domingo, julho 31, 2005

OTA, TGV - referendo?

Enquanto alguns lançaram campanha de abaixo assinados online contra o esbanjamento despropositado, outros aventam a hipótese de um referendo sobre o mesmo tema.
Não é mal lembrado, tendo em conta até o escarcéu que os súcias armaram em tempos reclamando a convocação de um referendo nacional sobre a RTP... e outros assuntos de igual relevância para a nossa vida colectiva.

Estão mexendo no nosso bolso!

Sabem o que quer dizer taxa municipal de direitos de passagem? Eu também não sabia, é uma invenção recente para nos sacar mais algum.
Podem ler uma oportuna sequência de textos sobre isso no Ecos da Província, caríssimo confrade a quem aproveito para agradecer os cumprimentos de aniversário.
E já que estou em maré de agradecimentos incluo também o Cegos, Mudos e Surdos, que de igual modo teve a amabilidade de se lembrar do SA.
Por acaso também traz um texto sobre uma das múltiplas formas de redistribuir, por circuitos muitas vezes tenebrosos, os dinheiros extorquidos pelos inúmeros socialismos que nos expropriam. Chama-se esta ajuda económica ao terceiro mundo.
Enfim, resta-nos continuar... cegos, mudos e surdos... e socialistas.

Dois anos depois

No dia em que se perfazem dois anos sobre a abertura da loja, decidi repetir dois dos artigos expostos logo após a inauguração.
Não são saldos, são recordações...

Casais do mesmo sexo?

Torna a mania dos "casais de homosexuais".... sempre me irritou a designação. Em português, acho eu que um casal é a unidade formada por dois seres da mesma espécie - e de sexo diferente. A união entre dois seres do mesmo sexo poderá formar, a ser precisa denominação, uma parelha. Uma parelha, uma junta... o que quiserem. Casal é que não. Ou julgam os senhores que um passarinheiro ao anunciar um casal de pintassilgos quer referir-se a uma dupla de pintassilgos-macho ou de pintassilgos-fêmea? Mal iria a criação!
Vai um alarido enorme sobre a igualdade de direitos, os quais os homosexuais e seus entusiastas apoiantes (por cá a alegre rapaziada do Berloque de Esquerda) dizem que têm a menos que os outros cidadãos. Ninguém ainda explicou, porém, quais são os direitos que um heterosexual tem e que um homosexual não tem. Casar com uma pessoa do mesmo sexo? Ninguém tem: o casamento é um contrato entre dois seres de sexo diferente (código civil dixit...)
Logo, aí não existe desigualdade, mas sim perfeita igualdade. Qualquer um, seja lá o que for, só pode casar com quem seja de sexo diferente do seu. O que os homosexuais reivindicam apresenta-se portanto, notoriamente, como uma outra coisa: um novo contrato civil, de união pessoal (entre duas pessoas, entre várias pessoas, sei lá...).
Não é um casamento: este destina-se a formar casais...
E, já agora importa dizê-lo, as reivindicações trazem atrelada a ideia de uma sociedade que já não é aquela baseada na família, tal como a conhecemos. Esta guerra tem portanto outro alcance, e reveste natureza essencialmente política, social, ideológica e revolucionária. Desculpem a pompa da circunstância.

sexo, mentiras e escutas

O sexo é coisa do diabo; caminho de perdição; maldição de socialistas... Não vou até ao ponto de escrever que "pelo sexo os conhecereis", porque na verdade nunca se sabe.... quando o que aparece como público não coincide com a realidade privada. Ao que parece, os anjos não têm sexo; de onde decorre a inutilidade da discussão sobre o sexo dos anjos.
Mas os socialistas têm. Que o digam o Paulo Pedroso, o Carlos Cruz, o Ferro Rodrigues - tudo gente que nesta hora amaldiçoa essa dádiva da natureza.
Entretanto, parece que o sexo dementa os que quer perder. O Partido Socialista exige hoje que o PGR esclareça se os seus dirigentes estão ou não sob escuta (o Dr. António Costa diz "sobre escuta"). A seguir-se tal critério, de ora em diante, quando em sede de investigação criminal se puser a questão das escutas telefónicas, torna-se necessário comunicar aos investigados a diligência em causa - antes que ela produza resultados. Os leitores estão a ver: investigam-se crimes de tráfico de estupefacientes, de corrupção, redes organizadas, mas se for questão de escutas primeiro faz-se a comunicação formal: "meus senhores, atenção, atenção, cuidado com a língua, passamos à escuta!"
Deste modo serão respeitados todos os direitos humanos consagrados nas convenções, e mais alguns ainda desconhecidos.
Evidentemente que o resultado do exercício será inócuo; mas também não se pode ter tudo. Teremos um processo justo, equitativo, aberto, amplamente democrático.
Enfim, as tolices de estação. As impossibilidades estatísticas acontecem: a um governo tão fraquinho corresponde uma oposição pior ainda. Assim qualquer um ganharia as próximas eleições...
Entretanto, o governo anuncia-se decidido a combater as baixas fraudulentas. Não é mal pensado. Mas esperemos que não apliquem as novas medidas aos senhores deputados. Como raciocinava há dias no "PortugalDiário" o José Júdice, os senhores deputados causam mais dano quando estão presentes do que estando ausentes. Logo, não será do interesse do país colocá-los na alternativa difícil entre mentir ("estava doente em casa fortemente engripado") e ser sujeito a junta médica, ou dizer a verdade ("fui ao futebol a Sevilha") e levar logo falta injustificada. Embora, como já se sabe, tais faltas não tenham nenhuma consequência: não contam nem descontam no ordenado. São como a causa monárquica de outras eras (e actualmente..... cala-te boca!): uma causa sem efeito, em manifesta violação das leis da física.

Os dois anos do "Sexo dos Anjos" completam-se hoje!

E a propósito do aniversário recebi mais uma gratificante mensagem de encorajamento. Esta de "A Casa de Sarto", um blogue indispensável cá em casa - e que bem merecia ser lido diariamente em todas as casas.

