Notas lisboetas
1- Foi bom ver o velho Cais das Colunas, de novo no sítio. Valeu a pena rodear o imenso quadrado de altos taipais que ocupa e esconde o Terreiro do Paço, vencer os obstáculos semeados por ali para dificultar a marcha do indígena mais paciente. Junto ao rio, a transparência da tarde deixava ver até ao outro lado. Os perfis da margem denunciam as enormes mudanças, com prédios altos a marcar a linha do horizonte em diversas zonas onde nada havia. Mas o Tejo, era o mesmo Tejo.
2 - A Estação Sul e Sueste (chamava-se assim nos tempos em que eu era utente regular, Barreiro-Lisboa e Lisboa-Barreiro) está com um aspecto lastimoso. Não era pedir muito solicitar a quem tem poderes de administração sobre aquilo que mandasse caiar o edifício. Bastavam dois ou três pintores, e em menos de uma semana a estação aparecia de cara lavada aos olhos das centenas de milhares de pessoas que ali têm que passar todos os dias. Olhem que custa muito pouco, infinitamente menos do que irão pagar daqui por algum tempo a algum luxuoso atelier de arquitectos socialistas por um pomposo projecto de requalificação...
3 - Descendo a Rua da Misericórdia e prolongando a vista por toda a extensão da Rua do Alecrim, divisa-se ao longe a brilhar um belo pedaço de Tejo, em tons de azul e prata... Dali de cima, pela graça do Camões, nem se adivinham os horrores que praticaram no Cais do Sodré. Mais vale lá não ir, e virar à esquerda no Largo das Duas Igrejas.
A surpresa tão lisboeta de passar uma esquina e dar com o olhar em mais um fragmento de Tejo, adormecido lá ao fundo, nunca deixou de me provocar o mesmo deslumbramento. Fosse eu pintor, fosse eu pintor...
4- A Livraria Artes & Letras, no Largo Trindade Coelho, viradinha para São Roque e para a Santa Misericórdia, tinha uma montra que me deixou de água na boca (a expressão não nasceu para isto, mas já agora também pode aplicar-se aos livros). Tinha ali a desafiar-me e a piscar-me o olho não um, mas vários alfarrábios que eu não tenho e bem gostava de ter... Paciência.
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