A rã sem pernas não ouve
Alguns leitores já conhecerão a história, mas não resisto a contá-la aqui.
É aquela do menino que aspirava a ser cientista, e levava muito a sério essa sua vocação. Vai daí iniciou um estudo sobre o comportamento das rãs. Treinou uma a obedecer a comandos simples. Concretamente, dizia-lhe para saltar, e ela saltava. E ele tudo apontava no seu caderninho, como investigador cuidadoso e metódico. Confirmou repetidamente os resultados: sempre que ele gritava “salta!”, o animal invariavelmente obedecia e dava um saltinho. Prosseguindo a experiência, resolveu arrancar uma perna à rã. Depois voltou a fazer a experiência: ordenou-lhe que saltasse, e ela lá saltou, embora não com a ligeireza e prontidão anteriores. Continuando, o jovem investigador arrancou segunda perna à rã. A seguir transmitiu o comando habitual: “salta!”. O bicho, desajeitadamente, lá conseguiu dar um impulso para a frente - e saltou. Em prol do conhecimento e da ciência, o rapaz arrancou então terceira perna da rã. E de novo lhe gritou que saltasse. A pobrezinha, em sofrimento, agitou o corpo, fez força na pata restante, e ainda deu um trambolhão para a frente. Nesta altura o promissor cientista atingiu o auge da emoção: tirou a última das pernas da rã. Depois, insistiu no teste: “salta!”, salta!”. Porém, por mais que ele gritasse, o infeliz batráquio limitava-se a arfar, na sua respiração dolorida, mantinha o olhar vítreo e inexpressivo, e permanecia imóvel. Imóvel de todo.
No caderninho das observações o sábio aprendiz exarou então a conclusão: “a rã sem pernas não ouve”.
Ocorreu-me esta anedota a propósito da divulgação agora feita pelo Ministério da Justiça do Relatório da Monitorização dos primeiros seis meses de vigência da pomposamente chamada “reforma penal” (o conjunto de alterações avulsas introduzidas nos Códigos Penal e Processual Penal).
O relatório, da responsabilidade do inevitável Prof. Boaventura, veio confirmar prolixamente aquilo que era por demais e se podia dizer com poucas palavras. Em síntese, que as alterações nada trouxeram que beneficiasse o funcionamento dos tribunais ou o andamento dos processos. Que as modificações introduzidas se traduziram num aumento desmesurado dos direitos dos arguidos, e na correspondente diminuição das garantias das vítimas. Que as exigências consignadas no que respeita v. g. a segredo de justiça, a intercepção de comunicações e a prazos de investigação inviabilizam qualquer inquérito que ultrapasse em complexidade o furto da galinha da vizinha ou em que o visado tenha estatuto social e económico um pouco acima de um qualquer zé ninguém.
E que em resumo o único objectivo realmente alcançado da famosa reforma foi o esvaziar das prisões. Em primeiro lugar porque as polícias, altamente limitadas a esse respeito, prendem muito menos; em segundo lugar porque os juízes, pressionados por exigências legais desenhadas para obstar a essa medida, aplicam muito menos a prisão preventiva; e em terceiro lugar porque os condenados alcançam a liberdade condicional mais cedo e com muito mais facilidade, saindo das cadeias a partir do meio das penas que lhes foram impostas em julgamento.
Em concreto, informa o relatório que nestes seis meses o número de prisões preventivas aplicadas desceu 30 % em relação ao semestre anterior, e que as situações de liberdade condicional aumentaram em 65%. Não refere o documento, porque isso não se consegue saber, quantas detenções deixaram de ser efectuadas pelos órgãos de polícia criminal, porque fora de flagrante delito isso lhes é quase impossível, e mesmo em flagrante delito o zelo se lhes afigura muito provavelmente inútil.
Temos assim, como único efeito desejado e proclamado da obra que o Ministério obrou, uma notória diminuição do número de presos nas cadeias portuguesas no período de tempo em referência.