Celebra o seu segundo aniversário "O Sexo dos Anjos", do Manuel Azinhal, e por isso não posso deixar de congratulá-lo pelo feliz evento. Desde que há dois anos comecei a ler o que se escreve quotidianamente na blogosfera, "O Sexo dos Anjos" foi sempre um dos meus espaços de eleição, e muitas vezes a minha primeira visita do dia a qualquer blogue. Admiro no Manuel Azinhal a discrição, a ponderação e o equilíbrio com que defende o seu ideário nacional, jamais se envolvendo em polémicas, sem que por esse facto a sua mensagem perca qualquer força, eficácia e convicção. Saliento, igualmente, o modo como perscruta, não só o conjunto de blogues, mas toda a "net", destacando, realçando, aconselhando leituras, num labor hercúleo que o tornam quase num "líder espiritual" da rede da família ideológica na qual latamente me revejo. Finalmente, mas não menos importante, não olvido a amizade que o Manuel Azinhal, sempre que pode, tem manifestado para com "A Casa de Sarto", e também por tal razão manifesto-lhe o meu agradecimento. Muitos parabéns, para "O Sexo dos Anjos"!
JSarto

sábado, julho 30, 2005

Mais prendas de anos

Pela passagem do segundo aniversário do SA enviaram-nos simpáticas mensagens de parabéns os compadres do Ponte do Sor, do Castelo de Vide e do TUDOBEN-Portal do Alentejo.
Obrigado compadres! E que Deus vos dê em dobro aquilo que me desejaram.

O Feiticeiro de Oz

Para que não vos passe ao lado, ofereço-vos mais um faiscante artigo de Nuno Rogeiro, pilhado na edição do semanário "Sábado" desta sexta-feira (é, o "Sábado" sai à sexta...).
Estão a ter muita saída estes temas do maravilhoso-fantástico: o feiticeiro de Oz, o bruxo do Campo Grande, o fantasma de Nafarros, a assombração da Praia do Vau...

Nas eleições presidenciais do pós-PREC, sempre que o País se dividiu ao meio, a "esquerda" venceu a "direita", ou o que por aí anda em nome delas.
Eanes bateu Soares Carneiro, em 1981, apesar da emoção pelo martirizado de Camarate, Soares ganhou a Freitas, em 1986, apesar do apoio do ascendente Cavaco a este, e Sampaio triunfou sobre Cavaco, em 1996, apesar de dez anos de modernização do Portugal terceiro mundista.
Claro que a grande congestão de sufrágios é "ao centro": quando as bases do PS e do PSD se juntam, é a tirania da quase-unanimidade. Foi assim com Eanes em 1976, com a grande coligação "burguesa", ou com Soares em 1991, quando Cavaco decidiu que tinha coisas mais importantes que fazer.
Em "polarização", porém, a "direita" parece ter poucas vantagens em se apresentar como tal. Nunca se conquistou uma eleição em Portugal, desde 1910, sob a bandeira assumida, soletrada, das "direitas". A razão deste desfavor pode ter muitas teses (a começar pelos equívocos sobre o que é, historicamente, sociologicamente, doutrinalmente, a "direita" lusitana, e os seus cavalos), mas ficam para próximas núpcias.
O que importa é referir aqui um aparente teorema, para os Cavaquistas reciclados, ou "puros", ou "novos", que preparam - com hesitações ou sem elas - um projecto para Belém: se quiser ganhar contra a assombração de Soares, Cavaco precisa de sair da inútil discussão "esquerda-direita", e passar às coisas que importam.
Cavaco sabe aliás isso melhor do que ninguém, mas é duvidoso que os adeptos o compreendam. É um tema que, vá-se lá saber porquê, continua a enfurecer muitos ex-jovens.
De ultraminoritário em 1985 a ultramaioritário em 1995, o Cavaquismo renunciou à definição ideológica precisa: não por "cobardia", como pretendem analistas mais infantis, mas por evidência e convicção. Face à mutação da economia, da sociedade e do sistema de relações internacionais, Cavaco era "de direita", se visto de certa esquerda, e "de esquerda", se observado de certa direita. A combinação de motivos "nacionais" e "sociais", a defesa do Estado justicialista, mas não dos embustes em seu nome, a obsessão modernizadora e o maquiavelismo diplomático foram alguns elementos do pragmatismo Cavaquista.
Outra questão é saber se esta chave, ideal para o governo, é adequada para a função presidencial, onde a imaginação popular, a corruptela, as más práticas e as piores interpretações, preferem colocar um Feiticeiro de Oz, manipulador e bufarinheiro, cortesão e ilusionista, a um Chefe de Estado soberano, sóbrio, eficaz e atento.
Se decidir apresentar-se contra Soares, ou contra os que apresentarão o "Soarismo" como emblema, a "revolução cultural" de Cavaco será impedir que a campanha seja, em vez de um acto cívico fulcral, uma forma superior de poesia.

NUNO ROGEIRO

Lâmpada de Dezembro e ano morto, ano posto

1
A meio d'uma noite em que a ressaca
do passado redobrou d'intolerância,

deitei a minha infância sobre a maca
- e meti-a, depois, numa ambulância...

Fez-se um silêncio de cortar à faca...
E eu disse adeus, p'ra sempre, a toda a infância,

nessa noite sem sol, que se destaca
da distância...

2
(Ao ALBERTO CORRÊA DE BARROS)

Co'o Menino Jesus recém-nascido
ou já com o Ano-Bom a qu'rer entrar,
era certo e sabido que o amigo
lá vinha ter comigo
por via epistolar,

com o sempre-vivo fim de me saudar.
(... E às vezes, contíguo ao texto corrido
d'um bilhete transido,
d'um cartão lapidar,

também um desenho - um desenho alusivo,
a nanquim colorido,
e de traço sensitivo e singular -

Vinha então, lá do norte, ter comigo,
remetido pelo punho do amigo,

no momento desabrido
de Dezembro desabar...)

- ... E era bom receber das mãos do amigo,
no Natal, essa espécie de folar!

3
Singre o Tempo, a todo o pano!
- Mas de sorte que este Povo,
para além d'um novo ano,
tenha um ano
mesmo novo!

Se é para ver, pela frente,
ao largo d'um ano inteiro,
apenas gente aparente...,
gente de sangue rafeiro...,

- vale mais, então, que a gente
nem sequer entre em Janeiro!...

(Por mim, preciso d'ar
puro
para fitar
o futuro.)

