segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Homenagem a Couto Viana

O escritor, actor, encenador, figurinista, contista, dramaturgo, ensaísta e poeta - sobretudo Poeta - António Manuel Couto Viana vai hoje ser homenageado pela Sociedade Portuguesa de Autores.
Não fora o meu exílio e lá estaria caído. A Sociedade Portuguesa de Autores a prestar homenagens a Couto Viana?
De quem será a responsabilidade? Com a anterior direcção nunca tal teria sido possível... O grande dramaturgo Luís Francisco Rebello, lembrado do tanto que trabalhou com Couto Viana no Teatro da Mocidade Portuguesa, certamente que não o queria lá - perigavam-lhe os pergaminhos anti-fascistas...
Mas quem, da actual direcção? Cheira-me que o elemento decisivo será Urbano Tavares Rodrigues, que não pertence à dita mas tem influências.
O Urbano, pois claro. Um comuna dos antigos, mas um comuna atípico. Recordo-me divertido da minha amizade com Jorge Tavares Rodrigues, e das longas conversas sobre tudo e sobre nada. Dizia o Jorge, com um sorriso irónico a brincar-lhe, quando falava do irmão: oh doutor, sabe, o Urbano é comuna mas é de muito boas famílias...
Eu ria-me com vontade, mas percebia perfeitamente o que ele queria dizer. Conhecia o Urbano da Faculdade de Letras, e realmente era assim: um comuna letrado e bem educado. E com rasgos de cavalheiro, num estilo muito próprio da família, como se notava no Jorge, ou se nota no Fernando... ou mesmo no Miguel, apesar de este ser um comuna muito mais "funcionarizado" pelo partido.
Sessão de homenagem a Couto Viana! Quem estará lá? O actor-advogado-presidente do sindicato-professor do Tonecas e leitor das mensagens de Cunhal - Dr. Morais e Castro - também estará presente a evocar o Teatro da Mocidade Portuguesa, onde fez tantos anos da sua carreira sob a direcção de Couto Viana? Não creio, deve ter vergonha de certa passagem ligada à história da TV revolucionária, quando em parceria com Francisco Mata decidiu assumir com realismo o papel de chantagista para assegurar a Couto Viana um lugar no desemprego.
O Francisco Nicholson também irá? Esse deve lembrar-se do tempo em que atirava bombinhas de mau cheiro na plateia do Politeama para impedir a representação da companhia de Maria Della Costa, que tentava apresentar Brecht pela primeira vez em Portugal (foi um sucesso, a polícia "fascista" lá o levou detido como agitador, mas o orgulhoso grupo de fascistas (sem aspas) em que ele militava conseguiu o objectivo).
E o Otelo? Será que ainda se lembra do tempo em que se estreou como protagonista, fazendo o Soldado, na peça de Couto Viana que o Teatro da Mocidade levou à cena nesse ano? (Deve ter sido a única ocasião em que Otelo representou um Soldado garboso e orgulhoso). E o Vítor Constâncio, será que se lembra do tempo em que representou o Jim, na "Ilha do Tesouro" dirigida por Couto Viana?
Tantos, tantos que poderiam estar ali a falar de Couto Viana... Sei bem que falta já quem ele gostaria que lhe traçasse o retrato: o David, evidentemente, a quem ele queria e considerava mais de entre todos os da sua geração.
David Mourão-Ferreira teria assumido com gosto e com brio essa tarefa de recordador das memórias de meio século da poesia portuguesa, em que Couto Viana figura como nome maior. Quis o destino que morresse cedo, quando tanto havia ainda a esperar do seu talento.
E o António Manuel lá continua, agora na "Casa do Artista" (a doença e a idade obrigaram-no a deixar a Marquês de Tomar). Dizem as crónicas e mostra a verdade que continua activo e produtivo. Que Deus o conserve assim ainda por muito tempo.

Tributo a Rodrigo Emílio

A Editora "Lavra Editorial», vai levar a efeito no próximo dia 5 de Março de 2005, pelas 15 horas, na Casa da Beira-Alta, na cidade do Porto, sita à Rua de Santa Catarina, 147 - 1.º, o «Tributo a Rodrigo Emílio».
Em destaque vai estar a sua poesia através das vozes do declamador Fonseca Alves e do animador da palavra Eduardo Roseira.
Os interessados podem contactar a "Lavra Editorial", Rua Pereira da Costa, 156 - 2.º 4400-145 V.N. Gaia, ou para o email: eduardoroseira@mail.pt

domingo, fevereiro 27, 2005

Umas reflexões sobre autárquicas

Os resultados das recentes eleições legislativas, ao que me parece, não estão a ser devidamente analisados nas suas consequências e implicações.
Desde logo, não tem sido realçada a grande proximidade das eleições autárquicas (e logo a seguir das eleições presidenciais) e o modo como as movimentações políticas do presente estão em estreita ligação com essa dupla proximidade (dos resultados das últimas e do avizinhar das seguintes).
Quero eu dizer, por exemplo, que não se compreendem as dificuldades do PSD e do CDS na recomposição das suas direcções sem lembrarmos os resultados obtidos nas legislativas e o condicionamento que isso introduziu nas autárquicas.
Na verdade, quem é que está disposto a assumir uma função de líder transitório, como ainda anteontem um deputado do PSD me dizia que seria sempre o próximo?
Quem se candidata sabe bem que haverá a tendência para lhe pedirem contas pelos resultados das autárquicas, sendo certo que esses resultados, por força da excessiva proximidade, estão fortemente condicionados pelas legislativas.
Normalmente, trata-se de eleições diferentes, com resultados diferentes. Por vezes até acontece que as autárquicas são a ocasião de desforra para quem perdeu as legislativas, porque os eleitores também querem aproveitar para enviar os seus avisos e recados a quem governa.
Mas agora as legislativas ocorreram tão em cima das autárquicas que se seguem que praticamente não é possível verificar-se esse fenómeno do sancionamento do meio-mandato. Só por uma barracada extraordinária do novo governo PS poderia já então haver descontentamentos e desejos de revolta em relação a ele em tão curto espaço de tempo.
Nesta situação é mais provável que funcione um efeito de conservação que se sabe que também existe no voto: o eleitor que votou agora PS ainda não encontrará motivos para mudar o seu voto. É natural que o mantenha.
Assim sendo, percebe-se o problema: quem tomar conta do PSD e do CDS vai andar aflito durante estes meses a bater a todas as portas para suplicar a todos e a cada um que aceite ser candidato às autárquicas. E ninguém vai querer, porque as perspectivas são de derrota. Todavia, no dia seguinte as contas serão pedidas aos novos dirigentes partidários. Quem se quer meter neste sarilho?
É um facto: a marcação das legislativas acabou por traduzir-se num condicionamento extremamente pesado para as autárquicas, e por essa via limitar muito as possibilidades de reacção de quem perdeu as primeiras.
E neste ponto queria chamar a atenção para algo que também não tem sido suficientemente sublinhado: os resultados do PCP não foram nada animadores para o partido, ao contrário do que se tem dito por força de uma visão superficial da realidade. Com efeito, o bom número global de votos obtido e os dois deputados a mais disfarçam uma situação deveras alarmante. O PCP continuou a sofrer uma hemorragia de votantes nos locais onde não podia perder mais.
Eu explico: a grande força actual do PCP, como partido institucional, está nas autarquias. Nas dezenas de autarquias onde é maioritário. Ora examinando os resultados das legislativas chegamos à conclusão que se os mesmos se repetissem para as autarquias o PCP ficaria com uma única Câmara: a de Avis.
De resto perderia todas as que actualmente detém. Há casos espantosos, de municípios onde o PCP tem a presidência e nunca deixou de a ter em trinta anos e agora alcançou um terço dos votos necessários para manter essa posição.
Coseguirá neste pequeno lapso de tempo inverter esse panorama (nalguns casos passar de 16 % dos votos para recuperar a maioria)? Não creio que seja provável.
Evidentemente que as eleições são diferentes, e o PCP não ficará reduzido a uma única Câmara no país. Mas também me parece inevitável que as autárquicas tragam um desastre para o PCP, existindo condições excepcionais para assistirmos à passagem de umas dezenas de Câmaras do PCP para o PS, mudando drasticamente o mapa político das áreas que sempre foram as de maior implantação do partido. O que será um choque impossível de compensar com a alegria de ter conseguido de novo um deputado em Braga.
O Alentejo vai ser rosa.

Outro achado

Um blogue muito interessante, pelo seu recorte feminino e sensível, e ao mesmo tempo jovem e irreverente como o outro de que falei antes, é o Portvgvesa.
Tal como o Porta-Bandeira, este representa bem a geração que vive hoje os problemas e as angústias de um tempo pessoal em que tudo tem de definir-se, enquanto lá fora o tempo colectivo é de indefinição baça e triste.
Um outro olhar sobre a nossa época e a juventude que a vive e a enfrenta.

Muitos anos de vida!

Faz hoje oito meses o blogue do Porta-Bandeira, cidadão que só há poucos dias teve direito a cartão de eleitor.
Para usar linguagem do meu tempo, é um mancebo que ainda nem foi às sortes.
Ainda que não fosse mais nada, trata-se do blogue de mais sucesso na respectiva faixa etária. Mas realmente não é só isso: já se caracterizou como um blogue de escrita atenta, oportuna, e bem humorada, fruto do trabalho de um bloguista observador, inteligente e sem respeito nenhum por reverências falsas.
Quanto à juventude, é doença que se cura por si.
Muitos anos de vida ao Porta-Bandeira!

sábado, fevereiro 26, 2005

Novos blogues

Nos últimos dias deparei com vários blogues novos que por um ou outro motivo me chamaram a atenção e me deixaram na expectativa, dado que estão mesmo nos primórdios.
Para que os meus leitores possam julgar por si mesmos deixo aqui os destaques para o The trust in blog, o Salazar (chama-se mesmo assim), o Portimão Nacional e o Coimbra Nacional.
Mais quatro para acompanhar, e se necessário para empurrar. Vão até eles, e falem com eles. Os novatos precisam sempre de algum apoio, nem que seja só moral.

De Mao a Piao

Era como se dizia que a China caminhava, nos meus tempos de juventude.
Bem podemos nós lembrar-nos disso a propósito dos nossos primeiros-ministros socialistas: Guterres era licenciado em Engenharia no Instituto Superior Técnico, Sócrates não é...
Sabe-se que há engenheiros e engenheiros, e toda a gente sabia que José Sócrates não era um deles.
Mas estão a ver o primeiro-ministro de Portugal a ser tratado reverentemente por Bacharel Sócrates? Não? Eu também não!
Havia que preencher essa lacuna no curriculum... e a Universidade Independente parece-me realmente uma escolha acertada. Se conhecerem o Luís Arouca percebem o que estou a dizer.
Agora pode o Portugal Profundo estranhar o arranjinho: o que está feito não se pode desfazer, e o tempo cura tudo. Não há ilegalidade que não fique sanada. E viva o "Engenheiro"...

