domingo, fevereiro 21, 2021

A GUERRA PELA HISTÓRIA


A 14 de Fevereiro último saiu no Público um artigo do investigador Duncan Simpson sobre o tema das relações entre a sociedade portuguesa e a PIDE em que logo para abrir um excerto me chamou a atenção (pareceu-me ter um tal potencial explosivo que só mesmo um estrangeiro podia ter escrito aquilo sem se dar conta disso).
É este: "desde Abril de 1974, quando as forças “antifascistas” asseguraram o domínio da memória colectiva sobre a PIDE, as relações entre a sociedade portuguesa e a polícia política do Estado Novo têm sido analisadas exclusivamente sob o prisma da repressão exercida sobre a pequena minoria de portugueses que se envolveu na oposição ao regime."
O autor dizia expressamente que só uma pequena minoria de portugueses se envolveu na oposição ao Estado Novo, e que só sobre essa pequena minoria tinha sido exercida a correspondente repressão.
Ora isto é verdade, é uma evidência, uma banalidade, um truísmo - mas é algo que não se pode dizer.
Dizer que só uma pequena minoria de portugueses se envolveu na oposição ao antigo regime, é violar um tabu, uma interdição absoluta. Só mesmo um estrangeiro diria aquilo com aquela naturalidade.
Neste excerto o tal Duncan atacou em cheio um dos mais sagrados mitos fundacionais do regime. Anátema! Blasfémia!
Pareceu-me logo que os donos da verdade oficial nunca mais o iriam largar. Não poderiam admitir tal desaforo, e deixá-lo sem resposta.
E efectivamente não me enganei. Saltaram logo os cães de guarda da verdade obrigatória.
Primeiro Luísa Tiago de Oliveira, depois Luís Farinha, depois Irene Flunser Pimentel, com grau de violência sempre crescente, a historiografia institucional instalada veio ao Publico desancar no herege. Creio que não se ficarão pelos três artigos. Faltam uns quantos que não quererão faltar. Ainda não apareceu o Rosas, nem o Loff, nem surgiu nenhum manifesto de indignação e desagravo.... Ainda nem fizeram nenhuma petição a mandar o Duncan para a terra dele!
Mas lá chegaremos. Bem pode o Duncan protestar que sempre foi de esquerda. A dizer coisas daquelas nem o Pacheco Pereira lhe perdoa.
Eles sabem o que Orwell ensinou: "Quem domina o passado, domina o futuro. E quem domina o presente, domina o passado". É preciso dominar o presente, sob pena de se perder o domínio do passado e por essa via perder também qualquer domínio sobre o futuro.