RODRIGO EMILIO

Linha de rumo

Tradição e progresso eram para apóstolos do novo ideal expressões contraditórias, de impossível conciliação e, por isso, entendiam que era necessário destruir o majestoso edificio do passado para que, depois, sobre as suas ruínas, se erguesse o templo da felicidade futura, em cuja cúpula em vez do símbolo da autoridade - deveria brilhar a figura redentora da liberdade!
Deste modo, o edifício do passado sofreu os mais rude golpes; as suas paredes musgosas foram rijamente sacudidas, sem respeito até pelas grandes figuras históricas que as adornavam. Os próprios alicerces em que assentava - os conquistadores e defensores da independência da pátria - sofreram, por vezes, as arremetidas daqueles que viam no passado um estorvo à desenvolução social, uma afronta à hodierna liberdade!
Abriram-se profundas brechas no edifício, mas os novos arquitectos não conseguiram erguer um monumento novo, que, vantajosamente, substituisse o velho palácio.
Desta maneira, os destuidores da tradição vieram apenas confirmar o que a experiência há já muito demonstrara: - é mais fácil destruir do que construir. Tendo-se reconhecido que a destruição do passado não traria, como consequência, a felicidade dos povos, principiou-se a olhar, novamente, para trás e a reconhecer a necessidade de ir buscar à tradição as regras eternas da vida do homem em sociedade.
Os factos destruiram a aparente contradição que alguns viam entre tradição e progresso e vieram mostrar que estes dois termos são elementos harmónicos e essenciais da civilização.
A tradição fornece a base sólida das nossas instituições e o progresso vai adaptando essas instituições às necessidades sociais da hora que passa.
Segundo a velha definição de Aristóteles, o homem é um animal essencialmente social. Está preso aos antepassados pela sua origem, aos contemporâneos pelas suas relações, aos vindouros pelas consequências da sua própria actividade.

FERREIRA DEUSDADO
(in "Regionalismo e Patriotismo", 1934)

Ingratos!

O "Público" lançou aos seus leitores o inquérito: "Acha que Mário Soares tem condições para ser de novo Presidente da República?".
Nesta hora a que vos escrevo, as respostas apresentam 25% de sins e 74% de nãos.
O "Diário Digital" iniciou a sondagem: "Mário Soares deve candidatar-se às presidenciais?".
Neste momento as respostas são 24% de sim e 75% de não.
Atormenta-me a suspeita de que o país não se levantou de entusiasmo perante o apelo do impagável homenzarrinho.

Festa de anos

Continuo a receber os parabéns pelo dois anos do SA. Estes vêem do Último Reduto, outro confrade que também veio para ficar - e ficou mesmo (sempre a jogar na I Divisão).

Entre duas mãos cheias deles que não troco por quantos jornais se publiquem cá na terra, tenho dois blogues que são para mim referência desde aquele Agosto de 2003 em que resolvi, também eu, deitar mãos à obra: são evidentemente os veteranos Sexo dos Anjos e Nova Frente. Ultrapassado que está o aniversário blogosférico do BOS, quedo-me tratando deste Sexo dos Anjos que afinal de contas, trata de tudo menos disso. Usando ao mesmo tempo de bom humor e de desilusão sofrida, de constante incitamento aos novos e de saudável pessimismo antropológico, a pena do Manuel mantém-se firme e certeira, alheia a modas, observando o mundo desde essa planície heróica que Sardinha tão bem evocou e aproveitando sempre da Tradição o que de melhor possa servir à circunstância. Para mais, ainda tem o seu autor engenho para ser sempre o primeiro a descobrir os novos sítios, os últimos projectos. É obra!
Pessoalmente, afirmo-o aqui e agora enquanto membro da Liga dos Amigos do SA, gosto especialmente do Azinhal "contador de estórias"; sejam as memórias políticas (às quais, creio, ainda não tem idade para deitar mãos) ou outras, sejam os episódios de mero toque pessoal, em todas elas consigo lobrigar um ensinamento, um caminho, um estilo e uma ética que diariamente me surpreendem positivamente. Uma única coisa me desagrada: é que em dois anos de bloganço, ainda não consegui sentar-me à mesa com o Azinhal, lapso que sei aliás ser sentido por mais uns quantos bloguistas e comentadores mais oferecidos à tertúlia! Espero que este terceiro ano nos possibilite um cafézinho na Praça do Giraldo, ou, mais a propósito, um repasto no "Fialho", para se tratar do assunto e suprir tão grave lacuna.
Rematando (como é próprio de qualquer Matateu que se preze) e ao contrário do que afirmo noutras ocasiões, não faço votos para que o Manuel por aqui se passeie por mais um ano. E se não o faço é porque sei que ele cá estará. Seria então desnecessário.
Pedro Guedes

sexta-feira, julho 29, 2005

Também assinamos!

Nós também assinamos por baixo: não sabemos é se o Eng. Sócrates tem a liberdade de dizer que não a quem já disse que sim...
Contra o esbanjamento dos dinheiros públicos, assinar aqui.

Segundo aniversário do SA

Ainda a propósito do segundo aniversário do SA, agradecemos os cumprimentos oriundos dos companheiros do Planície Heróica, O Vilacondense e o Beja, expressos aí nos comentários.
Três conterrâneos, dois deles do Alentejo e tudo - a provar que às vezes um homem até na sua terra pode ser gente.

Prognoplágio, ou o fantástico entre nós

O Dragoscópio plagiou a Grande Loja com uma semana de antecipação!
Ah grande Dragão! Isso é que é largueza de vistas! A isso se chama ter olho! Visão do futuro! Intuição, feeling, iluminação, inside information ou artes de bruxaria...
Se eu fosse o Sócrates, levava-te já para assessor!

O segundo aniversário do SA

Continuam as manifestações da liga dos amigos do SA, a pretexto do segundo aniversário desta casa.
Agradeço penhoradamente o carinho e a solidariedade da "Aliança Nacional", de "O Velho da Montanha", do "Santos da Casa", e do "Coimbra Nacional" - três magníficos mosqueteiros, que por acaso, tal como na obra de Alexandre Dumas, são quatro...

Sobre Tocqueville

Decorrendo o bicentenário do nascimento de Alexis de Tocqueville, ei-lo devidamente evocado em L'Insolent.

Frédéric Bastiat

As "harmonias económicas", a obra de Frédéric Bastiat, teve nova edição nas Éditions du Trident.

quinta-feira, julho 28, 2005

"À sombra de uma azinheira"

Continuando a assinalar-se os dois anos de vida deste blogue (completam-se a 31 de Julho), segue-se nova mensagem proveniente da liga dos amigos do SA.
Esta é do Viriato, do Porta-Bandeira, e confesso que tem para mim um sabor especial. Por recompensas assim vale a pena toda a blogação.