MANUEL MARIA MÚRIAS

"A minha amizade com o Manuel Maria Múrias, que conhecia mal, começou na Cela 1 de Caxias. Fui lá parar sob o argumento indiscutível de meia dúzia de G3 apontadas ao corpo que substituíram com inegável vantagem qualquer mandato de captura, mesmo um desses em branco que o senhor Otelo assinava às resmas para o que desse e viesse.
O Manuel Maria tinha fama de fascista e, para mais, atrevera-se a fundar, com Cruz Rodrigues e Miguel Freitas da Costa, um jornal que se opunha ao glorioso movimento dos Cravos — e dos cravas — que pela época fazia furor. Chegara mesmo a escrever um magistral "Discurso de Marco António", uma peça intolerável que "O Diabo" hoje reproduz para os mais esquecidos.
Foram tempos soturnos que só o humor da maioria dos catorze enlatados naquele cárcere da liberdade com lotação para metade tornou suportável. Recordo o entusiasmo juvenil do Manuel Maria pelas obras de Bakunine, de me obrigar a lê-las e das discussões pela noite dentro. Como recordo a greve da fome que inventou e levou a sério, até ir de charola para a enfermaria. A greve tinha pouca razão de ser. Todos sabíamos a ilegalidade da nossa prisão, quem detinha as rédeas do verdadeiro poder e a inutilidade de qualquer protesto. Só que o Manuel Maria não era — nunca foi — homem para estar quieto e conformado. A acção chamava-o e ali preso, o seu "Bandarra" fechado pelos campeões da liberdade e inimigos da censura, tinha de fazer alguma coisa. Foi a sério: não comeu e só consumiu água de garrafão mas não perdeu uma centelha do seu sentido de humor. Por muito que nos custasse vê-lo a definhar, as nossas gargalhadas ecoavam pelos corredores álgidos de Caxias.
Foi também por isso que começou a pensar num novo jornal para quando saíssemos da prisão. Ali nasceu "A Rua" que tive a honra de ajudar a cozinhar nos longos meses que se seguiram e do qual fui o derradeiro chefe de redacção. Tal como o "Bandarra", "A Rua" seria O Combate do Futuro. Como marca registada do seu humor, Manuel Maria acrescentaria: o único jornal da direita que não é do centro — a brincar, traçou um estatuto redactorial e uma praxis que nunca foi abandonada até ao último número.
Apesar de tudo, das dezenas de processos (Manuel Maria foi, provavelmente o único jornalista português a sofrer pena de prisão por alegado abuso de liberdade de Imprensa), da falta de recursos, da publicidade que não entrava por medo dos anunciantes potenciais, das vendas que não cresciam pelo mesmo motivo (ainda me recordo de pessoas que compravam o jornal quase às escondidas e o dobravam de forma a não se poder ver o cabeçalho), a aventura ainda durou uns bons quatro ou cinco anos.
Daí para cá, Manuel Maria viveu quase esquecido. O seu nome era perigoso para qualquer jornal e, de resto, começou a achar ocioso lutar contra o status quo. Dedicou-se à investigação que sempre ocupara o melhor do seu tempo. Editou, na "Nova Arrancada", um livro sobre Lisboa que tanto amava: "Chiado — do século XII ao 25 de Abril" e um outro sobre a política portuguesa "De Salazar a Costa Gomes". Aí trata com particular atenção dois inimigos de estimação: Marcelo Caetano e Costa Gomes.
Morreu cedo, desiludido e injustiçado.
Que, como dizia Antero, o seu coração durma na mão de Deus eternamente e que eu o possa rever se tanto me for dado."

Walter Ventura
(in O Diabo, pág. 8, 17.10.2000)

Tudo como dantes

Ontem pensava em escrever hoje; e hoje ainda estou pior. Do cansaço (trabalho, meninos, trabalho!) e da gripe, ou constipação, ou lá o que seja, que não me larga.
Para não vos deixar sem leitura, ofereço de novo uma prenda capaz de fazer esquecer a minha falta. Eis aqui uma magnífica página de memórias de Couto Viana, inédita, que, sei-o bem, terá um sabor muito especial para número significativo dos meus visitantes.

MANUEL MARIA MÚRIAS NA MINHA MEMÓRIA

Antes do 25 de Abril, nunca cheguei a conviver com Manuel Maria Múrias. Como tínhamos amigos comuns, algumas vezes travávamos breves conversas na rua ou num café, se algum de nós adregava estar acompanhado por um deles.
Mas lia-lhe, com agrado, algumas críticas cinematográficas ou de teatro, na "Acção" e no "Diário da Manhã", e recordo-me bem da que escreveu, ainda longe dos vinte anos, com a violência fruto da juventude, atacando uma peça vanguardista de Luiz-Francisco Rebelo, posta em cena no Teatro-Estúdio do Salitre, a que dei, mais tarde, a minha colaboração artística. O dramaturgo, ferido, também não a esqueceu. Manuel Maria assinava, então, Manuel Moutinho (um apelido da família), talvez para não ser confundido com o pai, o historiador Manuel Múrias.
Logo após a «revolução dos cravos», encontrei-o nas páginas do desafiante "Bandarra", a dar voz à terrível reacção, a quem Álvaro Cunhal ameaçava «partir os dentes». Apreciei-lhe o admirável artigo político em que evocava, adaptando-o ao momento, o discurso de Marco António perante o corpo assassinado de César, na genial imaginação shakespereana, o que ajudou o ousado autor a entrar na prisão de Caxias, como perigoso malfeitor, a par de grandes personalidades da Política e das Letras nacionais, em nome da liberdade recém implantada.
O facto de eu não ter ocupado, igualmente, lugar numa das celas, expliquei-o a tempo, numa poesia do meu livro "Nado Nada":

«As pátrias doentes
Não prendem os poetas. Para quê?
Prendem-lhes os amigos, os parentes.
Poetas... ninguém lê.»

