segunda-feira, dezembro 17, 2007

Crendices

O que move os homens é a busca da felicidade?
Manifesto desde já que não me sinto capaz de dizer o que move os homens. É frequente cada um não saber o que o move a si, quanto mais aos outros. A experiência mostrou-me que os homens se movem pelos mais surpreendentes e insondáveis impulsos, e desisti de tentar encontrar alguma lei que mesmo defeituosamemente possa traduzir essa realidade. Os homens vivem, e agem. São infinitamente complexos, e surgem a cada passo situações em que não se encontra explicação satisfatória para as suas acções.
Seja como for, dizer que se movem em busca da felicidade, todos e sempre, apesar da ousadia da afirmação, não tem nenhuma utilidade explicativa se não se souber antes o que se quer dizer com felicidade. O que também não é fácil.
Dessa busca da felicidade individual decorre a tendência para a felicidade geral? A felicidade de cada um é um contributo para a felicidade de todos?
Se por busca individual da felicidade estivermos a pensar na livre actividade de cada um dirigida a satisfazer os seus objectivos ou impulsos pessoais, sem entraves nem limitações impostas do exterior, duvido que se possa esperar com optimismo esse harmonioso encontro de felicidades. O que mais se conhece são exemplos em que o gosto de uns é o desgosto dos outros. A vontade individual erigida como única condicionante de si mesma é capaz das mais sinistras proezas. A liberdade para o bem é também a liberdade para o mal (pressupondo a existência destes).
Acreditar que a acção de cada um é determinada pela busca da sua felicidade própria, e que a demanda dessa felicidade individual contribui necessariamente para a felicidade geral, são crenças que só fazem sentido pressupondo uma terceira: ainda e sempre, a bondade natural do ser humano. Se somos todos bons por natureza, eliminando todos os factores que distorcem essa natureza, obviamente externos a ela, os nossos actos expressarão essa intrínseca bondade; e da busca individual da felicidade resultará também a felicidade dos outros, pois para um ser naturalmente bom a sua felicidade nunca poderá conviver com a infelicidade alheia. Se formos todos naturalmente bons. Se não, não: será cada um por si, e teremos o homem tal como o conhecemos na vida, nada parecido com os retratos dos filósofos.
Que o seu estado de natureza não seja aquilo que se vê, mas sim um que nunca se viu, que o homem real seja um produto de deformações operadas de fora, por factores estranhos à sua natureza, são proposições que se situam no domínio da fé.
E que o que a todos movimenta é a busca da felicidade, e que dessa busca se deixada sem regras nem peias resultará a felicidade geral, mais do que fé parece ser fézada.
Uma fézada ingénua.

2 Comments:

At 8:20 da tarde, Blogger Orlando Braga said...

Para quem é ateu (que não é o meu caso), que perfilhe -- pelo menos -- a ética de Aristóteles baseada na Razão do "justo-meio", no "bem-último" que é a felicidade, e na maior das virtudes:a Justiça. Se a felicidade for entendia no sentido aristotélico, não está mal de todo.

 
At 9:59 da tarde, Blogger Manuel said...

E poderá basear-se uma filosofia política no axioma de que todos e cada um guiam as suas acções por essa bússola?
Repare-se que não estamos a fazer afirmações no domínio do dever-ser, mas sim quanto ao ser.

 

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