"À sombra de uma azinheira
Quando comecei a frequentar o universo blogosférico, fi-lo sem conhecer rigorosamente ninguém, seja de vista ou pessoalmente. Assim, ganhei o vício de imaginar os autores, construindo-os a partir dos seus escritos. Embora fosse uma tarefa complicada, cheguei a acertar em alguns casos. No entanto, no caso do Manuel Azinhal, nunca cheguei a conclusão alguma. Junto com mais um ou dois, o Manuel (permita-me que o trate assim) é daqueles blogueiros que surgem nebulosos na minha mente. E os raros dados que solta sobre si só servem para baralhar ainda mais qualquer ideia ou conclusão a que tivesse chegado.
Tudo isto para dizer que o “Sexo dos Anjos” tem sido dos blogues mais misteriosos e, ao mesmo tempo, dos mais fascinantes que já visitei. Com dois anos de blogação completos, o Manuel já fez de tudo no seu espaço, desde aconselhar novos blogues (como o meu) e expor literatura mais ou menos proibida a pegar-se com a controversa nova vaga de nacionalistas e espicaçar outros espaços para que continuem a sua actividade. E mesmo sem publicar uma imagem que seja, tem centenas de visitantes diários! È por isso que este prodígio da blogosfera está de parabéns!
Agora que termino, e na impossibilidade de imaginar uma face para o Manuel Azinhal, comparo-o a uma árvore. Uma árvore – que até pode ser uma azinheira, quem sabe – que sobrevive calma e continuamente, enquanto blogues vêm e vão."

Gaudeamus igitur!

Continua a manifestar-se a liga dos amigos do SA; agora, a propósito do segundo aniversário desta casa, que nesta semana se comemora, recebi uma generosa mensagem oriunda do "Nova Frente". Ei-la.

"Nos dois anos de «O Sexo dos Anjos», associo-me ao evento e abraço o seu autor. Vem de molde lembrar que o primeiro "mail" que recebi no meu tasco blogosférico foi dele. Apresentava-me cumprimentos e incitava-me a prosseguir — palavras que conservo em mim.
O número de visitantes diários que o Azinhal adregou registar constitui proeza assinalável, tanto que — pelo que vou lendo — o seu blogue não agrada a ninguém. Nem aos esquerdistas, nem aos direitistas, nem aos nacionalistas. Os primeiros, ele verbera-os; os segundos preferem o caminho fácil do liberalismo impante; e os últimos amargam-lhe a inteligência com a bílis azeda de novas teorias rácicas e políticas. Pouco importa. A crítica de «O Sexo dos Anjos» não merece que a gente se esfalfe e indisponha por conta dela, de tal modo se apresenta mesquinha e de má fé. O que importa, isso sim, é que o Azinhal construiu uma página meritória, um blogue culto e erudito — um pensamento próprio e estruturado, as melhores análises de política nacional e internacional.
É, sem favor, um dos meus favoritos.
Bruno Oliveira Santos

Os desafios do futuro

Enquanto o mundo livre olha para outro lado, os verdadeiros desafios vão-se alinhando no horizonte.
Quem dará a devida importância aos sinais? Eis o que Francisco Sarsfield Cabral escreve hoje no "Diário de Notícias", sob um título singelo, "China":
"O crescimento económico chinês atingiu 9,5% no primeiro semestre deste ano, mais do que se previa e do que Pequim desejava (que inveja!). Há sobreinvestimento na China, provocando estrangulamentos na energia e nos transportes e podendo vir a desencadear inflação (que por enquanto se fica pelos 2%). Tão brutal crescimento assusta muita gente. Um grupo chinês comprou a britânica MG Rover (salvando parte dos seus postos de trabalho) e outro quer comprar a petrolífera americana Unocal. Mas é a explosão das exportações chinesas que mete mais medo - subiram 33% no primeiro semestre.
A competitividade chinesa tem sido ajudada por um câmbio artificialmente baixo do yuan, divisa que desde há onze anos a China manteve ligada à cotação do dólar. Ora tal ligação acabou no dia 21. A moeda chinesa revalorizou 2,1%, o que não tem grande significado económico (diz-se ser precisa uma revalorização entre 15 e 30%), mas abriu a possibilidade de novas subidas. O banco central chinês nega essa possibilidade, talvez apenas porque receia o afluxo de capitais especulativos que apostam em futuras valorizações. Veremos.
Se for continuada, esta subida poderá trazer problemas a Washington. Para não deixar valorizar o yuan frente ao dólar, o banco central da China tem comprado enormes quantidades de títulos do Tesouro dos EUA. Outros países asiáticos fizeram o mesmo. Assim se cobre boa parte da falta de poupança dos americanos. Em 2005 o défice externo dos EUA foi de 660 mil milhões de dólares. Se a China revalorizar a sério, não precisa de comprar tantos títulos americanos. A Malásia já desligou a sua moeda do dólar e outros poderão seguir-se. Os EUA terão então de subir os juros para atraírem dinheiro de fora, prejudicando a economia. Problemas de uma superpotência que vive a crédito."

Nada de novo na frente?

Quase ao mesmo tempo que eu, embora sem nenhum conhecimento recíproco, o BOS abriu o Nova Frente.
Está portanto também a festejar os dois anos de vida, e há que enviar-lhe os parabéns (bela colheita, a desse Verão de 2003!).
E como o patrão já regressou das férias, aguarda-se agora a rentrée, com vigor e entusiasmo renovados.
Vamos a eles!

quarta-feira, julho 27, 2005

Baú de memórias

Uma vez que estamos na semana das comemorações do segundo aniversário do SA, dediquei-me ao exercício narcísico de reler as primeiras páginas, surgidas nesses tórridos dias do Verão de 2003, com o país inteiro a combater incêndios. E aproveitei para trazer de novo aos leitores uns textículos que me divertiram agora, mais do que ao escrevê-los. Perdoem a extravagância, que a um aniversariante tudo se perdoa.