Manuel Maria Múrias não era poeta. E era lido. E, pior!, admirado.
Em 1976, findo o longo cativeiro, Múrias não quis estar quieto nem mudo.
Planeou, então (ou planearam-lhe), a fundação de um jornal que representasse a determinação da Direita portuguesa frente ao triunfalismo da Esquerda.
Procurou, pois, rodear-se de quem, numa Redacção unida pela mesma ideologia, fosse eficaz em defendê-la pela escrita.
Convidou, para Chefe-de-Redacção, Amândio César, batido nas lides jornalísticas, antigo director de um diário e animador de revistas literárias, poeta e contista premiado, ensaísta de prestígio, repórter brilhante.
Amândio começava a entrar na meia idade, vigorosa e talentosa.
Regressava de um penoso exílio no Brasil, após haver sido ferozmente maltratado no 28 de Setembro, juntamente com Rui Alvim, nos arredores de Coimbra, pelas forças marxistas que destruíram a pátria, obrigando-o a passar, a salto, para a vizinha Espanha, e, em seguida, para a outra banda do Atlântico.
Múrias iria aproveitar-lhe o saber e a experiência.
Mas necessitava de mais gente para lhe fazer o jornal, contando já com a adesão de António Lopes Ribeiro, e a promessa de colaboração dos veteranos Barradas de Oliveira e Dutra Faria. O jovem Walter Ventura, antigo companheiro de cárcere, também figurava no elenco.
Foi, nessa altura, que o Amândio lhe falou de mim, dolorosamente desempregado, privado da minha Companhia de Teatro do Gerifalto, dos meus programas na rádio e na televisão, proibido de publicar: as mais queridas actividades da minha vocação literária e artística.
Foi, nessa altura, que o Amândio me falou no projecto jornalístico e, perante o meu entusiasmo, levou-me a casa do Múrias, em São João do Estoril, para ambos combinarem comigo qual o meu trabalho na nova publicação.
Aceitei, pois, as funções de revisor tipográfico e literário dos textos (incluindo, por imposição do Múrias!, os do director, visto ele insistir, por graça, que possuía, apenas, a quarta classe), tendo, ainda a meu cargo, a página dos espectáculos e partilhar, com o Amândio, a literária.
A redacção era na Rua Sampaio Pina, perto do Parque Eduardo VII, num andar moderno, amplo, cheio de Sol. A sala dos redactores ficava nas traseiras, com um mobiliário novo e prático, funcional.
Mas o jornal ainda não tinha título. Múrias, por uma questão sentimental, pensava chamar-lhe "Bandarra", mas tinha a opinião contrária dos seus amigos, gente bem situada na alta finança, gente grada do antigo regime, gente à testa dos recentes partidos da Direita, a quem ia dever-se a edição do semanário.
Achavam eles, e correctamente, que o nome "Bandarra" estava queimado, que o novo periódico não devia surgir preso a velhos compromissos, a rótulos ultrapassados: os tempos haviam rapidamente mudado, as realidades nacionais eram outras, embora preocupantes, bastante preocupantes.
Hesitante na escolha, Múrias pediu aos seus redactores que procurassem um outro título, depressa, e marcou-lhes um encontro, uma manhã, no Café Paladium, com o fim de resolverem, definitivamente, o problema crucial.
Não demorei muitas horas a encontrar um que deveras me agradou: "A Rua". Era apelativo, nada elitista, permitia, até, o aparecimento, nas suas páginas, de um Homem da Rua, com visão realista dos factos que afectavam o país e a simplicidade de uma solução, capaz de bradar: — «O rei vai nu!», à falsidade, à astúcia, à ambição, à incompetência, à desonestidade política dos oportunistas.
(Lembro-me que Artur Maciel tinha, no seu "Diário de Notícias", a alcunha de Titulesco, por ser ele a escolher os títulos da maioria dos artigos do jornal. Tal alcunha podia igualmente ser-me atribuída, já que são da minha responsabilidade os nomes das revistas "Camarada", "Távola Redonda", "Graal", do "Teatro do Gerifalto", das Colecções de Poesia "Búzio" e "Camoens"... e do jornal "A Rua", como veremos.)
Expus a minha proposta que obteve, logo, a aprovação do Múrias, embora, no dia seguinte, ela perdesse, no seu espírito, mercê de opiniões alheias, muito da sua simpatia, por achar o nome, além de um cheiro a ralé, a chinelo ou pé descalço, demasiado demagógico, demasiado conotado com a Esquerda.
— Pois é nisso mesmo que constitui o seu valor — retorqui-lhe.
Não me pareceu, no entanto, muito convencido com o argumento.
Mas uma viagem ao Norte, de visita ao heróico Arcebispo de Braga, D. Francisco Maria da Silva, para que este lhe abençoasse a iniciativa editorial, decidiu-o, por fim.
D. Francisco, a quem eu devia tanto de apoio e gentileza, quando ele ocupara o lugar de Assistente Religioso da Mocidade Portuguesa, elogiou grandemente o nome de "A Rua", indo mesmo buscar a uma estante um volume que registava os títulos de todas as publicações da imprensa portuguesa, onde não encontrou nenhum igual. O que mais valorizou o meu candidato.
E o jornal ficou "A Rua" e eu o seu orgulhoso padrinho.
Passou-se, então, à aliciante, mas difícil, tarefa de o maquetar, de desenhar-lhe o título.
Múrias entregara esse encargo a uma pessoa extremamente simpática, mas de limitado gosto gráfico. Pelo menos, do meu ponto de vista. Não me sorria, em nada, aquela maqueta, por isso, perguntei ao Manuel Maria se via inconveniente em entregar esse trabalho ao arquitecto Marcelo de Moraes, em quem eu tinha total confiança.
Ele achou a ideia magnífica.
Telefonei ao Marcelo, afastado, há anos, da Televisão, e, nessa mesma noite, ele, o Múrias e eu reunimo-nos num jantar no N.º 1 da D. Francisco Manuel de Mello, em que o meu caríssimo colaborador artístico no "Camarada", e no Teatro da Campanha Nacional de Educação de Adultos, escutou, com atenção e prazer, o convite do Manuel Maria.
Tudo concertado a contento dos três, a arte notável de Marcelo de Moraes deu originalidade e beleza à Rua, ficando, para sempre, célebres as suas páginas de desenhos comentadores dos momentos da política nacional e as caricaturas flagrantes das suas principais figuras. Os mais castigados eram o Cunhal e o Mário Soares.
O número zero do jornal saíu a 30 de Março de 1976, e constitui, pelo aspecto e pelo conteúdo, um êxito de vendas.
Mas não se deveu tal êxito (e os que se lhe seguiram) somente às criações de Marcelo de Moraes. Cabe ele, sobretudo, às editoriais do Múrias, primorosamente escritas e pensadas, com acutilantes golpes de humor, que eram a mais saliente e singular característica do autor.
Tinha Manuel Maria, aliás, na convivência diária, uma graça espontânea que quadrava com a asa de loucura que eu tanto prezava, que era o seu encanto, e de que ouvia contar deliciosos episódios, ditos de génio.
Era-me alegre e proveitoso o trabalho, sob a sua direcção.
E o jornal lá ia, número a número, ganhando cada vez mais influência na vida portuguesa.
Decerto por blague, Múrias queixava-se, durante a paginação e revisão de provas que, na véspera da edição, realizávamos na tipografia instalada em Santa Cruz da Damaia (ele, o Dr. Jasmins Pereira, o Vitinho, o jovem e dinâmico Vítor Rodrigues, que viera, também, de Caxias, sendo um utilíssimo artista plástico, e eu) queixava-se de o jornal estar a durar demasiado, pois apostara, apenas, em meia-dúzia de números de vida!
A minha dedicação à família deve-lhe, ainda, meia página para as excelentes crónicas ou estórias de minha Irmã Maria Manuela, intituladas "Encruzilhada(s)", parte delas publicadas, depois, pelas "Edições do Templo", e as ilustrações de meu Filho, Juan Soutullo, quer para os textos da Maria Manuela, quer para os do Amândio, "Provisórios & Definitivos", que preenchiam a outra meia página.
Meu Filho tinha, igualmente, a seu cargo, as ilustrações das poesias da página literária.
Ambos haviam sido convidados pelo Múrias, sem que eu haja interferido em tal.
E, a propósito de poesia:
Manuel Maria quis que, no primeiro número d`a Rua (aspecto gráfico do cabeçalho), viesse publicado o meu poema "Escrito no Sangue", onde se lamenta a tragédia dos retornados que traziam, com eles, «cinco séculos mortos» da nossa História.
Todavia, achou que, em matéria de poesia, o jornal ficasse por ali, com grande pesar meu. Mas, qual não é o seu espanto quando os seus amigos extra-redacção o aconselham a inserir, em todos os números, ao menos, uma, para além da gazetilha em verso, "Cantiga da Rua", devida à portentosa inspiração de António Lopes Ribeiro.
E foi isso que me pediu.
E foi isso que eu fiz e constitui, em cinco anos de existência do jornal, um valioso «cancioneiro» da resistência.
Aliás, a página literária d`a Rua primou pela boa qualidade, quer poética, quer ensaística, como constantemente me afirmavam escritores da Esquerda não facciosa.
Defendi-a frequentemente perante o director, pouco interessado no campo literário (pecha da Direita), decidido a suprimi-la, logo que faltasse espaço para qualquer artigo político, até de reduzida importância. Eu fazia valer, nessas circunstâncias, alguma autoridade que tinha sobre o Manuel Maria, já que ele, decerto por blague, dizia ser eu, de entre os redactores, o único de quem tinha medo!
Também a página de espectáculos conquistou leitores interessados. Para ela, escrevi muitos pequenos ensaios sobre dramaturgos e peças portuguesas esquecidos, apesar do seu real valor.
Um dia, José Miguel Júdice gabou-ma, dizendo estar ela a divulgar uma História curiosíssima do nosso Teatro desconhecido, jamais levada a cabo. Assim era, em parte.
A dada altura, o Múrias, empurrado pelo agrado demonstrado pelos leitores da produção poética d`a Rua, sugeriu a edição de uma Colecção de Poesia, sob a égide do jornal.
Claro que aceitei, assim como o Amândio César e o Rodrigo Emílio (colaborador de mérito do semanário), esta óptima sugestão. Todos três tínhamos livros inéditos e, estes, publicados na "Colecção Camoens" (título meu, como já disse), foram sendo publicados com geral aplauso. O meu "Nado Nada", o primeiro a aparecer, esgotou-se num ápice.
Mais tarde, o Manuel Maria instigou-me a recolher, em volume, todos os meus poemas aparecidos n`a Rua, e garantiu-me conseguir-lhe um prefaciador, na pessoa de Franco Nogueira, que o jornal, por essa ocasião, propunha para a Presidência da República, julgo que sem a aquiescência (ao menos, declarada) do estadista.
E, de facto, o meu livro "Ponto de Não Regresso" veio a lume com um estudo sobre a minha obra poética, da autoria de Franco Nogueira, regressado, assim, à sua respeitada cátedra de ensaísta no domínio das Letras, que a política havia silenciado.
Quando Amândio César adoeceu com um preocupante problema vascular, foi substituído na chefia da redacção por António Maria Zorro, a quem me ligavam, desde 1946, laços de amizade e de relações profissionais.
Por esse tempo, a Rua sofria uma dura crise. Múrias estava encerrrado na cadeia do Linhó, acusado de abuso de liberdade de imprensa. Quase diariamente, o Zorro e eu visitámos a cadeia, a receber sugestões e ordens do director, que nem sempre era possível cumprir.
Íamos encontrar o Manuel Maria bem disposto, galhofeiro, contando anedotas dos seus companheiros de cárcere, refinados criminosos com quem convivia fraternalmente, e de quem nos dava retratos vivos e pitorescos.
Por vezes, acompanhávamo-lo, a pé, num passeio generosamente permitido, em torno do edifício prisional, entre arvoredos densos.
Em 1976, havia eleições parlamentares, e o Manuel Maria pregou-me a partida de me propor para encabeçar a lista do P.D.C. para o círculo de Viana do Castelo!
Nessa época, tal Partido tinha grande implantação, grande número de aderentes no Norte, principalmente entre os chamados Retornados.
Confesso que não me atraiu nada esta situação, avesso como sou à política e aos partidos.
Acabei, no entanto, por aceitar, por consideração para com o Múrias, que alimentava a esperança (e nós também) de se ver eleito pelo círculo lisboeta, graças ao prestígio crescente do jornal, e onde a sua inteligência esclarecida e a sua irreverência iriam, decerto, animar as bancadas parlamentares.
Impus, todavia, a condição de não me envolver em comícios e campanhas eleitorais. E, de facto, a minha participação limitou-se a uma entrevista n`a Rua, serena e objectiva.
O resultado é sabido: o P.D.C. não conseguiu deputados em qualquer dos círculos. E eu perdi por cerca de mil votos, o que, vamos!, foi uma derrota honrosa.
Em 1980, novas eleições para a Assembleia da República levaram Manuel Maria Múrias a organizar, em conjunto com outros «nacionalistas», uma "Frente Nacional", que iria apresentar candidatos nos principais círculos do país.
E lá sou eu proposto, mais uma vez, e a rogo do Múrias, pelo círculo vianês.
E, mais uma vez, fiquei de fora. Mas, também, uma vez mais, foi por um triz que não entrei na Assembleia.
Eu conto:
O C.D.S. do Distrito de Viana supôs, talvez, que o meu nome e o da minha família poderiam favorecê-lo nas eleições. E temia, ainda, que a força da F.N. na região lhe roubasse votos. Então, propôs ao meu Partido a desistência no círculo, compensada pela minha inclusão na lista do C.D.S. por Viana, como suplente, embora com a garantia de vir a ocupar, muito em breve, cadeira em São Bento.
Esta proposta foi-me comunicada pelo telefone, por intermédio do então Governador Civil de Viana do Castelo, o Dr. Manuel Coutinho.
Igualmente pelo telefone, dei a conhecer ao Manuel Maria Múrias aquela proposta «com pernas para andar» e, daí a umas horas, era-me transmitida a resposta do Partido:
A F.N. concordaria com a combinação, se o mesmo acontecesse em três ou quatro pequenos círculos mais.
Claro que isso não interessava ao C.D.S., que não via, em qualquer outra modesta lista da F.N., um nome suficientemente capaz de lhe aumentar a votação, nem perigo de competição.
A F.N. teve uma derrota estrondosa. E eu um alívio imenso.
"A Rua" sofria de um mal crónico: a falta de dinheiro que, frequentemente, atrasava o pagamento à tipografia, aos redactores e colaboradores. Debalde o Múrias se esfalfava a visitar, na Província, entidades ou empresas direitistas que lhe estendessem a mão salvadora. Mas, quanto obtinha, levava logo sumiço, quiçá por culpa de uma administração desastrosa, ou uma distribuição ineficaz.
E, a 2 de Maio de 1981, com o n.º 257, "A Rua" desaparecia das bancas, com o pesar de muitos e, acima de tudo, dos proprietários (eu era um deles), fundadores e trabalhadores.
Após esta data triste, raro vi o Manuel Maria. A minha ida, durante três anos, para Macau, aumentou esse afastamento.
Voltei, apenas, ao seu abraço amigo e camarada, quando do aparecimento da Editora "Nova Arrancada", onde, tanto ele como eu, iríamos ter obras publicadas.
Múrias sofrera um acidente vascular e encontrava-se convalescente quando do lançamento, no Grémio Literário, dos nossos respectivos volumes.
Declarara que não rubricaria os seus exemplares, por impossibilidade de movimentar a caneta. Mas esforçou-se por assinar o que me ofereceu, com uma dedicatória gentil.
Depois, fui eu a adoecer, a submeter-me a uma grave intervenção cirúrgica. Ainda em tratamento, recolhi-me à Casa do Artista. Foi aqui que o telefone (esse aparelho que sempre odiei!) me trouxe a notícia amarga da sua morte. Por dificuldades de deslocação, faltei-lhe ao enterro. Mas incluí-o, fervorosamente, nas minhas orações quotidianas, onde ele continua vivo, na minha profunda admiração, na minha profunda saudade.
Muitas vezes, fui testemunha abonatória do Manuel Maria Múrias, nos inúmeros processos que acusavam "A Rua" de abusos de liberdade de imprensa, de que o director era sempre o responsável perante a lei.
Em pleno tribunal, sob o juramento solene, eu considerei o réu uma inteligência incomum, um talento fulgurante, a lisura de um carácter.
Repito-o, aqui e agora, sem necessitar de jurar por Deus ou pela minha honra.
António Manuel Couto Viana
(Excerto, inédito, de um livro de memórias)

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Análise política

Sobre os resultados das eleições e a situação presente pronunciou-se A Casa de Sarto.
Uma análise sóbria, oportuna e perspicaz na perspectiva do que mais importa.
A ler, para arrumar ideias.

Até amanhã!

Hoje não encontrei uns minutos para redigir um texto em que desse sinal da minha existência.
Ficam os leitores a ganhar, porque à força de querer provar que sigo vivo ofereço-lhes aqui um velho artigo de um grande senhor da cultura portuguesa - António Lopes Ribeiro - de homenagem a outro enormíssimo vulto das letras pátrias - Afonso Lopes Vieira.
E agora vou-me deitar, que o cansaço e a constipação não me permitam mais veleidades. Passai bem, e amanhã cá estaremos - se Deus quiser.

quinta-feira, fevereiro 24, 2005

UM MESTRE DE PORTUGALIDADE ― AFONSO LOPES VIEIRA

Portugalidade. Belo neologismo, este, bem próprio de quem o inventou, desde cujo nascimento, na portuguesíssima terra de Leiria, se completaram a 26 de Janeiro (de 1978) cem anos certos: Afonso Lopes Vieira.
Português de Leiria, da cidade do Lis herdara, a par do mais estrénuo amor à Pátria Portuguesa, a sensibilidade lírica de Rodrigues Lobo e a vivacidade poética del-rei D. Dinis. E quis o destino que no seu nome se juntassem o do primeiro rei de Portugal ― Afonso ― o apelido do primeiro grande cronista português, Fernão Lopes ― e o do maior dos nossos oradores sagrados ― António Vieira.
Estamos em crer que o Mestre nunca se dera conta desta coincidência singular, de que certamente muito se orgulharia. E lamentamos só termos nós dado por ela alguns anos após a sua morte, num artigo em que evocámos a sua rara personalidade de homem e de poeta, pois essa nossa descoberta lhe causaria grande júbilo, consolidando a amizade com que tanto nos honrou.
Com que saudade recordamos os nossos longos serões na sua bela casa lisboeta do Largo da Rosa (topónimo também predestinado...) e as tardes que passámos no seu terraço de São Pedro de Muel! Quantas vezes trepámos, de braço dado, as escadinhas que sobem da Betesga até à Costa do Castelo, cavaqueando, ouvindo as suas espirituais lições de Portugalidade. E passávamos depois horas e horas (ele adorava a noite, como nós) na sua magnífica biblioteca, conversando de tudo quanto mais estimávamos, das coisas que então supúnhamos indissoluvelmente ligadas para sempre à nossa História, à nossa Arte, à nossa Literatura, ― numa palavra, à nossa Terra de Aquém e Além Mar ― coisas que lhe mereciam todo o seu amor e a que votara toda a sua Obra. Amor que exacerbava o agudíssimo espírito crítico que nessa Obra esplende, implacável com tudo o que pudesse desvirtuá-las na sua natureza original, sustentada pela Tradição, mas às vezes diminuídas, obscurecidas pelos políticos de que era intransigente e vigoroso fustigador.
Generoso na opinião que tinha sobre os seus amigos, não perdoava àqueles que tinha por traidores à causa insigne da Pátria, tratando-os como inimigos seus. Em tudo quanto escrevia, em verso ou prosa, a sua constante preocupação era exaltar os valores que distinguiam Portugal e os Portugueses dignos desse nome, das outras nações do Mundo.
Em Afonso Lopes Vieira havia rasgos de cavaleiro andante e de pastor da Arcádia. Por isso se ocupou em tornar legível e agradável ao seu tempo o "Amadis de Gaula", de Lobeira, e a "Diana", de Montemor. E também o seu carácter tinha aspectos de romântico apaixonado e monge cisterciense, que o levaram a extrair dos túmulos simétricos de Alcobaça a inspiração para o seu "Pedro o Cru", a rever amorosamente (com Charles Oulmont) as "Cartas de Soror Mariana", e a refazer, a bordo dum veleiro, a viagem de Santo António a Ceuta, como experiência indispensável para o livro que sobre o Santo escreveu.
Lopes Vieira exercia a sua alta e límpida missão com a plena consciência e a devoção dum paladino antigo, como dá claro testemunho o título que escolheu para a sua colectânea de artigos e conferências: "Em Demanda do Graal".
Entusiasta de teatro e de cinema, foi ele o promotor da Campanha Vicentina que ressuscitou Mestre Gil para o público de hoje ou pelo menos de ontem, pois não consta que tenha sido reposto em cena de há quatro anos para cá. Acedeu ao nosso pedido de escrever os diálogos do filme "Camões", que nos incitou e animou a produzir, tal como antes fizera para o "Amor de Perdição". Servita de Fátima, também foi ele quem nos convenceu a empreender a produção de um filme sobre as Aparições, filme que uma tristíssima conjura interrompeu a meio, para favorecer a produção de um filme espanhol.
Ele próprio produziu e realizou um filme, o "Afilhado de Santo António", interpretado por crianças, em que o protagonista foi desempenhado pelo menino Luís Forjaz Trigueiros, hoje sócio da Academia das Ciências... O retrato do realizador figura na capa do primeiro número do "Cinéfilo", publicado a 2 de Junho de 1928, o semanário cinematográfico fundado e dirigido por Avelino de Almeida, e editado pela Sociedade de Tipografia, proprietária de "O Século", a que os ignaros sucessores dos capitães de Abril dariam tão inglório e injusto fim.
Demos graças a Deus por Afonso Lopes Vieira não ter atingido em vida o centenário, para não assistir à destruição ignóbil de tudo quanto amou e com tamanho desvelo defendeu. Mestre de Portugalidade, não resistiria à abjecção que nós, que a ela assistimos envergonhados e impotentes, não sabemos sequer como qualificar.

