sábado, novembro 10, 2007

Patranhas de Outubro, ou intrujices instituídas

A mitificação anda geralmente a par com a mistificação.
Andam agora no ar velhas imagens da revolução de Outubro, imagens de Épinal acompanhadas pelos acordes heróicos estabelecidos por 90 anos de propaganda. O quadro é afinal sempre o mesmo, a revolta da liberdade contra a tirania, o derrube de um regime opressivo e cruel, uma maravilhoso momento de sonho e poesia na história da humanidade.
A verdade não é essa, e seria conveniente baixar a febre aos comemoracionistas.
A revolução soviética não pôs fim a nenhum regime opressivo e cruel, nem inaugurou nenhum período de liberdade. A revolução comunista em causa derrubou o governo de Kerenski e acabou com o regime democrático e parlamentarista vigente. Os comunistas apoderaram-se do poder, e lançaram de imediato uma perseguição sanguinária e impiedosa a todos os seus reais ou presumidos adversários políticos - de dimensões, intensidade e duração sem paralelo na história. A época iniciada pela revolução de Outubro foi infinitamente menos livre do que aquela que a precedeu.
O czar e sua família foram chacinados, mas não porque detivessem algum tenebroso "poder czarista" contra o qual a fúria revolucionária se desencadeasse - tudo isso já tinha ficado para trás, ultrapassado pela marcha dos tempos.
Quanto mais olharmos para os acontecimentos desse ano de 1917 na Rússia, ou para a sequência que vinha desde 1905/1906, mais nos confrontamos com a espantosa quantidade de mentiras que são constantemente repetidas e pacificamente aceites como versões consagradas.
Entre nós, também temos uma revolução de Outubro que é de bom tom venerar no mesmo estilo. E também aqui se detecta a mesma inversão que parece ser característica dos revolucionários: acusar os outros de serem e fazerem aquilo que normalmente eles é que fazem e são.
Apresentar como liberticida o regime demoliberal derrubado entre nós em 1910, e libertador o que se se lhe seguiu, é pôr a verdade de pernas para o ar. Ver a tirania personificada no infeliz D. Manuel, ou a ditadura no frágil governo de Teixeira de Sousa, ou o obscurantismo e a opressão no parlamento de então, é deformação risível que ninguém pode sustentar seriamente.
Mas o progresso deve ser isto. Para que a teoria esteja certa é preciso fazer a realidade coincidir com ela. O que foi tem que ser necessariamente muito mau, e o que veio um passo em frente na marcha da humanidade. Mesmo que essa legitimação posterior exija a caricaturização, a falsificação, a inversão da realidade.

1 Comments:

At 9:42 da manhã, Blogger Flávio Santos said...

«A mentira é a principal arma do combate bolchevique.» (Lenine)

 

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