segunda-feira, agosto 25, 2008

A sucessão impossível

Viver perigosamente é certamente exaltante (tem muita adrenalina, como se diz agora), mas os povos, apesar de apreciarem excitações, não aguentam viver muito tempo nesse estado de exaltação. Foi certamente por saber isso que Salazar traçou a orientação que sintetizou na máxima irónica do "viver habitualmente". Sabia que só tornando-se habitualidade e rotina a situação poderia perdurar. Desse ponto de vista, foi um vencedor: assegurou ao país um período de governação estável cuja duração dificilmente encontra paralelo na nossa história política.
Apesar disso, não logrou institucionalizar um regime que lhe sobrevivesse por tempo significativo. O edifício jurídico-político, e ideológico, levantado para enquadrar o exercício do poder salazarista não estava preparado para viver sem Salazar. Penso que ele o sabia. O seu cepticismo não lhe permitia depositar muita fé em regímes políticos. Acreditava no poder, e no seu exercício. Acreditava em algumas grandes coordenadas básicas, a que esse exercício devia subordinar-se. Mas não acreditava que uma determinada forma pudesse prolongar-se independentemente dos factores objectivos e subjectivos para que tinha sido criada. Daí a sua abstenção no que respeita ao tema da sucessão, que impressiona frequentemente os historiadores: apesar de todas as pressões, nomeadamente a do tempo, que apertava, Salazar não preparou a sucessão. Creio que procedeu desse modo porque sabia que não teria sucessor. Sem a sua presença física as leis que regem a vida, e a história, imporiam os seus direitos. Seria estultícia pretender usar de um poder que se extinguiria com ele para tentar condicionar o que viria depois - quando esse poder já nada poderia pesar.

1 Comments:

At 4:09 da tarde, Blogger Jansenista said...

Muito bem observado - em particular a frase com que remata!

 

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