quinta-feira, novembro 30, 2006

O guerrilheiro

Aos meus amigos da blogosfera, dedico na passagem deste 1º de Dezembro este velho "hymno ao Remechido".

I
Ei-lo erguido no topo da serra,
Recostado no seu arcabuz:
De pequeno creado na guerra,
Não conhece – não vê outra luz.
Viu a terra da pátria aggredida,
Ergueu alto seu alto pensar:
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!

Era noite, sem lua, sem nada,
E debaixo do negro docel,
Reluzia-lhe a fronte crestada,
Relinchava-lhe o negro corsel.
Fora noite talhada à sortida:
Fora d’horas quem há de velar?
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!

Eia, sus, ó meus bons camaradas,
Desse somno por fim despertae;
Além tendes as vossas espadas,
Eia, sus, bem depressa afiae.
Vae a terra da pátria vencida,
Quem da lucta se pode escusar?
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!

“Que me siga quem tem a vaidade
“De ouvir balas sem nunca tremer;
“Que me siga quem quer liberdade,
“Quem não teme na lucta morrer.
A estranhos a pátria vendida
Pede braços que a vão libertar.
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!

Já povoam os eccos da serra
Os sons rudes do altivo clarim;
E d’envolta com os gritos da guerra
Vão em roda cantando-lhe assim:
“Eia, avante, que a pátria aggredida
“Quer seus filhos na lucta encontrar.”
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!

Sopra o vento, desfralda a bandeira,
A que os livres à guerra chamou;
A que nunca na guerra estrangeira,
De vendida ninguém alcunhou:
Por um santo varão foi benzida,
Não na podem estranhos prostrar;
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!

Era noite; mas noite calada,
Sem estrellas no céu a luzir;
Fora noite dos santos fadada
Para a terra da pátria remir.
“Se esta lucta por nós for vencida,
“Póde a terra da pátria folgar.”
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!

“Adeus serra, calada gigante,
“Erma filha do meu Portugal;
“Adeus terra que inspiras distante,
“Este canto sentido e leal!
“A estranhos a pátria vendida,
“Pede braços que a vão libertar.”
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!

II
Não faltava ninguém no combate,
Não faltava na lucta ninguém;
Só depois - já depois do embate,
Rareava nas filas alguém.
Foi acção por acção decidida;
Vinde os mortos no campo contar!
- Pula o sangue, referve-me a vida;
Vinde ouvir-me meu triste cantar!

Era dia: nas armas luzentes
Vinha em chapa batendo-lhe o sol;
Mas nem todos dos lá combatentes,
Viram brilho do immenso pharol.
Pela terra de sangue tingida,
Mais de um bravo se via rojar.
- Pula o sangue, referve-me a vida;
Vinde ouvir-me meu triste cantar!

Vencedoras as Quinas ficaram,
Vencedoras ainda uma vez;
Mas de pranto depois as regaram,
Quem lhes dera valor portuguez.
Lá ficara uma espada esquecida
Sem que o dono a pudesse zelar.
- Pula o sangue, referve-me a vida;
Vinde ouvir-me meu triste cantar!

Desabando do topo da serra,
Lá deixara o fiel arcabuz:
De pequeno creado na guerra,
Viu na guerra extinguir-se-lhe a luz.
Vira a terra da pátria aggredida,
Ergueu alto seu alto pensar:
- Pula o sangue, referve-me a vida;
Vinde ouvir-me meu triste cantar!

À descoberta do Remechido

No dia 5 de Dezembro, pelas 18h00, terá lugar em Loulé a inauguração da exposição “Remexido”, a qual vai permanecer na Galeria de Arte do Convento do Espírito Santo entre 5 e 30 de Dezembro.
Na ocasião realiza-se ainda uma conferência sobre o tema “O Remexido e a Resistência Miguelista no Algarve”, proferida por José Carlos Vilhena Mesquita, da Universidade do Algarve.
Esta iniciativa pretende dar a conhecer a vida de José Joaquim de Sousa Reis, mais conhecido por “Remexido”, na história do século XIX no Algarve.
Mais informações: O Homem da Serra.

A ler hoje

Deus nos livre dos católicos, por Pedro Picoito.

"Talvez", por Pedro Picoito.

De volta aos anos 70, por Luciano Amaral.

quarta-feira, novembro 29, 2006

Floresta de enganos

Como procurei demonstrar no artigo anterior, ao referendo anunciado suceder-se-á uma situação curiosa: caso vença o não começarão de imediato a desenvolver-se os esforços para que o sim prevaleça por qualquer outro modo, v. g. por via legislativa, ou se for preciso através de um outro referendo; e se o sim ganhar assistiremos aos mesmos esforços, agora para consagrar na lei ordinária soluções que sejam mais aceitáveis para os guerreiros do sim, porque a simples consagração legislativa do que consta da pergunta referendada não satisfaz de forma alguma os seus objectivos.
Não creio que tenha feito uma grande descoberta, e nem vejo que alguém, seja qual for a sua posição, vá contra este meu prognóstico.
Estamos indubitavelmente perante uma guerra para continuar, e engana-se quem pensar o contrário.
Pense-se em que nenhuma das situações levadas a tribunal e que provocaram enormes campanhas dirigidas à opinião pública (Setúbal, Aveiro, Maia) teria destino diferente se estivesse em vigor o que a pergunta referendada sugere. Os casos referidos, que pela lei actual são crime, continuariam a sê-lo se estivesse consagrada a posição constante do referendo.
Não é conhecido nenhum exemplo que tenha sido submetido a julgamento (primeiras dez semanas???) e que fosse abrangido pela despenalização proposta na pergunta sujeita a referendo.
O que mudaria então na atitude dos que se manifestaram na ocasião por todos os meios, desde as colunas de opinião às portas dos tribunais? Obviamente, nada.
Anoto ainda os equívocos, significativos, em que o debate continua a processar-se. Não me refiro já ao uso eufemístico da expressão "interrupção voluntária da gravidez" para fugir ao termo mais cru e verdadeiro, aborto. Estou a pensar por exemplo na insistência obsessiva em apresentar a norma penal como "perseguição às mulheres" (tem que se repetir com especial ênfase a palavra "mulheres"). A verdade é que a norma, como qualquer outra de estrutura semelhante, prevê um comportamento que define como crime e estabelece uma pena para o seu agente - abstraindo de quem possa ser esse agente. Pode ser mulher ou homem. Incorre no crime de aborto a mulher que de modo consciente e deliberado pratique aborto sem si própria, e incorre no mesmo crime o homem ou a mulher que o pratique em outrem. E recorde-se que pode ser punido como autor tanto o autor material (por exemplo o médico, o enfermeiro ou o prático que o faça) como o autor moral (aquele, por exemplo namorado, marido, amante, que determine outrem a realizá-lo). Penso que neste ponto me responderiam que sim senhor, assim é teoricamente mas na realidade só aparecem mulheres a responder por esse crime. Respondo que é verdadeira a observação, mas por um motivo completamente diferente do que estaria a pensar o meu imaginário interlocutor: a razão por que têm respondido nos tribunais portugueses por crime de aborto mais mulheres do que homens reside simplesmente no facto de entre nós quase não existirem enfermeiros-parteiros - só há enfermeiras-parteiras. Abreviando, estou eu a querer dizer o seguinte: a previsão legal do crime de aborto serve para muito mais do que para perseguir mulheres grávidas. Serve essencialmente para perseguir por esta via quem faz negócio dessa prática. E que com a despenalização continuará no ramo, agora de porta aberta, ou passará a trabalhar nas clínicas espanholas. Fala-se só nas mulheres grávidas para esquecer o facto incómodo de os despenalizados serem fundamentalmente os outros (os que vivem disso, e os que levam a isso).
Queria deixar ainda uma nota quanto ao tremendismo das descrições do pretenso flagelo punitivo. Quem frequenta todos os dias tribunais sabe que é acontecimento raro um processo por crime de aborto. A esmagadora maioria dos advogados e dos magistrados portugueses nunca viu nenhum. Procure-se nas estatísticas e constate-se a insignificância. A despenalização vai resolver o quê, a não ser a impossibilidade legal de exploração comercial da actividade?
Finalmente, uma observação que gostaria de poder desenvolver em futuro escrito. É sabido que a norma jurídica se caracteriza além do mais pela sua generalidade e abstracção. Tal implica que a construção normativa de um tipo criminal tem que ter como referência a conduta-regra a que se atribui desvalor jurídico, aquela que possa constituir o paradigma do que se pretende censurar penalmente, aquela a que se devem subsumir as concretas condutas humanas submetidas depois a apreciação e valoração. Não se pode edificar o direito penal tendo como referência circunstâncias excepcionais, desvios ao que é a conduta-padrão integrante do crime. A generalidade da norma é que terá que dar-lhe a flexibilidade necessária para dar resposta tanto ao que é a regra como aos seus desvios.
Todavia, na discussão sobre a incriminação do aborto, conduzida pelos defensores da despenalização e liberalização, o ponto de partida situa-se sempre em situações extremas. Apela-se ao dramalhão e à emoção fácil. Parte-se de perguntas que em geral contêm a própria resposta. Então e se uma mulher se vir forçada a abortar por... dá vontade de responder que se alguém foi forçado a algo então não pode haver crime porque não estamos perante uma acção voluntária. Em todo o caso, a técnica é sempre a mesma: atirar com situações que em rigor podem e devem ser tratadas a nível das causas de exclusão da culpa ou da ilicitude para atacar a própria norma incriminadora - que evidentemente não contende com os princípios gerais, ou as previsões específicas que existirem, respeitantes a exculpação ou legitimação.
A discussão está desse modo viciada logo nas premissas, e nada pode trazer de útil e esclarecedor.
Mas esta era a outra conversa. Fica para outra vez.

O que não se fala no referendo

"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"