António Lopes Ribeiro
(in A Rua, n.º 87, pág. 16)

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Sites alentejanos

O portal alentejano TUDOBEN inaugurou uma página dedicada a relacionar sites alentejanos, que embora ainda agora começada já se apresenta de grande utilidade para quem procure os mais diversos sítios ligados ao Alentejo.
Destaco as secções que se referem aos jornais e às rádios da região Alentejo, bem como às Câmara Municipais, que nos permite um conhecimento fácil do que existe na rede.
Mas a diversidade dos outros locais ainda torna mais aliciante a pesquisa.
Recomendo vivamente a todos os interessados por estas coisas do Alentejo.

Alentejo blogal

Continua a desenvolver-se a blogosfera alentejana.
Hoje assinalo a descoberta do Forum Elvas, e de O Bilhas, de Nisa, bem como do Diário da Bélita, que é de Ponte de Sor.
E ainda há mais! Está tudo disponível no TUDOBEN - o portal alentejano.

Batalhas à esquerda

Ainda pouco se sabe sobre a composição do primeiro governo da era socrática e já uma certeza desponta: nos tempos mais próximos o mesmo terá que se confrontar sobretudo com os desafios da esquerda.
Na verdade, as duas forças à esquerda, a CDU e o BE, saíram aparentemente reforçadas do escrutínio de domingo passado. Mas sabem que o seu bom sucesso nasceu da contestação e do descontentamento, eficazmente utilizados como vectores de mobilização.
Tenho como certo que a existência de maioria absoluta do PS vai paradoxalmente contribuir para a radicalização dessas duas forças, em competição entre elas e em permanente reivindicação perante o governo.
Houvesse o resultado sido diferente, e precisasse o PS vencedor dos votos na assembleia de algum dos dois partidos à esquerda para completar maioria, outra seria a situação. Ambos escolheriam a pose responsável e moderada, própria de quem se apresenta a negociar e se propõe celebrar acordos feitos de concessões recíprocas.
Porém, o PS não carece de qualquer negociação para ganhar votações no parlamento.
Sendo assim, os dois partidos à esquerda correm o risco de ver esvaziar-se a sua mobilização eleitoral, e regressarem às suas dimensões nasturais, desfeito o artificial inchaço, quando novas consultas se depararem ao eleitorado.
A única forma de tentar evitar isso é continuar a malhar enquanto o ferro esteja quente. Não permitir que esmoreçam as massas mobilizadas, não deixar cair os temas mobilizadores, impedir que a governação PS se encaminhe para a normalização rotineira - que significará a prazo a desilusão e o afastamento desinteressado do povo de esquerda.
A tendência será consequentemente para o agudizar das lutas, para usar o jargão dessas seitas. Cada uma recorrerá às armas que tem, nas ruas, nos jornais ou na sociedade em geral para arregimentar o povinho em constante pressão sobre o governo PS, apresentando a este as exigências e as facturas - sobretudo as que ele não possa satisfazer.
Deste modo, e aqui o paradoxo que referimos, a maioria absoluta pode não apenas não trazer necessariamente a estabilidade e a paz social almejadas, mas até contribuir muito para a inexistência destas.
Parece-nos previsível que nestes meses que se seguem, pelo menos até às autárquicas, pode o governo novo contar com tréguas à sua direita. Estão e estarão os partidos dessa área suficientemente ocupados a lamber as feridas, a acertar as contas, a reorganizar-se internamente. Todavia, do lado esquerdo não haverá esse descanso: esses vencedores frustrados (vencedores porque obtiveram bons resultados, frustrados porque não lograram que tais resultados os tornassem indispensáveis à governação e os introduzissem no círculo do poder) terão que fazer tudo para que os eleitos não possam fazer-se de esquecidos quanto aos seus compromissos, e para que o triunfo da esquerda não tenha a breve prazo a consequência de esvaziar a esquerda que eles são.
Há-de ter que ver, no parlamento e fora dele, este combate incessante do BE e da CDU para colocar o PS perante testes, armadilhas, definições, escolhas e decisões que os socialistas gostariam de evitar e adiar indefinidamente, como é tradicional lá por casa.

Novas cartas na mesa

Prossegue a sua odisseia epistolar o Cartas Portuguesas.
Um curiosissimo contributo para a história dos primeiros anos da república.

Outro que recomendo

Agora é a vez do coimbrão Absonante, que marcha em busca de Justiça, já cansado da ignorância e da desonestidade intelectual.
A seguir com atenção, a causa e o blogue.

terça-feira, fevereiro 22, 2005

Mais de Évora

Para orgulho nosso a blogosfera eborense continua a crescer: nasceu agora o Tem Dias, a quem publicamente desejamos as maiores felicidades.
Outro blogue cá da terra e sobre temática local, como se pode ver no dito cujo.
E já cheira a autárquicas...

Coisas de "O Diabo"

"O Sexo dos Anjos", lisongeado e vaidoso, agradece muito o destaque que lhe foi dado por "O Diabo" na sua edição desta terça-feira.
Afinal há mafarricos amigos, com que ainda se pode contar.

APAV em risco de fechar

Segundo afirma o secretário-geral da APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima) esta corre o risco de encerrar por falta de verbas.
Informa o mesmo dirigente que a APAV não consegue sobreviver sem o apoio financeiro estatal e que desde 2002 que «o protocolo que a associação tem com o Governo não é renovado».
E acrescenta ainda que «o apoio à vítima não é prioridade na política criminal, por isso os valores disponibilizados são irrisórios».
Estão a ver isto? Desconfio que estes malandros pretendem desviar as verbas destinadas à reabilitação e reinserção social dos cidadãos delinquentes...

Olivença em Palmela

Por iniciativa da Sociedade Filarmónica Palmelense «Loureiros» e Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, realiza-se no próximo dia 26 de Fevereiro, Sábado, às 17:30 horas, em Palmela, uma Conferência sobre a Questão de Olivença.
O Presidente do GAO, Dr. António Marques, desenvolverá o tema «O Sequestro de Olivença: Ofensa á História, à Cultura e ao Direito», enquanto o Dr. Carlos Luna, do COP, se debruçará sobre «A Colonização Espanhola em Olivença».
O Grupo dos Amigos de Olivença convida todos os seus apoiantes e todos os que se interessam pela «Questão de Olivença» a comparecer e participar nesta iniciativa.

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

A sombra da vara torta

Qual será o resultado mais significativo destas eleições legislativas? Provavelmente, outras eleições legislativas.
Não duvido que neste mês de Março que aí vem surja novo governo; mas deixem-no atravessar a agitação das autárquicas, lá mais para o fim do ano, e depois as peripécias das presidenciais, no princípio do próximo, tudo de mistura com a habitual turbulência intestina, e veremos como a criança se apresenta daqui a um ano. Nem seria preciso o confronto com as múltiplas facturas que terá que enfrentar (a vitória paga-se). Nem será necessário o desgaste de mais algum referendo, dos prometidos a vários sectores. Estou em crer que na entrada da Primavera de 2006 já o ora nascituro dará sinais visíveis de senilidade. E terá então que submeter-se ao olhar zeloso do novo Presidente que nessa altura tiver sido eleito.
Triste ironia para culminar um processo nascido sob a proclamação enfática da procura da estabilidade. Com efeito, a acreditar no Sr. Presidente da República, era esta faltosa que estava a prostrar o país de rastos. Era a demanda dela que lhe tirava o sono, e foi em nome dela que angustiadamente se prestou ele ao grande sacrifício de decidir.
Se esta foi a motivação, bem pode o Venerando Chefe de Estado limpar as mãos à parede. A decisão de dissolver a assembleia deu causa à polémica que se viu, e que está aí para ficar (o precedente de usar a dissolução como meio para afastar um governo que ali dispõe de maioria ficará para sempre a atormentar a cabeça de constitucionalistas e políticos, sobretudo os encarregados de formar governo). E é notório que essa intervenção não aparenta para já ter conduzido ou poder conduzir à almejada estabilidade.
Porém, e curiosamente, após ter desencadeado a borrasca o Sr. Presidente tem dado um efectivo contributo para essa estabilidade: tem estado calado.
Esta circunstância também devia ser tema de meditação e análise para comentaristas, políticos, politólogos, constitucionalistas e outros académicos e doutores. Com efeito, não estamos perante caso raro, ou sequer em face de alguma novidade. Ao contrário, se lembrarmos a história facilmente verificamos que desde sempre - com Eanes, com Soares, com Sampaio – foi o mesmo que aconteceu. Se o presidente está caladinho o país agradece e o povinho retribui-lhe com os mais elevados índices de popularidade. As instituições até parece que funcionam menos mal. Se o presidente resolve ter ideias, projectos e iniciativas a nação agita-se e desorganiza-se em insolúveis conflitos de poder. Um discurso pode ser um vendaval.
Os ensinamentos acumulados deviam já ter conduzido a uma conclusão. Não digo que se estatuísse definitivamente que o presidente é tanto melhor quanto menos existir, mas ao menos que se examinasse com a devida atenção a articulação entre os diversos órgãos tal como resulta da Constituição vigente, mesmo após todas as revisões efectuadas.
Se um governo tem que responder politicamente tanto perante a assembleia como perante o presidente, que frequentemente são emanações de legitimidades diferentes e opostas, então não há governo que resista.
O executivo será sempre uma zona de crispação na guerra de influências dessas legitimidades em conflito.
A figura e os poderes do Presidente, tal como estão e têm sido definidos pela prática do regime, a partir da sua própria legitimidade, potencialmente conflituante com a da Assembleia, do Governo, e dos partidos que integram estes órgãos, assumem cada vez mais contornos ameaçadores para qualquer projecto de estabilidade política e governativa. O Presidente ou está quieto, calado e virado para a frente, resignando-se à inexistência política, ou, se pensa e fala, desestabiliza.
Não reconhecendo as disfuncionalidades do sistema instalado, desconfio eu que o país político continuará ocupado a procurar soluções impossíveis de encontrar, centrando as atenções nesta ou naquela manifestação visível do problema e esquecendo onde este se encontra.
Como quem se dedica a endireitar a sombra de uma vara torta.

Um que não tem problemas de emprego

Múltiplos artigos na imprensa de hoje interrogam-se sobre o futuro de Santana Lopes.
Perguntam uns se irá recandidatar-se à liderança do partido, outros se irá ocupar a cadeira de deputado, outros se irá candidatar-se a Presidente da República, e outros ainda se voltará para a Presidência da Câmara de Lisboa.
A crise de empregos afinal não é tão grande como por aí se diz.

O "Sexo dos Anjos" errou!

