terça-feira, março 10, 2009

Conversa com Bruno Oliveira Santos: por um projecto de vanguarda assente no que sempre fomos

Esta entrevista saiu na verdade um diálogo, em que tanto falam entrevistado como entrevistador. O perguntador sou eu, o questionado é o Bruno Oliveira Santos, que abriu um blogue (o Nova Frente) mais ou menos nos mesmos dias em que este viu a luz da tela, e desde então o tem mantido aberto, dando combate sem tréguas ao conformismo, à mediocridade e à vulgaridade que assolam o nosso tempo como pragas do Egipto. Os leitores talvez não acreditem, mas não conheço o Bruno; nunca o vi; se acreditarem nisso talvez calculem a alegria deste encontro que já leva mais de cinco anos e meio, e que a rede tornou possível. O Bruno, que nunca vi, tornou-se um companheiro de todos os dias. Ainda por cima um companheiro bem disposto e transbordante de talento, que nos reconcilia com a existência cinzenta em que somos forçados a viver.
É por todas as razões e mais algumas que publico aqui esta troca de impressões com o Bruno. A conversa saiu muito politizada, mas o ano obriga.


1- Uma vez que ambos nos empenhamos politicamente, cada um a seu modo, começo por uma reflexão sobre um tema que me interessa. A Direita tem-se limitado normalmente, e desde há muito, a ser o que a Esquerda não é. A sua intervenção centra-se no combate ao que rejeita, e a sua definição faz-se pela negativa, em face da Esquerda. Será possível que a Direita passe de uma existência de reacção para um papel histórico novo, de criação, de proposição? Que assuma no nosso tempo a iniciativa política e uma função transformadora?

BOS - É desejável, mas difícil. De qualquer modo, faço notar que o combate ao que se rejeita também tem virtudes. A própria esquerda, historicamente, definiu-se em várias épocas apenas pela negativa e pela rejeição dos princípios dominantes. Hoje, para a direita assumir o papel de proposição e de iniciativa política, será necessário descobrir novos temas, novas propostas, novas ideias. É preciso pôr um pé no futuro e na inovação, rompendo com os dogmas prevalecentes, e outro pé no passado e na tradição. E tudo isto sem perder o equilíbrio. Enfim, importa desenvolver um projecto de vanguarda assente no que sempre fomos. Não faltam áreas onde inovar. O sistema actual não dá resposta às necessidades mais básicas. Em matéria de segurança, parece impotente face à criminalidade galopante. No que toca à educação, não consegue ensinar as crianças a ler e a escrever. Na economia, é o desastre que se vê. E o mesmo se aplica à saúde, à justiça, a todos os sectores. Dois milhões de portugueses vivem em situação de pobreza. Esses e os outros são atormentados pelos flagelos da droga, os ataques à Vida e à Família, a corrupção. Este regime vive e sustenta-se na ladroagem.

2 - Virando a atenção para o caso português, penso muitas vezes que nos ficou uma herança do antigo regime que condicionou toda a vida política posterior: a Direita desabituou-se de fazer política, e a pouco e pouco esqueceu-se de como se fazia, e até ganhou desprezo a quem faça (a conotação negativa do "ser político" tem raízes muito profundas). Hoje, passadas décadas, será possível reverter esta situação? Trazer à Direita o gosto e a paixão da política? Ou, numa formulação certamente mais direitista, fazer com que ela sinta o dever da política - e acabar com as sistemáticas derrotas por falta de comparência?

BOS - É lamentável perder por falta de comparência. Há razões objectivas, porém, que explicam por que a esquerda intervém mais e goste de “fazer política”. Entre outras coisas, a esquerda partilha a ideia de que o mundo pode ser inventado ou transformado por via política ou ideológica, e que esta transformação é sempre para melhor, a caminho do «progresso». A direita não acredita nesta insanidade utópica. No caso português, sobrevém outro problema. Este regime é hemiplégico: vai da extrema-esquerda ao centro. A social-democracia, que é uma criação dos marxistas do princípio do século passado, é considerada entre nós de centro-direita, e um partido voluntariamente do “centro” como o CDS passa por direita populista.

