Entre a vergonha e a catástrofe
Oportuno por estes dias: ler de novo este artigo de Vasco Graça Moura.
Comecei tarde a ler os artigos de Nuno Crato no Expresso. O que me chamou a atenção, aqui há uns meses, foi um texto que ali publicou sobre o número de ouro. Em 1985, eu tinha tentado demonstrar a relevância estrutural da divina proporção para as redondilhas "Sobre os rios que vão", de Camões, e aquele texto abordava os mesmos princípios com uma clareza notável. Agora, acabo de ler de um fôlego o seu livro, que atingiu rapidamente a segunda edição, O 'Eduquês' em discurso directo/Uma crítica da pedagogia romântica e construtivista (Gradiva, 2006). Diga-se desde já que esta obra presta um serviço público inadiável e devia ser de leitura obrigatória para todos os responsáveis pela educação em Portugal, dos membros do Governo aos pais dos alunos, passando, evidentemente, pelos professores e pelos sindicalistas do sector.
Numa linguagem muito simples e directa, o autor desmonta as sucessivas e inenarráveis patetices e irresponsabilidades que têm dominado as teorias pedagógicas e os programas de ensino em Portugal e que explicam, em grande medida, o insucesso escolar e a bronca iliteracia dos nossos estudantes.
O discurso directo do "eduquês" que Nuno Crato analisa atinge as raias do delírio surrealista, configurando as justificações ideológicas mais insensatas, a cegueira mais portentosa perante a realidade, a exaltação abominável de teorias mais do que ultrapassadas em toda a parte menos por estas paragens em que se continua a "entre-enxertar" impavidamente o pior de Rousseau, de Piaget e de Agostinho da Silva.
Entre muitos possíveis, eis um exemplo, dado a pp. 57-58: "A função principal [do professor] já não é dar o programa, mas interpretar, gerir e adaptar o currículo às características e necessidades dos alunos". Eis outro, este ainda mais alçapremado, a p. 109: "O professor deverá respeitar sempre a opinião do aluno e, mesmo quando esta é incorrecta, evitará emitir sobre esta um juízo de valor."
Vai para cinco anos, citei aqui um manual de português deveras suculento para o 11.º ano onde se lê que "não se deve: comentar o texto; analisar as atitudes e as acções das personagens; dar opiniões; omitir detalhes funcionais; ir para além do texto". Mas agora estas pérolas surgem a propósito do ensino da matemática e da aritmética!
Um parágrafo do livro pode servir expressivamente de síntese geral: "Na realidade, disciplinas tão fundamentais como a literatura, a matemática e a filosofia podem ser essenciais para preparar um jovem para o mercado de trabalho. Por essa razão, os programas das universidades anglo-saxónicas concentram-se em áreas básicas. A tentação portuguesa, pelo contrário, tem sido a de estreitar conteúdos, orientando-os para as aplicações e escolhendo de forma bastante arbitrária aquelas que se imagina serem importantes" (p. 68).
Questões como as da disciplina; da autoridade do professor; do inefável princípio do prazer; da vantagem dos exames; da configuração (e da destruição que se vai operando) dos currículos; da moda da chamada "contextualização das aprendizagens"; da memorização (tão dramaticamente desvalorizada pela escola portuguesa); da tabuada; da retórica balofa do "eduquês" a propósito dos conteúdos; do vazio angustiante do Currículo Nacional do Ensino Básico: Competências Essenciais, o qual "desliga e coloca em oposição a criatividade e a aprendizagem de rotinas" (p. 83); das dificuldades na apreensão de conceitos; da rejeição da fase dogmática que, no ensino, precede necessariamente toda a fase crítica - são outros tantos pontos em que o leitor, face ao que se passa na escola portuguesa, oscila constantemente entre o pasmo, a indignação e a revolta.
Comecei tarde a ler os artigos de Nuno Crato no Expresso. O que me chamou a atenção, aqui há uns meses, foi um texto que ali publicou sobre o número de ouro. Em 1985, eu tinha tentado demonstrar a relevância estrutural da divina proporção para as redondilhas "Sobre os rios que vão", de Camões, e aquele texto abordava os mesmos princípios com uma clareza notável. Agora, acabo de ler de um fôlego o seu livro, que atingiu rapidamente a segunda edição, O 'Eduquês' em discurso directo/Uma crítica da pedagogia romântica e construtivista (Gradiva, 2006). Diga-se desde já que esta obra presta um serviço público inadiável e devia ser de leitura obrigatória para todos os responsáveis pela educação em Portugal, dos membros do Governo aos pais dos alunos, passando, evidentemente, pelos professores e pelos sindicalistas do sector.