Tal como acontece com o "Público" e o "Expresso", embora incomparavelmente menos vezes, o "Sexo dos Anjos" também erra.
Agora tratou-se do fadista Nuno Câmara Pereira, que, como logo observou o Eurico de Barros, foi realmente eleito para o parlamento, contrariamente ao que eu tinha dito, levado pela visão do afundamento do PSD.
Sublinho aliás que me reconforta deveras a notícia. Assim sempre se confirma a perspectiva de melhoria da classe política parlamentar. E fica a esperança de que para além de todas as alegrias com que habitualmente nos presenteiam nesta legislatura até nos vão dar música.
Sobram aliás as razões de júbilo. Por exemplo, estou a ouvir um suspiro do Portugal profundo: foram também eleitos Ferro Rodrigues, Jaime Gama e outros que nos prometem pelo menos sérias melhorias a nível do processo penal.
O Louçã logo na noite das eleições reafirmou os seus compromissos em matéria de aborto livre, universal e gratuito, com guichet de atendimento em cada um dos grandes centros comerciais.
O progresso é uma coisa maravilhosa.

domingo, fevereiro 20, 2005

CASO ZUNDEL & PROPAGANDAS

Ainda sobre o tema Ernst Zundel recebi do leitor Élio Capitolino uma nova resposta aos comentários de Fernanda Leitão. Por consideração para com os dois, aqui fica. Mas por favor não me queiram fazer deste blogue uma página monotemática...

Não vale a pena alongar-me muito em relação aos comentários da Fernanda Leitão, uma vez que ela própria se identifica em tão alto grau, e com tanta vaidade, com a atitude dos três proverbiais macacos.
Mas permito-me notar que a sua afirmação de que «Depois de ter problemas com os USA,[Ernst Zundel] visitou mais uma vez o Canadá e deixou-se ficar aqui, tendo requerido o estatuto de emigrante residente» é altamente susceptível de induzir outros leitores em erro. Não foi Zundel que «se deixou ficar por aqui». O prisioneiro político número um do Canadá foi sequestrado nos EUA, há mais de dois anos, e entregue por uma polícia à outra, na fronteira, permanecendo encarcerado no Canadá, debaixo de um regime punitivo de solitária, até hoje.
Nos EUA -- onde vivia com a sua mulher de nacionalidade americana - foi detido sob o ridículo pretexto de ter faltado a uma reunião com as autoridades de imigração, coisa nunca antes vista em relação a um cônjuge de cidadão americano, com uma vida exemplar e produtiva, e sem qualquer cadastro criminal (nos EUA ou em qualquer outro país). Uma vez no Canadá, a situação tornou-se ainda mais clara e simples, porque se encontra detido ao abrigo de um «certificado de segurança» que permite emparedar qualquer um sem necessidade de acusação pública, e não de qualquer pretexto explícito.
Resposta à pergunta da Fernanda Leitão: «Ou mentem os filmes directos feitos quando os aliados chegaram a esses campos?»: a leitura introdutória que eu recomendaria, rumo a horizontes intelectuais um pouco mais elevados que os da aldeia dos macacos (de imitação), seria esta:
http://www.ihr.org/leaflets/libcamps.shtml
Pesquisa concreta em relação a cada campo, para não ficarmos pelas generalidades óbvias, pode ser realizada aqui:
http://www.ihr.org/main/search.shtml
Diz a Fernanda Leitão, satisfeita com a sua sabedoria: «Não será de esperar que eu consulte os sites indicados por saber o que a casa gasta.». Quem sabe, sabe, até descobrir que, por vezes, sabe nada e menos que nada.

Élio Capitolino

Oh desgraça...

De acordo com as projecções que estou a ver parece que o Nuno da Câmara Pereira não conseguiu ser eleito para deputado.
Nem com o contributo do Miguel Alvarenga, que usou toda a capa do "Farpas" para vibrantemente chamar ao voto a malta da tauromaquia.
Desconfio aliás que aqui estará uma das causas do desastre: o Miguel Alvarenga diz que já não votava desde que foi a falhada candidatura do General Soares Carneiro. Agora queria eleger o Nuno, e foi o que se viu.
Está visto: o Alvarenga dá azar!

Os burros de Átila

Todos conhecem mais ou menos aquela referência histórica ao cavalo de Átila, o tal que de tão terrível (o dono, certamente) onde pisava nunca mais a erva crescia.
Pois às vezes penso que neste nosso tempo estamos frequentemente ameaçados pelas patorras não de cavalos, que não atingem essa dignidade, mas de uma espécie de burros de Átila. Estes sem dono, pois se viessem à mão e aceitassem arreios estava o problema resolvido. Mas são asnos selvagens, broncos, raivosos e com a agressividade dos complexados (não há burro que não transporte o ressentimento de não ter nascido cavalo).
E também eles onde assentam os cascos não deixam medrar erva ou semente. São piores que filoxera na vinha.
Onde eles passam só fica um rasto de desolação.

Sobre o nosso tempo

"(...) Os historiadores e sociólogos do futuro regalar-se-ão, talvez, com o estudo de uma época tão interessante como a nossa; para mim, que tenho de a viver, é uma considerável chatice.
Claro, já me disseram em conversa: homem, não exageres! Então, e em 1383, não era a coisa muito mais grave, com o país dividido, em grave crise interna, e as suas fronteiras, a sua própria existência, ameaçadas?
Pois bem: não, não me parece que fosse mais grave. Por duas razões: nesse período conturbado havia vontade e energias para lutar e havia cabeças que serviam para algo mais do que britar pinhões ou gritar "fora o árbitro".
(...)
No entanto, por estranho que vos pareça, esta crónica não pretende juntar-se, simplesmente, ao já amplo coro de lamentações que se faz ouvir e ler um pouco por toda a parte. O que ela pretende é chamar - ainda que só um pouco - a vossa atenção para o seguinte facto: a existência de um país, como tal, como nação e Estado, essa existência é algo que, contra o que possa parecer, nunca está definitivamente adquirido nem garantido. É algo que se ganha todos os dias. É um esforço contínuo. Nunca tinham dado por isso?
Já ouvi, no meio das lamentações prevalecentes, vozes que reagiam bravamente dizendo: que diabo, somos um país com oitocentos anos de vida, oitocentos anos de história! Havemos de sair desta crise como saímos das outras!
Santas palavras. Mas elas não devem fazer-nos adormecer mais ainda do que já estamos. A antiga civilização egípcia durou milénios. A história universal é rica em países, impérios e povos cuja existência foi multissecular ou milenar e que, depois, desapareceram. Os nossos oitocentos anos não são um seguro de vida. Devemos olhá-los como importantíssima matéria de estudo, fonte de ensinamentos no que eles têm de positivo e negativo, mas não como garantia de continuidade, só porque sim.
(...)
Em termos mediatos, sei, evidentemente, que precisamos de um outro escol político - ou melhor, que precisamos de um, porque neste momento não o temos, de todo.
Por isso dizia eu há dias, numa escola superior, a alguns (e algumas) estudantes que se mostravam saudavelmente preocupados com a situação: não me perguntem o que deve ser feito: comecem a fazê-lo vocês. Mexam-se. Preparem-se, equipem o intelecto para virem substituir, tão rapidamente quanto possível, este pessoal menor. Em vez de se esgotarem a gritar contra as propinas, comecem a pensar em termos gerais; criem novos partidos ou mudem os actuais. (...)
"
Palavras do escritor João Aguiar, na revista "Super Interessante"

sábado, fevereiro 19, 2005

Atenção eborenses

A parte portuguesa do falado projecto da fábrica de aviões ligeiros em Évora, pela voz do Comandante Lima Basto, reafirmou hoje que ainda este ano teria começo a construção da fábrica, e consequentemente que o projecto é realmente para avançar.
Considerando a relevância do que está em causa, quer do ponto de vista do emprego quer do ponto de vista tecnológico ou do impacto económico e científico, parece-me que este assunto devia ser seguido com a maior atenção por parte da opinião pública local.
Quem souber algo mais de concreto, é favor divulgar nos sítios que tenha disponíveis, ou comunique para este blogue. Não podemos continuar na atitude de alheamento tão característica de Évora. Divulgar, debater, intervir, tem que ser uma constante da nossa cidadania.

Votar é um grande dever

Eu sei que muitos dos meus leitores não gostam de votar. E alguns nem gostam de deveres.
Porém, nesta véspera de eleições senti que também eu tinha o dever de me pronunciar sobre o acto. E não tenho dúvidas em afirmar que, sejam quais forem os nossos sentimentos e seja qual for a nossa opinião, temos todos o dever de não faltar a essa convocatória cívica.
Podemos não nos identificar com um certo regime, com uma dada legalidade positiva, mas não podemos ignorar que por esse gesto participamos num ritual colectivo que nos identifica com a comunidade e nos faz partilhar o destino de um todo de que fazemos parte.
Alguns estarão a resmungar que não têm particular estima nem consideração por nenhum dos protagonistas da contenda, e não têm vontade de participar na legitimação do poder que dela sairá.
A esses observo que a legitimação far-se-á com ou sem a sua presença; e se é certo que por vezes sentimos que não se ganha nada em lá ir ainda é muito mais certo que nunca ninguém ganhou nada em não ir. E quanto aos intervenientes, recordo o que já dizia um português ilustre: que o povo, vendo-os assim, diz que eles são todos iguais, mas não é verdade - porque há alguns que são piores que outros, e há outros que são piores que tudo.
Devemos pois ir votar; e votar validamente. A legalidade vigente implica que só contam os votos expressos validamente. Pode haver muitas abstenções, e haverá, pode haver muitos votos nulos e brancos, mas o que os livros de História irão consignar é que ganhou as eleições certa força política - a que tiver mais votos. Mesmo que tenha muitos poucos no universo potencial dos votantes.
Ficar em casa e abster-se poderá ser confortável, riscar o voto pode ser uma tentação, meter um voto em branco um gesto de desprezo ou indiferença - mas são atitudes que não contam para nada, e só por pose literária ou autojustificativa pode defender-se o contrário.
Vamos portanto votar. Quem "não gosta deles", não precisa de "votar neles". Vote contra. Há sempre um sentido possível no voto expresso.
Mas não deixe de ir votar, permitindo que eles concluam triunfantemente que só eles se interessam pela vida da Cidade.
Votar é um grande dever.

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Espaço e património popular

A associação regionalista "A ALDRABA" também já tem em linha o seu blogue.
Apresenta-se com a preocupação e a vontade de "ser um ponto de encontro e de comunicação para a preservação e divulgação do património popular nos espaços onde ele se encontra, com enfoque particular no sul do país, através da pesquisa, recolha e análise documental das memórias dos sítios, das pessoas, dos grupos e das colectividades."
A seu modo, o meu blogue também tem tido sempre esses objectivos...
Seja bem vinda "A ALDRABA"!

Revista ARBIL

Muito em especial para os meus visitantes de orientação católica, embora aos outros também não faça mal nenhum a leitura, recomendo a consulta do índice da revista espanhola Arbil.
São mais de 2200 artigos, com ligação individualizada e em texto integral, sobre todos os temas imagináveis - cobrindo tanto a actualidade como aquilo que se pode considerar intemporal na história, na cultura, no pensamento. Procurem, que encontram.

CASO ZUNDEL & PROPAGANDAS

A propósito da temática referida no título acima remeteu-me Fernanda Leitão a sua resposta que publico a seguir.