É frequente numa discussão acabar por esquecer-se o ponto de partida.
Assim acontece notoriamente no caso do referendo que se anuncia, em que o debate geralmente se afasta do teor exacto da pergunta que é colocada à votação, e foge das consequências das respostas possíveis.
Normalmente discute-se o aborto, em abstracto, no registo "eu acho que", perdendo-se a noção de que o referendo incide sobre uma pergunta em concreto, da qual deverão em princípio decorrer consequências legislativas.
Imagine-se a resposta sim.
Os que prontamente declaram querer votar sim (isto é, que concordam com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado) admitem que a sua resposta signifique concordância com a penalização do acto quando praticado fora de estabelecimento de saúde legalmente autorizado? E são pela penalização do acto quando praticado após as primeiras dez semanas?
A lei penal deve portanto manter a pena para a interrupção voluntária da gravidez que seja realizada após as primeiras dez semanas e/ou fora de estabelecimento de saúde legalmente autorizado?
É o que resulta iniludivelmente da interpretação a contrario da pergunta em análise...
Pelo que lhes ouço, creio sinceramente que não é este o significado que dão ao sim os mais empenhados defensores dessa opção.
Porém, é essa a pergunta que é colocada a todos os votantes. E, tal como está, verificando qual o sentido mais comum que o mais comum dos falantes do português pode extrair da fórmula, não há dúvida que ao perguntar pela concordância para uma despenalização em certas condições dadas está a pressupor-se a estabilidade da penalização para os casos que se situem fora desse âmbito restrito.
Ora sendo assim é legítimo concluir que a pergunta referendada pode distorcer os resultados da votação, no sentido de facilitar a resposta sim.
Bastava que a pergunta fosse composta do verso e do reverso para os resultados serem bem diferentes.
"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado, mantendo-se a penalização qundo não se verifiquem tais requisitos?"
Nesta formulação o sim significava inequivocamente concordância com a punição da interrupção voluntária da gravidez realizada ou para além das dez primeiras semanas, ou fora de estabelecimento legalmente autorizado. Mas quantos dos entusiastas do sim continuariam a manter a sua resposta?
Se a minha observação está correcta, o resultado sim parece conduzir a um impasse político. Com efeito, a legislação ordinária que deverá conformar-se com o que resulta da pergunta aprovada não satisfará os mais ardentes partidários do sim. Só pode estar de acordo com a perspectiva dos que votarão sim convencidos de que estão a dizer sim apenas ao que está expresso, e que votariam não se lhes fosse posta a questão em termos de o seu sim implicar também concordância com o que ali não está.
Como é fácil de calcular, se vier a acontecer essa conformidade legislativa com o sim que é referendado (continuarão então a ser julgados e punidos todos os abortos clandestinos, que serão todos os praticados fora dos tais estabelecimentos autorizados e todos os efectuados para além das dez primeiras semanas) nada se modificará na actuação política dos actuais combatentes pelo sim. Eles não aceitarão que "as mulheres sejam julgadas", que a "interrupção voluntária da gravidez" seja punível, seja o acto praticado onde for e seja qual for o tempo de gestação do feto.
O que vale por dizer que a luta vai continuar. Indefinidamente.
Teria sido bom que quem se pronunciou pela clareza e constitucionalidade da pergunta tivesse prevenido estes aspectos, que não me parecem dispiciendos.
Para não maçar, desisto de entrar pelas questões relacionadas com a protecção da vida imposta pelo art. 24º da CRP e o futuro estatuto jurídico do embrião. Na verdade, se não existir protecção penal para o embrião (até às dez semanas de vida estará inteiramente na disponibilidade da progenitora, que o poderá destruir por simples acto de vontade, independentemente de qualquer causa ou justificação), e não for estabelecida outra qualquer forma de tutela jurídica desses bens (presumo que bens jurídicos ainda serão), qual será então a sua natureza jurídica? Coisas? E se forem coisas, devem considerar-se in comercium ou extra comercium? Repare-se que esta distinção teórica de res extra comercium ou res in comercium se revestirá da maior relevância prática, já que como se sabe existem interesses económicos na utilização dos embriões.
E como se irá harmonizar a legislação acerca dos embriões produzidos laboratorialmente, segundo técnicas de reprodução artificial, v. g. fruto de fertilização in vitro ou clonagem, com a situação jurídica dos embriões gerados naturalmente? Acontecerá que uns gozarão de protecção jurídica e outros não?
São muitas perplexidades para um bloguista só.

terça-feira, novembro 28, 2006

O aborto em discussão em Lisboa

Realiza-se no dia 30 de Novembro (Quinta-feira), pelas 21h00, no Centro de Cultura Popular de Santa Engrácia, na Calçada dos Barbadinhos, n.º 49-A, em Lisboa, um debate sobre a questão do aborto.
O debate contará com representantes dos blogues Pela Vida e Blogue do Não.
A sessão é aberta ao público e a entrada é livre, pelo que se aguarda a comparência de todos os leitores disponíveis.

Terão pensado nisto?

Fornecimento de seringas nas prisões e reinserção social

Grupo dos Amigos de Olivença

No próximo dia 30-11-2006, quinta-feira, pelas 18.30 horas, na Livraria Férin, Rua Nova do Almada, 70/74, em Lisboa, é apresentado o livro «Olivença no Labirinto da Saudade», com pinturas de Serrão de Faria e texto de Marília Abel e Carlos Consiglieri.
A obra terá apresentação do Presidente do Grupo dos Amigos de Olivença.
No dia seguinte, feriado nacional do 1º de Dezembro, pelas 16.00 horas, o Grupo dos Amigos de Olivença participará, como habitualmente, nas Comemorações do 1.º de Dezembro, na Praça dos Restauradores, em Lisboa.
Conta-se com a presença, em ambas as iniciativas, de todos os amigos e interessados pela causa de Olivença.

segunda-feira, novembro 27, 2006

Quem enfia esta carapuça?

"Será interessante acompanhar o nascimento, evolução (e, se se mantiver a tendência do passado, a morte por inanição) de blogues políticos que, pelos seus meios profissionais, se percebe terem financiamentos próprios cuja origem é desconhecida. É um fenómeno novo que mostra a importância crescente da blogosfera e do qual não vem nenhum mal, se existir um pouco mais de transparência. No fundo, trata-se de política pura e dura e não de qualquer actividade amadora e lúdica pelo que saber quem paga é relevante. Relevante e instrutivo."
Pacheco Pereira, Abrupto

domingo, novembro 26, 2006

Pão fresco

Carl Schmitt e Benito Cereno, in Je Maintiendrai.

Oportunismos, por Eduardo Dâmaso.

A mão invisível, por Nuno Rogeiro.

sábado, novembro 25, 2006

A PARTIDOCRACIA

Começando a refalar-se demais em partidocracia, parece conveniente a quem mais utiliza o termo tentar um esboço da sua definição. Para evitar confusões, antes de mais nada; para que nos entendamos, depois de tudo.
A partidocracia é uma forma degenerada da democracia. É o governo dos partidos, para os partidos e pelos partidos, enquanto a democracia pretende ser o governo do povo, para o povo e pelo povo.
Se todo o povo se arregimentasse em partidos e se o funcionamento interno das associações partidárias respeitasse as regras da democracia, a partidocracia poderia ser, talvez, uma forma de democracia orgânica, tendo os partidos o valor representativo dos grupos naturais. Assim, tal como funciona em Portugal, em Espanha, na Itália, não tem a menor qualidade ética e transforma-se, por tendência natural, restringindo-se democraticamente muito mais, no governo das oligarquias e pelas oligarquias.
Quem se sentindo com gabarito para chefe não tem lugar na chefia dum partido, forma o seu próprio partido. Como o direito de tendência não é reconhecido nas associações partidárias, monolíticas por natureza, não tem outro caminho. Os casos característicos de Francisco Martins Rodrigues, afastando-se do P.C. para fundar a U.D.P., de Manuel Serra e Lopes Cardoso, separando-se do P.S. para organizarem as suas próprias formações partidárias — e, muito mais recentemente, de Pinheiro de Azevedo, dando um salto de corça para passar da esquerda para a direita do leque político — são exemplos flagrantes.
Os partidos, monoliticamente disciplinados, propendem sempre para a auto-seccionação. Se o modelo português, de tão imaturo e com tão pouco tempo histórico, pode ser considerado caricatural — que se dirá do modelo espanhol, e do modelo italiano, e do modelo turco e (até...) do modelo britânico à beira da portugalização?
São os partidos somente máquinas burocráticas organizadas para a conquista do poder. Um dos mais pitorescos ornamento da partidocracia indígena — o sr. Amaro da Costa — ainda há bem poucos dias não teve pejo de o afirmar quando disse que os partidos políticos se não fizeram para estar na oposição. Por isso mesmo passam por cima de toda a folha para se instalarem no governo.
Sendo militantes dum partido, os políticos anseiam por ser deputados; sendo deputados, procuram ser ministros; sendo ministros fazem as cabriolas necessárias para se aguentar. As crises ministeriais são, desta maneira, da própria essência da partidocracia porque não há lugares de ministros para toda a gente e é necessário revezarem-se uns, para que outros se acheguem sentados aos cadeirais do poder.
Vivemos neste momento em Portugal a quinta-essência da partidocracia. Depois de, inutilmente, durante meses, ter apoiado o governo na esperança de receber um pago qualquer, a oposição derrubou o ministério. Ao fim de quase um mês de crise, o Primeiro-Ministro derrubado é indigitado para formar governo — e as oposições que tanto o censuraram resolvem apoiá-lo para tudo voltar ao mesmo.
Perante os interesses nacionais, os partidos defendem somente os seus próprios interesses, malbaratando os respectivos programas, todas as promessas eleitorais, para se achegarem ao usufruto do governo.
No nosso contraditório sistema constitucional estar no governo significa dominar toda a administração e os consequentes empregos, representa gerir 80% da economia e os seus lucros naturais. Isso mesmo se entende do que, secretamente, transpira das negociações entre o P.S. e os aspirantes à coligação ou plataforma governamental. O que se discute agora já não são pontos programáticos, não. O que se discute é a distribuição das sinecuras: — tantas pastas de ministro para ti, tantas pastas de ministro para mim; tantos governos civis para nós, tantos governos civis para vós; tantas administrações de empresas para os nossos amigos, tantas administrações de empresas para os vossos amigos. Não se discute mais nada.
As negociações com o Fundo Monetário Internacional? Concluir-se-ão, com certeza, se os partidos chegaram a acordo no que respeita à distribuição dos tachos governamentais.
Isto é, em linha genéricas, partidocracia. Não tem nada a ver com a democracia. Trata-se somente duma questão de partilha do poder — e mais nada. Os interesses gerais da nação são conscientemente sacrificados aos interesses pessoais das oligarquias; estas, sem o menor rebuço, sacrificam os próprios partidos à satisfação das ambições e vaidadezinhas de cada um dos oligarcas.
É ineficiente o sistema, em primeiro lugar. Não permite uma governamentação coerente e eficaz. É imoral, logo depois. Alimenta e aumenta os defeitos dos homens. Vivemos o drama tão intensamente que quase já acreditamos que os anúncios de catástrofe sejam flores de retórica. O que se passa em Portugal, sendo embora a truculenta caricatura da partidocracia, é perfeitamente paradigmático.
Os problemas do país são conhecidos de todos, concretamente e em pormenor. Conhecem-se, também, as soluções que, tecnicamente, podem ser socializantes ou capitalizantes. Porque é que, então, se não entendem os partidos? Porque vivem na luta pela partilha do poder — e porque não conseguem chegar a acordo sobre a distribuição das prebendas.
Ao egoísmo de uns, soma-se negativamente o analfabetismo e a imaturidade dos outros. À vaidade destes, junta-se, taful, o orgulho daqueles. A realidade viva do interesse nacional é preterida pela mesquinhez consuetudinária. Vamo-nos enfraquecendo porque são fracos os homens que nos comandam.
Não nos parece que aceitando-se o sistema e as suas regras se possa fazer muito melhor. Só se pode piorar. Recusamo-lo em bloco, por isso mesmo — como direita. E recusamo-lo em termos críticos que o quotidiano constantemente corrobora. A partidocracia arruina-nos — precisamos angustiosamente de mudar de vida, se quisermos subsistir como comunidade soberana.
Limitamo-nos, portanto, a uma posição de simples bom senso. A tentação de nos inserirmos no sistema não se nos quadra porque não vemos no sistema a menor viabilidade.

MANUEL MARIA MÚRIAS
(In A Rua, n.º 82, pág. 3, 05.01.1978)

Ainda Marvila

Novo editorial de Eduardo Dâmaso no Diário de Notícias.

