quinta-feira, dezembro 04, 2008

Caso BPP: o socialismo é só para os espertos?

A crónica de Manuel António Pina no Jornal de Notícias com o título Socialismo de casino fez-me lembrar uma outra crónica, essa de minha autoria, que aqui publiquei nos primórdios do "Sexo dos Anjos". Leiam-na e digam-me se não lhes faz pensar no caso Banco Privado Português, e se não explica cabalmente por que os nossos ricos gostam tanto do socialismo. Pode chamar-se agora, actualizadamente, "o socialismo afinal é também (sobretudo) para os espertos".
Primeiro, o artigo de MAP:
"Noticia a AFP que, para poder obter do Estado americano um crédito salvador, a Ford vai reduzir o salário do seu presidente executivo para 1 dólar… por ano. Henry Ford tinha dito em 1934, em plena Grande Depressão: "Deixem-nos falir a todos. Se eu ficar sem nada com o colapso do sistema financeiro, recomeçarei do princípio e construirei tudo de novo".
75 anos depois, num país distante (não, não é de África), não só os gestores de bancos falidos continuam a ganhar milhões, como um governo socialista entrega o dinheiro dos contribuintes como garantia para salvar as fortunas de meia dúzia de milionários que fizeram um banco para especular na Bolsa e investir em aplicações de alto risco que deram para o torto. "Servir a nossa economia e as famílias", foi o motivo com que Sócrates justificou os apoios do Estado à banca. O BPP não tem balcões nem dá crédito a particulares ou empresas, apenas gere fortunas de uma elite financeira com nomes como Rendeiro, Ferreira dos Santos, Saviotti, Balsemão, Vaz Guedes, Júdice, etc.. São as fortunas de tais "famílias" que os nossos impostos vão agora garantir.
"
E em segundo lugar a minha historieta, que deixo à boa compreensão dos leitores:
"Havia lá em cima dois pobres lavradores, desde sempre vizinhos e amigos.
Um tinha duas vacas, e o outro tinha dois burros.
Um dia, veio a revolução quebrar o ritmo inalterável daquela existência sempre igual.
Aquele que tinha duas vacas, mas não tinha nenhum burro, ouviu a pregação socialista, e ficou sensibilizado pelas doutrinas sobre a propriedade, a igualdade, a justa repartição da riqueza, etc. - e tirou as suas ilacções.
Dirigiu-se então ao amigo que tinha dois burros, e expôs o problema: agora vinha aí o socialismo, a igualdade, quem tinha mais devia repartir por quem não tinha – em suma, em adesão às novas ideias impunha-se que o amigo, que tinha dois burros, lhe desse um deles, que bastante jeito lhe fazia, e assim ficariam conformes com a doutrina consagrada na constituição.
O outro ouviu, e, bem ou mal convencido, ou apenas esmagado pelo brilho da nova ideologia, acedeu – e deu-lhe um dos burros, em homenagem ao socialismo.
O pior foi depois, quando contou à patroa. Ouviu das boas, que o sentido prático feminino não permitia a esta embarcar nas mesmas cantigas. E terminou a mulher o raspanete com a saída lógica: o nosso amigo tem duas vacas, e nós não temos nenhuma; trata pois de ir falar com ele, e resolver o problema; a nós também fazia muito jeito ter uma vaquinha ...
Ao infeliz pareceu acertada a ideia, e lá foi novamente falar com o amigo. Pôs a questão como a mulher o ensinara, e apelou ao amigo: tem duas vacas, eu não tenho nenhuma, impõe-se assegurar a igualdade – se me desse uma das vaquinhas, como eu já lhe dei um dos meus burros...
Aqui chegados, o primeiro sobressaltou-se – e renegou do socialismo.
- Mas o amigo não percebeu? O socialismo é só para os burros ..."