Ensaio sobre a propriedade

Esta contou-me um companheiro transmontano, exímio caçador de perdizes, grande conversador e politicamente conservador, azul até à medula – por devoção à monarquia e ao Futebol Clube do Porto - num dia em que explorávamos as paisagens do Douro. Como a contou assim a deixo.
Havia lá em cima dois pobres lavradores, desde sempre vizinhos e amigos.
Um tinha duas vacas, e o outro tinha dois burros.
Um dia, veio a revolução quebrar o ritmo inalterável daquela existência sempre igual.
Aquele que tinha duas vacas, mas não tinha nenhum burro, ouviu a pregação socialista, e ficou sensibilizado pelas doutrinas sobre a propriedade, a igualdade, a justa repartição da riqueza, etc. - e tirou as suas ilacções.
Dirigiu-se então ao amigo que tinha dois burros, e expôs o problema: agora vinha aí o socialismo, a igualdade, quem tinha mais devia repartir por quem não tinha – em suma, em adesão às novas ideias impunha-se que o amigo, que tinha dois burros, lhe desse um deles, que bastante jeito lhe fazia, e assim ficariam conformes com a doutrina consagrada na constituição.
O outro ouviu, e, bem ou mal convencido, ou apenas esmagado pelo brilho da nova ideologia, acedeu – e deu-lhe um dos burros, em homenagem ao socialismo.
O pior foi depois, quando contou à patroa. Ouviu das boas, que o sentido prático feminino não permitia a esta embarcar nas mesmas cantigas. E terminou a mulher o raspanete com a saída lógica: o nosso amigo tem duas vacas, e nós não temos nenhuma; trata pois de ir falar com ele, e resolver o problema; a nós também fazia muito jeito ter uma vaquinha ...
Ao infeliz pareceu acertada a ideia, e lá foi novamente falar com o amigo. Pôs a questão como a mulher o ensinara, e apelou ao amigo: tem duas vacas, eu não tenho nenhuma, impõe-se assegurar a igualdade – se me desse uma das vaquinhas, como eu já lhe dei um dos meus burros...
Aqui chegados, o primeiro sobressaltou-se – e renegou do socialismo.
- Mas o amigo não percebeu? O socialismo é só para os burros ...

Mais ou menos o mesmo demonstrava o Afonso Botelho, na sua novela “Como o senhor Jacob enganou o socialismo”, que devo ter para aí perdida em qualquer canto.

Sobre os ex-comunistas

Alguns conhecidos meus acham exagerada a desconfiança que eu, de quando em vez, manifesto em relação aos ex-comunistas – que, como é notório, enxameiam cada recanto da república. Tomam a minha atitude por preconceito, ou reflexo adquirido.
Mas não é assim. Estou de caso pensado. E explico.
O que neles me causa apreensão não é o que foram; é o que neles ficou depois de deixarem de ser. Se houvesse mudança autêntica e verdadeira, admissão de erro, arrependimento activo, com gosto levantaria eu as defesas. Mas a gente examina o processo mental que neles se operou e não é isso que encontra.
Segundo os próprios, que desse modo se explicam, em infindáveis e lamentosas justificações que já por si muito dizem, passou-se que o curso da história tornou impossível o imobilismo ideológico que criticam nos permanecentes. E vai daí eles aceitaram transformar-se – mas contrariados, como ressalta de todos os depoimentos. De muitos com propriedade se pode afirmar que nunca saltaram o muro – saltaram para o lado, para o muro não lhes cair em cima.
A mudança não veio de dentro, foi-lhes imposta de fora. Eles deixaram de ser... mas vivem cheios de pena, angustiados com a perda, em constantes sobressaltos de nostalgia.
E no geral mantêm todos os tiques da seita; é observar como aqueles que surgem a proclamar as excelências do debate público e aberto ficam enxofrados quando o debate ameaça alastrar a opiniões que não sejam as suas. Eles gostam do debate, sim; mas desde que fique entre eles e o próprio umbigo.
Perguntarão agora em quem estarei eu a pensar; e eu sei muito bem em quem estava a pensar, mas, perdoem-me esta fraqueza, não vou dizer – só para vos obrigar ao trabalho de lançar os palpites e adivinhações que ao caso se ajustem.

O velho, o rapaz e o burro

A estória ainda se apresenta confusa. Não se sabe se Alegre marchava às ordens de Sócrates, e este lhe trocou as voltas, ou se avançou ao toque de Soares, que o usou para lebre...
O que aparece é que Alegre está deveras amuado com os dois, e surge qual peru de monco caído.
Houve combinação entre Soares e Sócrates, a partir de que momento?
Parlamentavam enquanto davam rédea solta ao poetastro, em manobra de diversão concertada?
Não sei de nada. O que se afigura é que lá na casa socialista as "questões de carácter" estão a tornar-se endémicas. Não bastava o Carrilho, com aquela voz de fêmea aluada, ter tramado o "pobre" Manuel Salgado, tinha agora de surgir mais um caso onde a lama atinge em cheio os figurões máximos da família.

Um reaccionário desconhecido

Há sempre um reaccionário desconhecido que espera por nós.
Os nossos amigos de "A Casa de Sarto" lançaram-se na divulgação de Nicolás Gómez Dávila. Não percam, este e os próximos episódios.

terça-feira, julho 26, 2005

Blogues do diabo

O semanário "O Diabo" hoje publicado destaca no lugar próprio (dos blogues de excelência, claro) este que estais a ler e mais o compincha "Dragoscópio".
Caramba, ao menos um Diabo com Bom Gosto!