3 - No imediato, aproxima-se a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu. Ninguém ignora que a abstenção é a favorita, e ainda mais entre a Direita, por natureza eurocéptica. Acresce que a desilusão e a descrença, longe de trazerem o perigo de responsabilização dos responsáveis, costumam até favorecê-los - o povo afasta-se, dizendo que "eles" são todos iguais, e esquecendo que há uns piores que outros e outros que são piores que tudo.
Neste contexto, como se deve estruturar uma candidatura da Direita? Quais os eixos essenciais em que deve assentar?


BOS - Esta união política tem pouco a ver com a comunidade económica em que há 20 anos nos forçaram a entrar sem sequer um simulacro de plebiscito. Trata-se de uma construção artificial, com matizes totalitários. O objectivo é impor a todas as nações europeias, num processo gradual, a mesma moeda, a mesma constituição, a mesma bandeira, o mesmo hino, o mesmo governo. Por isso, nas próximas eleições europeias, vou apoiar a candidatura do PNR, encabeçada por Humberto Nuno de Oliveira. Julgo que é preciso defender intransigentemente as soberanias nacionais, ameaçadas por Bruxelas, e rejeitar por todos os meios a entrada da Turquia. De resto, como europeu, faço votos para que os diferentes Estados possam entender-se em matérias como a segurança, a defesa (mas sem exército único), ou a cooperação científica e cultural. O que importa, com ou sem União Europeia, é repelir as construções mundialistas e multiculturais, que deixam os países europeus à mercê da criminalidade organizada e dos gangues étnicos.

4 - É comum entre nós citar-se a advertência de Prezzolini, de que a Direita é o conjunto das Direitas, as que recordamos e as que esquecemos... Nunca houve no entanto, nestes trinta e tal anos que levo de conhecimento directo dessa realidade, nenhum iniciativa política da Direita portuguesa que lograsse chegar ao conjunto das Direitas, e muito menos que alcançasse o que se costuma designar de "direita sociológica" (seja lá isso o que for, se é que existe). Em regra, a direita desconfia da Direita. Por consequência, as iniciativas políticas franca e abertamente de Direita têm ficado confinadas a uma situação de marginalidade. E as direitas vão vivendo encostadas à esperança de que os menos maus, a quem dão os seus votos, quando votam, contenham os piores. Haverá, realmente, um caminho à Direita?

BOS - Sou pessimista por natureza. É um facto essa degradação que refere, em que as direitas vão sufragando os menos maus para conter os piores. Os adeptos incondicionais do dr. Salazar passaram a apoiar em 1968 o dr. Marcello Caetano, convencidos de que eram ambos da mesma cepa. No 25 de Abril, por desinformação ou para evitar males maiores, fizeram-se spinolistas. Logo a seguir, com a mesma lógica do menos mau, passaram a delirar com Sá Carneiro. Em 1986 votaram em Freitas do Amaral contra Soares. Mas em 1991, a conselho de Cavaco Silva, votaram em Soares contra os outros. E assim vemos a progressão da “direita sociológica”: evoluíram de Salazar a Mário Soares em menos de um quarto de século. Não estou a brincar. Houve gente que fez mesmo este percurso político.

5 - Entrando num terreno que lhe é caro, o da Cultura. Generalizou-se a convicção de que isso é coutada da Esquerda. E o facto conexo a essa convicção, já que, como frequentemente acontece, a convicção criou factos. Contra isso nem vale a pena observar que os grandes criadores estão muito longe de ser de Esquerda - sejam Rilke, Pound, Elliot, Dali ou Pirandello... Os pequenos e médios intelectuais são de Esquerda, e isso tem feito a história. Considera que existem sinais de viragem, ou ao menos de mudança, nessa área?

