quinta-feira, janeiro 03, 2008

O que ficou do Natal?

(artigo para o semanário regionalista "O Almonda")

Já passaram umas décadas desde que o famoso Dr. Barnard inaugurou a era das transplantações cardíacas, e desde então banalizou-se essa coisa formidável de abrir o peito a um indivíduo, tirar de lá um coração que não presta, e em vez dele colocar no mesmo sítio um outro, presumivelmente em melhor estado. Quase como levar o nosso carro à oficina e trocar de bateria. A ciência continua porém limitada a tratar das condições de funcionamento desses órgãos vitais, como faz com outros. Encarrega-se dos batimentos, dos músculos, do ritmo, e está bem. O que a técnica, cirúrgica ou outra qualquer, ainda não encontrou foi forma de melhorar a qualidade (penso que me faço compreender) de tantos corações empedernidos e insensíveis que por aí andam a bater no peito de tanta gente.
Haverá um dia modo de injectar humanidade em corações dela desprovidos? Poderá o saber dos homens suprir essa carência elementar? As esperanças não são muitas, mesmo entre os mais devotos adoradores da ciência e da técnica. A sua crença não vai tão longe. Ciência e técnica não se fizeram para isso, é domínio que lhes escapa. Perante assuntos desses queda-se impotente o mais potente microscópio, fica inútil o mais hábil bisturi, e toda a galeria dos fármacos. Não há fórmula química, nem experiência física, onde a simples bondade se apresente, prontinha a ser servida por sofisticados laboratórios a todo o mundo que precise. Calam-se aqui acabrunhadas e sem remédio ciência e técnica juntas.
É preciso procurar noutro lado.
A propósito, agora que já foi Natal, o que ficou do Natal?
Provavelmente, o vazio. Depois da euforia das luzes de néon, das prendas, das compras, da correria dos centros comerciais, sobra um sabor a nada. Um Natal de plástico e pechisbeque deixa sempre no peito a sede que jamais pode saciar. Despido do seu carácter íntimo e sagrado, esquecido o que lhe deu o sentido, dele não há que esperar chama que conforte. Como se não houvesse Natal.
Restam pessoas silenciosas, de ar cansado e triste. Mais cansadas e tristes do que antes. O Natal esvaziou-lhes os bolsos e as energias, e as almas continuaram frias e vazias. Como se não houvesse Natal.
E, todavia, Ele veio. Desceu sobre a indiferença do mundo. E deixou-nos com as palavras duras da noite da última Ceia: “Se Eu não tivesse vindo e não lhes tivesse dirigido a palavra, eles não teriam pecado; mas agora não há desculpas para o pecado deles” (Jo. XV, 2). São terríveis essas palavras, como aponta Gustavo Corção ao sublinhar a “iluminação moral” trazida por essa vinda: “a este mundo já marcado pelo pecado mal definido, cinzento, misturado ao bem de um modo desordenado, Jesus trouxe a Ordem que discrimina mal e bem, e trouxe aos homens, como preço e condição da Salvação, um sentimento mais agudo, uma responsabilidade abismal.
Uma responsabilidade abismal, a que todavia permanecem alheios tantos de nós. Esquecemo-nos que existe o mal e o bem, e que todos temos a responsabilidade de ordenar a nossa vida conforme o que foi ensinado. Ele veio e dirigiu-nos a palavra, e agora não há desculpas para a nossa obstinação.