Para lá do momento e da pressa com que se votou a viabilização do loteamento de Marvila, este caso demonstra que não há esperança possível numa eventual mudança de paradigma na relação da maioria política da câmara com a construção civil. E sobre isso também Carmona Rodrigues deveria pronunciar-se ou ser interpelado.
O presidente poderia, por exemplo, explicar se o loteamento em causa é assim tão importante que dispense a exigência legal de apresentação do plano de pormenor antes de ser votado. Se fica confortável com o facto de este caso, cuja simples votação abre potencialmente uma batalha jurídica de grande complexidade e constitui os tais direitos adquiridos que podem custar mais de 60 milhões de euros ao erário púbico, ter sido aprovado com base numa norma excepcional contida no número 3 do artigo 75 do PDM. Esta norma dispensa o referido plano de pormenor, embora não o faça de modo expresso, e tem permitido a viabilização de tudo o que é empreendimento em Lisboa. É legal mas é uma forma enviesada de licen-ciar construção. Corresponde a um paradigma que deveria estar ultrapassado porque consagra a excepcionalidade da aprovação com base em princípios genéricos onde tudo pode caber, onde tudo pode ser defendido ou negado com bons pareceres de juristas sempre ilustres. Ou seja, estamos a falar da viabilidade excepcional desde que a obra seja considerada "de interesse urbanístico, social ou económico", desde que "não seja posta em causa a reestruturação urbanística da área" e devendo a dita "ser compatível com a categoria do espaço onde se localiza". No caso concreto, estamos a falar de um terreno de 11 hectares à beira do Tejo onde vai nascer uma urbanização de 1037 fogos. Obviamente compatíveis com o referido interesse económico e que manifestamente não deverão pôr em causa a citada "reestruturação urbanística da área"...
Antes de chegar à discussão sobre a inviabilização de um dos corredores possíveis do TGV, há a questão urbanística e terá sido apenas por ela que a oposição votou contra o projecto. Pelo TGV é óbvio que a câmara poderia ter tido outra opção, mas o Governo também deveria ter sido mais enérgico e activo, sabendo que a tramitação do projecto se aproximava do fim. Agora, no meio de toda esta embrulhada, só há uma coisa que é certa: Lisboa não ganhou nada com esta aprovação do projecto, o país também não, mas há um construtor e promotor imobiliário que adquiriu direitos de construção consolidados que lhe darão sempre lucros fabulosos quer venham sob a forma de apartamentos vendidos ou de indemnização paga pelo Estado português.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Lançamento de livro de Marcello Caetano

No próximo dia 6 de Dezembro terá lugar o lançamento oficial do livro "Marcello Caetano no Exílio", no Círculo Eça de Queiroz, em Lisboa.
Esta sessão ocorrerá pelas 18h30 e a apresentação da obra será feita pelo Prof. Doutor Nuno Espinosa Gomes da Silva.
O livro, da Editorial Verbo, conta com prefácio de Joaquim Veríssimo Serrão e reúne os estudos, conferências e comunicações realizados por Marcello Caetano durante o seu exílio no Brasil.
A recolha e compilação destes documentos foi realizada pelo seu filho, Miguel Caetano.

A sorte grande em Marvila

Como me foi perguntado do que é que estava a falar, publico as opiniões de Eduardo Dâmaso e Jorge Ferreira sobre o assunto. São moderadíssimas, atenta a gravidade do caso e os montantes envolvidos. Eu penso que ao menos os dois mais visíveis implicados deviam estar já detidos e a responder na Judiciária (refiro-me ao falso sonso Carmona e à gordinha espertalhufa Seara).
Os leitores já pensaram na situação extraordinária em que foram colocados os promotores do projecto imobiliário em causa? Se o projecto for para a frente, por exemplo por se desviar um bocadinho o traçado do TGV ou a nova ponte, será uma mina de ouro. Se como se prevê não puder avançar, ainda melhor porque o lucro entra inteirinho, limpinho e de uma vez só, sob a forma de indemnização.
E ainda há quem não acredite em coisas do outro mundo! Isto é ou não é verdadeiramente sobrenatural?

A BAGUNÇA

Um comentário de Jorge Ferreira.

A Câmara Municipal de Lisboa está um caos. Carmona Rodrigues foi apoiado pelo PSD para supostamente limpar a imagem trapalhona de Santana Lopes. Era suposto Carmona Rodrigues ser credível, consistente e avesso a trapalhadas. Era, mas não é. A verdade é que o índice de trapalhada de Carmona Rodrigues consegue competir com vantagem com o do seu antecessor.
Depois do escândalo de negociações de lugares durante a formação das listas, Lisboa tem assistido a um desfile de suspeitas sobre negócios imobiliários e trafulhices. Os negócios de mercearia política com o CDS estoiraram. As nomeações continuam a obedecer ao critério das pressões partidárias, o que já não apenas revela um carácter, mas uma verdadeira patologia.
A última irresponsabilidade política do ainda Presidente da Câmara Municipal de Lisboa revelou-se com a aprovação de um projecto imobiliário em Marvila mesmo em cima do traçado planeado pelo Governo para o TGV. Esta brincadeira é susceptível de vir a render uma choruda indemnização ao promotor caso veja as suas expectativas frustradas no futuro.
O estado lastimável em que Lisboa se encontra devia fazer reflectir Carmona Rodrigues sobre se não seria melhor pedir desculpa aos eleitores e regressar à sua vida profissional, deixando Lisboa em paz.

Marvila

O editorial do Diário de Notícias, por Eduardo Dâmaso.

A guerra que estalou entre o Governo e a maioria política da Câmara de Lisboa devido à aprovação de um loteamento em Marvila que põe em causa um dos possíveis trajectos de passagem do TGV por Lisboa tem todos os ingredientes daquelas histórias de que só se pode desconfiar. Desconfiar da pressa da votação, depois de o processo ter saltado vários agendamentos. Desconfiar da legalidade, puramente formal, defendida pelo presidente da câmara e pela vereadora do Urbanismo de forma excessivamente genérica. Desconfiar da opacidade da decisão tomada em reunião confidencial do executivo e de que só nos chegam chavões de defesa liminar, apimentados por frases de confronto político, ou os gritos indignados da oposição. Desconfiar da leviandade com que são constituídos - e praticamente blindados - direitos adquiridos dos promotores.
O caso tem duas vertentes essenciais que passam pela dimensão urbanística pura e pela questão de salvaguardar ou não um dos corredores possíveis do TGV, mas tem uma outra, de natureza política, decisiva: seria impossível ter adiado a votação? Formalmente o processo tinha ultrapassado todas as fases de planeamento interno e só dependia da decisão política. Esteve, porém, agendado várias vezes e não chegou a ser votado por motivos diversos. Na penúltima reunião do executivo não foi votado porque entretanto estalou a crise na maioria, mas aparentemente o dossier trazia fogo e tinha de ser rapidamente despachado. Foi o que aconteceu, numa reunião em que só havia mais dois pontos em agenda.
Carmona Rodrigues, que foi obrigado a usar o voto de qualidade e implicitamente meteu o pescoço num processo em que se poderia ter salvaguardado, tem de ser obrigado a esclarecer isto. Qual foi a inadiável razão que o levou a acelerar a votação? Quis inviabilizar a passagem do TGV por ali? Prejudicaria gravemente os interesses da cidade e do concelho se adiasse a votação? Tudo o que disse até hoje sobre o assunto não permite extrair qualquer elemento de razoabilidade e bom senso.
O presidente da câmara deveria estar mais preocupado em esclarecer este processo aos munícipes de Lisboa do que em atacar quem o critica. É que, caso não a tenha, é bom que adquira rapidamente a consciência de que esta é uma matéria que, à falta de boas explicações, transporta o vírus que contamina a credibilidade dos políticos.

Dez semanas?

Um comentário do Prof. José de Oliveira Ascensão.

O escândalo da "fábrica do sabão"

Há muito que não saltava a público uma porcaria de tais proporções; quanto mais falam os responsáveis e mais desculpas esfarrapadas lançam para o ar mais se sente o cheiro nauseabundo e mais alastra a nódoa vergonhosa.
Não há maneira de esconder a evidência dos factos: o primeiro, é que alguns vão embolsar milhões, muitos milhões; o segundo, é que os decisores no processo trabalharam para esse resultado. Sabiam e queriam o que fizeram.
Sendo do conhecimento público e do conhecimento particular deles o destino anunciado para os terrenos em questão, como explicar a aprovação, e a pressa dela, de um projecto que de antemão era sabido que só iria originar direitos a indemnizações elevadíssimas?
Olhando para este caso, e para outros parecidos, fica-se perplexo com o discurso sobre a penúria das finanças públicas. Um Estado que tem recursos para alimentar isto tudo não pode falar em escassez. O que admira é como ainda há para tanto desperdício, tanta irresponsabilidade, tanta negociata, tanta corrupção verdadeira e despudorada a que nunca se ousa dar o nome certo.
Infelizmente, receio que os nossos meios de comunicação social, normalmente tão sequiosos de escândalos fúteis, nem sequer dêem a conhecer ao público com o devido realce a dimensão gigante deste rombo na fazenda nacional. Não haverá investigação sobre quem são os beneficiários, quem foram os executantes, quais as ligações entre eles. Roubo é coisa de pobre; isto é um golpe de génio.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Por falar no Visconde de Santarém


Pode o Je Maintiendrai preparar-se para ir ver os mapas.

1º de Dezembro

Cerimónias Comemorativas da Restauração da Independência:
A Sociedade Histórica da Independência de Portugal promove como habitualmente as Cerimónias Comemorativas da Restauração da Independência de Portugal, a realizar em Lisboa no próximo dia 1 de Dezembro, nomeadamente a Missa Solene de Acção de Graças, na Igreja Paroquial de Santa Justa, no Largo de São Domingos, às 12 horas, e a homenagem aos heróis da Restauração, na Praça dos Restauradores, às 16 horas.

Colóquio da Causa Identitária

A Causa Identitária organiza no próximo dia 25 de Novembro, em Lisboa, o seu I Encontro Internacional, contando com a presença de prestigiados oradores nacionais e estrangeiros. Pormenores no sítio próprio.

quarta-feira, novembro 22, 2006

Os votos dos Conselheiros

Já está à disposição de todos o texto integral do acórdão do Tribunal Constitucional que deu luz verde à realização do referendo que visa liberalizar o aborto até às 10 semanas de gravidez.
A leitura é interessante, ao menos para juristas, e merece alguns destaques.
Não propriamente no acórdão em si, da autoria de Fernanda Palma, que não diz nada que não se esperasse da senhora (é a posição oficialissima, dela e de seu marido, o legislador em funções no actual poder político).
Mas ainda entre os subscritores da posição vencedora encontramos a primeira surpresa: Bravo Serra assinou sem qualquer reparo o texto de Fernanda Palma.
Dadas as posições normalmente bem alinhadas de Bravo Serra (desde os longínquos tempos do Colégio Pio XII, ai se o Padre Aguiar pudesse vê-lo agora!!!), poderá concluir-se que foi o PSD, ou ao menos um sector deste, que decidiu viabilizar o referendo?
O certo é que o projecto de acórdão passou por 7 contra 6, o que significa que sem Bravo Serra teria havido uma bronca das grandes.
Porém, os destaques maiores, na minha perspectiva, devem ir para dois votos de vencido. O primeiro é o de Benjamim Rodrigues, que, sem surpresa, constitui uma brilhante refutação da posição que fez vencimento. O segundo é o de Mário Torres, que surpreendentemente surge nessa posição de vencido. Vale a pena ler, também pelo mérito próprio do excelente jurista que Mário Torres sempre foi. A razão da minha surpresa não está nesse mérito, como compreendem os que conhecem (ou julgavam conhecer) o Dr. Mário Torres. Eu não tinha a pretensão de o conhecer, mas confesso-me surpreendido e intrigado. O Mário Torres!
Enfim, o resultado previsto era 7-6, e assim aconteceu. Mas encontrar Bravo Serra entre os 7 e Mário Torres entre os 6 não estava nas previsões. O Tribunal Constitucional conserva alguma capacidade para surpreender.

terça-feira, novembro 21, 2006

Para a história do 25 de Novembro

José Manuel Barroso começou a desvendar O "mistério" do 25 de Novembro de 1975.

Outra de Évora

E para concluir esta sequência sobre Évora, uma notícia jurídica mas com significado que ultrapassa em muito o plano meramente jurídico: o Tribunal da Relação de Évora reconheceu a razão do Grupo dos Amigos de Olivença na já célebre questão da Ponte da Ajuda.
Mais um motivo de orgulho para todos os eborígenes.

