O divórcio no Multibanco
O casamento para um católico é um sacramento; para o direito civil, ainda assim mesmo, é um contrato...
Um contrato é pacificamente definido como fonte de direitos e de obrigações. Por isso o legislador ao estabelecer o conteúdo desse contrato, tal como fez para outros, estabeleceu um elenco de deveres a que os cônjuges contraentes ficam reciprocamente vinculados. Sem esse conteúdo, não se percebe o que resta da figura. E se esse conteúdo não vincula as partes, não se percebe a natureza de tal contrato.
Assistência, fidelidade, respeito, coabitação...
A proposta de institucionalização do divórcio independentemente de culpa (desligado da violação de qualquer dever conjugal por parte de um dos cônjuges, ou seja, por decisão unilateral de uma das partes) não pode deixar de levantar algumas perplexidades.
Como se sabe, o divórcio é uma forma de dissolução do casamento. O divórcio-sanção, isto é, aquele que funcionava como reacção à violação dos deveres conjugais por um dos cônjuges, apresentava-se como um direito de que era titular o cônjuge ofendido.
Faz sentido manter na lei um contrato que qualquer das partes pode dissolver a todo o momento por simples manifestação de vontade e sem invocação de qualquer causa?
Se fica eliminado o divórcio-sanção, qual é a consequência legal para a violação dos deveres conjugais? Fica sujeita ao regime geral da responsabilidade civil, e dará lugar a indemnização? Ou não tem consequência nenhuma? Se não tem, como se justifica a manutenção da previsão legal de deveres conjugais? Ficam esses deveres a constituir meras obrigações morais, como as dívidas de jogo? Ou está prevista a eliminação dos próprios deveres conjugais? Mas, se forem eliminados os deveres conjugais, dada a inutilidade dessa previsão, o que fica do contrato de casamento? Um contrato de onde não resultam direitos nem deveres?
Então porque não abolir o próprio contrato, visto que um acordo bilateral que a nada e a ninguém obriga acaba por ser destituído de sentido à luz do próprio conceito?
Enfim, esta instituição do divórcio a pedido, na linha do aborto a pedido, parece-me completamente redonda: não tem ponta por onde se lhe pegue...
E nem me apetece entrar na análise de outras perversidades que resultarão do sistema. Como observará de imediato quem destes assuntos tenha alguma experiência, ou seja apenas dotado de senso comum, a figura do divórcio unilateral e sem culpa será sobretudo utilizado por aquele dos cônjuges que violou os deveres conjugais a que se tinha obrigado. Será mais um castigo e humilhação adicionais para o ofendido. Por outras palavras, fica abolido o divórcio sancionatório mas em substituição dele fica a vigorar uma espécie de divórcio premial, em que o infractor é que fica a ganhar... Obviamente que é imoral - e a moral ainda existe e não deveria ser despicienda para o direito, penso eu. Teremos um contrato que vai partir sempre em desfavor do elo mais fraco, leia-se economicamente dependente ou contratualmente cumpridor ou ambas as coisas. As consequências patrimoniais, vigorando regimes de comunhão de bens, podem ser chocantes.
A protecção e a segurança que era suposto o casamento conferir (como aliás qualquer contrato) parecem-me claramente comprometidas. Volto a repetir que assim justifica-se indagar se ainda tem algum sentido a manutenção do nomem juris para este tipo contratual específico.
Receio bem que seja inútil falar; o socratismo descobriu a chave de ouro da governação, esse sábio ponto de equilíbrio que lhe garante os consensos necessários para se manter no poder em Portugal. A esquerda satisfaz-se e rebola-se de gozo com as suas causas sociais, e não há que hesitar - dá-se-lhe o que quer, e os trabalhadores que se lixem. A direita basta-se com a vidinha, e uns negócios, e por aí também não há dificuldades. Alimenta-se a dita cuja, que ideais e princípios não enchem barriga.
Que venha pois o divórcio no Multibanco, e nas Lojas do Cidadão. Simplex.
