Da língua portuguesa
Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra: todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro.
Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; e quem for possuindo com crescente perfeição os idiomas da Europa, vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da fala materna com as suas influências afectivas, que o envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo do Verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo do carácter. Por isso o poliglota nunca é patriota. Com cada idioma alheio que assimila introduzem-se-lhe no organismo moral modos alheios de pensar, modos alheios de sentir. O seu patriotismo desaparece, diluído em estrangeirismo...
Por outro lado, o esforço contínuo de um homem para se exprimir, com genuína e exacta propriedade de construção e de acento, em idiomas estranhos - isto é: o esforço para se confundir com gentes estranhas no que elas têm de essencialmente característico, o Verbo - apaga nele toda a individualidade nativa. Ao fim de anos, esse habilidoso, que chegou a falar absolutamente bem outras línguas além da sua, perdeu toda a originalidade de espírito, porque as suas ideias forçosamente devem ter a natureza incaracterística e neutra que lhes permita serem indiferentemente adaptadas às línguas mais opostas em carácter e génio. Devem, de facto, ser como aqueles corpos de pobre, de que tão tristemente fala o povo, que cabem bem na roupa de toda a gente.
Além disso, o propósito de pronunciar com perfeição línguas estrangeiras constitui uma lamentável sabujice para com o estrangeiro. Há aí, diante dele, como o desejo servil de não sermos nós mesmos, de nos fundirmos nele, no que ele tem de mais seu, de mais próprio - o Vocábulo. Ora isto é uma abdicação da dignidade nacional.
Não, minha Senhora! Falemos nobremente mal, patrioticamente mal, as línguas dos outros! ...
Eça de Queiroz (in "A Correspondência de Fradique Mendes", 2ª. ed. Porto, 1902. pág. 142)
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