A intervenção do Sr. Elio Capitolino autoriza-me a alguns reparos:
1. Manipulação mediática.
Não tenho razão nenhuma para acreditar que a imprensa canadiana é um veículo da propaganda sionista, nem para acreditar que é tão facciosa como as propagandas sionista, comunista, fascista, nazi e quejandas. Temos imprensa livre e cabeça para pensar, não somos mentecaptos a reboque de iluminados de origem vária.
2. Soberania e ilegalidade.
O Sr. Zundel emigrou para os Estados Unidos e aí viveu em paz até ao momento em que passou a ter problemas com o governo do país. Entretanto, entrava e saía livremente do Canadá - na sua qualidade de turista, de visitante - como qualquer pessoa do mundo. Depois de ter problemas com os USA, visitou mais uma vez o Canadá e deixou-se ficar aqui, tendo requerido o estatuto de emigrante residente. Esse processo leva vários meses, às vezes até anos, a elaborar e concluir. Ilegal, no Canadá, é todo aquele que, não tendo recebido o estatuto de emigrante residente ou de cidadão, vive no território com um estatuto precário, delicado e de espera incerta. Para avaliar destes pedidos, o Canadá não consulta os USA nem anda às ordens dos USA. Muitas vezes uma pessoa maltratada nos USA, é recebida e amparada no Canadá - e esta é um tradição que vem desde os lealistas que não participaram da guerra da independência dos USA até aos que recusaram fazer a guerra no Vietnam e no Iraque, passando pelos milhares de negros que fugiram à escravatura praticada naquele país. Os Estados Unidos da América são um país, o Canadá é outro país. Ambos soberanos.
Quem espera pelo desfecho de um processo de emigração, não faz como fez o Sr. Zundel. Não estamos a imaginar nada, estamos a recapitular as muitas reportagens passadas na TV sobre as suas "reuniões" e "manifestações" com uns latagões exibindo suásticas e toda uma parafernália que só podia desagradar à opinião pública e ao país de acolhimento. Quem assim procede arrisca uma deportação. E é o que está em causa com o Sr. Zundel, não sendo muito um ano de prisão preventiva por ser preciso avaliar o caso em todos os pormenores e por se tratar de um abuso público feito ao país de acolhimento. Porquê este cuidado? Porque se trata de uma formação ideológica que convida à violência e ao ódio.
3. Holocausto.
Se Hitler queria expulsar os judeus todos, como afirma a prosa do Sr. Elio Capitolino, não se percebe por que razão os assassinou, de forma bárbara, em vários campos de concentração. Ou mentem os filmes directos feitos quando os aliados chegaram a esses campos? Foi montagem? Só faltava essa... Hitler podia ter carregado vários barcos com judeus e largá-los em países longínquos, contra uns dinheiros que países paupérrimos aceitariam. Mas não foi assim. Pior, sabe-se da dificuldade que tiveram os judeus em conseguir passaportes para fugirem do "paraíso nazi".
Negar estas evidências é tão estúpido e grave como desculpabilizar as matanças, os genocídios, os holocaustos praticados na União Soviética (o que inclui todos os países satélites), no Cambodja, no Ruanda, na Bósnia, no Kosovo, etc. Não há matanças boas e matanças más, há matanças e mais nada. Não há nenhuma razão ou ideologia que as possa legitimar, porque cada uma delas e todas elas são um atentado contra a Humanidade.
4. Canadá, país de emigrantes
O Canadá é um país feito por emigrantes de 160 países. Ninguém veio para este país fazer turismo. Milhões de pessoas perseguidas e injustiçadas nos seus países, escolheram o Canadá para refazerem as suas vidas. Milhões de pessoas que fugiram a "paraísos" comunistas, nazis, sionistas, fascistas, de fanatismo religioso, etc. Quem bateu com a porta e escolheu o Canadá quer paz, quer um país de tolerância e boa vontade, não quer ver repetidos no país de acolhimento os desatinos e abusos dos seus países de origem. Ninguém aqui está interessado em dar asas a estes apóstolos do ódio e da violência, porque todos sabemos, na carne e na alma, ao que levam esses apóstolos e esses grupos: a guerras sangrentas, como as que já flagelaram a Europa e outros continentes. No Canadá, o voto do povo tem força. E a imprensa também tem força. E não estamos dispostos a abdicar dessa força pacífica.
5. Mártires
Compreende-se que queiram fazer do Sr. Zundel um mártir. Mas essa é uma maneira de fazer política que dá maus frutos. Que ganhou o Hitler em matar os judeus? Perdeu a guerra e morreu como um cão raivoso, ao passo que os mártires que ele fabricou ficaram com uma força que se tem tornado perniciosa. Vidé o que se passa no Médio Oriente e nos meios financeiros internacionais. Quem lhes deu essa força foi o Hitler (que, por grande acaso, era filho dum judeu) e os seus seguidores cegos. E depois, quem tem de aturar esta chatice toda somos nós todos.
6. As internacionais
Não será de esperar que eu consulte os sites indicados por saber o que a casa gasta. Não consulto esses como não consulto os sites do fascismo, do comunismo, do sionismo, do terrorismo. Porque eu não pertenço à IO (Internacional do Ódio). Pertenço à IC (Internacional Cristã). É mesmo o único rebanho a que pertenço. O facto de ser cristã impede-me de alinhar com ideologias sectárias, violentas e perversas.

Fernanda Leitão

A idade para casar

No blogue do António Maria Pinheiro Torres saiu hoje um artigo bem interessante de Nuno Serras Pereira.
Analisa a questão da idade do casamento, sob múltiplos aspectos, para explicar a relevância que assume nas sociedades contemporâneas a tendência cada vez mais acentuada para contrair casamento sempre mais tarde. E para defender a necessidade de inverter essa tendência...
A quem nunca pensou nisso, ou já pensou mas gosta de conhecer outras opiniões, convido a ler "É urgente baixar a idade do casamento".
Sublinho aos meus amigos que Nuno Serras Pereira é um padre que em muito se distingue do comum... e quando refiro o comum bem sabem o que quero dizer. Infelizmente.

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Cinema

Hoje o "Público" saiu acompanhado de um filme: era "A Caravana Perdida", de John Ford.
Caramba, valia bem a pena comprar o papel de embrulho só para guardar o "Wagonmaster"!...
E enquanto pecorria os títulos fiquei a saber de um novo Clint Eastwood. Desta vez sobre o universo do pugilismo. Fiquei com água na boca, que o velho Clint desde que atingiu a matura idade alcançou a sabedoria: não sabe fazer nada que não seja bom.
Ninguém apostaria isso, há umas décadas... mas vejam-se os filmes, e digam lá se não é verdade.
Enfim, um caso para o Eurico. Ou para o Mendo (ai, o blogue...)
Eu é que não entendo nada de cinema.

Antigos Alunos do Liceu de Évora

Pede-se a atenção de todos os interessados para irem agendando o próximo Jantar da Primavera.
Está a ser organizado para o dia 1 de Abril.
Para mais informações recorram aos contactos habituais, e vão visitando o sítio próprio.
(Não deixem de percorrer a galeria fotográfica...)
Entretanto, se estiver aí alguém do Liceu de Beja não fique agastado com a minha preferência. Boa Festa do Galo!

Para que Portugal não volte atrás…

Ora vejam como este local é um sítio plural e aberto. Agora publico um artigo de Titta Maurício, que de forma aberta se apresenta como um apelo ao voto no CDS. Como o autor ainda não tem um blogue (devia ter, devia ter!...) aqui se abre espaço à opinião de Titta Maurício.

Partamos para eleições em base zero!
Esta terça-feira, decorreu o único debate entre os líderes dos principais partidos. Dele houve um claro vencedor: o bloco do centro-direita! Mas, no entanto, as sondagens (Ai,… as sondagens!) parecem indicar um sentido de voto penalizador da actual maioria. Aquela a quem coube a responsabilidade de governar o País durante esta infernal travessia do pântano – o mesmo que assustou e provocou a vergonhosa debandada da “tralha guterrista”… ora ávida de recuperar posições no governo de um País que reputam em crise!
Os socialistas dizem – ou confessam… – que o resultado que julgam poder obter neste Domingo será «não a favor do PS, mas essencialmente contra o Governo actual». Ora essa seria a última das razões invocáveis: será que se pode olhar para estes 6 meses (ou mesmo, 2 anos e meio) e, honestamente, culpar este Governo pelos males dos – pelo menos – últimos 30 anos?!? E quem, acusadoramente, aponta o dedinho? Os líderes e os maiores responsáveis políticos nesses 30 anos! E porque ninguém lhes pergunta onde esteve guardada tanta “competência” que não a vislumbrámos nos tempos em que, democraticamente, o Povo neles depositou as suas esperanças… e o Poder? Qual a solução que propõem e quem sugerem que seja o protagonista? E porque será que (quase) todos os “senadores” são unânimes na sugestão… e, todos eles, co-responsáveis governativos no passado recente do País?
O debate desta terça-feira demonstrou que a “esquerda”, o PS e o Eng. Sócrates não estão preparados para governar Portugal. O PS não porque as suas propostas mais não são que vacuidades, lugares-comuns ou vagas indicações de propostas não explicadas e marcadas para data incerta! E, para concretizarem tal “programa”, não são modestos no pedir: a “tralha guterrista” abandonou o barco à vista do pântano e agora propõe-se continuar o “serviço”… mas com maioria absoluta!?! A “esquerda” também não, pois este PS (versão “rosa-pálido”) é incompatível com os programas quer da proposta “vermelho-rétro” (a esquerda-extrema, o PCP disfarçado de CDU), quer da ficção “vermelha-psicadélica” (os radicais do PSR e UDP… convenientemente travestido de BE). Nunca seriam uma solução de Governo: ou os extremistas e/ou os radicais vendiam-se por um “prato-de-lentilhas”; ou o PS adoptava as propostas daqueles e o País era governado ao sabor das utopias, num regresso à versão do «manicómio em auto-gestão»!
Alguém de bom-senso, seria capaz de escolher estas “esquerdas” para vossa administração de condomínio? Então como poderiam – agora – pretender voltar a atribuir-lhes o Governo do País? Só por um dispensável masoquismo ou uma mórbida curiosidade científica…
Goste-se ou não, a verdade – tornada evidente no debate a 5 – é que só o centro-direita demonstrou capacidade e projectos para o futuro de Portugal! E há uma solução estável e coerente de governação. Se não passar por aqui a opção maioritária dos eleitores… Portugal perderá o rumo do Progresso.
Mas, ainda assim, dos 2 partidos do bloco de centro-direita, qual será a melhor opção. Porque não, para variar, aquele que é um penhor de uma forma de fazer política alicerçada na defesa das Virtudes e da preferência pela Vida, com a sua preocupação centrada nos jovens e na classe média (sectores que, cada um, fornecem a ousadia e o dinamismo, a ponderação e o pragmatismo indispensáveis a uma solução correcta de Progresso), que aposta na Liberdade escolha no ensino. Um partido que, com a competência de quem tem um programa e uma equipa, pela estabilidade e sentido de Estado que demonstrou, provou saber e merecer a responsabilidade de governar Portugal.
E se encarássemos estas (e todas as) eleições de modo a que cada partido partisse com zero votos. É evidente que não estou a insinuar que as urnas já têm votos que foram ilicitamente introduzidos. Não! O que estou a defender é a supressão de barreiras, do tipo “bairrismo” ou “clubismo”: ao contrário dos jogos da bola, e com excepção de alguns com “cartão-na-carteirinha”, não serve de nada ganharem os “nossos”. Nestas coisas ou ganhamos todos ou perdemos todos, pois – ainda que, a curto prazo, alguns “ganhem” com isso – o País… e todos nós. O CDS provou ser um partido responsável, eficaz na resolução dos problemas e na procura de soluções. Não é disso que Portugal e os portugueses (do Presente e do Futuro) precisam? Não é isso que Portugal e os portugueses procuram?
Para quê procurar mais quando a tantos a solução parece evidente? Apenas porque tem votado noutras opções? Resposta legítima, mas de acomodação feita! Se – também a si – o CDS surpreendeu pela positiva (não embarcando na campanha de insultos e fazendo da prestação de contas e da demonstração dos resultados das suas responsabilidades governativas), se acha que o Futuro é um desafio e uma oportunidade…porque espera para dar mais força ao CDS? Se não o fizer agora, outros poderão ganhar… e governar como você não gosta… e então a quem se irá queixar?
Vá lá, por uma vez vote com razão!


João Titta Maurício
(Prof. Universitário e vice-Presidente da CPD do CDS-PP/Setúbal)

O caso Zundel

Na sequência de um comentário de Fernanda Leitão recebi uma pequena nota discordante, do leitor Élio Capitolino, que de igual modo transcrevo.

