quarta-feira, julho 08, 2009

Pantanal

Não se pode estranhar que os estivadores insultem o primeiro-ministro num país onde todos eles viram há uns dias pela televisão um ministro a agitar cornos, de dedos em riste, para um líder parlamentar, e pouco antes tinham visto um deputado de um dos grandes partidos a mandar outro para sítio nada próprio, tudo em plena Assembleia da República. Quem não se respeita não pode esperar respeito, e a verdade é que a classe política portuguesa afunda-se mais e mais na pura ordinarice, como se não lhe bastasse já a absoluta mediocridade e a completa venalidade.
O que é legítimo estranhar, para quem conserva algum interesse pelos assuntos da vida pública, é a apatia total com que o triste espectáculo da degradação e da decadência é observado pela generalidade dos portugueses. Como se tivesse desaparecido de todo a capacidade de indignação e de revolta.
Como observador afastado, e isolado, confesso a minha perplexidade. Se todos se dizem insatisfeitos, porque se portam todos como se estivessem satisfeitos? Se todos dizem que a situação é insustentável, porque a sustentam? Se todos dizem que é preciso mudar, porque não mudam?
A verdade é que tudo aponta, tanto quanto é possível antever, olhando o horizonte temporal tanto quanto a vista alcança, para a consolidação da mesquinha oligarquia que se apoderou do país - e do mesmo passo o aprofundar da indiferença geral. A desmoralização, um ambiente de deliquescência, o viver habitualmente por entre o apodrecimento da vida pública, a habituação resignada, compõem o quadro da decadência.
Eu, apesar de reconhecidamente asceta e sisudo, não queria identificar-me com aquele personagem de Eça que protestava desesperado, sempre que via os amigos enlevados com os prazeres da boa vida, que não compreendia como podiam eles pensar em divertir-se "enquanto a Polónia sofre". Mas, efectivamente, não consigo compreender a autocomplacência, a ligeireza, a deserção, de tanta gente que tinha e tem responsabilidade para com o seu país e o seu povo - e opta por se entreter em jogos de salão.

1 Comments:

At 9:15 da tarde, Blogger Marcos Pinho de Escobar said...

Caro Manuel,
É tristíssimo mas é a realidade, portuguesa e não só. Há muito que deixámos de ser povo para sermos um aglomerado 'ninguens'. Valerá ainda a pena o esforço devotado de uma diminuta minoria?
Abr.

 

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