Fei Carlos de Évora


O acontecimento do ano no Museu Nacional de Arte Antiga é a exposição dedicada a Frei Carlos. O monge jerónimo, figura maior do nosso século XVI, viveu toda a sua vida adulta no Convento do Espinheiro, onde teve a sua oficina.
Pode ser que um dia, ou no próprio Convento do Espinheiro ou num renovado Museu de Évora, a cidade possa contemplar o conjunto da obra que resta deste seu filho adoptivo (chamo-lhe assim pois o frade era de origem flamenga; foi um eborense de adopção).
Por agora resta-nos ir a Lisboa e visitar a Rua das Janelas Verdes. A cidade-museu continua a ser, e receio que por muitos anos, uma cidade sem museu. Uma cidade que fechou os que tinha, quando outras aparentemente mais insignificantes os abrem.

Alerta

Oportuna chamada de atenção: o Arquivo Fotográfico de Évora não pode perder esta notícia!
A senhora Câmara vai ter que desembolsar uns trocos.

Memória


Aproveitando o Projecto Memória: o Largo da Porta de Moura, um espaço da infância do Manuel Azinhal.
Em primeiro plano a fonte, ao fundo a casa Cordovil.

Novas sobre Colon

Depois da inauguração da estátua a Colon em Cuba a identidade do navegador volta a ser notícia com a publicação pela Ésquilo de um ensaio de investigação histórica dedicado à vida do «descobridor da América» conhecido em Portugal pelo nome de Cristóvão Colombo, da autoria de Manuel da Silva Rosa e Eric J. Steele, com prefácio do escritor e jornalista José Rodrigues dos Santos, autor do romance «O Codex 632».
O livro foi apresentado sexta-feira, 27/10, às 18h30, no auditório Victor de Sá da Universidade Lusófona, em Lisboa, pelo Prof. Doutor José Carlos Calazans, historiador da Expansão Portuguesa. Vem tudo no novo sítio dedicado a Cristóvão Colon.
Pela minha parte queria erguer dois protestos. O primeiro, contra a injusta ocultação do papel de Mascarenhas Barreto e da sua obra que se vem notando nestas iniciativas. A segunda, contra a manutenção do absurdo uso do designativo "Colombo" para referir o homem. Se ele nunca usou tal nome, se ninguém do seu círculo familiar o usava, se nenhum dos descendentes alguma vez o usou, se não há a menor prova de que alguma vez o tivesse (a não ser as fantasias italianas, que ele obviamente não podia ter adivinhado) porquê insistir nesse ridículo apelido passareiro? Colon era Colombo? Nem a avó dele!!

segunda-feira, novembro 20, 2006

Homens bons

Chegado a este ponto em que estou a pensar lembro-me sempre da "superioridade moral dos comunistas". Os jovens do meu tempo recordam certamente os nossos debates de então com os colegas militantes dessa fé organizada, e como era inevitável que tarde ou cedo surgisse na discussão a "superioridade moral dos comunistas". A rapaziada do partido andava sempre com o livro de Cunhal debaixo do braço, ou já enfiado na cabeça, e aquilo era visivelmente importante. Volta e meia lá entrava no mais aceso do debate a "superioridade moral dos comunistas", com um sorriso de orgulho. A superioridade era mesmo importante. E quando não eram eles a puxar o tema era quase certo que ele surgia do outro lado: quem se posicionava contra, impaciente com o que sentia como a desfaçatez e a arrogância, quando não cinismo e fanatismo, das hostes empenhadas naquela religião secular, acabava inevitavelmente por disparar contra essa superior manifestação de cegueira. A "superioridade" era realmente importante.
Quem viveu empenhamentos políticos e é capaz de algum sentido crítico e distanciamento percebe porquê. As tropas precisam de acreditar. Frequentemente contra toda a realidade, os nossos têm que ser os melhores, os mais justos, os mais inteligentes, os mais cultos. Sobretudo, porque o nosso é o lado certo, os nossos têm que ser moralmente superiores. Também nós nos sentimos melhor por participarmos dessa superioridade. A certeza reconfortante da bondade dos nossos, das suas imensas virtudes, do seu heroísmo, desinteresse e altruísmo, são condimentos necessários para o combate e a mobilização. O caucionamento e a legitimação do que fazemos (até o mal?) decorrem daí. Se as almas esfriam, os exércitos dispersam.
Claro que a vivência destroça as ilusões, e todos acabamos por saber que em todos os campos iremos encontrar patifes, em número infinito, até ao fim do mundo.
É normal que assim seja; o homem é um ser mais propenso ao vício do que à virtude.
Todavia, poderá essa normalidade ser o bastante para consolo e resignação?
Também sentimos que não. As misérias dos "nossos", a maldade que sentimos no lado que defimos como "o nosso", dói muito mais.
A verdade é que precisamos de homens bons, e estes não abundam.

domingo, novembro 19, 2006

Outras guerras

Parte da manhã foi ocupada no combate à lagarta da couve. Vão retorquir-me que é fraca epopeia uma batalha contra bicho tão rasteiro. Muito enganados andam. O meu hortejo é sítio onde não entram pozes nem venenos, produção estritamente biológica. De modos que está indefeso ao apetite devorador das malvadas, que se me atiram às couves que nem praga do Egipto. Com o tempinho que tem vindo, em que ora chove ora faz sol, proliferam e medram em infindável exército que incessantemente se renova. Agora em aliança com uma explosão de caracóis, que surgiram aos magotes coligados com as megeras aproveitando o tempo de feição.
Estão os leitores a ver o triste destino das minhas couves, o risco que não corre o meu caldo verde.
Sim, porque, e nisto concedo razão às lagartas e aos caracóis, não há caldo verde como o das minhas couves.
Tem o sabor do que é meu, do que plantei e fiz crescer. Todos deviam meter as mãos na terra para entender estes mistérios.
Calculo que a esta hora alguns leitores estarão um tanto admirados. Se são leitores meus já notaram antes um certo pendor bucólico, um gosto virgiliano pelos campos e pela natureza. Mas daí a praticar, a cavar e sachar e mondar e plantar as couves e as alfaces e os espinafres e mais verduras que trago à minha mesa, por essa não esperavam nem os mais habituais.
Mas é a verdade. O Manuel Azinhal é mesmo um rústico assumido, um camponês nostálgico que sente ser melhor empregado o tempo em que cata as ervas daninhas de entre as alfaces do que aquele que gasta nas inúteis e vãs canseiras com que ganha para as sopas.
Não é a única surpresa que posso fazer aos leitores. Sabem os amigos qual é o diploma com que mais me envaideço? Saibam então que estou devidamente habilitado com curso de tosquia mecânica, apto a livrar as ovelhas que eventualmente tiverem do incómodo manto que as cobre, em chegando o calor. Se precisarem, podem testar os meus serviços. Não posso competir com aqueles matulões australianos que ganham todos os campeonatos da especialidade, mas estou em crer que posso servir. Sou licenciado, pela velha universidade da extinta Junta Nacional dos Produtos Pecuários, que me formou há uns largos anos, ali na Horta do Bispo.
Depois disso tirei outros diplomas, mas nenhum me enche assim de orgulho.

sábado, novembro 18, 2006

Neurodegenerativas

Lembrado pelas jornadas ibéricas da doença de Alzheimer, que decorreram nestes dias, entretive-me a tentar compreender o "diagnóstico diferencial" de Alzheimer/demência por corpos de Lewis/demência frontal. Manias. Talvez algum leitor entenda a minha curiosidade. Sabem os que sabem. A generalidade do público leitor, e mesmo profissionais de saúde, julgo que sente estranheza, talvez algum temor, ao evocar esse domínio. São ciências ocultas, ou ameaça difusa. Foge-se enquanto se pode. Muitas vezes concretiza-se, e é o diabo. Daria muito para conseguir dizer quanto sofrimento vai por aí, quase sempre escondido e calado. O que são os nossos doentes, a miséria que rói a alma, a impotência das famílias, dos "cuidadores". A desestruturação pessoal e familiar de uma dor que não é de um dia, porque é de todos os dias, durante anos e anos. Falar de mortes que duram anos...
Tenho para mim que o pior das nossas sociedades é o destino dos velhos e dos incapazes. E que a pedra de toque de uma sociedade verdadeiramente humana está no tratamento que for capaz de lhes dar. A dedicação, o afecto, o carinho e o respeito que formos capazes de assegurar aos que já não são capazes de nada é a marca da humanização. Nas sociedades animais eles seriam abandonados, ou eliminados.
E nas nossas? Creio mesmo que é na resposta a essa pergunta que temos que procurar as diferenças. Ou as semelhanças.
Na época que vivemos assiste-se a uma estranha solicitude e reverência para com as crianças. Desde as universais proclamações de direitos das crianças até à comum indignação perante os atentados que urgem. A preocupação em si não será certamente má, mas o fenómeno, e as dimensões do fenómeno, e algumas das suas manifestações mais estridentes e disparatadas, têm-me feito desconfiar. O que vejo muitas vezes nessa obsessão contemporânea parece-me ser medo; e se é medo, o impulso é ainda o egoísmo. Explicando melhor, quero eu dizer que por instinto e má consciência os homens de hoje olham para as crianças e pensam que elas serão os adultos de amanhã; e temem a sorte que esses adultos lhes reservarão, a eles que então serão velhos e indefesos. Não é pois bondade e altruísmo - é ainda cautela e calculismo a tal solicitude moderna pelos direitos das crianças. Tratar bem das crianças é ainda investimento interesseiro.
Com os velhos, ou simplesmente incapazes, não acontece nada assim. Eles estão condenados ao desaparecimento, não têm futuro para se vingar, não ameaçam nem se queixam. Nunca se queixam: os leitores ficariam chocados se eu descrevesse aqui a que extremos de abjecção são capazes de descer homens e mulheres iguais a nós. Há entre nós um número inacreditável de velhos que são maltratados, torturados, achincalhados. Pelos seus mais próximos, por pessoal sem escrúpulos dos depósitos horrendos onde são colocados para morrer, por gente impaciente que tem pressa de os ver desaparecer. Ninguém imagina o que filhos podem fazer aos pais, por pura maldade, por mesquinhez, pela cobiça de uma magra reforma ou de umas magras economias. E eles nunca se queixam!
Fico na minha. O que fizermos dos nossos velhos é que é a marca da nossa humanidade.

Sábado pela manhã

Travei conhecimento com Borat, o êxito do momento. O Youtube está cheio de amostras gratuitas. E concordei com MCH, na sua arguta dissertação a que chamou "os apanhados da globalização". O caso é sério. Eu, que também tenho dificuldade em entender-me direitamente com gente para quem "push" quer dizer empurre, senti uma empatia espontânea com o repórter cazaque.
Fiz a revista da imprensa. Ao que consta dos jornais, os actuais dirigentes do PSD e do CDS estão embaraçados (espero que não haja equívocos com os leitores espanhóis) por causa da função de relações públicas de Sócrates que o Presidente Cavaco assume como sua. É de estranhar a estranheza deles: o homem tinha avisado. Não se compreende é que tenham dado por assente que ele estava a mentir. Habituados a raciocinar a partir do pressuposto "o que se pensa não é o que se diz" optaram por se enganar a si mesmos; não se queixem agora que foi ele que os enganou.
Quanto ao sempre falado Santana Lopes, as suas "percepções e realidades", encontro uma análise acertada de Marina Costa Lobo. Como não conheço a senhora, não sei se ela entenderá o irremediável da questão: há pessoas para quem a política nunca será mais do que aquela alucinante sequência de almoços, jantares, combinações, intrigas, eventos mediáticos, títulos, notícias. Nunca estiveram noutro país que não fosse esse.
Outro fenómeno: o impoluto Sousa Tavares parece estar a conseguir dar a volta por cima. Realmente, nos nossos media vale muito cair em graça. Ao que se vê o homem triunfou com um novo estatuto de vítima. E ser caluniado parece facturar. Quem merece condenação sumária são os caluniadores. Sem que ninguém ouse perguntar ao menos se houve calúnia, como seria pressuposto nesta festa.
Por último, um artigo de ontem com muito boas observações e comentários de Maria José Nogueira Pinto sobre realidades sociais frequentemente esquecidas, e que todos temos razões para lembrar: afinal, quase todos pertencemos à "geração sandwich". Estamos entalados.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Encontros na SHIP

Actividades a decorrer na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, no Palácio da Independência, ainda neste mês de Novembro.

