Tratado de Lisboa tem sido conduzido “no isolamento e no secretismo”
Em entrevista exclusiva ao novo semanário REGISTO, conduzida por Vitório Rosado Cardoso, o Prof. António Marques Bessa, catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas aborda as crises europeia e nacional, no rescaldo do referendo irlandês ao Tratado de Lisboa.
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Autor de obras de referência nacionais e internacionais no campo da Ciência Política, especialista dos estudos da Geopolítica e das Elites, António Marques Bessa tem nos últimos anos lançado diversos “avisos” à classe política portuguesa e ao rumo dos negócios entre Portugal e o Mundo.
“Quem Governa - Uma análise histórico-política do tema da Elite”, “A Arte de Governar”, “Introdução à Política” ou “Introdução à Etologia - A nova imagem do Homem” são algumas das suas obras, que têm servido de referência no estudo e investigação da Ciência Política em Portugal.
No rescaldo da vitória do “Não” da Irlanda aoTratado de Lisboa e de possíveis consequências e impactos para o processo da construção europeia, o catedrático alerta para o que diz ser a “preparação” de um “Governo estrangeiro” para Portugal, num momento em que se comemoram os 200 anos da vitória luso-britânica na Guerra Peninsular.
Sempre que o tema da integração europeia é focado a questão peninsular ou luso-espanhola acaba por ser referenciada. António Marques Bessa acredita que “a Espanha não deve ser nem uma preocupação nem uma barreira”, mas critica o primeiro-ministro quando “lhe deu na ideia de falar espanhol, mostrar que sabe falar castelhano”.
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Que impacto para Portugal se o Tratado de Lisboa entrar em vigor?
A classe política portuguesa tem conduzido este processo sozinha, no isolamento e no secretismo. Parece que têm medo do povo. E com razão. O povo, em Portugal, costuma corrigir os desvarios da sua classe dirigente. O melhor é fazer tábua rasa do povo e depois elogiar muito as decisões populares, ou seja, dos representantes de ninguém. Os impactos só se podem ver no futuro mas para um país de dez milhões de pessoas, sem recursos, descapitalizado, sem alimentos, que poderemos esperar? O governo do estrangeiro. Os britânicos vivem o seu complexo de ilha coroada, de ilha imperial, não estão dispostos a agachar-se.
Faz então sentido a denúncia de Nigel Farage sobre o totalitarismo “à soviética” da União Europeia?
Eu denunciei já há muito tempo a formação de uma classe política de eurocratas. É o começo da consolidação de uma nomenclatura de funcionários bem pagos que nada querem saber dos cidadãos. A cidadania diminuirá e os privilégios da nomenclatura aumentarão.
O esquema europeu baseado em altos e médios funcionários não vai a lado nenhum. A não ser ao marasmo, para onde já se inclina. Não basta ser entusiasticamente europeu. É preciso saber onde termina a Europa e quem é que lhe vai dar estrutura, ou seja, coluna vertebral. Porque ainda lhe falta muito para a ter.
Os povos continuam a responder pelas suas identidades de modo que não há nacionalismo europeu, a não o ser o sentimento europeu muito presente no pessoal político, a quem o assunto interessa.
Haverá algum paralelismo com os ideais Pan-Europeístas de Napoleão de há 200 anos?
Napoleão quis criar um Império continental de Lisboa a Moscovo e São Petersburgo, do Canal ao sul da Itália. Hoje as coisas são semelhantes: sem perspectiva marítima a Europa veste khaki, aposta pouca na construção marítima e na navegação. Os navios de transporte fogem às suas bandeiras e são construídos no Oriente. Os três maiores portos do mundo estão na China.
Admira-me que os Estados europeus, exceptuando o Reino Unido, a França e a Itália, só se ocupem em controlar mares locais e costas, como se tivesse desistido do “sea power”.
Os países com alguma tradição marítima não têm condições para a impor na União. Terão de vestir khaki à força porque a política pública estará alinhada com a política da Comunidade.
Sendo assim, existem ainda os chamados atritos ou conflitos entre países de visão e vivência maritimistas e continentalistas?