Manuel Azinhal
manuel.azinhal@gmail.com

2 Comments:

At 1:15 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Sim, está correcto o que escreveu. Mas isso é para os que ainda conservam a alma 'limpia', como diz e bem uma amiga minha espanhola. Para os outros, os que a perderam ou nunca a tiveram, o mal não existe sequer, pelo que pode ser praticado sem consequências. Para esses o bem transformou-se em mal e o mal em bem, ou melhor, os dois conceitos espirituais perfeitamente antagónicos - pelos quais se pauta a conduta moral de qualquer ser humano mentalmente equilibrado, sopesando-os contìnuamente - são uma e a mesma coisa e sendo-o anulam-se, são nada, não existem. Escondem propositadamente a sua aversão figadal ao Deus Criador, embora no seu íntimo a cultivem religiosamente, não admitindo sequer a existência de Seu Filho, embora, tentando iludir-nos, afirmem categòricamente que isso só acontece por simplesmente não haver provas científicas que a demonstrem. Como se tudo o que está para além da compreensão humana e a transcende, que não se vê nem se consegue provar cientìficamente, fosse sinónimo da sua não existência. A Fé não se consegue provar e no entanto existe. Descrentes, portanto. Será que estes filhos do Diabo - porque claramente não o são de Deus - se consideram mais inteligentes ou mais sábios do que por exemplo Einstein? (Que afirmou não duvidar da existência de Deus, o que ele gostaria de saber era se o Mundo tal como o conhecemos era Obra Sua, ou se ele (mundo) era assim independentemente de Sua Vontade.) Quanto à alma - essa força interior inexplicável que nos acompanha e guia para o Bem e nos afasta do Mal, mas que os desalmados olìmpicamente desprezam porque dizem ser esse mais outro empecilho inventado pelas religiões para impedir que o homem se manifeste em toda a sua plenitude, por outras palavras, na sua total malignidade e animalidade, aliás temos entre nós bastas provas, umas bem recentes, outras mais antigas, do que um ser destituído d'alma e do conceito do Bem é capaz de fazer - essa há muito deixou de habitar os seus corpos, são seres perdidos, sem remissão possível. A morte física de que alguns ainda duvidam por se julgarem deuses, portanto eternos, porventura superiores ao próprio Deus, Pai e Filho mas que, paradoxalmente, odeiam e ostracizam mas que não obstante querem igualar e até sobrelevar d'algum modo, pobres de espírito que são, sabendo ser esse um feito inatingível, provoca-lhes uma revolta interior constante que não cessa e os consome - um dia descerá implacàvelmente sobre os seus corpos. Altura em que serão levados a prestar contas perante Aquele em quem não acreditam, mas a cujo Julgamento não escaparão.

Para que o Natal se esvazie cada mais de sentido, como diz que este foi (e os anteriores igualmente o foram, digo eu) e um dia o perca totalmente, o labor criterioso para atingir esse objectivo já começou há muito. Senão vejamos. Primeiro foram anos e anos de campanhas subreptícias, com ajudas preciosas vindas de fora, para a substituição do Menino Jesus pelo Pai Natal. Depois, a substituição do Presépio pelo pinheiro com bolas de todos os tamanhos e cores, carradas de 'neve' feita d'algodão ou spray, como convém para cada vez mais identificarmos o Natal com o Santa Claus nórdico e cada vez menos com Jesus de Nazaré (Jesus Cristo nasceu no Próximo Oriente, quente, não no Norte da Europa, gelado, mas não convém nada lembrar este pormenor), penduricalhos, luzinhas e luzecas de todas as cores e feitios, que enchem de brilho os olhos das crianças e d'alguns adultos mas que nada têm a ver com o Nascimento de Jesus nem com o Natal tal como sempre foi festejado no nosso País e menos ainda reconforta a alma. Não obstante, segundo os mentores das novas práticas natalícias importadas dos States, estas deverão ser reforçadas a todo o custo, quanto menos a figura Sagrada de Jesus Cristo for lembrada tanto melhor . E os resultados estão à vista, sendo ademais os esperados. O Nascimento do Menino Jesus é cada vez menos festejado e, em sua substituição, cada vez aparecem mais homens vestidos de vermelho com sacos de brinquedos às costas em tudo quanto é sítio - aos milhares, até, em concursos propositadamente organizados para que justamente apareçam nessa quantidade, a mentalização subliminal nestas coisas é de suma importância. Onde nos levará esta subversão de valores - religiosos e pátrios - é impossível prever-se, mas cá estaremos para ver. Se estivermos. A menos que...
Não deixemos porém d'Acreditar e de conservar a esperança e a Fé. O Bem há-de sobrelevar o Mal. Sempre assim foi e sempre assim será. Ainda que por vezes demore décadas ou mesmo séculos. Infelizmente.

Maria

 
At 7:54 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Manuel Azinhal e "Maria",
Um "post" excelente e uma reacção magnífica.
Gostaria de ter, neste momento, a verve, para vos acompanhar.
Só quero acescentar ou reforçar, qualquer coisa que já foi dita ou se subentendeu: o Natal tem um significado único para nós e a verdade é que há muitos esforços de forças diabólicas que lutam tenazmente pela degradação do que nos é tão querido: o Presépio e o nascimento de Cristo.
Os exemplos não demnstram nada mas vejam-se os que nos chegam de Espanha.

Nuno

 

Enviar um comentário

<< Home