Numa linguagem muito simples e directa, o autor desmonta as sucessivas e inenarráveis patetices e irresponsabilidades que têm dominado as teorias pedagógicas e os programas de ensino em Portugal e que explicam, em grande medida, o insucesso escolar e a bronca iliteracia dos nossos estudantes.
O discurso directo do "eduquês" que Nuno Crato analisa atinge as raias do delírio surrealista, configurando as justificações ideológicas mais insensatas, a cegueira mais portentosa perante a realidade, a exaltação abominável de teorias mais do que ultrapassadas em toda a parte menos por estas paragens em que se continua a "entre-enxertar" impavidamente o pior de Rousseau, de Piaget e de Agostinho da Silva.
Entre muitos possíveis, eis um exemplo, dado a pp. 57-58: "A função principal [do professor] já não é dar o programa, mas interpretar, gerir e adaptar o currículo às características e necessidades dos alunos". Eis outro, este ainda mais alçapremado, a p. 109: "O professor deverá respeitar sempre a opinião do aluno e, mesmo quando esta é incorrecta, evitará emitir sobre esta um juízo de valor."
Vai para cinco anos, citei aqui um manual de português deveras suculento para o 11.º ano onde se lê que "não se deve: comentar o texto; analisar as atitudes e as acções das personagens; dar opiniões; omitir detalhes funcionais; ir para além do texto". Mas agora estas pérolas surgem a propósito do ensino da matemática e da aritmética!
Um parágrafo do livro pode servir expressivamente de síntese geral: "Na realidade, disciplinas tão fundamentais como a literatura, a matemática e a filosofia podem ser essenciais para preparar um jovem para o mercado de trabalho. Por essa razão, os programas das universidades anglo-saxónicas concentram-se em áreas básicas. A tentação portuguesa, pelo contrário, tem sido a de estreitar conteúdos, orientando-os para as aplicações e escolhendo de forma bastante arbitrária aquelas que se imagina serem importantes" (p. 68).
Questões como as da disciplina; da autoridade do professor; do inefável princípio do prazer; da vantagem dos exames; da configuração (e da destruição que se vai operando) dos currículos; da moda da chamada "contextualização das aprendizagens"; da memorização (tão dramaticamente desvalorizada pela escola portuguesa); da tabuada; da retórica balofa do "eduquês" a propósito dos conteúdos; do vazio angustiante do Currículo Nacional do Ensino Básico: Competências Essenciais, o qual "desliga e coloca em oposição a criatividade e a aprendizagem de rotinas" (p. 83); das dificuldades na apreensão de conceitos; da rejeição da fase dogmática que, no ensino, precede necessariamente toda a fase crítica - são outros tantos pontos em que o leitor, face ao que se passa na escola portuguesa, oscila constantemente entre o pasmo, a indignação e a revolta.
Nas conclusões, e citando Diane Ravitch, Nuno Crato acentua que "no século XX tudo o que se apresentou como movimento de mudança radical da escola deveria ter sido evitado como uma praga".
Já falei várias vezes do "eduquês" nesta coluna. Agora, num artigo do último Expresso, Guilherme Valente, editor do livro, cita amplamente um eminente professor de Matemática francês, Laurent Laforgue, para quem querer resolver o problema da educação recorrendo aos especialistas dela seria o mesmo que querer defender os direitos do homem recorrendo aos khmers vermelhos. Não se podia dizer melhor. Entre a vergonha e a catástrofe, devemos reconhecer que é isso mesmo. A senhora ministra da Educação fará aos contribuintes o subido obséquio de ler atentamente este livro.
Já falei várias vezes do "eduquês" nesta coluna. Agora, num artigo do último Expresso, Guilherme Valente, editor do livro, cita amplamente um eminente professor de Matemática francês, Laurent Laforgue, para quem querer resolver o problema da educação recorrendo aos especialistas dela seria o mesmo que querer defender os direitos do homem recorrendo aos khmers vermelhos. Não se podia dizer melhor. Entre a vergonha e a catástrofe, devemos reconhecer que é isso mesmo. A senhora ministra da Educação fará aos contribuintes o subido obséquio de ler atentamente este livro.
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