AS DUAS ENXADAS

Antes diríamos picareta e enxada. Na província, nestas manhãs de geada polvilhada sobre a couve troncha, vê-se o jornaleiro rumar aos campos armado com os dois utensílios indispensáveis. A picareta é para desmoronar os combros aleivosos, derruir a parede ameaçada, esterroar os mouchões endurecidos. A enxada leveira é para alisar, ordenar as regueiras, compor o semendo. Quem nunca saiu de Lisboa mal pode compreender como essa dupla faina que poderíamos qualificar de crítica e construtiva requer duas enxadas, com diferente folha de ferro. Mas se eu lhe disser que nos jornais de boa tinta essas duas enxadas são por igual imprescindíveis, o meu leitor é capaz de se encrespar em estranheza e arguições em contra...
Em tempos como os que decorrem no nosso país, a enxada crítica, a picareta vibram-na bons atlantes que se não compadecem com mentiras nem com receios tanto mais supérfluos quanto o princípio democrático é avançado avondo e não deve ser reservado a meia dúzia de problemáticos arcontes. Doa a quem doer, dizem os possessos da verdade! E de tudo fazem azorrague para expulsar vendilhões, para desenlapar escribas e fariseus que facilmente se arregimentam, prometem obra primas e se incensam uns aos outros num compadrio que não tem chancela na história pregressa tão acarvoada de censuras, dizem.
Notou-se, há tempos a esta parte, uma baixa da produção literária. A gramática flagelada em discursos tribunícios, sai mal ferida dos artigos crismados de progressistas e há por aí gente tão escandalizada que se pergunta se o homem de S. Miguel de Seide, vulgo Camilo, também foi saneado, na esteira de um Luís de Camões. Este, após o saneamento, determinou desamarrar-se do "tronco" e fazer as pazes com Gonçalo Borges, que ele imortalizou com uns apalpões, e passar essas carícias para os saneadores, uns alarves sinistrados nas congostas da gramática e da prosódia. As páginas literárias pós abrilinas lembram as territas amarelentas de que os agrícolas praguejam.
Estávamos, porém, a dizer que a enxada crítica não tem ficado atrás da porta. Sobretudo na imprensa de província e nos hebdomadários o espírito de Nicolau Tolentino e de Camilo não dormita... Convenhamos, todavia, em que o emprego indefeso dessa enxada se acompanha de ordinário de uma plangência incómoda. Nem sempre se pode rir do que se fustiga. Quando se vê espezinhada a História de Portugal, ou omitida, silenciada; quando se vê o sequestro sistemático para os sótãos da melhor literatura portuguesa, para ser substituída, nas selectas educacionais, por trechos de asneiras bafientas de fulanos nascidos em divórcio nativo com o tinteiro e por discursos de revolucionários de fora parte; quando se ouve denegrir toda a acção do nosso passado e se acendem fogueiras sanjoaninas em torno dos gloriosos de 1910, esses que eram tão amigos da liberdade que saíam das furnas maçónicas para medirem, facialmente, aqueles a quem expulsavam depois de lhes terem larapiado os parcos haveres. E não falta aí oportunista devoto que vem declarar que esses algarismos, à parte alguns desmandos (oh! oh! pequenos, não?), foram purificadores da Igreja verdadeira! Com pouco mais de generosidade punham-nos nos altares!
A enxada critica tem muito que surribar.
Importa porém, a nível de imprensa, lançar mão da outra, da enxada construtiva. Sobretudo não deixar que a lamentação se estenda a toda a folha. O lavrador da nossa província, depois de cortar silvas e tojos, de arrumar pedregulhos, de catar as gramas invasoras, é com gosto que horteja uma cimeira de campo, e faz apetite ao jantarinho com lida mais directamente frutífera. Escorra a analogia da leiva campestre para a leiva da letra de forma!
Nos finais do século passado, a grande geração literária de setenta, e a outra que se lhe seguiu, a de Fialho, ergueram a prumo a primeira enxada crítica e riram e assobiaram, sarcásticos, no sarçal. Mas sobre o tarde reconheceram que a faina construtiva, mais difícil, ficara maneiras desatendida. Hoje, em Portugal, requer-se decisão para atacar quanto ameaça a vida pública, o povo inerme, a vida familiar, a liberdade do espírito. Anda aí no ar um ridículo espantalho, tanto mais ridículo quanto é arvorado por mãos decrépitas: é o espantalho do reaccionarismo! Quando a voz do bom senso, da justiça, do bom humor, da aritmética, da gramática, do Curvo Semedo ou do inocente Caldas Aulete se faz ouvir, vem logo o tapume: É reaccionário, é fascista! Felizmente já hoje toda a gente começa a gargalhar de tal espantalho que se volve tão inoperante como o outro que defende os milhos da pardalada desrespeitosa que enche o papo e procura alívio!
Invoquemos o espírito de Ariel, o espírito da harmonia construtiva e saibamos transformar a irritação contra os adversários num ímpeto de construção que nos comprometa na acção e no amor. As duas enxadas ao ombro, para o que der e vier...

