domingo, novembro 16, 2008

Jorge Ferreira, ou o imperativo de tomar partido

A entrevista de hoje é com Jorge Ferreira, o autor do "Tomar Partido". Na verdade é mais um diálogo, datado de 15 de Novembro de 2008, em que opinamos os dois... e o mais fica por dizer, como quase sempre acontece. Aqui ficam então as palavras de Jorge Ferreira, homem da comunicação, advogado, professor, político, blogador, que muito vêm enriquecer esta minha casa.
Para ajudar a vencer o medo atávico de... Tomar Partido.

1 - Num dos seus poemas, António Manuel Couto Viana fala do "pudor brando de tomar partido" que assolaria a nossa terra... Tem sentido isso? Não tem nada que ver com o seu blogue?
- Não é bem isso que sinto, embora perceba a que se refere António Manuel Couto Viana. O "pudor brando" é assim uma espécie de torpor de indiferença, que alguns tentam salvar qualificando-o de sageza, mas que atentos os resultados práticos, me parece uma sub-espécie da indolência mental, ancestralmente estimulada por pseudo-elites contemporizadoras e chico-espertas. As nossas elites preferem comer fast ideas, do que dar-se a muitas trabalheiras de pensamento. Quanto à acção, nem falar… O que sinto mais e é sobretudo contra isto que dirijo o Tomar Partido é a cultura medíocre de desancar políticos, futebolistas, manequins nos cafés e andar às palmadinhas nas costas dos mesmos, mal se tem uma oportunidade ou uma câmara de televisão à mão. Isto é a cobardia pura. Bem sei que somos todos primos uns dos outros e que nos encontramos nas mesmas ruas, nas mesmas praças. Esse é o principal factor que leva os portugueses a tomar um partido cúmplice, porque inconsequente. Sucede que numa época de cavalgada dos relativismos, dos permissivismos e da ausência de valores, acho que a atitude de tomar partido é ainda mais necessária. Mesmo que nos custe solidões, pobreza ou desencanto. É como se o círculo mental coimbrão tivesse tomado conta do país. Um professor de Coimbra expõe a tese a favor, a tese contra e depois constrói uma tese própria, que é a “eclética”, que traz um bocadinho de cada uma e assim vamos ficando de bem com Deus e com o Diabo.
2 - Há muito que se convencionou chamar à imprensa o quarto poder. Poderá a internet vir a ser o quinto?
- Aqui para nós, que ninguém nos ouve…, eu creio bem que já é. Mas é um poder muito mais vasto ou devastador, se se preferir, do que era o poder que a imprensa recebeu como o quarto. O quarto poder era essencialmente um anti-poder político. A imprensa como refúgio de denúncia, como respiradouro das democracias corrompidas. O poder que a Internet é, é muito mais aliciante e perigoso. É uma virtualidade que tende a tornar-se totalitária se não tivermos cuidado. Orwell, Orwell…
3 - O Jorge Ferreira tem já uma longa experiência política. Observando hoje a cena política portuguesa, parece-lhe que há um caminho à direita? Ou o sistema partidário está fechado, e não é possível romper o círculo?
- O sistema político está claramente fechado. Todas as portas estão devidamente bloqueadas pelos partidos parlamentares. Eles fazem as leis e os orçamentos que impedem novos alvarás partidários. Eles fazem, todos, do Bloco ao CDS, embora cada um à sua maneira, os negócios do regime, que não começaram agora com os escândalos recentes. Eu próprio, enquanto deputado, tive a oportunidade e o poder de denunciar alguns, numa altura em que ainda não era moda e sei bem o que passei. Ora, o caminho à direita eu tenho a certeza que há, mas esse caminho político e ideológico esbarra nos vários cadeados do sistema e no pudor brando do eleitorado, que não está disposto a arriscar numa mudançazinha por mínima que seja. Mas também acredito que isto não é eterno, e que há que continuar o combate, nem que seja apenas nos blogues… as mudanças surpreendem justamente porque não se prevêem.
4 - A blogosfera complementa os meios de comunicação social tradicionais, substitui-os, ou confronta-os? Em que medida se pode dizer que os blogues são a voz dos que não têm voz em tais meios?
- A blogosfera faz isso tudo. Complementa-os, porque proporciona um tipo de comunicação que não se encontra nos meios tradicionais. Substitui-os, porque hoje, talvez infelizmente para os meios convencionais, há informação censurada nesses meios que nos blogues não há como impedir. E confronta-os, na exacta medida em que os complementa e substitui. Creio, aliás, que os meios de comunicação convencionais ainda não perceberam ou não conseguiram reagir completamente a esta nova realidade. Eu diria, felizmente hoje há blogues. Basta ver como teria sido muito mais calma a vida deste desgoverno socialista sem eles. Pela primeira vez assistimos a políticos a porem processos judiciais a blogues: Sócrates ao Do Portugal Profundo, o ministério das Finanças ao Jumento. Como diria o humorista, vai muito meduncho por aí…
5 - Um amigo dizia-me que em Portugal só há lugar para um partido, o país só dá para alimentar um partido; por isso vivemos tendencialmente sempre em partido único, que por vezes assume a aparência de um rotativismo alternadeiro... Se o Estado Novo funcionou com um, e a Primeira República funcionava com outro, o rotativismo monárquico funcionava com dois que na realidade se combinavam perfeitamente para rodar de vez em quando os lugares de topo sem afectar o essencial (não tirar a gamela a ninguém), e esta república tende a organizar-se de forma idência, com o PS/PSD, novamente o um em dois. O que se lhe oferece comentar sobre a tese?
- Eu sempre tentei refutar esse fatalismo, que não é novo. Bem como aquele fatalismo iberista, que deve ser a base de raciocínio do ministro iberista Mário Lino, que nos diz que um país que apenas consegue obter um PIB como o da Catalunha, não tem o direito nem as condições para aspirar a uma soberania no mundo de hoje. Sempre militei nas margens do sistema e tive a alegria de, em certas circunstancias, sentir que é possível dar luta. Dar luta, dar sempre luta, é isso que o sistema não gosta, porque se é certo que é guloso, também é verdade que está anafado e preguiçoso. A alternativa é fechar o país ou desistir. Não vou por aí.
6 - Fazer o "Tomar Partido" tem sido um exercício estimulante, uma perda de tempo, ou um empreendimento de sucesso?
- Tem sido, sobretudo, um imenso gozo da minha liberdade. Escrever o que quero, quando quero e quando me apetece. Isto não tem preço. De são e de jornalista, todos temos um pouco. Ora, algum dia, caro Manuel, pensou ser tão fácil e tão barato ter um jornal só para si?... Na medida em que é resultado da minha liberdade é muito estimulante. Agora sucesso, não lhe sei responder. Devolvo a pergunta: o que é o sucesso de um blogue?

