Prenda de Natal
O regalo a que refiro é o surgimento de um novo blogue, O Cacique, que logo a abrir me saudou com palavras por demais lisonjeiras.
Feliz seria eu, se me pudesse ver como o semeador que um dia vê florir as sementes que lançou. Grato fico, porém, só com a referência generosa e amiga.
E gratificante também foi o reencontro, que me proporcionou, com José da Gama e Castro. Tenho especial gosto e apreço pelo autor do "Novo Príncipe". Lembro-me, como se fosse recente, do meu primeiro contacto com a escrita do inditoso exilado. Era eu ainda jovenzinho e passeando sob as arcadas do Terreiro do Paço, a ver os livros que por ali displicentemente se estendiam, avistei um pequeno alfarrábio com a indicação da autoria do prestigioso tratadista político, por mim já conhecido da forma que em tribunal me vedaria falar sobre ele: só o conhecia de ouvir dizer. Trouxe comigo o volumezinho, era o Diário da Emigração para Itália, e foi um deslumbramento pela descoberta, sobretudo, do estilo. E o estilo é o homem, dizia não sei quem.
O "Diário da Emigração para Itália" é uma breve descrição da passagem do autor para lugares mais seguros, desde a altura em que embarcou em Lisboa, "estando em muito boas esperanças de ser enforcado nela", até ao seu estabelecimento nos domínios pontifícios, sob os céus protectores da velha Roma. Pelo meio, uma atribulada e sofrida viagem, em que os homens e a natureza pareciam conjurar-se para perdição dos pobres viajantes. Mas ainda sorrio quando me lembro do capítulo "De como comemos o primeiro gato..." O espírito de Gama e Castro consegue tornar uma delícia, se não o azarado bichano, ao menos o que poderia ser a leitura de um opúsculo banal.
Outros gigantes da cultura e do pensamento português produziu essa desgraçada geração de vencidos: penso em Acúrsio das Neves, em Ribeiro Saraiva, no Visconde de Santarém, mesmo em José Agostinho de Macedo. Porém, a graça e a elegância da escrita de Gama e Castro são só dele, únicas e inimitáveis.
Fez bem O Cacique em recordar-nos as palavras preambulares de Gama e Castro no "Novo Príncipe", que até parecem escritas a propósito, primeiro das frequentes introspecções sobre o que me trouxe aqui, e depois de certa recorrente polémica blogosférica sobre o anonimato.
Aqui as dou a ler aos meus visitantes, e digam-me depois se a final não ficam a matar na malfadada e inútil controvérsia. Eu diria pior, mas o que eu queria dizer era isto.
"Não foi o prurido de escrever que deu origem à publicação desta pequena obra; foi o desejo sincero de fazer bem, e aquela convicção íntima de que deve estar possuído todo aquele que faz públicas, pela imprensa, as suas opiniões. Ao ver sofismadas, ou esquecidas, muitas verdades essenciais ou importantes, um sentimento de indignação me fez conceber o projecto de destruir as sugestões da Cabala, e de dar rebate aos portugueses alucinados dos perigosos desígnios da Propaganda. (...)
Por toda a parte subordinei a elegância à clareza; quando se escreve para convencer, a todo o momento é necessário sacrificar a música da linguagem, porque poucas vezes se pode conciliar o interesse da inteligência com a satisfação do ouvido. Numa coisa, porém, empenhei principalmente todo o cuidado; foi em que o livro não me saísse pejado de capítulos ociosos, donde o leitor não tirasse mais fruto do que o trabalho de os ter lido. Não há coisa de que tanto medo eu tenha, quando escrevo, como de que digam de mim o de que alguns livros do seu tempo dizia o nosso primeiro clássico: "Enquanto os eu vou lendo, bem os entendo; mas depois que os acabo de ler, não sei o que me disseram".
Não quero dizer quem sou. Os trabalhos de um homem obscuro apenas podem interessar, quando muito, aos seus amigos, e nem ao menos gozam do prívilégio de poderem servir aos outros de exemplo. Se nesta obra se encontrarem verdades dignas de adaptar-se, não perderão o que valem por ser desconhecida a pena donde saíram. E se nada se contém nela que digno seja de aproveitar-se, de que serve expor um nome desconhecido aos tiros da inveja que, quando morre, deixa sempre depois de si a calúnia que nunca morre?"
