quarta-feira, dezembro 19, 2007

Les uns et les autres

Como se sabe, o Dr. Cunhal escreveu sobre "a superioridade moral dos comunistas". Na minha mocidade o livrinho era leitura obrigatória para toda a rapaziada afecta ao partidão, e todos saíam dela muito confortados espiritualmente, satisfeitos e orgulhosos nas suas convicções. Ao conjunto das convicções preexistentes somava-se essa, a da superioridade moral dos camaradas. O que isso significava em elevação da fé, e no ânimo da adesão, calcula-se.
Obviamente que essa convicção da "superioridade moral" dos nossos traz em si o reverso, a da inferioridade moral dos outros, mas esse lado das coisas só se torna visível em época de rescaldo e desilusão. Enquanto durar a chama, os outros serão sempre moralmente inferiores - e merecerão amplamente o que de mal lhes possa acontecer, que não representará mais do que a justa retribuição do seu estado de pecado.
Parece-me escusado dissertar sobre as consequências a que este quadro conduziu.
O que queria dizer é que frequentemente penso nisso, sobretudo para rememorar que nunca, mesmo nos meus tempos de mais acesa militância política, me deixei contaminar por convicção semelhante. Nunca me pareceu que os meus fossem necessariamente seres moralmente superiores. Não eram, havia de tudo, e nunca deixei de observar isso, com lucidez desencantada, mesmo que com o preço da tristeza.