Não. Existem países que ainda se estão a continentalizar e organizar internamente como a Rússia, a China, o Brasil e países que ultrapassaram essa fase e se envolveram em fortes actividades marítimas de Guerra e Comércio como é o caso dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França. Os Países do Oriente tornaram-se grandes construtores navais sem maritimidade suficiente, mas hegemónicos em termos de comércio marítimo. É preciso lembrar que mais de 90 por cento dos bens segue a rota marítima. A UE ainda não percebeu o problema e continua a apostar nos caminhos-de-ferro, estradas e aeroportos. Numa península totalmente rodeada por mar, cheia de ilhas, isto é verdadeiramente um paradoxo.
Que soluções para Portugal? Qual o actual estado da geopolítica portuguesa?
Para Portugal, infelizmente, já passou o tempo de tomar decisões. Mas a sua elite política é claramente continentalista. Nem vale a pena apontar-lhes o velho caminho do mar. Não o compreendem.
Nos dias que correm fazem ainda sentido termos como soberania, independência e nacionalidade?
Só para alguns. Não faz sentido para os funcionários e eurocratas, isto é, para a nomenclatura. Irá fazendo sentido para cada um, a seu modo, na medida em que perceba a terra dos mortos e a comunidade de sonhos.
Sobre as elites, como analisa as opções dos actuais líderes europeus como parte integrante de uma “elite” Haverá alguma contra-elite? E no caso português?
As contra-elites morreram de cansaço ou esconderam-se de vergonha. Desgastaram-se em embates sem sentido por toda a Europa culta. Aqui também. Ou entraram no “grande sistema” como fizeram os comunistas, bloquistas e quejandos ou não conseguiram entrar, mas porque não conseguiram votos para um deputado. A vontade geral dos potenciais representantes do povo representado é estar visível.
A elite faz como Ernst Junger recomendou: retira-se para a floresta. E aqui também. A floresta pode ser um convento, uma universidade, uma Misericórdia, um Hospital, o campo de Vale de Lobos, as serras de Torga, o País dos Uvas de Ramalho, a Terra dos Hobbit de Tolkien, A Costa Negra de Conan o Bárbaro, as Escarpas de Mármore de Junger, e assim por diante.
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Autor de obras de referência nacionais e internacionais no campo da Ciência Política, especialista dos estudos da Geopolítica e das Elites, António Marques Bessa tem nos últimos anos lançado diversos “avisos” à classe política portuguesa e ao rumo dos negócios entre Portugal e o Mundo.
“Quem Governa - Uma análise histórico-política do tema da Elite”, “A Arte de Governar”, “Introdução à Política” ou “Introdução à Etologia - A nova imagem do Homem” são algumas das suas obras, que têm servido de referência no estudo e investigação da Ciência Política em Portugal.
No rescaldo da vitória do “Não” da Irlanda aoTratado de Lisboa e de possíveis consequências e impactos para o processo da construção europeia, o catedrático alerta para o que diz ser a “preparação” de um “Governo estrangeiro” para Portugal, num momento em que se comemoram os 200 anos da vitória luso-britânica na Guerra Peninsular.
Sempre que o tema da integração europeia é focado a questão peninsular ou luso-espanhola acaba por ser referenciada. António Marques Bessa acredita que “a Espanha não deve ser nem uma preocupação nem uma barreira”, mas critica o primeiro-ministro quando “lhe deu na ideia de falar espanhol, mostrar que sabe falar castelhano”.
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Que impacto para Portugal se o Tratado de Lisboa entrar em vigor?
A classe política portuguesa tem conduzido este processo sozinha, no isolamento e no secretismo. Parece que têm medo do povo. E com razão. O povo, em Portugal, costuma corrigir os desvarios da sua classe dirigente. O melhor é fazer tábua rasa do povo e depois elogiar muito as decisões populares, ou seja, dos representantes de ninguém. Os impactos só se podem ver no futuro mas para um país de dez milhões de pessoas, sem recursos, descapitalizado, sem alimentos, que poderemos esperar? O governo do estrangeiro. Os britânicos vivem o seu complexo de ilha coroada, de ilha imperial, não estão dispostos a agachar-se.