Obrigado, e um abraço a'O Cacique!
Feliz seria eu, se me pudesse ver como o semeador que um dia vê florir as sementes que lançou. Grato fico, porém, só com a referência generosa e amiga.
E gratificante também foi o reencontro, que me proporcionou, com José da Gama e Castro. Tenho especial gosto e apreço pelo autor do "Novo Príncipe". Lembro-me, como se fosse recente, do meu primeiro contacto com a escrita do inditoso exilado. Era eu ainda jovenzinho e passeando sob as arcadas do Terreiro do Paço, a ver os livros que por ali displicentemente se estendiam, avistei um pequeno alfarrábio com a indicação da autoria do prestigioso tratadista político, por mim já conhecido da forma que em tribunal me vedaria falar sobre ele: só o conhecia de ouvir dizer. Trouxe comigo o volumezinho, era o Diário da Emigração para Itália, e foi um deslumbramento pela descoberta, sobretudo, do estilo. E o estilo é o homem, dizia não sei quem.
O "Diário da Emigração para Itália" é uma breve descrição da passagem do autor para lugares mais seguros, desde a altura em que embarcou em Lisboa, "estando em muito boas esperanças de ser enforcado nela", até ao seu estabelecimento nos domínios pontifícios, sob os céus protectores da velha Roma. Pelo meio, uma atribulada e sofrida viagem, em que os homens e a natureza pareciam conjurar-se para perdição dos pobres viajantes. Mas ainda sorrio quando me lembro do capítulo "De como comemos o primeiro gato..." O espírito de Gama e Castro consegue tornar uma delícia, se não o azarado bichano, ao menos o que poderia ser a leitura de um opúsculo banal.
Outros gigantes da cultura e do pensamento português produziu essa desgraçada geração de vencidos: penso em Acúrsio das Neves, em Ribeiro Saraiva, no Visconde de Santarém, mesmo em José Agostinho de Macedo. Porém, a graça e a elegância da escrita de Gama e Castro são só dele, únicas e inimitáveis.
Fez bem O Cacique em recordar-nos as palavras preambulares de Gama e Castro no "Novo Príncipe", que até parecem escritas a propósito, primeiro das frequentes introspecções sobre o que me trouxe aqui, e depois de certa recorrente polémica blogosférica sobre o anonimato.
Aqui as dou a ler aos meus visitantes, e digam-me depois se a final não ficam a matar na malfadada e inútil controvérsia. Eu diria pior, mas o que eu queria dizer era isto.
"Não foi o prurido de escrever que deu origem à publicação desta pequena obra; foi o desejo sincero de fazer bem, e aquela convicção íntima de que deve estar possuído todo aquele que faz públicas, pela imprensa, as suas opiniões. Ao ver sofismadas, ou esquecidas, muitas verdades essenciais ou importantes, um sentimento de indignação me fez conceber o projecto de destruir as sugestões da Cabala, e de dar rebate aos portugueses alucinados dos perigosos desígnios da Propaganda. (...)
Por toda a parte subordinei a elegância à clareza; quando se escreve para convencer, a todo o momento é necessário sacrificar a música da linguagem, porque poucas vezes se pode conciliar o interesse da inteligência com a satisfação do ouvido. Numa coisa, porém, empenhei principalmente todo o cuidado; foi em que o livro não me saísse pejado de capítulos ociosos, donde o leitor não tirasse mais fruto do que o trabalho de os ter lido. Não há coisa de que tanto medo eu tenha, quando escrevo, como de que digam de mim o de que alguns livros do seu tempo dizia o nosso primeiro clássico: "Enquanto os eu vou lendo, bem os entendo; mas depois que os acabo de ler, não sei o que me disseram".
Não quero dizer quem sou. Os trabalhos de um homem obscuro apenas podem interessar, quando muito, aos seus amigos, e nem ao menos gozam do prívilégio de poderem servir aos outros de exemplo. Se nesta obra se encontrarem verdades dignas de adaptar-se, não perderão o que valem por ser desconhecida a pena donde saíram. E se nada se contém nela que digno seja de aproveitar-se, de que serve expor um nome desconhecido aos tiros da inveja que, quando morre, deixa sempre depois de si a calúnia que nunca morre?"
Obrigado, e um abraço a'O Cacique!
1 Comments:
Mais um para a luta.
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