Aquilo que a Fernanda Leitão diz (14 de Fevereiro) é incorrecto, e parece-me importante que seja corrigido. Diz ela que «o Zundel tem dois problemas com as autoridades do Canadá, para além do diferendo com os sionistas por causa do holocausto: está ilegal e criou aqui um movimento de adeptos, com todos os tiques e símbolos».
O Zundel não está, nem nunca esteve, «ilegal», nem é acusado da criação de nenhum «movimento de adeptos» ilegal. Estabeleceu-se, por sua livre escolha, nos EUA e aí se casou, depois de toda uma vida sem mácula no Canadá. Viajava livremente entre os dois países, em plena legalidade e sem qualquer problema, até à data da sua expulsão dos EUA para o Canadá através de pretextos, esses sim escandalosamente ilegais, mas por parte das autoridades de imigração, que participaram muito provavelmente numa cabala contra ele urdida em ambos os países pelas habituais entidades sem fronteiras que me coíbo de aqui nomear. Esses procedimentos ilegais estão neste momento a ser contestados através dos tribunais americanos.
A partir do momento em que foi deportado dos EUA, essa deportação tem servido de cortina de fumo (na realidade ridiculamente transparente) para um «tratamento especial securitário» que nunca antes tinha sido aplicado e que, na verdade, nada tem a ver com a sua situação como emigrante em qualquer dos dois países. A única razão porque Zundel está detido em solitária há dois anos, sem sequer ter direito a conhecer as acusações concretas contra si, é porque foi emitido um «certificado de segurança» segundo o qual ele supostamente representa um risco para a segurança nacional do Canadá. Desde que as novas leis «anti-terror» canadianas foram criadas, basta que dois ministros (os verdadeiros terroristas) aponham as suas assinaturas a um desses
documentos e qualquer um pode ser metido em fortaleza sem possibilidade de se defender e sem conhecimento das razoes do seu sequestro, se algumas.
Obviamente que no caso vertente a verdadeira e única razão por que a vitima está detida, é o seu revisionismo em relação ao santo dos santos dos judeus, conhecido por «Holocausto». Nem mais, nem menos.
Trata-se literalmente de uma «vendetta», na velha tradição talmúdica: quem procurou e divulgou a verdade que não convém, tem que pagar a sua libra de carne.
Pequena precisão: quando se fala da invasão e colonização da Palestina é lógico que se fale de «sionistas», mas quando se fala das historietas holocáusticas não é de «sionistas» que se trata, mas sim de «judeus», o que não implica todo e qualquer judeu individual, mas diz certamente respeito a uma colectividade internacional que dá pelo nome genérico da tal tribo/religião/etnia.
Quem quiser saber mais sobre o escandaloso caso Zundel pode encontrar um breve resumo aqui:
http://www.ihr.org/news/030923Zundel.shtml
E quem quiser conhecer as causas mais recuadas da perseguição odienta que lhe é movida simultaneamente em vários países, pode começar por aqui:
http://www.ihr.org/books/kulaszka/falsenews.toc.html


Élio Capitolino

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Desabafo

Ao contrário do que geralmente se afirma, eu estou convencido que as vozes de burro também chegam ao Céu.
O que acontece é que Deus Nosso Senhor tem-nas na sua devida conta.

"Nada disto aconteceu"

Vejam lá o artigo que o Nuno Rogeiro publicou no Jornal de Notícias, e depois digam-me o que acham. Eu fiquei desconfiado: suspeito que o Nuno não vota no José Sócrates.

"Dado que o passado foi chamado à campanha eleitoral, devemos responder, puxando da memória. Os desvarios do poder do PSD-PP, nos últimos três anos, são conhecidos. Quanto à experiência de poder do PS, desde a queda do cavaquismo, em 1995-96, até 2002, existe uma espécie de amnésia.
A verdade, se calhar, é que nada do que a seguir se enumera alguma vez existiu.
A saber:
- Acumulação de défice excessivo nas contas públicas, originando o despertar da repressão de Bruxelas, para além de incentivo irresponsável ao gasto individual e desprezo pelos apelos à moderação e à poupança.
- Saída de Sousa Franco do Executivo, depois de as linhas mestras das suas políticas de saneamento da conta pública se terem tornado inviáveis, ou politicamente indesejáveis.
- Análise negra do estado da economia portuguesa, por parte de Cavaco Silva, numa entrevista famosa de Julho de 2000.
- Alegações de políticos, empresários e governantes, segundo os quais a banca portuguesa estava a ser vendida ao desbarato ao estrangeiro.
- Anunciados planos de combate à evasão fiscal, anunciados falhanços dos mesmos planos, anunciada continuação da dita.
- Ligações perversas da política ao futebol, com o cortejo conhecido de enxovalhos, confusões e negócios.
- Insistência na política de co-incineração como única via possível de tratamento de resíduos perigosos, apesar da divisão dos especialistas e da oposição do "homem da rua", certamente manipulado por caciques e envenenado pela Comunicação Social privada.
- Episódio dito do "queijo Limiano", ou a cedência da alma em troco de votos no Parlamento.
- Quedas sucessivas de ministros da Defesa, conflitos entre titulares e primeiro-ministro, queixas de falta de meios, espectáculo de parca mobilização de recursos para tarefas externas, divulgação pública de listas de agentes "secretos", novelo de escândalos em torno da aquisição de armamento e fardamento, cenas de estalada entre chefes políticos e chefes da "comunidade de informações".
- Tragédia da ponte de Entre-os-Rios, originando a demissão de Jorge Coelho, e suspeita geral sobre o estado das obras públicas.
- Inundação do túnel do metro em Santa Apolónia, e alegação de que o mesmo foi ali feito com grande risco, sem as precauções devidas e não levando até ao fim estudos exaustivos sobre as características do subsolo.
- Escândalos na JAE, corropio de acusações e alegações, e declarações crípticas do engenheiro Cravinho, dizendo que Guterres havia sido derrotado pelos "grandes interesses" e pelos lobbies (Janeiro de 2000).
- Colapso na gestão das grandes cidades, que levou a uma maré de rejeição, em 2001, e à passagem da era PS para a era PSD, em Lisboa, Coimbra, Porto, Sintra, etc..
- Fantasmas desastrosos, como o espectáculo de "Porto, Capital da Cultura", com obras a juncar a vida do cidadão comum, turistas perdidos e desiludidos, projectos inacabados, escândalos financeiros e "mistérios" como os da Casa da Música.
- Escândalo em torno da Fundação para a Segurança, levando à saída "apocalíptica" de Fernando Gomes do barco do guterrismo, e a sugestões de conspirações no seio do poder, com o primeiro-ministro a saber tudo e a calar ainda mais.
- Filosofia de miséria na RTP, levando o serviço público à pré-morte, depois de anos de insanidade financeira, extravagâncias de programação, guerras civis de chefias e tentativas infantis de controlo político, dos telejornais às entrelinhas.
- Desinteresse pela política por parte dos cidadãos: mais de um terço decidiu não votar nas legislativas de Outubro de 1999, mesmo depois de Guterres ter dito que o seu pior inimigo era a abstenção.
- Estado geral de guerra civil dentro do Governo e da maioria quase-absoluta, levando António Guterres a bater com a porta, clamando que o país se encontrava num pântano.
Enfim, foi tudo um sonho. Pode-se votar no regresso de um sonho?
"
Nuno Rogeiro

FUTURO PRESENTE

Saiu mais um número da revista "Futuro Presente".
Com excelente apresentação gráfica, a revista reúne também valiosa colaboração de Jaime Nogueira Pinto, António Marques Bessa, Miguel Freitas da Costa, Francisco Ribeiro Soares, José Luís Andrade, Bernardo Calheiros e Diogo Freitas da Costa.
Com a revista veio também em separata o discurso de Jaime Nogueira Pinto na cerimónia de homenagem aos mortos da Guerra de África, em 10 de Junho de 2000, intitulado "Memória e Futuro de Portugal".
Os responsáveis prometem que neste ano de 2005 serão publicados cinco números. A ver vamos...
Por enquanto, os interessados podem pedir a revista para a "Associação Cultural Futuro Presente", Rua do Corpo Santo, n.º 16 - 3º, 1200-130 Lisboa. Não tenho outro contacto.

Sobre o debate

Também vi o debate de ontem à noite na TV, e não encontrei nada que me surpreendesse.
Só não percebi aquela atrapalhação despropositada por Jerónimo Sousa ter perdido a voz.
Que problema mais fácil de resolver!
Punham a cassette, e pronto - o homem tanto podia ficar como ir-se embora...

Encontros virtuais

Tinha terminado há que tempos a reunião do Conselho de Estado e os dois homens ainda continuavam sozinhos no longo corredor do Palácio de Belém, andando para cá e para lá e falando animadamente à distância de qualquer ouvido curioso.
O passinho miúdo, lembrando um pinguim, identificava logo o mais baixo: era o Engenheiro. O outro, agasalhado num sobretudo azulão e enfiado num cachecol laranja, era também reconhecível de longe. Era mais alto, a cabeça brilhante de gel a reflectir as luzes do tecto, e caminhava um tanto curvado para a frente, sublinhando o que dizia com gestos largos. Era o nosso Primeiro.
A expressão contrariada denunciava o enfado.
- Oh pá, eu até posso perder as eleições, não me queixo, eu até estou habituado a perder, já levei sopa de uma data de gajas, mas o que não me conformo é com esta embirração…
O Engenheiro ria e abanava a cabeça que sim.
- Pois, acho mesmo que vai perder, Pedro… eu como sabe sou um observador imparcial…. mas também me parece que sim, o Sócrates consegue mesmo… é fraquinho, mas ainda assim…
E de súbito, curioso:
- Mas a que embirração é que se refere?
O Primeiro fez um trejeito irritado e encolheu os ombros.
- Ora… então não se nota? São os ricos, os poderosos, estão todos contra mim… você já viu? É o tio Balsemão, é o tio Belmiro, são os bancos, a malta do capital… Mas o que é que eu lhes fiz?!!!
O outro ria com mais vontade, divertido.
- Oh Pedro, desculpe lá, você é um bocado ingénuo… ainda nem se deu conta da bronca que armou…
O Primeiro sobressaltou-se:
- Bronca? Qual bronca?
O Engenheiro, condescendente, acedeu em explicar.
- Você não se lembra daquela reunião do Grupo Bilderberg?
- Ora essa, eu tenho muito boa memória, até fui o convidado de honra…
- Não é bem isso, houve dois convidados que foram apresentados à sociedade nessa ocasião… foram debutar, se me permite… foram a exame… - (o Engenheiro ria com gosto) - Foi você e o Sócrates..
- Ou isso.. mas afinal o que é que tem? Não me saí bem? Eu até acho que falei bem… os gajos bateram palmas e tudo…
- Pois é… bateram palmas… mas acho que não gostaram nada que você chegasse com quase uma hora de atraso… naquelas coisas a pontualidade é uma virtude muito apreciada…
- Caramba, o que é que você quer, se soubesse a que horas me deitei nessa noite!...
- Sim, calculo… notava-se pelos papos, as olheiras… e aparentava algo ensonado…
Nesta altura o Engenheiro estava mais divertido que nunca. E o Primeiro irritou-se levemente.
- Mas afinal o que é que eu fiz? Diga lá, o que é que eu fiz?
- Bom, para começar chegou com quase uma hora de atraso… e depois aquelas graçolas…
- Ah já percebo, está a referir-se àquela confusão… pá, o que é que quer, eu estava um bocado cansado, da noite, tá a ver, e depois quando os ouvi falar em Supremo Arquitecto pensei que estavam a falar do José António Saraiva, como estava ali o Balsemão… um lapso acontece a qualquer um…
- Sim, é verdade… acontece a qualquer um… mas o Sócrates tinha-se preparado…
- Lá está você a insinuar que eu não me preparo devidamente… o que se passou é que aquilo era uma grande chachada… um ambiente pesado, o caraças… pareceu-me que era preciso era descontrair…
- E vai daí pôs-se a dizer aquelas piadas sobre judeus!
- Oh Engenheiro, também não exagere, foi só para quebrar o gelo, lembrei-me de umas anedotas que toda a gente conta, nem sei porque é que me lembrei disso. Podiam ser sobre pretos, ou loiras, ou alentejanos… calhou a ser sobre judeus…
O Engenheiro nesta altura abanava a cabeça, desalentado.
- Você não entende mesmo… lá que dissesse que a polícia em Israel quando quer dispersar uma manifestação começa a fazer um peditório, ainda vá lá; agora que perguntasse ao pessoal da sua mesa quantos judeus é que eles achavam que cabiam no cinzeiro de um Volkswagen foi um bocado demais!

terça-feira, fevereiro 15, 2005

Festa dos blogues em Coimbra

Já se encontra disponível o programa para o jantar e festa dos blogues marcados para o último sábado deste mês na cidade de Coimbra.
Os interessados devem consultar a agenda das festividades oferecida no Pastel de Nata e no Blog do Alex.

O Berloque de "gauche" segundo Garcia Pereira

O velho militante estalinista António Garcia Pereira analisa assim o Bloco de Esquerda:
"Os balões enchem e esvaziam. O PRD também foi um partido que encheu, encheu, encheu e esvaziou no momento.
Já cá andamos todos há tempo suficiente para sabermos o que são as modas, e neste momento o BE é a moda de uma certa burguesia urbana e sobretudo suburbana e de um certo sector da intelectualidade, mas repito, é uma força política que não representa qualquer alternativa em termos de programa de grande apelação estratégica e que defende pequenas reformas para mannter tudo na mesma, e é precisamente por isto que ele é vantajoso para o regime.
Pode até ser levado ao colo por toda a comunicação social, pode ser muito elogiado pelos partidos da área do poder, mas não representa uma real alternativa e mais tarde ou mais cedo esse balão esvazia
".
(Entrevista de hoje em "O Diabo")
Quem sabe sabe...