João Maia

AS CAUSAS E OS EFEITOS

Não, não se trata de uma meditação filosófica sobre o tão discutido princípio da causalidade. Trata-se, unicamente, de uma série de comezinhas reflexões em torno de realidades políticas hodiernas.
Ainda não há muito tempo celebrou-se, com forte aparato, o aniversário do 5 de Outubro. No entanto, por entre os tropos entusiásticos da oratória comemorativa, não deixaram de surgir, aqui e além, discretas alusões à inaptidão e incapacidade dos dirigentes da I República, em boa parte responsáveis pela reacção antidemocrática posterior ao 28 de Maio. É indiscutível, de certo, que a conjuntura não se mostrava nada ridente no ano da graça de 1926, caminhando-se, então, alegremente em direcção ao abismo. Simplesmente a situação não é mais ridente hoje em dia do que ontem, escutando-se da parte dos nossos bem amados desgovernantes - exactamente os que lançam remoques sobre os seus predecessores - brados angustiosos de que é preciso reconstruir o país, que estamos à beira do colapso económico, que Portugal atravessa um dos momentos mais graves da sua existência, etc., etc. E no próprio dia em que foram derramados croquetes de retórica em cima dos "heróis da Rotunda", chegou-se ao ponto de se juntar, no texto do mesmo discurso, à referência aos erros do passado uma incisiva apreciação do lastimável panorama do presente, como se se pretendesse, ainda que involuntariamente, fazer ressaltar, perante os espíritos reflexivos, o paralelismo flagrante entre as duas calamitosas experiências republicanas.
É claro que entre ambas, todavia, uma diferença de vulto se nota. Sejam quais forem os malefícios que lhes podem ser imputados, os homens da I República tinham, de uma maneira geral, o sentido do patriotismo e não lhes passava pela cabeça entregar, de mão beijada, territórios onde a soberania portuguesa imperasse há centenas de anos. Neste plano verificou-se um nítido progresso. Foi por entre gritos de júbilo e satisfação que, a seguir à gloriosa revolução dos cravos, se arreou a bandeira das quinas por toda a parte onde ela flutuava, com excepção do estreito rectângulo ibérico (nos Açores e na Madeira, ai de nós, ela já está a meia haste), sendo principais protagonistas do extraordinário feito precisamente aqueles que, por juramento solene e vocação assumida, deveriam ser os mais intransigentes defensores das fronteiras nacionais.
O conselheiro Melo Antunes explicou, sabiamente, que, sem aquilo a que ele chama descolonização, não teríamos visto raiar o Sol da democracia. Por isso tínhamos a obrigação de estar tremendamente satisfeitos com a entrega do Ultramar. Para os expoentes da mentalidade contemporânea jogar pela borda fora séculos de história e as melhores perspectivas de futuro, mutilar a nação de maneira a transformá-la num inviável recanto da península são, portanto, eventos brilhantíssimos que nos trouxeram o admirável presente do triunfo da ideologia partidocrática - sem tirar nem pôr, a mais insubsistente das ideologias.
Supomos que as personalidades marcantes da I República não pensavam de tão sublime modo, embora vejamos, com repugnância, alguns mumificados sobreviventes desse período aparecer no tablado, impantes de satisfação, a exibir a mais obscena alegria por verem, de novo, entronizados os dogmas de 89, sem uma palavra sequer de lamento e dor pela redução da pátria a uma pobre nesga de terra no Ocidente da Europa. De qualquer forma, cremos que se trata de excepções e que a maioria dos seus coetâneos, se vivos, não assumiriam idênticas atitudes, recusando-se a repudiar declarações explícitas (entre as quais avultam as do general Norton de Matos, comicamente homenageado por uns tantos que, a acatarem-se as admoestações desse general, mereciam ser banidos da nossa convivência, dada a forma como se comportaram perante a África e a Ásia portuguesas), a fechar os olhos face ao espectáculo alucinante de uma nacionalidade gloriosa reduzida repentinamente à insignificância e a cerrar os ouvidos aos clamores dos milhares e milhares de vítimas do monstruoso processo em curso, só pelo prazer de contemplar, outra vez, a entronização de certos princípios doutrinários (aliás falsos).
Em todo o caso, à parte a desaparição do sentimento de dignidade patriótica, em especial entre os que deviam considerá-lo como uma espécie de depósito sagrado de que fossem os guardiães, as similitudes entre a primeira e a segunda repúblicas são notórias e flagrantes.
Numa e noutra desabrocharam os golpismos militares, o bombismo desenfreado, a indisciplina cívica, os desequilíbrios orçamentais, a exacerbação dos conflitos sociais, o abaixamento do nível do ensino, as ilusões iberistas, a incompetência administrativa, a fúria das disputas partidárias. Numa o presidente do Conselho bradou que o país estava a saque, na outra o chefe de governo advertiu, solenemente, que nos encontrávamos a atravessar uma das crises da maior gravidade possível. Em resumo, numa e noutra, os grandes triunfadores foram a desordem, a confusão e o caos.
Ora o que é que explica fracassos tão inteiramente semelhantes? Iremos repetir o lugar comum, que a culpa é dos homens e não do sistema que é excelente? Impossível! Com efeito, dissipada a longa noite fascista, alçapremaram se ao poder as individualidades mais inteligentes, mais virtuosas, mais brilhantes, mais informadas, mais talentosas, mais sábias desta terra lusitana que tinham, ainda, a seu favor as lições dos antecessores para evitarem recair em dislates, loucuras, ingenuidades análogas.
Se, apesar do imenso génio dos próceres que nos desgovernam e da sua indesmentível boa vontade em fugir à repetição dos lapsos de outrora, as coisas não correm pelo melhor, antes pelo pior, é óbvio que não lhes podemos atribuir a responsabilidade pessoal de tão lastimável facto. Mas não sendo lícito responsabilizá-los, o que está na raiz das desgraças que nos afligem? Obviamente o regime que eles restabeleceram e servem. Tal regime produziu frutos amargos durante os dezasseis anos posteriores a 1910. Restaurado e aperfeiçoado, produz frutos amaríssimos de 25 de Abril de 1974 a Novembro de 1976. É que as mesmas causas produzem os mesmos efeitos. De certo, uma comunidade política que nade em riqueza pode dar-se ao luxo das greves constantes, das reivindicações laborais absurdas, sem se arruinar imediatamente, conforme sucedeu entre nós. Nem por isso, contudo, deixa de ir empobrecendo, posto que imperceptivelmente. Também uma sociedade em que os seus membros estejam de acordo no fundamental, sejam de temperamento gregário e obediente, e não conheçam, desde há numerosas gerações, guerras civis, pode dar-se ao luxo das divisões, sem tombar, instantaneamente, na anarquia, consoante aconteceu connosco. Nem, por isso, no entanto, deixa de encerrar em si um fermento de dissolução que está a miná-la sub-repticiamente.
Atenuadas ou parcialmente contrariadas por outros factores, as causas não deixam de produzir, inflexivelmente, os efeitos que lhes são inerentes. De um mau regime não é possível que resultem a paz, a ordem e a prosperidade; leve ou não longo tempo, a sua índole deletéria acabará, sempre, por vir à tona. Às leis irrevogáveis da lógica ninguém consegue escapar. É inútil imaginar que se obtém a concórdia entre cidadãos pregando a luta de classes, unidade social legitimando a fragmentação de um povo em grupos hostis, o acatamento da autoridade tornando-a dependente daqueles a quem se dirige. As consequências desejadas são opostas às premissas estabelecidas, logo a partir destas jamais se alcançarão aquelas.
Só os tolos protestarão com espanto contra o partidarismo que reine na administração após terem instaurado uma partidocracia (ou uma quase partidocracia); estranharão, indignados, que do cultivo das divergências de opinião e de conduta não derivem a harmonia e a união, e lastimarão, inconsoláveis, o ódio entre compatriotas depois de, a torto e a direito, a propósito e a despropósito, os terem cindido em exploradores e explorados. Só os tolos!
Infelizmente, porém, são os tolos o que mais abunda neste mundo de Cristo.

António José de Brito

segunda-feira, julho 25, 2005

rodrigoemilio.com

Não vos falo da emoção; anuncio-vos tão só a grande alegria: encontrei o rodrigoemilio.com
Obrigado a quem o concebeu e realizou! Bem hajam!

COMEÇAR PELO PRINCÍPIO

Nesta semana em que assinalo o segundo aniversário do "Sexo dos Anjos" encontrei um belo artigo de Jaime Nogueira Pinto, publicado na edição n.º 63 do semanário "A Rua", saído a 17 de Junho de 1977. Como o tempo passa!...
Ofereço-o a todos os integrantes da liga dos amigos do SA, que informalmente se reunem nesta humilide casa.