Faz então sentido a denúncia de Nigel Farage sobre o totalitarismo “à soviética” da União Europeia?
Eu denunciei já há muito tempo a formação de uma classe política de eurocratas. É o começo da consolidação de uma nomenclatura de funcionários bem pagos que nada querem saber dos cidadãos. A cidadania diminuirá e os privilégios da nomenclatura aumentarão.
O esquema europeu baseado em altos e médios funcionários não vai a lado nenhum. A não ser ao marasmo, para onde já se inclina. Não basta ser entusiasticamente europeu. É preciso saber onde termina a Europa e quem é que lhe vai dar estrutura, ou seja, coluna vertebral. Porque ainda lhe falta muito para a ter.
Os povos continuam a responder pelas suas identidades de modo que não há nacionalismo europeu, a não o ser o sentimento europeu muito presente no pessoal político, a quem o assunto interessa.
Haverá algum paralelismo com os ideais Pan-Europeístas de Napoleão de há 200 anos?
Napoleão quis criar um Império continental de Lisboa a Moscovo e São Petersburgo, do Canal ao sul da Itália. Hoje as coisas são semelhantes: sem perspectiva marítima a Europa veste khaki, aposta pouca na construção marítima e na navegação. Os navios de transporte fogem às suas bandeiras e são construídos no Oriente. Os três maiores portos do mundo estão na China.
Admira-me que os Estados europeus, exceptuando o Reino Unido, a França e a Itália, só se ocupem em controlar mares locais e costas, como se tivesse desistido do “sea power”.
Os países com alguma tradição marítima não têm condições para a impor na União. Terão de vestir khaki à força porque a política pública estará alinhada com a política da Comunidade.
Sendo assim, existem ainda os chamados atritos ou conflitos entre países de visão e vivência maritimistas e continentalistas?
Não. Existem países que ainda se estão a continentalizar e organizar internamente como a Rússia, a China, o Brasil e países que ultrapassaram essa fase e se envolveram em fortes actividades marítimas de Guerra e Comércio como é o caso dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França. Os Países do Oriente tornaram-se grandes construtores navais sem maritimidade suficiente, mas hegemónicos em termos de comércio marítimo. É preciso lembrar que mais de 90 por cento dos bens segue a rota marítima. A UE ainda não percebeu o problema e continua a apostar nos caminhos-de-ferro, estradas e aeroportos. Numa península totalmente rodeada por mar, cheia de ilhas, isto é verdadeiramente um paradoxo.
Que soluções para Portugal? Qual o actual estado da geopolítica portuguesa?
Para Portugal, infelizmente, já passou o tempo de tomar decisões. Mas a sua elite política é claramente continentalista. Nem vale a pena apontar-lhes o velho caminho do mar. Não o compreendem.
Nos dias que correm fazem ainda sentido termos como soberania, independência e nacionalidade?
Só para alguns. Não faz sentido para os funcionários e eurocratas, isto é, para a nomenclatura. Irá fazendo sentido para cada um, a seu modo, na medida em que perceba a terra dos mortos e a comunidade de sonhos.
Sobre as elites, como analisa as opções dos actuais líderes europeus como parte integrante de uma “elite” Haverá alguma contra-elite? E no caso português?
As contra-elites morreram de cansaço ou esconderam-se de vergonha. Desgastaram-se em embates sem sentido por toda a Europa culta. Aqui também. Ou entraram no “grande sistema” como fizeram os comunistas, bloquistas e quejandos ou não conseguiram entrar, mas porque não conseguiram votos para um deputado. A vontade geral dos potenciais representantes do povo representado é estar visível.
A elite faz como Ernst Junger recomendou: retira-se para a floresta. E aqui também. A floresta pode ser um convento, uma universidade, uma Misericórdia, um Hospital, o campo de Vale de Lobos, as serras de Torga, o País dos Uvas de Ramalho, a Terra dos Hobbit de Tolkien, A Costa Negra de Conan o Bárbaro, as Escarpas de Mármore de Junger, e assim por diante.
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