Receio muito que o Ministério da Justiça conclua triunfante que a criminalidade desceu substancialmente no período em questão.
É aquela do menino que aspirava a ser cientista, e levava muito a sério essa sua vocação. Vai daí iniciou um estudo sobre o comportamento das rãs. Treinou uma a obedecer a comandos simples. Concretamente, dizia-lhe para saltar, e ela saltava. E ele tudo apontava no seu caderninho, como investigador cuidadoso e metódico. Confirmou repetidamente os resultados: sempre que ele gritava “salta!”, o animal invariavelmente obedecia e dava um saltinho. Prosseguindo a experiência, resolveu arrancar uma perna à rã. Depois voltou a fazer a experiência: ordenou-lhe que saltasse, e ela lá saltou, embora não com a ligeireza e prontidão anteriores. Continuando, o jovem investigador arrancou segunda perna à rã. A seguir transmitiu o comando habitual: “salta!”. O bicho, desajeitadamente, lá conseguiu dar um impulso para a frente - e saltou. Em prol do conhecimento e da ciência, o rapaz arrancou então terceira perna da rã. E de novo lhe gritou que saltasse. A pobrezinha, em sofrimento, agitou o corpo, fez força na pata restante, e ainda deu um trambolhão para a frente. Nesta altura o promissor cientista atingiu o auge da emoção: tirou a última das pernas da rã. Depois, insistiu no teste: “salta!”, salta!”. Porém, por mais que ele gritasse, o infeliz batráquio limitava-se a arfar, na sua respiração dolorida, mantinha o olhar vítreo e inexpressivo, e permanecia imóvel. Imóvel de todo.
No caderninho das observações o sábio aprendiz exarou então a conclusão: “a rã sem pernas não ouve”.
Ocorreu-me esta anedota a propósito da divulgação agora feita pelo Ministério da Justiça do Relatório da Monitorização dos primeiros seis meses de vigência da pomposamente chamada “reforma penal” (o conjunto de alterações avulsas introduzidas nos Códigos Penal e Processual Penal).
O relatório, da responsabilidade do inevitável Prof. Boaventura, veio confirmar prolixamente aquilo que era por demais e se podia dizer com poucas palavras. Em síntese, que as alterações nada trouxeram que beneficiasse o funcionamento dos tribunais ou o andamento dos processos. Que as modificações introduzidas se traduziram num aumento desmesurado dos direitos dos arguidos, e na correspondente diminuição das garantias das vítimas. Que as exigências consignadas no que respeita v. g. a segredo de justiça, a intercepção de comunicações e a prazos de investigação inviabilizam qualquer inquérito que ultrapasse em complexidade o furto da galinha da vizinha ou em que o visado tenha estatuto social e económico um pouco acima de um qualquer zé ninguém.
E que em resumo o único objectivo realmente alcançado da famosa reforma foi o esvaziar das prisões. Em primeiro lugar porque as polícias, altamente limitadas a esse respeito, prendem muito menos; em segundo lugar porque os juízes, pressionados por exigências legais desenhadas para obstar a essa medida, aplicam muito menos a prisão preventiva; e em terceiro lugar porque os condenados alcançam a liberdade condicional mais cedo e com muito mais facilidade, saindo das cadeias a partir do meio das penas que lhes foram impostas em julgamento.
Em concreto, informa o relatório que nestes seis meses o número de prisões preventivas aplicadas desceu 30 % em relação ao semestre anterior, e que as situações de liberdade condicional aumentaram em 65%. Não refere o documento, porque isso não se consegue saber, quantas detenções deixaram de ser efectuadas pelos órgãos de polícia criminal, porque fora de flagrante delito isso lhes é quase impossível, e mesmo em flagrante delito o zelo se lhes afigura muito provavelmente inútil.
Temos assim, como único efeito desejado e proclamado da obra que o Ministério obrou, uma notória diminuição do número de presos nas cadeias portuguesas no período de tempo em referência.
Receio muito que o Ministério da Justiça conclua triunfante que a criminalidade desceu substancialmente no período em questão.
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