21/11/2006
Conferência sob o tema "Vinte Sinais Premonitórios da Mudança Histórica”, pelo Tenente-General José Eduardo Garcia Leandro. No Salão Nobre, às 18h00.

22/11/2006
Curso Inês de Castro: “Adivinhas de Pedro e Inês”, pela Dra. Luisa Barahona Possollo, às 17H30 no Salão Nobre.

23/11/2006
Tardes no Palácio: “Perspectivas sobre o Japão”, pela Dra. Maria Helena Camacho de Freitas, na Sala do Núcleo Feminino, às 15h00.

23/11/06
“A Matemática e o seu Ensino” pelo Eng. Eduardo Martins Zuquete, às 17h30, na Sala de Convívio.

29/11/2006
Lançamento do livro “Folque – Breve Ensaio Genealógico”, da autoria do Visconde de Fontainhas - Instituto D. Afonso VI. Pelas 18H30 no Salão Nobre.

30/11/06
“A Colonização da Amazónia na 2ª metade do século XVIII” pela Mestre Maria da Luz Sobral, às 17h30, na Sala de Convívio.

Um assombro

A produtividade do "Futuro Presente". Aqueles jovens blogadores apanharam o vírus.

Ontem vi televisão

Poucochinho, dediquei uns minutos a espreitar alternadamente um e outro dos protagonistas do serão de ontem.
Divertiu-me o confronto implícito, que desconfio ser para um motivo de irritação e para o outro razão de gozo divertido.
Mas não descobri nada de novo. Ou vi pouco ou não houve mesmo nada que não tivesse já visto.
Santana Lopes sempre foi um actor que nunca pára de representar mas não consegue fixar-se num personagem. Oscila permanentemente entre um registo e outro, por vezes com efeitos quase cómicos. Ontem, entre uma e outra deixa da entrevistadora, ora surgia Calimero ora o Príncipe Valente.
Temos que contar com ele; vai continuar a andar por aí.
No outro canal, um desempenho mais monótono e enfadonho. Este interiorizou um papel, mas com a rigidez e a falta de imaginação de um manequim da Rua dos Fanqueiros - tal qual o seu alter ego, o que foi doutorar-se a Navarra.
O segundo artista perdeu a guerra das audiências, pois claro.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Excursão

Na blogosfera generaliza-se um tom e um estilo que não são os meus e que me trazem francamente desconfortável.
Tem piorado.
Alastra um tom gritado, um estilo agressivo e crispado que não sei de onde vem nem ao que leva.
Onde muitos gritam, ninguém se ouve.
Entretanto, vejo gente que estimava a fechar portas e a partir.
Não é animador.

quarta-feira, novembro 15, 2006

O combate dos poetas

(Editorial do "Jornal dos Poetas & Trovadores" n.º 39, Outubro/Dezembro de 2006, pág. 1, da autoria de Barroso da Fonte)

No Diário XII, encontrando-se em Coimbra, em 14 de Outubro de 1974, escreveu Miguel Torga aquilo que me apetece repetir no dia em que acompanho pela RTP1, o primeiro debate sobre os Grandes Portugueses: «Oiço e leio esta inflação de discursos que toldam a atmosfera política do país e fico agoniado. Somos na verdade uma cambada de primários, de temperamento e paixões à medida da nossa testa». E no dia seguinte, também em Coimbra, repetiu: «mete impressão ver nos escaparates tanta publicação pejada de raiva humorística. A prova de que o português está de facto doente e que apenas sabe abrir a boca para tropeçar. Um poeta vive em desequilíbrio enquanto a magia da letra não dá cobertura à lição dos sentidos. É a óptica do poema que organiza a paleta das percepções. O espanto renasce cada vez que um novo verso lhe revela uma nova aparência».
Nesse debate coordenado por Maria Elisa (que não consegue dizer obrigada, em vez de obrigado, como mandam as regras gramaticais), a regressada profissional revelou um facciosismo enervante, ao dar voz, imagem e gesto quanto baste, aos muitos e raivosos que tudo fizeram para silenciar o corajoso Historiador José Hermano Saraiva, o único que foi ao painel defender o antigo Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar. Fora seu ministro da educação. Sempre foi coerente. Nunca deu a cambalhota, como lhe seria mais cómodo, a exemplo de tantos, alguns dos quais ali estavam. Uma cáfila de pretensos donos da Pátria, semelhando corvos esfomeados, sem qualquer sentido histórico, sem uma nesga de bom senso, sem nada que os identifique com a dignidade que merece, o Homem que mandou construir a Ponte sobre o Tejo e que, da noite para o dia 25 de Abril de 1974, reduziram à mutilação vergonhosa, sendo esses e outros vampiros que usurparam o nome de um político, cujo maior crime foi o de morrer pobre, para deixar em barras de ouro o bastante para suportar os tempos sinistros do PREC. Ocorre-me abordar este tema depois de ler no Público de 24 de Outubro que «cada português deve 2,6 hectares à terra. Cada habitante de Portugal precisa de 4,2 hectares de terras e de superfície de água para si. Este é o resumo dos cálculos mais recentes da «pedagogia ecológica». Ocorre-me invocar, neste contexto, o Prof. António José Saraiva, irmão do Ministro da Educação de Salazar, para justificar a causa desta miséria franciscana a que chegámos. No Diário de Notícias de 26/1/1979, escreveu ele: «os cravos do 25 de Abril fanaram-se sobre um monte de esterco…Os militares portugueses fugiram como pardais, largando armas e calçado, abandonando os portugueses e os africanos que confiavam neles. Foi a maior vergonha de que há memória desde Alcácer Quibir». E retomo Miguel Torga, o tal que proclamou: «não posso ter outro partido senão o da liberdade» que desabafou, em 27 de Abril de 1974, face às reacções de alguns exaltados que reclamavam a chacina dos agentes: «as vinganças raras vezes são exercidas pelas efectivas vítimas da repressão. Há nelas um pudor que as não deixa macular o sofrimento. São os outros, os que não sofreram, que se excedem, como se estivessem de má consciência e quisessem alardear um desespero que jamais sentiram».
Talvez por essas e por outras, frustrado com o clima de oportunismo a que assistira nessa primeira semana de revolução, o insuspeito Miguel Torga, confessava: «não é cómodo cultivar as letras em nenhuma parte do mundo. Mas entre nós, só por penitência. Nunca um escritor aqui teve direito à dignidade de assumir um unânime destino colectivo ou um solitário destino pessoal, sem que sirva de bandeira para uns e de espantalho para outros». E três dias depois: «em Portugal todos os verdadeiros escritores escrevem em tensão negativa. Com raiva, com sarcasmo, com ironia ou com amargura. Daí que façamos da caneta um estadulho, um instrumento, ao mesmo tempo, de agressividade e de maceração». E remata: «cada português é um espantalho vestido de gente, um parente infeliz da humanidade e onde um poeta é um trambolho social».
É esta a reprimenda aos abutres da nossa intelectualidade que me ocorre, quando recordo aquele julgamento sumário contra Salazar, num canal público de televisão que nos consome a paciência e os milhões, limitando-se a garantir aos governantes o mediatismo que os mantém à frente de todas as sondagens e, a partir delas, nos comerem a carne e os ossos. Tudo sob a capa da democracia.

Saudade


"Olivença é um cemitério de Portugal" - um livro de José António Gonzalez Carrillo.

O rei da Ericeira

Embora de meu natural nada propenso a entusiasmos e perfeitamente protegido contra delírios messiânicos (duramente fustigados por JM), confesso um fascínio antigo pela problemática sebastianista.
Há-de conceder até o impiedoso crítico, como concederam mesmo os autores críticos que mencionou com benevolência, que se trata de fenomenologia relevante para o traçar de uma psicografia desse mistério que é o ser português (digo mistério sem recear o látego; nesse ponto tenho que acompanhar as inquietações de alguns dos criticados, porque me parece realmente subsistir mistério na coisa).
Ora dessa minha velha fascinação resultaram algumas peregrinações (para além da atracção por anacronismos, gosto de andar por caminhos onde ninguém mais anda).
Em tempos, para bem exemplificar, ocupei-me a percorrer os passos do Rei da Ericeira, levado em parte pela curiosidade da descoberta de uma estória magnífica (sim, pesei o adjectivo, ou lá o que seja segundo a nova terminologia, e acho mesmo que tem ingredientes que o justifiquem; provavelmente não para fazer boa política, mas que chegue para fazer boa literatura e já lhe devemos atenção).
A outra parte do interesse deveu-se ao gosto pela Ericeira, e Mafra, e por mil e um pomenores e pormaiores que sempre me prenderam na região.
Agora, num momento de descompressão, e por impulso de curiosidade, deu-me para introduzir no Google para busca a expressão Rei da Ericeira. Para ver o que havia.
Experiência traumática!
Comecei por encontrar um "Guia do Concelho" onde se explica que a origem do nome da Ericeira, comprovável até por um velho brasão da vila, se relaciona não com o ouriço do mar mas sim com o "ouriço caixeiro". Como esta designação vem repetida, não parece ser lapso de escrita. É mesmo "caixeiro" o ouriço. Acho bem: se fosse "cacheiro" parecia que trabalhava nalgum jornal, onde a vida são cachas, sendo "caixeiro" deve trabalhar nalgum banco, agora, ou, como o brasão é antigo, devia trabalhar no Grandella. Em todo o caso, trata-se de um ouriço de caixa.
A seguir no mesmo texto lança-se mão da autoridade de Manuel Gandra para atirar o bicho até uns cultos fenícios. Sinceramente, sou mais indulgente do que JM e acho o Gandra uma figura deveras pitoresca e inofensiva, com algum talento de ficcionista e razoável imaginação. Num tempo de cinzentões, é um personagem colorido. O que quer mais o JM?
Continuando, a referência ao Rei da Ericeira: diz-se que em 1593 "um jovem ermitão da Capela de S. Julião, a sul da Ericeira, faz-se passar por D. Sebastião, o rei vencido em Alcácer Quibir, coroa a mulher como rainha, distribui benesses e castigos e concede títulos de nobreza. Acaba na guilhotina e os seus apoiantes nas galés." O quadro é revisteiro, e o final tão feliz como a caixa do ouriço. Na guilhotina!!
A segunda referência que se encontra na pesquisa é ao livro de Alberto Pimentel e Marcelino Mesquita com o mesmo título.
A terceira referência vem do Oeste Diário e surge a propósito da igrejinha de São Julião ("Foi aqui ermitão um homem de nome Mateus Álvares que, pretendendo fazer-se passar por D. Sebastião, ficou conhecido como o Rei da Ericeira..."). A citação está certa, e louvamos a Carvoeira. Só na cronologia, um pouco abaixo, é que surge colada a esse facto a data de 1554, o que, convenhamos...
Prontos, sabe-se como a nova pedagogia da História é hostil a preocupações cronológicas. Adiante.
A resposta seguinte à nossa pesquisa apareceu do sítio da Câmara Municipal de Mafra, na parte dedicada à Freguesia da Carvoeira. Também para falar da Ermida de São Julião, escreve-se sobre esta que "inteiramente revestida de magníficos azulejos setecentistas, foi palco de um episódio patriótico: Mateus Álvares, denominado Rei da Ericeira, resistiu aí à ocupação filipina, fazendo-se passar por D. Sebastião." A escrita do parágrafo também obedece a um estilo um tanto cinematográfico, e transmite mensagens fundamentalmente inexactas. A Igreja de São Julião que ali é observável é toda ela muito posterior ao episódio falado, pelo que mesmo aceitando-se a existência anterior de uma pequena ermida no mesmo sítio não seria legítimo apresentar esta como palco do que quer que seja. E, sobretudo, o advérbio de lugar reportado à resistência do Rei da Ericeira não é nada feliz. O que se sabe é que o personagem em causa viveu como ermita nesse lugar de São Julião, então isolado e remoto. Provavelmente numa gruta natural ali existente. Também é geralmente aceite que o seu nome fosse Mateus Álvares, e aventa-se que seria dos Açores, e teria estado antes de vir para ali nos Capuchos, na Serra de Sintra (o conhecido Convento da Cortiça). Porém, naquele lugar ele só esteve, ao que se sabe, para se isolar do mundo, em cumprimento da sua vocação ascética. Quando se espalhou a nova da sua identidade, e foi chamado a desempenhar outro papel, que acabou por aceitar, o jovem frade saiu dali. No lugar de São Julião não é lícito portanto localizar a "resistência à ocupação filipina", que ali não teve lugar.
Curiosamente, na mesma página, e logo a seguir, aparece falada e fotografada a igrejinha de Nossa Senhora do Ó, um pouco afastada da povoação da Carvoeira, sede da freguesia. Aqui sim, devia o cicerone localizar o último e comovedor combate da milícia de labregos que de Pero Pinheiro a Torres Vedras se ergueram um dia a desafiar o poder de Filipe IV. Foi nesse local, junto ao curso do Lizandro, onde está ainda hoje melancolicamente só a humilde capela o o modesto cemitério anexo, no fundo do vale desenhado pelo rio, que se travou o derradeiro combate dos que não se renderam ao avanço das tropas que vieram de Lisboa. Os altos cabeços que de um lado e do outro bordejam ali o Lizandro assistiram há quatrocentos anos à fuga desordenada das hostes saloias, e os muros da igreja à obstinada resistência dos teimosos. São conhecidos os factos, até as identidades (dos mortos), e parece-me a mim que se justificava uma qualquer lembrança.
Para concluir, o rei da Ericeira veio a ser enforcado mais tarde, no Cabeço da Forca, como sabe na terra qualquer indígena.