Um contrato é pacificamente definido como fonte de direitos e de obrigações. Por isso o legislador ao estabelecer o conteúdo desse contrato, tal como fez para outros, estabeleceu um elenco de deveres a que os cônjuges contraentes ficam reciprocamente vinculados. Sem esse conteúdo, não se percebe o que resta da figura. E se esse conteúdo não vincula as partes, não se percebe a natureza de tal contrato.
Assistência, fidelidade, respeito, coabitação...
A proposta de institucionalização do divórcio independentemente de culpa (desligado da violação de qualquer dever conjugal por parte de um dos cônjuges, ou seja, por decisão unilateral de uma das partes) não pode deixar de levantar algumas perplexidades.
Como se sabe, o divórcio é uma forma de dissolução do casamento. O divórcio-sanção, isto é, aquele que funcionava como reacção à violação dos deveres conjugais por um dos cônjuges, apresentava-se como um direito de que era titular o cônjuge ofendido.
Faz sentido manter na lei um contrato que qualquer das partes pode dissolver a todo o momento por simples manifestação de vontade e sem invocação de qualquer causa?
Se fica eliminado o divórcio-sanção, qual é a consequência legal para a violação dos deveres conjugais? Fica sujeita ao regime geral da responsabilidade civil, e dará lugar a indemnização? Ou não tem consequência nenhuma? Se não tem, como se justifica a manutenção da previsão legal de deveres conjugais? Ficam esses deveres a constituir meras obrigações morais, como as dívidas de jogo? Ou está prevista a eliminação dos próprios deveres conjugais? Mas, se forem eliminados os deveres conjugais, dada a inutilidade dessa previsão, o que fica do contrato de casamento? Um contrato de onde não resultam direitos nem deveres?
Então porque não abolir o próprio contrato, visto que um acordo bilateral que a nada e a ninguém obriga acaba por ser destituído de sentido à luz do próprio conceito?
Enfim, esta instituição do divórcio a pedido, na linha do aborto a pedido, parece-me completamente redonda: não tem ponta por onde se lhe pegue...
E nem me apetece entrar na análise de outras perversidades que resultarão do sistema. Como observará de imediato quem destes assuntos tenha alguma experiência, ou seja apenas dotado de senso comum, a figura do divórcio unilateral e sem culpa será sobretudo utilizado por aquele dos cônjuges que violou os deveres conjugais a que se tinha obrigado. Será mais um castigo e humilhação adicionais para o ofendido. Por outras palavras, fica abolido o divórcio sancionatório mas em substituição dele fica a vigorar uma espécie de divórcio premial, em que o infractor é que fica a ganhar... Obviamente que é imoral - e a moral ainda existe e não deveria ser despicienda para o direito, penso eu. Teremos um contrato que vai partir sempre em desfavor do elo mais fraco, leia-se economicamente dependente ou contratualmente cumpridor ou ambas as coisas. As consequências patrimoniais, vigorando regimes de comunhão de bens, podem ser chocantes.
A protecção e a segurança que era suposto o casamento conferir (como aliás qualquer contrato) parecem-me claramente comprometidas. Volto a repetir que assim justifica-se indagar se ainda tem algum sentido a manutenção do nomem juris para este tipo contratual específico.
Receio bem que seja inútil falar; o socratismo descobriu a chave de ouro da governação, esse sábio ponto de equilíbrio que lhe garante os consensos necessários para se manter no poder em Portugal. A esquerda satisfaz-se e rebola-se de gozo com as suas causas sociais, e não há que hesitar - dá-se-lhe o que quer, e os trabalhadores que se lixem. A direita basta-se com a vidinha, e uns negócios, e por aí também não há dificuldades. Alimenta-se a dita cuja, que ideais e princípios não enchem barriga.
Que venha pois o divórcio no Multibanco, e nas Lojas do Cidadão. Simplex.
1 Comments:
Parabéns pelo lúcido artigo.
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