Lembrar Jorge Ferreira - o imperativo de tomar partido
Conheci Jorge Ferreira há muitos anos, era ele estudante de Direito e dirigente da Juventude Centrista. Nunca tendo sido propriamente amigos (deve dizer-se aliás que ele nunca teve tantos como os que apareceram agora) mantivémos sempre, ao longo dos anos, uma relação cordial, como as que existem entre pessoas que reciprocamente se apreciam e respeitam (julgo poder dizer que era recíproco sem abusar em nada das reiteradas manifestações de estima e consideração que me foi dirigindo, ao longo do tempo). Os últimos encontros pessoais deveram-se aos acasos da profissão, e os últimos contactos foram por via da blogação. Posso testemunhar com certeza segura que não era homem para este lodaçal em que se transformou a nossa vida pública. Por isso, podendo ter sido tudo, bastando-lhe ajeitar-se e conformar-se, acabou por ficar à margem, desistindo efectivamente de uma carreira política que como "carreira" não lhe interessava e só lhe repugnava.
Neste momento em que a morte lhe veio dar aqueles transitórios e piedosos instantes de atenção que concede àqueles a quem tudo tira, decidi republicar a troca de impressões que os dois elaborámos a 15 de Novembro de 2008, numa altura em que a doença já o atacava, sem o dobrar.
O inconformismo, a combatividade, a coragem, sem concessões à resignação e ao fatalismo, mantinham-se intactas neste seu manifesto: o imperativo de tomar partido.
Presto assim a minha homenagem ao Jorge Ferreira, chamando a atenção para o que ele efectivamente disse e pensava - e que tende a ficar esquecido por entre homenagens rituais e de circunstância.
Neste momento em que a morte lhe veio dar aqueles transitórios e piedosos instantes de atenção que concede àqueles a quem tudo tira, decidi republicar a troca de impressões que os dois elaborámos a 15 de Novembro de 2008, numa altura em que a doença já o atacava, sem o dobrar.
O inconformismo, a combatividade, a coragem, sem concessões à resignação e ao fatalismo, mantinham-se intactas neste seu manifesto: o imperativo de tomar partido.
Presto assim a minha homenagem ao Jorge Ferreira, chamando a atenção para o que ele efectivamente disse e pensava - e que tende a ficar esquecido por entre homenagens rituais e de circunstância.
Quebro assim, de novo, o silêncio do "Sexo dos Anjos". Senti-me obrigado a expressar um apelo a todos os porugueses para que não deixem de assinalar a data maior da Restauração da Independência, e senti-me agora em dívida para com a memória de Jorge Ferreira.
Regresso já ao meu silêncio.
1 - Num dos seus poemas, António Manuel Couto Viana fala do "pudor brando de tomar partido" que assolaria a nossa terra... Tem sentido isso? Não tem nada que ver com o seu blogue?
- Não é bem isso que sinto, embora perceba a que se refere António Manuel Couto Viana. O "pudor brando" é assim uma espécie de torpor de indiferença, que alguns tentam salvar qualificando-o de sageza, mas que atentos os resultados práticos, me parece uma sub-espécie da indolência mental, ancestralmente estimulada por pseudo-elites contemporizadoras e chico-espertas. As nossas elites preferem comer fast ideas, do que dar-se a muitas trabalheiras de pensamento. Quanto à acção, nem falar… O que sinto mais e é sobretudo contra isto que dirijo o Tomar Partido é a cultura medíocre de desancar políticos, futebolistas, manequins nos cafés e andar às palmadinhas nas costas dos mesmos, mal se tem uma oportunidade ou uma câmara de televisão à mão. Isto é a cobardia pura. Bem sei que somos todos primos uns dos outros e que nos encontramos nas mesmas ruas, nas mesmas praças. Esse é o principal factor que leva os portugueses a tomar um partido cúmplice, porque inconsequente. Sucede que numa época de cavalgada dos relativismos, dos permissivismos e da ausência de valores, acho que a atitude de tomar partido é ainda mais necessária. Mesmo que nos custe solidões, pobreza ou desencanto. É como se o círculo mental coimbrão tivesse tomado conta do país. Um professor de Coimbra expõe a tese a favor, a tese contra e depois constrói uma tese própria, que é a “eclética”, que traz um bocadinho de cada uma e assim vamos ficando de bem com Deus e com o Diabo.
2 - Há muito que se convencionou chamar à imprensa o quarto poder. Poderá a internet vir a ser o quinto?