BOS - A ditadura cultural de esquerda mantém-se. Existem novos meios, como a blogosfera, mas nos principais órgãos a direita continua a ser a caricatura que dela faz a esquerda. Eu não quero ir tão longe como aqueles que afirmam que só há cultura de direita, mas coincido em que os grandes criadores não são de esquerda. Para além dos exemplos que referiu, veja o caso do século XX português: há mais alguém para lá de Pessoa? Onde a esquerda domina é nos pequenos e médios intelectuais, aqueles tipos ignorantes de barbicha e óculos redondos, que coçam a caspa nos cafés da Baixa.

6 - Salientava há pouco tempo o Pacheco Pereira, que tem qualidades de observador arguto, que existe uma cultura radical chic que faz a glória do Bloco de Esquerda e que em muitos aspectos é partilhada desde franjas de extrema-esquerda até sectores identificáveis muito à direita (v. g. o portismo). Eu a esse respeito gosto de dizer que um facto extremamente significativo na política portuguesa é que o Paulo Portas é irmão do Miguel Portas... O fenómeno em causa nota-se se abordarmos certos "temas fracturantes", ou referências culturais, ou visões da história, e da vida. Não o nota presente na blogosfera? O que foi feito da "nova direita" que por aqui pontificava há uns seis anos?

BOS - Anda a fazer pela vida nos órgãos de comunicação da esquerda. Quando os esquerdistas começam a dizer que eles são da direita “moderna” e “inteligente” querem significar com isso que os totós já defendem o aborto, os casamentos gay e emborcaram o discurso contra a xenofobia e outros crimes hediondos. Fora os nacionalistas, que eles não toleram, os nossos “neo-direitistas” toleram tudo e mais alguma coisa. São uns meias-tintas, incapazes de dizer sim ou não. Foram contaminados pelo relativismo. Nunca leram o passo do “Teeteto”, de Platão, em que Sócrates refuta a tese de Protágoras, segundo a qual o homem é a medida de todas as coisas. Para cada um sua verdade, como a peça de Pirandello. Alinho com Bento XVI na crítica ao relativismo. Aliás, a tese de que há tantas verdades quantas as opiniões admite por força a verdade dos que afirmam que ela é errónea, o que é contradição patente. Mas como é que se vai explicar isto à direita “moderna” e “inteligente”?!

7 - Procurando descer à terra, vamos à política que se vai fazendo. Em termos orgânicos, a Direita portuguesa tem a expressão que conhecemos. É notório que o PNR, que tem persistido nestes últimos anos, ainda não deu mostras de ter ultrapassado as resistências que em relação a ele se levantam, entre as gentes da Direita. Esta tem-se mantido, generalizadamente, à margem, em atitudes que vão da indiferença à suspeição. O que pode e deve fazer-se para modificar este panorama? Pode o PNR, antes do mais, conquistar a Direita?

BOS - Pode e deve. A direita e não só, porquanto creio que as propostas nacionalistas apelam, nos dias de hoje, a franjas até agora iludidas e burladas pela esquerda. O problema português é que não existe uma tradição de direita. Fala-se às vezes entre nós no caso do «Front National» e das expressivas votações que regista em França, mas nesse país há uma grande tradição nacional e de direita. Os resultados não dependem apenas da performance eleitoral de Le Pen ou da filha. Há um substrato nacionalista e de direita na sociedade francesa. Remonta ao nacionalismo francês do século XIX, ao rescaldo da derrota frente à Prússia em 1870-71 e às ideias de recuperação da Alsácia e da Lorena. Está ancorado no historicismo voluntarista de Ernest Renan, nas teses de Maurice Barrès, nos escritos de Léon Daudet e de Maurras. E houve o apostolado e a influência de vários movimentos importantes, como a Action Française, e de um sem-número de autores consagrados e bem diferentes, de Rivarol a Bonald, de Brasillach a Céline. Ainda agora, apesar de tudo, se sente que há em França espaços respiráveis. Há jornais, rádios, clubes e associações de direita, nacionalistas, monárquicos, tradicionalistas, e por aí fora. Em Portugal não temos nada disto. O país foi cunhalizado. E não me venham falar do Estado Novo. O Estado Novo foi fundado pelo dr. Salazar e desapareceu com este.