O modelo liberal

Confiante nas vantagens que há em conhecer o pensamento dos outros, até para reconhecimento das limitações próprias, pareceu-me do maior interesse reproduzir aqui uma recente reflexão de Rui de Albuquerque, ilustre representante da corrente liberal de quem sou leitor fiel. Sem comentários.

privatizar
O Brasil é a prova provada da falência do modelo de Estado contemporâneo, mesmo até no mais elementar dos motivos que o originou: a segurança dos cidadãos. Se, na verdade, todos os contratualistas - de Hobbes a Rousseau - entenderam que a necessidade de abandonar o estado de natureza se devera à procura de segurança das pessoas e bens, garantia que só uma entidade pública superior - O Estado - poderia prestar, a realidade brasileira desmente-o, hoje, em absoluto.
De facto, se perguntarmos a qualquer brasileiro qual é o valor que mais estima, ele responderá, sem hesitar, a segurança. Aí, o país divide-se, hoje, em dois: o Brasil da criminalidade violenta e da insegurança total, onde só está o poder público, e o Brasil seguro, ou menos perigoso, onde impera o poder privado dos cidadãos.###
Para concluir isto, basta olhar para a Grande São Paulo. Na capital propriamente dita impera a lei da favela e ninguém se sente tranquilo, apesar dos poderes públicos gastarem rios de dinheiro com a segurança. Se visitarmos Alphaville, a escassos quinze minutos do centro da capital, a calma e a segurança são praticamente absolutas. Diga-se, de passagem, que os cidadãos residentes constituíram o seu próprio organismo privado de segurança - o CONSEG - Conselho Comunitário de Segurança, instalaram uma rede de rádio que informa vinte e quatro sobre vinte e quatro horas as ocorrências graves e despoleta os necessários mecanismos de defesa; criaram um sistema de bloqueio das saídas da cidade, com homens, viaturas e demais equipamentos necessários; instalaram, recentemente, em Novembro de 2005, um sistema de câmaras de alta tecnologia para visionarem a cidade. Em Alphaville vive-se com tranquilidade e com níveis de criminalidade quase inexistentes. Graças a uma segurança comunitária, de facto, privada. A 15 minutos da Av. Paulista.
Quem disser que as funções do Estado, todas, mas todas as suas funções, não podem ser privatizadas deve visitar o Brasil.

terça-feira, novembro 14, 2006

Regresso às armas

Não minto se vos disser que uma das faltas que me andava a atormentar nestes últimos tempos era a prolongada ausência do BOS da blogosfera.
Pois ele aí está, vivo e em boa forma. Aqui e aqui.

Meia palavra basta?

Para ilustração do postal anterior, cito uma notícia do "Expresso". O Tribunal Constitucional constitui a experiência-piloto que o regime vê como ideal para alargar a todo o sistema judicial, no que tem de mais característico: a composição, a forma de preenchimento, o modo de funcionamento. Como se pode ver pelo exemplo, do todo resulta uma justiça que tem a inegável vantagem da previsibilidade (não sei se seria isto que pretendiam os mestres ao exaltar a segurança como um valor da ordem jurídica).

A votação formal é quarta-feira à tarde, mas o EXPRESSO apurou que a maioria dos juízes do Tribunal Constitucional considera válida a pergunta do referendo ao aborto: «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?».
A pergunta é exactamente igual à de 1998 e, embora alguns dos juízes dessa época tenham saído entretanto, o equilíbrio político dentro do Palácio Raton manteve-se: 6 indicados pelo PS, 6 pelo PSD e um independente.
Razões suficientes para que uma fonte oficial afirme: «É expectável, dentro e fora do Tribunal, que a pergunta passe».
A leitura pública do acórdão está marcada para as 18h de quarta-feira, na sala de audiências.

segunda-feira, novembro 13, 2006

A Espanha aqui tão perto

A comunidade jurídica portuguesa, e todos os portugueses interessados no debate em curso sobre as reformas no sector da Justiça, fariam bem em seguir com alguma atenção a imprensa espanhola destes dias.
Tema forte dos noticiários tem sido a renovação do Consejo General del Poder Judicial. Este é o órgão constitucional de governo dos juízes, desde 1980, e tem 21 membros (o Presidente do Tribunal Supremo e 20 vogais).
Como a nomeação dos vogais emana do Parlamento, e os mandatos são de cinco anos, compreende-se o momento actual: um mandato terminou e desenvolvem-se todas as manobras usuais, de baixa política e de alta política, para assegurar o preenchimento dos cargos durante o próximo mandato.
Essa nomeação, como é inevitável atendendo à natureza do órgão a quem compete a nomeação, tem que ser "pactada". Desenvolvem-se portanto as negociações entre os grupos parlamentares para alcançar o acordo necessário. E nos jornais e na opinião pública decorrem paralelamente as campanhas que são de esperar nestas circunstâncias.
Trata-se de uma batalha política importante, dada a mudança do poder político. Com efeito, num modelo destes o Consejo General acompanha e reflecte as mudanças parlamentares. No caso concreto, a actual composição do órgão fez dele um inimigo combatido pelos socialistas no poder e pela sua imprensa às ordens (cujo conteúdo a este respeito não difere muito do que se faz em Portugal quando o alvo são instituições judiciais). A razão? É óbvia, a maioria do Consejo General é do PP, com onze dos vinte vogais, por força dos equilíbrios existentes nas Cortes quando foi negociada a actual composição, há cinco anos e tal.
Agora a batalha centra-se nas pretensões dos socialistas em ter para si essa maioria, ao que os populares respondem com uma ofensiva mediática com o objectivo de lhes ser reconhecido o direito a preencher nove dos lugares (é o que designam de "minoría de bloqueo", que seria decisiva no funcionamento do órgão visto que os socialistas não poderiam guardar para eles todos os onze lugares restantes, teriam que ceder alguns aos grupos parlamentares mais pequenos).
O espectáculo corresponde exactamente a este quadro. É a completa parlamentarização do mais importante órgão do Poder Judicial, a partidarização de todas as suas intervenções, a politização absoluta do seu funcionamento desde a luta pelos lugares até às mais correntes das decisões.
Pode ler-se nas páginas dos jornais o que se refere às nomeações dos juízes, às suas colocações, às suas classificações, à sua carreira, aos seus processos disciplinares, às suas decisões - e aos motivos verdadeiros disso tudo. Nada escapa à explicação política.
Escusado será dizer que num esquema destes quem não tiver opção definida, pelo PSOE ou pelo PP, não conta para nada.
Ali desapareceu de todo a imagem do Juiz que ainda é a paradigmática no sentir geral do público português, e da comunidade jurídica a que me referi no início.
Agora que entre nós se discutem tantas propostas que tocam no essencial desta problemática, seria útil reflectir sobre o que se pretende para Portugal. Se queremos mesmo que os nossos Juízes tenham toda a sua vida condicionada pela fidelidade que demonstrarem ao PS ou ao PSD, se queremos mesmo que todas as decisões judiciais sejam determinadas pela maioria política existente no momento no órgão decisor.

domingo, novembro 12, 2006

Recolha matutina

O vernáculo e a ciência em Portugal
O vilão que era pintor e poeta
Aventuras de um lisboeta em Lisboa
Um Blogue de Fulano de Tal (ou a transcendente questão do anonimato blogosférico).

sábado, novembro 11, 2006

Encontro em Lisboa

A "Causa Identitária" organiza no próximo dia 25 de Novembro, em Lisboa, o seu I Encontro Internacional, contando com a presença de oradores nacionais e estrangeiros, nomeadamente Pierre Vial, Guillaume Faye, Enrique Ravello, Humberto Nuno de Oliveira, Miguel Jardim e Duarte Branquinho.
Informações na Causa Identitária.

Dos novos

Alguns que vão renovando a blogosfera: os da República dos Desalinhados, os do Bar Velho (malta da minha FDL), o Admirável Mundo Novo (aventuras de um açoriano na capital), o sadino O Estado do Tempo, e o longínquo Portas do Cerco (portugueses de além-mar).
Eles que venham, eles que venham.

O Lanceiro

Saiu o número 26 da revista "Lanceiro", editada pelos antigos oficiais de Lanceiros, que é dirigida por José Manuel Santos Costa.
Aos antigos de cavalaria, que irão ter o seu almoço de confraternização no próximo dia 25 de Novembro, aqui fica a nossa homenagem.

Laurent Lafforgue

Agora que se fala cada vez mais de educação (menos do que o necessário) aconselho um autor em foco no debate actual dessa temática: Laurent Lafforgue.
Textos sobre educação, de Laurent Lafforgue.

Pela Vida

Porque é preciso continuar, com tranquilidade mas com firmeza, destaque hoje para dois blogues (descobertos através do PELA VIDA, que é também meu).
São eles o Direito a Viver, e o Évora Pelo Não, um vizinho aqui da terra. Vivam eles!

Bad guys

A morte de Jack Palance foi assinalada por Jaime Nogueira Pinto, com apropriada nostalgia cinéfila.
Creio que o articulista ainda não reparou noutra morte destes dias: Markus Wolf, dito Karla para qualquer fiel de Le Carré. Este é um morto para alimentar crónicas sem fim. Ficamos à espera.

