sábado, janeiro 31, 2009

«Força, força, companheiro Vasco, nós seremos a muralha de aço!»

"Apelar para os baixos sentimentos, para os pavores ancestrais, para a ignorância, ardilosamente implantada na população, pelo fascismo, é ser-se antidemocrata, é dar provas de desprezo pelo seu semelhante, pelo seu compatriota a quem foi vedado o acesso à mais elementar manifestação cultural. É, numa palavra, um procedimento de cariz fascista, já que foi abusando da ignorância do povo português que o salazarismo e o caetanismo se mantiveram, autoritariamente, no Poder por tão largos anos. É, pois, de lamentar que homens com quem a revolução deveria contar, que tinham o dever de se encontrar lado a lado com os outros revolucionários, civis e militares, não hesitem em estabelecer alianças de facto com os inimigos que ontem combateram, só com o propósito de quererem impedir que as classes trabalhadoras tomem o seu destino nas suas próprias mãos, esquecendo, até, que, em última análise, e por mais provas de arrependimento que vierem a dar, não se esquivarão, mais dia, menos dia, à sanha dos inimigos do povo português.
Mantendo-me fiel ao princípio de deixar que sejam os outros a cometer as más acções e, também, porque sei que, através da minha pessoa, é o Movimento das Forças Armadas que eles pretendem atingir, não responderei, jamais, aos autores dos insultos de que sou alvo. A cada um a sua moral.
No dia em que se escrever a história destes últimos quinze meses e se trouxer a lume as traças e as manhas de alguns dos seus autores e figurantes, uns cujos nomes andam nas gazetas nacionais e estrangeiras, como paladinos da revolução e da liberdade, outros conspirando nos corredores e nos cantos da sombra, haverá decerto quem fique surpreendido. No entanto, para a grande maioria do nosso povo, a quem não se pode enganar eternamente, a boa-fé, as revelações que se fizerem não serão mais do que a confirmação daquilo que ele já há muito suspeita.

Devo aqui afirmar que vós tendes um Governo feito de patriotas, de grandes lutadores, de autênticos revolucionários, um Governo coeso como nunca houve depois do 25 de Abril. Este Governo é formado por homens de coragem, por homens que não estiveram a perguntar pelos programas, pelas linhas, pelas metas, homens que estiveram prontos a dirigir a sua Pátria no momento de crise.

Não tenhamos ilusões de que, se voltar o fascismo, este será ainda mais feroz (ver o caso do Chile) do que antes do 25 de Abril. Teremos mais ferozes do que antes a PIDE, a Censura, a exploração das classes laboriosas e dos pequenos comerciantes, industriais e agricultores; perderemos a reforma agrária, as nacionalizações, o controle de produção pelos trabalhadores, a liberdade sindical, o direito à greve, o direito de livre associação e reunião, o direito à formação de partidos políticos, o direito à liberdade de expressão e pensamento, etc. Numa palavra, os mais elementares direitos dos cidadãos.
Sim, Portugal vive de novo o perigo do fascismo. A onda de agitação que tem coberto largas zonas do País tem grandes semelhanças com as situações pré-fascistas que se têm vivido na Europa.
É necessário que todos os portugueses democratas, progressistas e patriotas tenham bem consciência dos perigos que atravessamos, e que se unam! Que se unam na defesa das conquistas alcançadas depois do 25 de Abril."


(Vasco Gonçalves, discurso de Almada, 18/8/1975)