quinta-feira, novembro 13, 2008

Os professores, as escolas, e as fantasias ideológicas

A actual balbúrdia na educação é uma delícia para os cínicos.
Os professores, quase em uníssono, espumam de indignação contra as políticas do PS. Podem ter razão, mas ninguém ignora, a começar pelos próprios, que foram eles que lá puseram esse governo. São uma fatia eleitoral tão significativa, eles e os respectivos núcleos familiares, e em que se verifica um tão esmagador domínio do voto PS, que se pode dizer sem mentir que se não fossem eles o PS não ganhava eleições. (Esta observação é verdadeira para as eleições anteriores, e vale para as próximas... Aliás, é um fenómeno que não se verifica só em Portugal: em França por exemplo tem sido amplamente documentada a caracterização do PS como um partido do professorado e do funcionalismo. A questão tem raízes muito profundas, e liga-se ao lugar central que os PSs, e a classe docente, ocupam actualmente em relação à ideologia comum nas actuais sociedades ocidentais).
Há, no entanto, bastantes outros motivos de interesse.
Desde logo, a senhora ministra. Esta enfrenta uma situação que se repete frequentemente com as pessoas da sua formação ideológica. Cresceu e formou-se como militante da extrema-esquerda, com toda a carga de fantasias que isso implica. Depois avançou em idade, subiu na vida, e pensou que as suas ideias tinham amadurecido. Viu-se em situação de se confrontar com a realidade, e constata que afinal as ideias não tinham amadurecido nada - eram um conjunto de efabulações, que é preciso esquecer ao contacto com a vida. Como também tem acontecido com frequência, este choque com a natureza das coisas pode despertar pulsões perigosas, que estavam adormecidas mas não destruídas na alma embalada pelas ilusões da doutrina. Em cada ex-esquerdista pode estar latente um temível concentracionário; querem à força corrigir o mundo, que lhes contrariou as crenças. Cuidado com eles.
Todavia, e olhando para o plano meramente pessoal, é bem real o drama interior que os dilacera.
Como pano de fundo, temos as escolas. Estas foram e são, essencialmente, vítimas da mania funesta da igualdade e da democracia. Em qualquer tarefa minimamente complexa a que os homens se dediquem, em qualquer organização humana, a natureza revela as suas leis inexoráveis. Estas apontam inexoravelmente para a diferenciação, a especialização funcional, a hierarquização. Tudo na monomania igualitarista e nas ficções democráticas vai no sentido da violentação das regras da natureza. Se levadas a sério, são falácias que destroem qualquer organização social. A democracia só funciona quando é pouca e não ultrapassa o plano das convenções e das aparências. O que tem importância não pode estar dependente de "gestões democráticas e participadas".
Assim tem acontecido com a escola: a tentativa de institucionalizar na prática ideias que se chocam com o próprio conceito de instituição, de organizar essas realidades com base em dogmas que são incompatíveis com as ideias de organização ou de organismo, não poderiam conduzir a outro resultado que não fosse o desastre que todos constatam (mesmo aqueles que não querem admitir as verdadeiras causas).
É esta a verdade, mas não se pode dizer. Não podem os professores, que a conhecem, nem pode o Ministério, que também não a ignora, e não pode a Ministra, que lhe apetecia gritá-la (sobretudo agora, que é perseguida pelos ovos e pela berraria da turbamulta histérica educada para a liberdade de expressão).
Para todos eles, a situação é dramática: como podem eles dizer agora que a deseducação geral, o falhanço da escola, é o resultado directo dos princípios que apregoam nas aulas, que proclamam nos textos de orientação, que enfatizam nos discursos, que reclamam nas ruas?