Amadeo

Não sei se será realmente a mais completa jamais realizada sobre o conjunto da obra do artista, mas não duvido que esta exposição assinala um marco no conhecimento e no reconhecimento de Amadeo de Souza-Cardoso.
Tenho a certeza que este compadre não faltará aos "Diálogos de Vanguarda".
É já a partir do dia 15 e dura até 14 de Janeiro. Na Galeria de Exposições da Sede da Fundação Gulbenkian, Piso 0 e 01, entre as 10h00 e as 18h00.
Deviam organizar excursões, visitas guiadas, sei lá...

sexta-feira, novembro 10, 2006

Ainda as seringas, e a droga, nas prisões

"Quando o Governo reconhece publicamente que é impossível impedir a corrupção, o tráfico e o consumo de droga nas prisões, que são locais com uma área reduzida, fechados, vigiados por funcionários do Governo e com acesso restrito, ficamos logo esclarecidos quanto ao sucesso e à eficácia das suas políticas no combate à corrupção e ao tráfico e consumo de droga em todo o território nacional." (In REXISTIR)

Olivença pelo São Martinho

Amanhã, dia 11-11-2006, a partir das 15.30 horas, no Solar dos Serrões, em Azinhaga, Golegã, será apresentado o livro «Olivença no Labirinto da Saudade», com pinturas de Serrão de Faria e texto de Marília Abel e Carlos Consiglieri.
Convida o Grupo dos Amigos de Olivença.

Ser de esquerda

O "Diário de Notícias" resolveu mergulhar no mais fundo dos enigmas que afligem a alma humana, e indagar "o que é ser de esquerda".
Perguntou então a um vasto conjunto de luminárias, todos de esquerda evidentemente (ali segue-se a doutrina Louçã, só pode pronunciar-se quem tem a experiência) e o resultado foi estampado na edição de hoje.
E qual foi esse resultado? Pois, meus amigos, um estendal de banalidades que nem num inquérito à saída da festa do "Ávante". Ser de esquerda é ser um gajo porreiro, é ter bons sentimentos, pá. Só isso!
Nunca um aprofundamento deu em tanta superficialidade.
Para o Prof. Boaventura, profundissimo, "ser de esquerda é lutar por um futuro melhor". Para a arquitecta Roseta, ser de esquerda é manter "uma posição inconformada e inconformista perante as injustiças". Para o cronista Brederode, ser de esquerda é ter "um perfil e um temperamento que cultivam a inquietação da dúvida, contra o conforto da certeza". Para o cineasta Silva Melo, é "não aceitar como acabadas as leis, os princípios, os regimes".
Como corolário, as conclusões do escritor Mário de Carvalho, segundo o qual aquilo que na direita é essência na esquerda é acidente; e, pois claro, como estão a pensar, "o estalinismo, o maoísmo e o kimilsunguismo não são de esquerda". De uma penada fica arrumada a questão, e todas as polémicas passadas, presentes e futuras: os bons são da esquerda, os maus são da direita.
Ao pé destes, o Rui de Albuquerque, que estive a ler ontem à noite, é um prodígio de equilíbrio e objectividade (tem aquela fixação algo infantil no liberalismo, e põe aquilo sempre no centro de tudo; mas não disfarça, e fora essa mania inofensiva procura não distorcer demasiado a realidade).

A boa acção diária

A vós todos, almas ruins que não encontrais o caminho do bem, sugiro que comeceis. Um esforço mínimo, e já está: um clique por dia trás saúde e alegria.

Sugestões de leitura

A Imprensa Nacional merece as vossas atenções.
Recomendo especialmente os "Ensaios de Filosofia do Direito e outros estudos", de António José de Brito, acabadinho de sair. Acrescento a reedição do "Sentido e Valor do Direito - Introdução à Filosofia Jurídica", de António Braz Teixeira, e o "Pensamento Jurídico Luso-Brasileiro - Ensaios de Filosofia e História do Direito", de Paulo Ferreira da Cunha.
Para que o Direito volte a pensar-se.
Termino com a recomendação da colectânea que resultou do colóquio realizado no Porto sobre Álvaro Ribeiro: "O Pensamento de Álvaro Ribeiro - Actas do Colóquio".

Desabafos de uma lisboeta

A ler hoje no "Diário de Notícias".

quinta-feira, novembro 09, 2006

De Gustavo Corção

Um extraordinário prosador, um mestre de língua portuguesa: Gustavo Corção.
Não resisti às duas crónicas que antecedem (graças à Permanência).

OS OFÍCIOS ALHEIOS E O MEU

A título de descanso, ou de desintoxicação, prometi aos leitores reflexões sobre os vários ofícios do homem, e, se não me falha a memória, prometi para hoje histórias de barbeiro. Devo de início confessar que, na minha vida maior que a do século, embora seja eu fiel e constante por natureza, fui inconstante em barbeiros, ao sabor das inconstâncias da vida. Recuando até os tempos em que fui engenheiro da Radiobrás, surge-me na memória o João Saraiva, português, sentencioso e profundo.
Devo, aliás, fazer uma reparação à injustiça com que costumamos contar histórias de português, como se eles fossem mais parvos do que nossos parvos. Descobri há algum tempo que a insensatez lusitana tem algo de estapafúrdio e não-euclidiano, mas nesse mesmo absurdo com que se adorna, ele roça pelo gênio. Há, por exemplo, no melhor Fernando Pessoa, coisas que são autênticas histórias de português.
Ultimamente saio pouco, e cada vez mais diminuo o raio de meu pequeno mundo, como se diminuísse com ele minha peau de chagrin, por isso tive de remexer papéis velhos para encontrar alguma crônica amarelada. O João Saraiva ficará para outra oportunidade porque a história que achei nos meus papéis velhos é de 1957 e podia intitular-se “A barba clandestina”.
Descobri um lugar onde posso achar quem me faça a barba nas manhãs de segunda-feira, coisa que é proibida, não sei se pelo Ministério do Trabalho, pelo governo municipal, ou pelo Ministro da Guerra, e que por diversos motivos, a começar por essa proibição, me assegurará doravante uma pequena e estimulante alegria nos umbrais das hebdomadárias aflições. Não digo onde é, perdoe-me o leitor esse egoísmo, porque pode acontecer que pela primeira vez, em vinte anos de jornalismo, as autoridades dêem alguma atenção ao que escrevo. Calo o número e a rua, mas sou forçado, por imperativos de meu ofício, a descrever, convenientemente camuflado, o cenário onde sinto o gosto da barba feita em atmosfera de contravenção.
É num fundo de loja. Você atravessa o salão deserto com passo cauteloso, dobra à direita, depois à esquerda, e chega a um pátio onde já se acham diversos oficiais e os fregueses iniciados no arcano. Há sorrisos de conivência e cicios de conspiração; há até quem leve o gosto da irregularidade até o corte de cabelo. A gente tem a impressão de estar tramando a volta de um rei, ou cumprindo o rito de um culto perseguido. Mas a catacumba dos barbeiros é alegre. Dá para um cortiço onde há mulheres batendo roupa no tanque e passarinhos chilreando em gaiolas de bambu. O oficial explicou-me o motivo daquela inconfidência de navalhas: a semana inglesa dos barbeiros tem a pausa da lei nas segundas-feiras em vez de tê-la aos sábados como a inglesa dos outros ofícios. Será uma semana portuguesa, disse ele piscando o olho e apontando para o patrão.
Perguntei-lhe se eram obrigados a trabalhar às segundas-feiras. Não. Não eram. Vinham por gosto e por interesse próprio. O patrão concorda porque também tem lucro nessas horas extraordinárias. Os fregueses também gostam.
— Mas então, perguntei eu, por que existe tal proibição se todos querem barbear e ser barbeados?
O oficial respondeu com um sorriso triste de cidadão que já desistiu de decifrar o enigma das leis e das posturas. Indaguei a respeito da multa e do perigo de ter minha barba interrompida num hemisfério do rosto. O oficial tranqüilizou-me com um sorriso de outra espécie, e explicou-me que o fiscal também está interessado nas barbas clandestinas.
— Mas então, tornei eu, por que esse esconderijo? Por que não fazer a barba no salão com mais conforto?
O oficial esboçou um terceiro sorriso, mais fino que os anteriores, e parecendo penalizado com minha ingenuidade dignou-se ensinar-me que havia as aparências a respeitar.
Uma luz inundou-me o intelecto e revelou-me as coisas que o barbeiro sabia e outras que talvez ignore. E um hino de louvor brotou-me do coração. Sábias leis! Sábios e profundos decretos são esses, raríssimos no gênero e na espécie, que conseguem contentar todo mundo, e que, contentando, lá deixam nos passes da cerimônia um frêmito de aventura.
Instalei-me na cadeira proibida e assegurada. Distendi os nervos, deixando uns poucos deles esticados para os pizzicati das surpresas. Dividi-me entre os ruídos municipais que pela direita traziam-me o arquejar da rua cheia de veículos e fiscais, e o chilrear dos pássaros que, pela esquerda, me davam a impressão de estar fazendo abluções num despertar de floresta. Fechei os olhos e fui inteiramente feliz. Feliz por estar na rotina e ao mesmo tempo fora dela; por ter uma espécie de sábado mais fresco na segunda-feira, por sentir fiscais à direita e canários à esquerda. Não pode haver felicidade sem paz, mas também, ao menos neste mundo sublunar, sem algum receio de perdê-la. Fui feliz por todos esses motivos que explico e publico, e por tantos outros que estavam presos e que, libertados, me inundaram de sossego e de romance. Não digo quais são por não saber eu mesmo e por medo de perdê-los. Os sonhos não têm vida fora do sonhador.
Na hora de pagar o moço explicou-me que era mais cinco cruzeiros por ser segunda-feira. Mais fosse, amigo, mais fosse! Quem não pagaria cinco cruzeiros por barba escanhoada entre os murmúrios de uma floresta wagneriana, ou no silêncio de catacumba romana? Além disso, sejamos justos, há o fiscal. E também — sejamos sinceros — há o saldo do que me pagam por estas linhas, que não seriam tão fáceis sem a segunda-feira, sem os passarinhos e sem a contravenção.