4 Comments:

At 9:08 da tarde, Blogger Planetas - Bruno said...

Gostei da entrevista, alias sou assiduo visitante de ambos.

 
At 12:41 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Trabalhar faz calos
Gostei da entrevista especialmente quando se satisfaz por ter um jornal só para si. Já dizia outro "no que diz molero: - Há indivíduos que são doidos por centrais sindicais." Eu diria que há tipos que são doidos por jornais, especialmente quando escrever não custa nada, o papel, neste caso o computador aceita tudo o que queremos sem ter necessidade de provar nada. É como o Alegre, fala, fala, mas trabalhar tá quieto. Sentou-se à mesa do orçamento em 1975 e nunca mais de lá saiu. Há tipos que ficam doidos quando têm um tacho. Cada um é pró que nasce!!!

 
At 9:46 da manhã, Anonymous Anónimo said...

«Gostei da entrevista especialmente quando se satisfaz por ter um jornal só para si.»

Quem conheceu o CDS no Monteirismo, sabe que é proverbial a falta de inteligência do Jorge Ferreira “compensada” por uma agressividade verbal intimidatória a quem o contrariava. Criou, só ele, mais anticorpos dentro do CDS que toda a ‘monteirada’ junta.
Hoje está sozinho, e com a falta de credibilidade política que tem, se não escrever no blogue, não escreve em lado nenhum.
Largo do Caldas

 
At 10:41 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Jorge Ferreira... bahhh... além do 'político' que todo o País viu acontece que também o conheci como 'causídico'... bahhhh....

um "colega" :))

 

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