- Aqui para nós, que ninguém nos ouve…, eu creio bem que já é. Mas é um poder muito mais vasto ou devastador, se se preferir, do que era o poder que a imprensa recebeu como o quarto. O quarto poder era essencialmente um anti-poder político. A imprensa como refúgio de denúncia, como respiradouro das democracias corrompidas. O poder que a Internet é, é muito mais aliciante e perigoso. É uma virtualidade que tende a tornar-se totalitária se não tivermos cuidado. Orwell, Orwell…
3 - O Jorge Ferreira tem já uma longa experiência política. Observando hoje a cena política portuguesa, parece-lhe que há um caminho à direita? Ou o sistema partidário está fechado, e não é possível romper o círculo?
- O sistema político está claramente fechado. Todas as portas estão devidamente bloqueadas pelos partidos parlamentares. Eles fazem as leis e os orçamentos que impedem novos alvarás partidários. Eles fazem, todos, do Bloco ao CDS, embora cada um à sua maneira, os negócios do regime, que não começaram agora com os escândalos recentes. Eu próprio, enquanto deputado, tive a oportunidade e o poder de denunciar alguns, numa altura em que ainda não era moda e sei bem o que passei. Ora, o caminho à direita eu tenho a certeza que há, mas esse caminho político e ideológico esbarra nos vários cadeados do sistema e no pudor brando do eleitorado, que não está disposto a arriscar numa mudançazinha por mínima que seja. Mas também acredito que isto não é eterno, e que há que continuar o combate, nem que seja apenas nos blogues… as mudanças surpreendem justamente porque não se prevêem.
4 - A blogosfera complementa os meios de comunicação social tradicionais, substitui-os, ou confronta-os? Em que medida se pode dizer que os blogues são a voz dos que não têm voz em tais meios?
- A blogosfera faz isso tudo. Complementa-os, porque proporciona um tipo de comunicação que não se encontra nos meios tradicionais. Substitui-os, porque hoje, talvez infelizmente para os meios convencionais, há informação censurada nesses meios que nos blogues não há como impedir. E confronta-os, na exacta medida em que os complementa e substitui. Creio, aliás, que os meios de comunicação convencionais ainda não perceberam ou não conseguiram reagir completamente a esta nova realidade. Eu diria, felizmente hoje há blogues. Basta ver como teria sido muito mais calma a vida deste desgoverno socialista sem eles. Pela primeira vez assistimos a políticos a porem processos judiciais a blogues: Sócrates ao Do Portugal Profundo, o ministério das Finanças ao Jumento. Como diria o humorista, vai muito meduncho por aí…
5 - Um amigo dizia-me que em Portugal só há lugar para um partido, o país só dá para alimentar um partido; por isso vivemos tendencialmente sempre em partido único, que por vezes assume a aparência de um rotativismo alternadeiro... Se o Estado Novo funcionou com um, e a Primeira República funcionava com outro, o rotativismo monárquico funcionava com dois que na realidade se combinavam perfeitamente para rodar de vez em quando os lugares de topo sem afectar o essencial (não tirar a gamela a ninguém), e esta república tende a organizar-se de forma idência, com o PS/PSD, novamente o um em dois. O que se lhe oferece comentar sobre a tese?
- Eu sempre tentei refutar esse fatalismo, que não é novo. Bem como aquele fatalismo iberista, que deve ser a base de raciocínio do ministro iberista Mário Lino, que nos diz que um país que apenas consegue obter um PIB como o da Catalunha, não tem o direito nem as condições para aspirar a uma soberania no mundo de hoje. Sempre militei nas margens do sistema e tive a alegria de, em certas circunstancias, sentir que é possível dar luta. Dar luta, dar sempre luta, é isso que o sistema não gosta, porque se é certo que é guloso, também é verdade que está anafado e preguiçoso. A alternativa é fechar o país ou desistir. Não vou por aí.
6 - Fazer o "Tomar Partido" tem sido um exercício estimulante, uma perda de tempo, ou um empreendimento de sucesso?
- Tem sido, sobretudo, um imenso gozo da minha liberdade. Escrever o que quero, quando quero e quando me apetece. Isto não tem preço. De são e de jornalista, todos temos um pouco. Ora, algum dia, caro Manuel, pensou ser tão fácil e tão barato ter um jornal só para si?... Na medida em que é resultado da minha liberdade é muito estimulante. Agora sucesso, não lhe sei responder. Devolvo a pergunta: o que é o sucesso de um blogue?
1 Comments:
Felicito-o por prestar esta tão singela quão merecida homenagem a Jorge Ferreira, sobretudo e tendo em conta o seu precoce desaparecimento. O Blog de JF era o que se pode chamar com propriedade um Blog personalizado, diferente portanto de todos os demais, com particular interesse para o leitor dados os diversos temas abordados, em que não eram de somenos importância as variadíssimas efemérides sempre em destaque.
Por mim e o Manuel sabe a que me refiro, mais uma vez lhe dou os parabéns por lembrar JF nesta triste hora que passa.
Maria
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