Lembrando Rodrigo Emílio

Para assinalar a passagem do dia 18 de Fevereiro, em que se completa mais um ano sobre o nascimento de Rodrigo Emílio, alguns amigos do poeta assinalam a data mandando celebrar missas em sua memória.
Assim, haverá na próxima sexta-feira missas por sua alma na Igreja do Santíssimo Sacramento, na Rua de Guerra Junqueiro, no Porto, pelas 19 horas; e também em Lisboa, na Igreja do Santíssimo Sacramento, na Calçada do Sacramento, ao Carmo, pelas 16.15 horas.
Fica aqui a lembrança para os amigos e admiradores que possam querer assistir.

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Do Sardoal

O Sardoal é um dos mais belos locais da terra portuguesa.
Risonha e florida como poucas, ali no coração da pátria, a meio caminho entre o norte e o sul, o leste e o oeste, a vila bem merecia ser mais conhecida e visitada.
Não é cá do Alentejo, mas digo-o sinceramente.
Para mais tem uma blogosfera muito animada: acabei de o descobrir através do Casa do Invisível, um blogue bem humorado que está sediado lá na terrinha e centra os seus interesses nesta e nos arredores (sem esquecer o resto do mundo...)
Se espreitarem as ligações ("os links da casa"), que estão ao alto do lado direito, verão que é variada a oferta por aquelas bandas.
São melhores que Abrantes, sempre o disse!
(E nem falo do Rossio, que podia magoar o Eurico).

Faluas do Tejo

Depois de "Um Amor Infinito", eis que os Madredeus regressam com "Faluas do Tejo".
O mais português e o mais universal dos nossos grupos musicais regressa com uma obra maior, onde se respira o deslumbramento da luz de Lisboa na voz de Teresa Salgueiro, na inspiração de Pedro Ayres, na magia encantada daquela música única.
Para guardar. Para sempre.

Biblioteca Pública de Évora

Neste ano de 2005 em que se completam duzentos anos sobre a sua fundação a Biblioteca Pública de Évora tem finalmente em linha o seu próprio sítio.
Como nota mais saliente, para já, a intenção de assinalar condignamente o bicentenário, com inúmeras iniciativas destinadas a homenagear o fundador, D. Frei Manuel do Cenáculo.
Ficamos à espera da agenda da comemorações... e da dinamização da biblioteca, agora ao que parece a avançar no caminho do empréstimo domiciliário, após a instalação do acervo bibliográfico a isso destinado no edifício dos antigos celeiros da EPAC.
Depois de tantos anos de letargia, vamos a ver se os próximos anos vão assistir ao regresso da velha senhora. Iremos ter finalmente uma biblioteca pública capaz de satisfazer as exigências de uma cidade que é património mundial, que é sede de uma universidade com seis mil alunos, e cuja imagem de marca assenta sobretudo no seu peso histórico e cultural?

POR VIA DA CAIXINHA ENTUPIDA

(aqui vai o resto do recado para o Eurico de Barros)
[O Canadá não é perfeito, Eurico, mas é bem melhor país do que a Alemanha do III Reich, a URSS, a China, a Itália de Mussolini, a Espanha de Franco ou Portugal de Salazar. Comparar até é pecado. O Zundel tem dois problemas com as autoridades do Canadá, para além do diferendo com os sionistas por causa do holocausto: está ilegal e criou aqui um movimento de adeptos, com todos os tiques e símbolos] que fatalmente iria desagradar em cheio a um povo que tem milhares de rapazes seus enterrados na Europa por via da aventura hitleriana. Há neste povo um orgulho imenso por ter lutado contra esse regime e esse ditador, de modo que um apóstolo da suástica, demais querendo organizar hostes de adeptos, não terá por aqui um futuro risonho.
Houve algumas vozes, até no ensino universitário, que criticaram a propaganda feita à roda do holocausto, houve um mesmo que lhe chamou "a indústria do holocausto", e é claro que os sionistas foram aos ares, mas ninguém reprimiu quem falou. Com o Zundel é diferente porque há muito mais coisas envolvidas. E como o Eurico deve saber, nem todos os países têm dirigentes políticos, da situação e da oposição, irresponsáveis a ponto de deixarem medrar grupos extremistas. Isso é bom para Portugal que, desde há 30 anos, se tem permitido o luxo de ter tudo - desde sul americanos vermelhos a lavadores de dinheiro. Para não falarmos do período anterior, durante a guerra colonial, quando os traficantes de armas, alguns mascarados de repórteres fotográficos, viviam em tribo com o pessoal da CIA, e todos eles numa promiscuidade catita com situacionistas e opositores do regime. Há países que tentam preservar a sua soberania.
O Canadá é, modestamente, um deles. Não faz barulho, não arrota postas de pescada como o vizinho so sul, mas defende-se. É isto mau? Eu não acho.
Fernanda Leitão

domingo, fevereiro 13, 2005

BILHETE PARA O CLARK

(ou uma boleia de recurso, porque o Manuel Azinhal é bom rapaz e a caixinha não dá para grandes conversas...)
Aqui estou, caro Clark, disponível para lhe dizer como pode votar no Canadá - esse país um bocado a norte do Porto, tão grande que, quando se deita e espreguiça, bate com a cabeça no Polo.
Comece por ir à embaixada do Canadá, em Lisboa, perguntar como pode emigrar - se como empresário, se como simples trabalhador. Escolhida a modalidade, inicia todo o processo burocrático. Dali a um ano, mais coisa, menos coisa, faz as malas, apanha um avião e vem. Recomendo-lhe a SATA, passe a publicidade, porque é voo directo e bem mais cómodo do que a AIR TRANSAT.
Trate de vir na Primavera ou no Verão. É que, se vem no Inverno, desiste da aventura logo no aeroporto. Que o Inverno aqui, além de longo, é duro de aleijar.
Cumpridas as fomalidades com a Polícia de Imigração no aeroporto, dirige-se ao centro de Toronto. Aloja-se provisoriamente, como qualquer emigrante, em casa de parentes, amigos ou conterrâneos, até alugar um apartamento. A renda inclui a água, a luz e o cabo de TV. Para ter telefone basta ir a uma das lojas da Bell Canada, em qualquer centro comercial: escolhe o aparelho que lhe convém, compra-o, faz contrato com a companhia e leva o seu telefone num bonito saco. Como pelo caminho tem outras coisas a fazer e vai tomar café, quando chegar a casa, a ligação está feita. É só meter a ficha na parede. As chamadas na área da Grande Toronto, que é uma área muito vasta, são gratuitas e pode estar horas ao telefone. De resto, aprenderá depressa que pode resolver 80% dos seus assuntos pelo telefone, com facilidade, incluindo conferências profissionais e de negócios, nacionais ou internacionais. Perceberá, rapidamente, que o Canadá cultiva a comunicação falada e escrita, numa palavra, a informação. Para as chamadas internacionais, porque isso da saudade é mesmo verdade, aperta mesmo, também depressa entra no esquema do mais económico: compra um cartão de 10 dólares na tacabaria da esquina e isso dá-lhe 8 horas de conversa. Havemos de convir que é muita conversa...
Se pretende mobilar o apartamento (obrigatoriamente todos os apartamentos têm fogão, frigorífico e alarme de incêndios, e são já bastantes os que têm máquina de lavar e secar roupa), tem três opções segundo as suas disponibilidades financeiras: compra com o cartão de crédito, compra em 2ª mão na popular Queen Street West ou aluga (e nesta modalidade, aluga tudo, até TV, até HIFI, até computador, até quadros...).
Está prontinho para trabalhar. Goste, não goste, às 8:30 tem de estar no seu posto de trabalho, se for um escritório (num trabalho braçal tem de estar operacional às 8 horas. Como as distâncias são enormes, isso quer dizer que se levanta às 6 horas ou menos. Tem um breake por volta das 10 horas, e toma o seu café (não, não é a bica, é o chamado café canadiano que, para o nosso gosto latino, é uma água de castanhas...). Tem uma hora para almoçar ou menos ainda, e por isso aprende a levar o seu almoço canadiano num saco de papel (pode comprá-lo em qualquer café): uma sanduíche e uma peça de fruta. Isto fará com que se habitue a tomar um pequeno almoço canadiano, que é copioso - ovos, bacon, cereal, leite, sumo, torradas. Sai do trabalho pelas 17 horas, vai para casa, toma um banho, janta, abre o correio, vê um pouco de TV e faz óó cedinho que amanhã é outro dia de batente. E que batente! Como exigem estas empresas canadianas!
Se decide fazer um curso extra, tem de roubar ao seu repouso. Mas à sexta-feira, que festa, sai do trabalho e começa com amigos o seu fim de semana no pub da sua preferência. As opções para fim de semana são tantas que é difícil escolher.
Se no fim de semana lhe derem as saudades do cozido à portuguesa, da feijoada às transmontana, da caldeirada à fragateira, da cataplana algarvia, não há problema. Tem um grande número de restaurantes portugueses. E se gostar de cozinhar, por gosto pessoal e para receber amigos, vai à comunidade portuguesa e compra todos os pertences no chamado "mercado da saudade".
Se algum dia chegar ao trabalhar e souber que está despedido, mesmo depois de estar ao serviço há 10 anos ou 20, não dramatize.
Fica logo com o subsídio de desemprego (60% do ordenado), pede uma entrevista ao conselheiro de Emprego e faz uma reciclagem apropriada ao seu caso, de modo a garantir o seu retorno rápido ao mercado de trabalho.
Se lhe passar pela cabeça meter-se a fundo na comunidade portuguesa, à frente dum clube ou assim, tome uma chuveirada bem fria a ver se passa. Os portugueses não são ingovernáveis só em Portugal, também o são cá fora... Mas fazem umas festas giras, castiças, a que de vez em quando pode ir para desenjoar de tanto concerto, tanta ópera, tanto ballet, tanto teatro, tanto cinema... Tanta TV com 120 canais...
Se precisar de algum documento ou outro serviço do consulado de Portugal, entregue a tarefa a uma agência de viagens. Vale bem o que se paga mais, porque não tem de perder dias com a estúpida burocracia portuguesa, nem de aturar as, por vezes, trombas e má criações de certos meninos e meninas que ali trabalham.
Três anos depois de ter entrado no país como emigrante, requer a sua cidadania. Dão-lhe um livro para estudar o Canadá (geografia, recursos, política, administração). Um ano depois, mais ou menos, é convocado para a prova escrita e oral. E paga. Dizem-me que está caro. Eu paguei 50 dólares, sou uma canadiana de 50 dólares como costumo dizer aos meus amigos canadianos e eles tombam de rir... Passado no exame, dali a um mês ou dois é chamado a fazer o juramento - de mão na Bíblia, perante um Juiz, ladeado por oficiais da Real Polícia Montada, jura ser fiel ao Canadá e respeitar a Raínha Isabel II e seus descendentes (neste passo trate de pensar no Príncipe William e fica mais descansado). É uma cerimónia linda e sempre comovente. Nesse momento, acompanhando mais 100 ou 200 candidatos à cidadania, sentirá como é extraordinário pertencer a um país que é feito por si, por chineses, coreanos, japoneses, africanos, europeus, australianos, sul americanos, um país que mantém todo este mosaico multicultural em paz, sem problemas, porque impõe o cimento do respeito, da ordem, da tolerância e da boa educação. Quem pisar estes valores a pés, tem de responder perante a lei - que é igual para todos. Compreendo que esta democracia possa parecer esquisita lida aí, mas é o que por cá temos...
Se ficar doente, não tem médicos privados nem clínicas privadas. Só há Medicina estadual. Vai para a enfermaria como toda a gente, a menos que o seu caso exija o resguardo de um quarto.
Se não gostar dos políticos, pode falar à vontade, pode ir para os jornais à vontade. Mas as manifes dão pouco jeito, são uma chatice. As contas com os políticos ajustam-se nas urnas de voto. Acabadas as eleições, trabalha-se, trabalha-se muito. Os políticos, munidos do nosso voto, fazem o seu trabalho. Se o não fazem ou o fazem mal, falamos alto para o Governador Geral (representante da Soberana) ouvir. E lá se resolve o caso com novas eleições. Passa a habituar-se a ver ministros a responder a perguntas de polícias e juízes. A princípio as campanhas eleitorais podem parecer-lhe insonsas e sem graça, nem um insulto, nem um palavrão, nem uma insinuação torpe, nem uma canelada. Depois habitua-se e passa a ficar admirado com outras campanhas... Como vê, caro Clark, votar no Canadá é fácil. So, up to you.
Fernanda Leitão