terça-feira, abril 29, 2008

Direitas

Falando de certa actualidade política, diz Rui Albuquerque a dado passo que "Salazar representa o paradigma português do líder da direita, pelo menos, do tipo de líder que a direita portuguesa aprecia: austero, grave, autoritário, trabalhador, culto, avesso à multidão".
Tenho pensado nisso, e esta caracterização veio de encontro às minhas reflexões. Com efeito, tendo a pensar que a verdade é precisamente o contrário.
Pode ser que alguma vez tenha sido assim, como diz o Rui, mas nesse caso a direita mudou muito. Em todo o tempo em que me lembro de estar a ver (coincide com o tempo do Rui) a direita portuguesa tem mostrado amplamente uma preferência desenfreada pelo oposto daquilo que Salazar representa (e que o Rui com exactidão retratou na sua síntese). Parece procurar intransigentemente um anti-salazar.
Desde um fanfarrão oco e vazio como Spínola, até parlapatões histriónicos como Jardim, ou narcisistas mundanos e fúteis como Santana, passando por demagogos envernizados e superficiais como Portas, pelo burguesismo satisfeito e instalado de Freitas ou a crónica instabilidade egomaníaca de Sá Carneiro, o que tem entusiasmado a direita portuguesa nestes trinta e tal anos mais recentes tem sido sempre o que menos faça lembrar um estilo "austero, grave, autoritário, trabalhador, culto, avesso à multidão".
Cavaco, como antes Eanes, foram detestados pela direita, que neles via alguns resquícios do que abominava. Com o tempo foram engolidos, a contragosto, quando se percebeu que eram personagens fracos e ansiosos por reconhecimento, que tudo fariam para sossegar essas inquietações. Acabaram por ser aceites na "Caras".
De austeridade, gravidade, autoridade, trabalho, cultura, e modéstia no viver, a direita portuguesa parece ter ficado tão cheia que ainda não lhe passou a fartura.
Nem entendo como o Rui não nota isso. Um líder "austero, grave, autoritário, trabalhador, culto, avesso à multidão" - conhece por aí alguma direita que goste disso?

5 Comments:

At 12:19 da tarde, Anonymous Anónimo said...

AHAHAHAH!
T'á bem visto.

 
At 7:45 da tarde, Blogger rui a. said...

Caro Manuel,

Sá Carneiro não obedeceu, na verdade, inteiramente ao paradigma. Mas não viveu tempo suficiente para se verificar como seria o seu exercício de autoridade. Creio que agradaria a muita gente...
Quanto a Cavaco, lamento a discordância, mas tenho por mim os números e os factos: o homem ganhou quatro eleições, três das quais com maiorias absolutas.
De resto, falta citar aí o Doutor Adriano Moreira, com quem muito rapaz teve ilusões, e o próprio Dr. Monteiro, a meu ver, uma má réplica dos originais.
Todavia, julgo que o quadro que tracei é absolutamente fidedigno. Se aparecem ou não as figuretas que o preencham, é já outra conversa.

Cumprimentos,

RA

P.S.: muito honrado com as permanentes atenções. A fazer lembrar tempos antigos.

 
At 8:14 da tarde, Blogger Manuel said...

Quanto à personalidade de Sá Carneiro, não vou fazer comentários pelo motivo que é fácil calcular. Mesmo assim, parece-me que não será grande desrespeito dizer que duvido que se possa caracterizá-lo como um líder "austero, grave, autoritário, trabalhador, culto, avesso à multidão".
Quanto a Adriano, ainda que se queira vê-lo assim (eu não) é forçoso concluir que nunca despertou entusiasmos políticos. Foi um fiasco.
Em relação a Monteiro, és capaz de o descrever como um líder "austero, grave, autoritário, trabalhador, culto, avesso à multidão"? Só por graça.
E resta Cavaco para te confortar a tese. Mas mesmo aí insisto: Cavaco nunca foi um gosto, foi sempre uma necessidade. Uma escolha pragmática, em geral justificada por exclusão de partes, ou porque não havia alternativas, ou porque garantia o essencial. De qualquer modo, sempre vi a direita que votava nele em público a rir-se dele em privado. E só votou nele porque se convenceu que dali não viria nada de realmente "austero, grave, autoritário, trabalhador, culto, avesso à multidão"... Não, o que a direita que hoje domina aprecia mesmo é alguém que lhe assegure que o regabofe pode continuar.

 
At 9:16 da tarde, Blogger rui a. said...

«Cavaco nunca foi um gosto, foi sempre uma necessidade»

Manuel,

Isso mesmo dizia muito boa direita do Salazar, mesmo daquela que hoje lhe chora em cima da campa.

Quanto aos outros exemplos, naturalmente que nenhum deles se encaixa com precisão no conceito. Por isso mesmo, nunca governaram Portugal como Salazar, durante quase 40 anos, e Cavaco que chegará aos 20, mesmo em democracia, o que é obra desenganada.

De resto, conhecemos, até melhor tu do que eu, alguns «camaradas» que, perante o «carisma» e a «autoridade» do chefe Cavaco, não hesitaram em colaborar com ele. E alguns chegaram até bem alto.

Lembras-te de algum em especial? Eu não me esqueço, pelo menos, de um, em tempos verdadeiramente adulado por «camaradas», que o viam como a encarnação do D. Sebastião depois de ter lido o Mein Kampf. Eu, por mim, nunca o tive em semelhante conta. Deve ser do meu cepticismo liberal, já na altura a borbulhar...

 
At 10:12 da tarde, Blogger Manuel said...

Eu estou aqui a rir-me com gosto, mas acho que vou bater em retirada...
Desculpa lá.

 

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