personagem, o primeiro de três gerações que a atravessam, grande proprietário no Alentejo, monárquico convicto e homem que, frontalmente, critica a república nascente. Caracterizando o novo regime diz o autor: «O poder autocrático e distante dos últimos anos da Monarquia fora substituído por um poder dissoluto, deliquescente, que parecia sem rumo. A aristocracia caduca e inculta dera lugar a uma pequena-burguesia ávida de acreditação social e de importância pública». E mais adiante, diz sobre outro personagem, que fora tratado por «morgado»: «Diogo atrapalhou-se: não gostava de ser tratado por morgado, esse título que se referia ao iníquo sistema sucessório em que o filho varão mais velho herdava tudo...A República pusera fim legal aos morgadios…» Miguel Sousa Tavares, além de jornalista é licenciado em Direito e tem obrigação de saber História. E é filho de um monárquico ilustre e ilustrado que defendeu a monarquia constitucional contra a maré dos que, durante o Estado Novo, a denegriram, defendendo esse regime de liberdade contra os monárquicos anti-liberais e os apoiantes do autoritarismo republicano. Tem, por isso, a obrigação de saber que o poder nos últimos anos da monarquia não era autocrático, regulava-se por uma Carta Constitucional, liberal, que definia e limitava os poderes dos órgãos do Estado. E que entre a aristocracia, que não era só constituída por burgueses endinheirados, alguns realmente incultos, que foram nobilitados por razões políticas, como muitos outros têm sido feitos comendadores da república, a maioria era culta e havia pessoas de enormíssima craveira intelectual e cultural, de que são meros exemplos Bernardo Pinheiro de Melo, Conde de Arnoso, António Maria Vasco de Melo César e Meneses, Conde de Sabugosa, que pertenceram aos «Vencidos da Vida», António Macedo Papança, Conde de Monsaraz, importante poeta, António Sebastião de Carvalho, Visconde de Chanceleiros, grande político, tribuno e agricultor ou D. Tomaz de Mello Breyner, Conde de Mafra, distintíssimo médico. Sem esquecer o próprio Rei D. Carlos, pintor de valor reconhecido e oceanógrafo notável, E que não foi a república que extinguiu os morgadios, mas a Monarquia Liberal, em 1863.
Entre preconceitos, má fé e ignorância se quer construir a História, se pretende influenciar a opinião pública e se faz a apologia de um regime. Contra essas vozes e outras que se irão fazer ouvir, mentindo e deturpando, para enaltecer os cem anos da república, não podemos calar-nos.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home