A mortalidade de Camilo aos nossos dias
Percorrer Camilo é um caminho de cruzes. Vamos andando por novelas e romances e invaravelmente tropeçamos com mortos, em cadência firme e regular (não direi a cada página, por me parecer que exagerava a realidade, mas também não direi a cada capítulo, o que seria manifestamente diminui-la). É a vida, e o escritor quis dar-nos a vida nas folhas dos seus livros. A vastíssima galeria humana do universo camiliano não poderia estar isenta de transe tão comum - todos morrem, e ali morrem como tordos em época venatória.
O que me impressionou e me pôs nestas reflexões foi a observação das causas de morte na obra de Camilo. Julgo que a tal respeito não existe nenhum estudo, nem tese universitária, mas podemos perfeitamente fazer uma digressão pela ficção camiliana e recolher dados sobre a questão. A análise, mesmo perfunctória, aponta para a predominância nessa mortandade de causas que hoje se nos afiguram insólitas. Obsoletas. Se assim era no tempo dele, ou alguma vez foi noutro tempo qualquer, temos que reconhecer que essas causas de mortalidade estão de todo ultrapassadas.
Em Camilo as pessoas morrem de amor, de desgosto, de remorso, de vergonha - quase todas de paixões, tão fortes que deitam abaixo a mais forte constituição. As chamadas causas naturais quase não existem, e quando aparecem estão notoriamente subordinadas - se o desarranjo físico sobreveio, e a doença matou, não foi senão porque o mal do espírito o originou. Lá pelo meio, e como é sabido, também aparecem uns mortos de morte matada, a tiro ou de arma branca, mas também aí se pode ver o mesmo: são as paixões que estão na raiz.
O fenómeno, esta observação empírica, deve provocar forte perplexidade, senão mesmo embaraço ou atrapalhação, nos técnicos do Instituto Nacional de Estatística (não sei se ainda se chama assim, mas todos sabem o que é). O que ressalta aos olhos do eventual especialista leitor de Camilo podemos nós ver ao primeiro olhar, e não somos cientistas. Quem é que morre hoje disso, digam-me lá? Conhecem alguém que tenha morrido de amores, ou de remorsos, ou de vergonha, ou de desgosto? Não creio. Agora as paixões, se existem (pode suspeitar-se que já não haja amor, nem ódio, nem vergonha, nem remorso, nem desgosto além do banal) estão moderadas, pacíficas, racionais e civilizadas. Não são causa de morte. Nem constam dos mapas das estatísticas, entre as causas de morte. Obviamente que não estão incluídas no elenco das causas possíveis.
Largo campo de meditação para os sociólogos, que sabem explicar tudo. A vida mudou muito, e a morte ainda mais.
O que me impressionou e me pôs nestas reflexões foi a observação das causas de morte na obra de Camilo. Julgo que a tal respeito não existe nenhum estudo, nem tese universitária, mas podemos perfeitamente fazer uma digressão pela ficção camiliana e recolher dados sobre a questão. A análise, mesmo perfunctória, aponta para a predominância nessa mortandade de causas que hoje se nos afiguram insólitas. Obsoletas. Se assim era no tempo dele, ou alguma vez foi noutro tempo qualquer, temos que reconhecer que essas causas de mortalidade estão de todo ultrapassadas.
Em Camilo as pessoas morrem de amor, de desgosto, de remorso, de vergonha - quase todas de paixões, tão fortes que deitam abaixo a mais forte constituição. As chamadas causas naturais quase não existem, e quando aparecem estão notoriamente subordinadas - se o desarranjo físico sobreveio, e a doença matou, não foi senão porque o mal do espírito o originou. Lá pelo meio, e como é sabido, também aparecem uns mortos de morte matada, a tiro ou de arma branca, mas também aí se pode ver o mesmo: são as paixões que estão na raiz.
O fenómeno, esta observação empírica, deve provocar forte perplexidade, senão mesmo embaraço ou atrapalhação, nos técnicos do Instituto Nacional de Estatística (não sei se ainda se chama assim, mas todos sabem o que é). O que ressalta aos olhos do eventual especialista leitor de Camilo podemos nós ver ao primeiro olhar, e não somos cientistas. Quem é que morre hoje disso, digam-me lá? Conhecem alguém que tenha morrido de amores, ou de remorsos, ou de vergonha, ou de desgosto? Não creio. Agora as paixões, se existem (pode suspeitar-se que já não haja amor, nem ódio, nem vergonha, nem remorso, nem desgosto além do banal) estão moderadas, pacíficas, racionais e civilizadas. Não são causa de morte. Nem constam dos mapas das estatísticas, entre as causas de morte. Obviamente que não estão incluídas no elenco das causas possíveis.
Largo campo de meditação para os sociólogos, que sabem explicar tudo. A vida mudou muito, e a morte ainda mais.
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