sexta-feira, maio 02, 2008

E AFINAL O 25 DE ABRIL...

(um artigo de Maria José Nogueira Pinto, para o DN)

Na voragem de um quotidiano detalhado à exaustão temos vindo a perder o hábito e o gosto por um qualquer exercício de análise, mesmo do passado recente. Já G. Sorel observava que é caracteristico das épocas de decadência o desaparecimento dos pensadores e a emergência dos comentadores. Estes entregam-se à tarefa circular de analisar um facto - em regra de relevância efémera - por todos os ângulos possíveis. O tempo mediático impõe a redução dos descontextualizadas comentários a análises simplistas, tão efémeras como os factos que as dominam.
É curioso como o 25 de Abril, que estabeleceu uma ruptura definitiva com factores determinantes da nossa identidade histórica, seja hoje pouco mais do que um feriado, com sorte, uma "ponte". Mesmo os que viveram conscientemente este periodo histórico e, em muitos casos, o protagonizaram na catadupa de acontecimentos, inevitabilidades e consequências, de um lado e outro das barricadas, parecem ter preferido digeri-los interiormente como se , com tal atitude, contribuíssem para esta morna normalidade, tida por sua vez como o epílogo tranquilizador de tão indigesta experiência.

Não é, pois, de estranhar, que um estudante graúdo, interrogado sobre o significado da data, tenha respondido sem titubear que se tratou da implantação da República. Espantoso seria, por exemplo, que este e todos os outros soubessem que no dia 25 de Abril de 1974 se deu um golpe de Estado e no dia 1 de Maio se iniciou um processo revolucionário. Que o primeiro teve como causa próxima uma mera questão de precedências e um consequente movimento corporativo dos militares, e o segundo se originou na confluência de todas as forças político-ideológicas que já estavam ou apareceram no terreno. Que houve dois 25 de Abril, um aqui, neste pequeno rectângulo europeu, e outro, avassalador, em todos os territórios onde se hasteava a bandeira portuguesa. Que rapidamente tudo o que realmente relevava passou para a jurisdição de forças externas. Que o mundo se dividiu entre o insólito comovedor de que é paradigma o cravo no cano da G-3, o folclore que a esquerda replicava pelos países onde estas coisas ainda eram possíveis, como os da América Latina, e uma preocupação irritadiça com o despropósito histórico do PREC, num país da Europa ocidental e da NATO. Que o único objectivo estratégico - a descolonização - pertencia ao Partido Comunista teleguiado por Moscovo e foi também o único alcançado e tornado irreversível. A unicidade sindical, a reforma agrária, a economia estatizada, a sociedade sem classes, tudo isso foi passageiro, como um acne juvenil.
Percebe-se que tenha sido assim porque, como se viu, a História não deu razão a quase ninguém. Quinze anos depois a União Soviética e todas as teorias "científicas" em que se tinha baseado cairam literalmente com o muro de Berlim. Os países que emergiram da descolonização têm, ao longo destes anos, enfrentado guerras fraticidas e acumulado atrasos com enorme prejuízo para as suas populações. Portugal perdeu território, massa crítica, população, mercado, importância geoestratégica, desígnio e destino. Até agora parece não ter encontrado o seu futuro enquanto desperdiça, metodicamente, o seu presente. Por outro lado, é certo que os ventos da História iriam obrigar a algum desfecho da guerra do Ultramar e Portugal post-Salazar iria, inevitavelmente, caminhar para um regime democrático. Uma questão de tempo, possivelmente o tempo obrigatório de todas as transições de regime.
Se a descolonização em si não é uma mancha, a forma como foi feita constituiu um vergonhoso acto de irresponsabilidade, consentido pela generalidade das Forças Armadas. Os ganhos da democracia, que são reais, são descuidados quer pelos eleitores quer pelos eleitos. A liberdade, cuja ausência justificou para tantos o nosso atraso, não nos devolveu engenho e arte que se veja.
E as coisas boas que aconteceram? Provavelmente não são, sequer, valorizadas pela nova geração que, a braços com outros problemas, já nem nos concede o benefício da dúvida. É a consequência de se omitir a História.

2 Comments:

At 2:43 da tarde, Anonymous Anónimo said...

eu quero é noticias do julgamento do século

 
At 7:32 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Tudo isso está, sem dúvida, muito certo.
A questão é: e agora?

Nuno

 

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