UM DIA DEPOIS DO OUTRO

Para lembrar as desconcertantes surpresas da vida, diz o rifão que não há nada como um dia depois do outro. E é verdade. Não há. Na semana passada, como talvez algum leitor ainda se recorde, tornei pública a alegria, e até não ocultei o proveito que tirei de uma barba feita em clima de contravenção. Ora, logo no dia seguinte, fui severamente punido. Foi assim: depois de duas aulas cansativas, e para ser pontual num encontro marcado no Centro Dom Vital, deixei meu carro ali entre o Ministério do Trabalho e o da Educação, onde, aliás, já estavam instalados outros caros maiores do que o meu. É verdade que nas redondezas havia diversos sinais e letreiros. Num deles, em torno de um P vermelho, via-se um texto longamente minucioso e enigmático. P, terças, quintas e sábados, das dezessete e trinta até tantas horas, e de tantas horas até quantas outras. Mais adiante, em torno de um P azul, anunciava-se que aquele pedaço de rua era capitania dos serventuários de não sei mais qual secretaria de não sei qual ministério. Apesar de conhecer razoavelmente a língua dos PP, nunca consegui entender o dialeto usado pela Inspetoria do Tráfego, e como ainda não pude dispor de três meses de férias para a aquisição dessa ciência, continuo afetado pela mesma incapacidade. Por isso, não dispondo, no momento, de uma equipe de assessores que me ajudassem a discernir meus direitos naquela trama complexa de proibições e privilégios, e tendo hora marcada, resolvi deixar ali mesmo o carro entregue à sorte.
Na saída, encontrei Fernando Carneiro e ofereci-lhe condução para as Laranjeiras. Mas quando nos acercamos do local, demos com um espetáculo terrível: o nosso pobre carrinho, modesto, manso como uma pomba, estava sendo arrastado por um monstro escuro e medonho. Era o reboque! Dava pena, não por ser meu, palavra de honra! Dava pena, ver aquele carrinho verde-claro nas garras da máquina que o suspendia pelos queixos e que o levava assim humilhado. Carneiro correu atrás da máquina e tentou explicar que aquele automóvel era de um professor brasileiro, carioca, que se demorara no Centro Dom Vital para não desatender a dois jovens chegados de Porto Alegre. Vão foi o seu patético discurso. A máquina levou a presa e nós ficamos perdidos no centro de uma cidade que maltrata os professores cansados. Foi então que ouvi um sermão severo, que me vinha das paredes do Ministério da Educação, e que ecoava nas paredes do Ministério do Trabalho.
— Então o senhor pensa, diziam-me as paredes da Educação, que pode praticar infrações em todos os dias da semana? Pensa que pode brincar com a lei? Pois está enganado, muito enganado. Quem é o senhor? É Senador? É Deputado? É ao menos suplente? Não é. Confessa que não passa de um simples professor. Então não tem automóvel dado, nem vaga para deixar o desprezível carrinho de segunda mão, que só conseguiu comprar com o dinheiro das aulas e à custa de constrangimentos e apertos. Ora, diga-me uma coisa: o senhor será, por acaso, parente da Presidência da República? Sobrinho, pela idade que aparenta, não pode ser; será tio? Ah! Não é! O senhor mesmo confessa que não é nada, que não passa de um desses anônimos que enchem as ruas, que pagam os impostos, e que são acionistas compulsórios da Petrobrás. Então, meu caro, trate de andar direitinho, mui-to di-rei-ti-nho, e contente-se com as sobras de rua, porque lei é lei.
“Dura lex sed lex”, ecoou sentenciosamente a parede do Trabalho, para mostrar à outra, que também tem instrução.
Calaram-se as pedras e nós saímos à procura de um veículo. No dia seguinte, pedi a um amigo que me ajudasse a libertar o carro, porque tinha aulas a dar na parte da manhã e da tarde. Meu primeiro impulso fora o de faltar às aulas, como vingança. Tanto mais que se trata de aulas extraordinárias, não remuneradas e pedidas, durante as férias, por moços que se interessam por electroacústica. Lembrei-me, porém, que não dou aulas a senadores e ministros, e que entre meus jovens alunos não há nenhum sobrinho de palácio. Seria uma vingança cretina, seria até masoquismo. Além disso, a gente custa a mudar os hábitos antigos.
O fato é que até parece que eles fizeram de propósito e que leram o artigo da barba. Tenho para mim que a coincidência só não explica a coisa. Eles leram ou ouviram contar a alegria que tive e resolveram neutralizá-la, visto que este é, por definição, o ofício, a nota essencial da missão da máquina pública. E ouvindo contar o lucro que me havia dado a barba clandestina, tiraram-me o dinheiro ganho e obrigam-me a escrever este artigo de hoje para cobrir a multa. Paciência. Enquanto me pagarem, irei escrevendo, ora para ter lucro, ora para cobrir o prejuízo das multas. A vida é assim. Não há nada como um dia depois do outro.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Une vie en bleu


Esta é mesmo para os cotas: morreu Paul Mauriat.
Deixai-me aqui, com o "convite à dança".

Na hora da partida

Agora que Rumsfeld fez as malas, convém ler: The neocons turn on their "leader".
Suspeito que no fim Bush não terá ninguém que o ajude a fazer as dele.
E vejo, claramente vejo (com licença deste companheiro que não tem paciência para visionários e iluminações) no horizonte a sombra terrífica da horrorosa senhora Clinton.
Por mim, que se afoguem.

Grandes mudanças

Novidades no "Futuro Presente": a casa como nova, e Nuno Rogeiro finalmente em linha.

terça-feira, novembro 07, 2006

Pela Vida

Como alguns já terão notado, nestes últimos tempos tenho colaborado no blogue colectivo PELA VIDA.
Tal colaboração explica-se naturalmente por ter sido convidado por quem em boa hora teve a iniciativa de o promover - e obviamente por estar solidário com os objectivos da empresa.
No mesmo blogue colaboram outros, aliás um nutrido grupo, reunidos apenas por esta via internética e que partilham todos um claro "NÃO" no referendo anunciado - ainda que divergindo nos fundamentos, nos pontos de partida ou nas propostas defendidas.
O ponto comum é o "NÃO", o projecto é o blogue "PELA VIDA" e a plataforma esgota-se nisso.
Curiosamente, não conheço, por nunca ter visto em pessoa e ao vivo, nenhum dos participantes, nem mesmo aqueles dois ou três com quem tenho estreitado laços na blogosfera.
Este é um dos prodígios que assinalo a este meio, e um bom exemplo das suas potencialidades. Imagine-se: eu, ermitão feroz e insociável, desprovido de qualquer impulso gregário, alérgico a multidões que excedam duas ou três pessoas, aqui empenhado num projecto colectivo! Com mais um lote de misteriosos desconhecidos, que não sei quem são, nem onde estão, nem o que fazem, nem o que pensam, para além do que se dignam revelar!
Oh maravilha das maravilhas! Assim rendo-me inteiro à internet.
Entretanto, que o tempo não está para brincadeiras, aqui fica então a expressão pública e solene do meu compromisso PELA VIDA - e o meu pedido aos amigos para que se comprometam também.
Viver é comprometer-se.

Alameda Digital

Recordo aos leitores a presença em linha das três edições já publicadas da revista electrónica "Alameda Digital".
A propósito, informo que estão já em preparação as duas próximas edições.
Enquanto se espera a próxima, podem portanto ir lendo estas.
ALAMEDA DIGITAL n.º 0 - O estado a que chegou a Educação.
ALAMEDA DIGITAL n.º 1 - Portugal e os Portugueses no Mundo.
ALAMEDA DIGITAL n.º 2 - A Liberdade de Expressão.

Revista "Futuro Presente"

A revista "Futuro Presente" está à venda, em Lisboa, na TEMA, Praça dos Restauradores, 9 - ao lado do Elevador da Glória -, na LIVRARIA FÉRIN, na Rua Nova do Almada, 72 e na LIVRARIA LÁCIO, no Campo Grande, 111. Quem quiser assiná-la ou procurar quaisquer outras informações sobre a sua distribuição, números anteriores, etc. pode ligar para o 21 716 73 86, das 9 às 13 e das 14 às 18 (Catarina Franco) ou dirigir-se a futuro.presente@portugalmail.pt

Dos mitos climáticos à energia nuclear

Si non è vero è bene trovato

Seringas e prisões

A autoridade do Estado, e a segurança dos cidadãos.

segunda-feira, novembro 06, 2006

Filhos de Narciso

Não é possível escamotear a forte componente narcísica disto tudo.
O impulso que leva tanta gente a abrir um blogue e a mirar-se nele extasiado não sei quantas vezes ao dia deve muito a um autoenamoramento que vive, evidente ou reprimido, em número significativo dos nossos contemporâneos. No domínio das relações sociais o sentimento tem que ser recalcado, por obviamente inconveniente. Na tela pode expandir-se livremente, enfim solto das peias convencionais. Qualquer um pode exibir orgulhosamente o quanto gosta de si e quão alto se avalia, sem receios de contradita ou achincalhamento.
Soma-se depois o reino da opinião, aquele hábito arreigado e generalizado do "eu acho que", mão na anca e pontapé para a frente. Não há estatística que chegue para dizer com verdade a abundância e a variedade de opiniões que a respeito de tudo e de todos pululam entre os nossos concidadãos. Pode haver deficit de informação, ou de formação, mas de opiniões nunca.
Juntam-se uns pózinhos de inveja e mesquinhez, má língua e intriga quanto baste, e temos a blogosfera no seu pior.
E este é um retrato feito por quem todavia sempre estimou a dita, por méritos que também já lhe apontou e reconhece.
Pelas virtudes lhe estamos gratos, pelo resto sentimo-nos, frequentemente, fartos.

ANÓNIMOS, DIZEM ELES

(Um artigo de Manuel António Pina, da revista "Visão")

Vai grande alvoroço na net (e fora dela) acerca do anonimato. A coisa vem de longe mas acendeu-se com a publicação num blogue de transcrições de um best-seller alegadamente copiadas de um livro alheio. Por um golpe de rins comum em debates do género, a polémica do plágio tem sido, em alguns jornais, transferida para a questão do anonimato na blogosfera, segundo o sabido modelo daquilo que, em informação e contra-informação, se chama de «técnica de desautorização», pois «não se devem discutir as ideias do adversário ( ... ), e antes, ao invés de debater uma tese, deve desconsiderar-se o adversário»; como espertamente recomenda o «livro de estilo» dos candidatos do Partido Socialista Brasileiro. (Mais de meio século depois da publicação de Le viol des foules par la propagande politique, Tchakhotine é parte do inconsciente da nossa cultura comunicacional, e qualquer recém-chegado à política ou qualquer estagiário de jornalismo já vem equipado com a desconversa no código genético).
De qualquer modo, mais interessante do que a questão da acusação de plágio e dos seus contornos de petite histoire escandalosa, é decerto a do anonimato. Os meios tradicionais de comunicação, a imprensa sobretudo, apontam frequentemente o dedo acusador à natureza anónima de muitos blogues como se grande parte daquilo que hoje se publica nos jornais não tivesse origem em fontes anónimas. Com uma diferença: um blogue tem um endereço IP identificável, enquanto as fontes anónimas dos jornais se ocultam por sistema atrás do sigilo das fontes e do sigilo profissional, donde não é fácil arrancá-las sem que (como aconteceu no chamado «caso do envelope 9») se levante uma gritaria generalizada clamando aqui d'el"rei que está em causa a liberdade da informação. Há, claro, a questão da responsabilidade, maxime penal, mas a história recente da responsabilização da imprensa entre nós não é particularmente tranquilizadora a este respeito.
Os jornais publicam todos os dias, corno fazem alguns blogues, informações incorrectas ou incompletas, quando não simplesmente falsas, acusações sem provas, opiniões e comentários ofensivos, e exilam depois (quase sempre muitos dias depois) o direito de resposta dos visados para páginas recônditas e corpos 6 ou 8. Ao menos nos blogues (praticamente todos têm caixas de comentários abertas), correcções e rectificações são publicadas em directo e no mesmo exacto local, como bem lembra o blogue grandelojadoqueijolimiano.blogspot.com.
Como os jornais, há blogues mais credíveis e menos credíveis, e há blogues, corno há jornais, sem qualquer espécie de credibilidade. Convenhamos, no entanto, que factos são factos, independentemente de virem com assinatura (pseudónima ou ortónima que ela seja) ou não. Não deixa, aliás, de ser sintomático do clima que hoje se vive em algumas redacções a circunstância de muitos bloggers serem jornalistas que publicam na blogosfera factos que não podem publicar nos órgãos de informação em que trabalham. Anonimamente, pois o preço da liberdade começa a ser de novo muito alto e nem todos podem pagá-lo. Heróis como Anna Politovskaia servem-se, como no poema de Reinaldo Ferreira, mortos ou, portuguesmente, apenas desempregados.
A questão do anonimato tem também sido posta na China, onde se pretende que os bloggers sejam identificados e tenham ficha na polícia. Mas a blogosfera, na China como por estas mansas paragens, é um espaço de liberdade e pluralidade que veio para ficar, é melhor irem-se habituando a isso os donos da informação.