8 - Como somos precisamente da mesma geração blogosférica, não resisto a fazer uma pergunta: passados mais de cinco anos e meio, sente que o "Nova Frente" perdeu o fôlego, ou que já não tem nada para dizer? Que balanço faz do caminho andado?
E nós? Digo nós propositadamente, dando à expressão o significado que lhe é próprio. Os, alguns, que apostámos tanto esforço neste meio, podemos ao menos dizer confiantes que o rumo estava certo?


BOS - Acho que sim. Eu, pelo menos, não me arrependo. Também não me espanta a quantidade de blogues que surgiram a representar os vários nacionalismos e as diversas direitas, tão-pouco a qualidade de muitos deles. A blogosfera é o único meio de que dispõem para expressar livremente as suas opiniões. Quanto ao “Nova Frente”, sofre com os desacertos e afazeres do autor. Todavia, mantenho o blogue on line por duas razões principais. Em primeiro lugar, é um blogue pessoal, pessoalíssimo até, que me permite a qualquer hora do dia ou da noite lavrar protestos ou estados de alma. Em segundo lugar, por um motivo que o João Marchante resume lapidarmente: os jornais são todos iguais, os blogues são todos diferentes. Hoje não é preciso censura. Nenhum jornalista se atreve a sair fora dos cânones estabelecidos. Nessa medida a blogosfera é e continuará sendo um espaço de liberdade que importa frequentar.

4 Comments:

At 2:19 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Parabéns ao entrevistador e ao entrevistado!Esta entrevista foi uma lufada de ar fresco,muito revigorante.Já agora,apelo aqui ao "Sexo dos Anjos"para continuar com as entrevistas,há mais pesos pesados que podem contribuir para união(não me canso de falar sobre ela...)do meio nacionalista.
Obrigado!!

 
At 2:23 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Bruno, pois claro. Um dos grandes da blogosfera, que irá deixar marcas patrióticas indeléveis. O futuro recordá-lo-á com a dignidade que merece. Entretanto espera-se e deseja-se que continue a travar a sua luta sem tréguas contra os infamantes destruidores da nossa Pátria por muitos anos e bons. Luta que, curiosamente, pelo tipo de escrita utilizada - clara, inteligente, fundamentada, contudente e incisiva, atingindo sempre o alvo - à primeira vista nos pode parecer isolada, mas na realidade não o é. Isto talvez se deva ao facto (e não querendo desmerecer nem sequer um pouco os brilhantes autores blogosféricos, que os há em profusão, cada um com o seu estilo muito próprio) de a sua ser uma escrita deveras acutilante e simultâneamente digna, verdadeira e pura.
Relativamente às suas respostas, mais dissera e mais acertara.

Portanto mais uma magnífica entrevista que sinceramente, porque vinda do Bruno, me soube a pouco. Mas esta é uma opinião pessoal.
Parabéns aos dois.
Maria

 
At 2:37 da tarde, Blogger Manuel said...

Vai haver mais, pois claro.
O programa é para continuar.

 
At 3:01 da tarde, Anonymous Anónimo said...

A entrevista é interessante. Parece-me, contudo, que é tempo de se colocar também outro tipo de questões bem mais... «modestas» ou, para alguns, «insignificantes». Um exemplo? Quem responde aos pedidos de informação numa qualquer Associação ou partido Nacionalista?

Actualmente não milito em nenhuma organização, mas ao longo de dezenas de anos foram, infelizmente, raras as vezes que posso dizer que fui bem recebido pelos inúmeros projectos já criados. Isto, claro, quando alguém sequer me respondia às cartas ou - agora - aos emails... a não ser para pedir mais dinheiro!!!

Parece-me que a atenção de pessoas válidas, como o Bruno O.S. e outros, deveria ser - hoje em dia - principalmente direccionada nesse campo. De outra forma, todas as mais bonitas e empolgantes ideias não passam de uma fantasia, muito romântica, mas uma fantasia....

 

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