terça-feira, dezembro 18, 2007

Sobre Pitirim Sorokin

Da Alameda Digital:


Sorokin adianta o raciocínio seguinte: a sociedade moderna está numa fase de transição, situando-se entre o fim de uma época e o começo de outra, enquanto os fundamentos e as estruturas do nosso sistema cultural de valores entram em decomposição. As pessoas não estão já convencidas, observa ele, que os amanhãs serão “maiores e melhores”; as pessoas não acreditam mais na “marcha do progresso” que não parará nunca e nos trará a paz, a segurança e a prosperidade. A sociedade “sensorial” desintegra-se e os sintomas dessa deliquescência são inúmeros.
O espírito que se desprende da arte, da música e da literatura contemporâneas, escreve Sorokin, “concentra-se sobre as morgues das centrais de polícia, sobre as proezas dos criminosos, sobre os órgãos sexuais, e interessa-se principalmente por tudo o que releva das fossas e esgotos da sociedade”, porque não há mais ideais vivos para o inspirar. Os princípios da ética e do direito afundam-se sob os nossos olhos, lançando numa terrível confusão mental e moral os homens de governo e os julgadores, tal como enormes massas humanas, todos perdendo a capacidade de distinguir claramente entre o bem e o mal, entre as coisas que reforçam os laços que mantêm a sociedade em harmonia e segurança e, por outro lado, as coisas que contribuem para a sua dissolução. Enquanto a criminalidade atinge patamares inauditos, os tribunais estão cada vez mais obcecados com os chamados direitos dos criminosos e dos psicopatas, enquanto que os direitos dos cidadãos comuns, obedientes às leis, são tratados com desprezo e calcados aos pés. Pior: a humanidade e a especificidade humana são negadas. Em lugar de se posicionar como uma criatura criada à imagem e à semelhança de Deus, passa a definir-se o homem, comenta Sorokin, como “um organismo animal, um conjunto de reflexos mecânicos, uma variável nas relações estímulo/resposta, ou, para a psicanálise, como um saco cheio de líbido fisiológico”.
Naturalmente, numa sociedade onde tudo vai e vem e onde nada é estável nem sólido, as crises acumulam-se, atingindo tudo e todos. “Vamos então admirar-nos, diz Sorokin, que, mesmo que muitos não compreendam nitidamente o que se passa, tenham pelo menos um vago sentimento que a questão não reside simplesmente na “prosperidade” ou na “democracia”, ou noutro conceito idêntico, mas em qualquer coisa que envolve “o conjunto da cultura sensorial contemporânea, da sociedade que ela gera e dos homens que ela determina? Se esta massa humana não compreende as implicações pela análise intelectual, ela apercebe-se, com acuidade, que se encontra dolorosamente presa nas grilhetas que constituem as vicissitudes do nosso tempo, sejam os homens reis ou operários”.

2 Comments:

At 5:51 da tarde, Blogger Francisco Múrias said...

«Enquanto a criminalidade atinge patamares inauditos, os tribunais estão cada vez mais obcecados com os chamados direitos dos criminosos e dos psicopatas, enquanto que os direitos dos cidadãos comuns, obedientes às leis, são tratados com desprezo e calcados aos pés.»

É isto mas com um senão. Embora eu não esteja nada preocupado com os direitos dos criminosos acontece que numa sociedade em que todos somos iguais perante a lei, em que a figura de pai de família desapareceu , e dada confusão existente entre o que é o mal e o bem, transformando em crime simples infracções de regras do transito e descriminalizando o assassínio de bebes, preocupo-me quando vejo as autoridades entrarem à marretada em casa de suspeitos do crime de trafico de droga.

Pergunto quando é que isto se alarga aos suspeitos de cometerem o crime de excesso de velocidade, de venda de t-shirts aldrabadas ou qualquer insignificância do género.

 
At 12:16 da manhã, Blogger Orlando Braga said...

Sem dúvida que as certezas de Hegel e Marx no “progresso automático da História” não aconteceram. Sobre o diagnóstico de Sorokin, as origens da desintegração da sociedade “sensorial” seguem uma linha clara a partir do século 19: Nietzsche, Hegel, Marx e Engels, Utopia Negativa (Escola de Frankfurt), acabando no descontrucionismo de Heidegger, Sartre e nos pós-existencialistas, como Michel Foulcault e Derrida. O mal está identificado.

 

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