Até onde se deu conta a actual classe política - constituída por arrependidos do marcelismo, tecnocratas mutantes e diversas famílias marxistas - de que uma situação instaurada em nome do bem estar e progresso materiais dos cidadãos não tem legitimidade para exigir-lhes sacrifícios desse mesmo bem estar, de pedir-lhes que se resignem a trabalhar mais e consumir menos, que arrepiem caminho na euforia de viver dos rendimentos permitida pelas reservas acumuladas pelo anterior Regime?
As chamadas "políticas de austeridade" implicam, como presupostos político-institucionais, ou modos autoritários de exercício do poder ou um consenso das forças sociais, justificado por um imperativo de salvação pública (guerra, ameaça externa, projecto nacional), isto é, por algo que a comunidade em dado momento histórico considera superior às expectativas e padrões de vida dos seus membros.
Pondo de parte, como hipótese de trabalho, a alternativa do estado de excepção, que apesar do mimetismo demonstrado por alguns dos seus próceres não parece caber nos desígnios das cúpulas do establishment, (embora surjam, aqui e ali, veleidades de democracia vigiada - na versão brasileira ou mexicana) haveria que encontrar, nos quadros ideológicos e institucionais vigentas, a tal razão ou projecto, doutrina ou objectivo que justificassem os sacrifícios que a Administração ou as circunstâncias vão exigir ao Povo.
Aí começam as dificuldades ou impossibilidades: não será com certeza a burocracia partidária do social-soarismo - mero quadro administrativo dum capitalismo moribundo ou em recuperação, nem o cocktail de opções centristas ou direitistas envergonhadas, que hão-de mobilizar os cidadãos para a reconstrução nacional; menos se vêem carismáticos líderes, que despertem o incondicionalismo e o fervor das multidões, conduzindo-as à vitória, mesmo que se trate de batalha pacífica. O panorama é dominado por uma sólida mediocridade, mais ou menos respeitável, mais ou menos escandalosa.
O Partido Comunista é, por seu turno, um caso à parte, pois em Lisboa ou na Patagónia tem sempre explicações definitivas para as causas e objectivos, como multinacional da política, constituída por profissionais meramente guiados por critérios de eficácia. Que podem ser particularmente adequados à função de catalizar ou recuperar o caos, manipulando descontentes ou desesperados que é o que cada vez mais há em Portugal. Ninguém ignora que o terreno perdido nas Forças Armadas e na opinião pública o vem compensando o PC, no campo da organização e preparação dos militantes. Por ora em quartéis de inverno, a filial portuguesa do PCUS prepara-se para o que der e vier e retomará a iniciativa logo que as circunstâncias externas da estratégia soviética na Europa lhe derem luz verde.
Assim, não se vendo no leque partidário situacionista qualquer resposta capaz à dicotomia caos progressivo-concentracionismo marxista, torna-se mais imperiosa uma alternativa nacional. Se esta não surgir, o confusionismo, a incompetência, a irresponsabilidade do poder irão uma vez mais ser aproveitados e recuperados pela máquina do PC, isto é, o vazio levará à política do pior.
Importantes sectores do país real - da juventude, dos Católicos, dos Trabalhadores, das Forças Armadas, dos Intelectuais, dos Quadros - apesar do profundo sentido de revolta e vontade de mudança, sentem-se paralisados às portas da Acção por falta dum projecto nacional que sirva de razão e guia à reconquista de Portugal pelos Portugueses.
Então buscam-se messias, caudilhos, homens providenciais, prestidigitadores, magos, alguém capaz de transformar, da noite para o dia, as ruínas em cidade, o caos em universo, a cólera em esperança, alguém que faça frutificar os campos secos, que vista os nus, que leve a andar os paralíticos, que alimente os famintos, que salve a República e ressuscite os mortos. Alguém que, tomando sobre os ombros a raiva, a fé, a esperança, a vontade de todos, a todos arranque do desespero e da derrota.
Este é o pior caminho. Há que começar pelo princípio, que reinventar e recriar Portugal. E tal não pode estar à mercê de césares conhecidos ou desconhecidos, da sorte ou mil sorte dos suas estratégias ou ambições, mesmo legítimas. Até porque são raros os génios ou ungidos de Deus e, como vimos na história próxima, os homens comuns que se sobreestimam acabam mal e deixam pior as empresas a que metem ombros sózinhos ou acompanhados. Ninguém se salva por procuração e hoje, perdidos muitos dos seus esteios materiais e políticos, a independência de Portugal depende muito mais da vontade dos Portugueses, escorada numa firme convicção das razões de Portugal.
Há que interrogar a História e o Futuro, a Razão e o Mito, a Tradição e a Revolução; há que recordar que os homens só lutam pelo que amam, só amam o que respeitam e só respeitam o que conhecem; e fazer uma Peregrinação humilde (mas não amarga) pelo que ficou: pedras de castelos raianos, virados à meseta, cordames e cruzes de Cristo, agora em terra face ao Ocidente; e a memória dos Heróis e o sentir da gente comum. Há sobretudo que viver a revolta dos que se bateram e foram traídos e a daqueles para quem o Império morreu, antes que saíssem de casa. Depois colher os ensinamentos da batalha que Portugal acaba de perder. Analisar e dissecar as utopias em nome de que actuaram os que traíram ou foram instrumento dócil da traição, demonstrar a sua mentira e efeitos e lembrar que da desordem, da mediocridade, da vergonha não podem nascer a ordem, a força, a dignidade.
Há que recordar e meditar tudo o que fez grande a Nação Portuguesa, colhendo as lições de Fidelidade, de Honra, de Sacrifício que guiaram o seu Povo quando foi grande e aventureiro, quando defendeu o rectângulo, rasgou o mar oceano, semeou padrões, ergueu fortalezas, uniu o mundo, salvou gentios. E com o mesmo espírito procurar, na humildade do horizonte que nos ficou, as linhas da reconstrução e alguma esperança.
Traduzir o espírito de Quinhentos em Portugal, rectângulo, 1977.
Temos que recomeçar, deste areal de sudoeste, onde encalharam e se morrem as caravelas, entre a nostalgia dos que foram à Índia e o murmurar dos velhos do Restelo, talvez arrependidos, mas que a mataram. A Índia é agora aqui, nesta Pátria pequena, ocupada, doente, mancha portucalense entre Castela e o mar. A Índia é sabermos porque perdemos, porque vamos passar fome, porque regressámos sem Fé nem especiarias, sem glória nem saque, sózinhos com o presente catastrófico e o futuro ainda pior. A Índia é vencer todos os dias o desgosto e a náusea dos que nos entregaram, destes adamastores pequeninos e grotescos que servem o ocupante, que se debatem entre o medo e a culpa, procurando a cobardia da irresponsabilidade. A Índia é a esperança de redimir a vergonha e desolação que matam e humilham este Povo que outrora foi grande e generoso e agora vegeta, estrangeiro, na Lisboa sem Descobertas.
A Índia é estar num barco triste, sem norte nem bússola, entre nevoeiro e escolhos sem fim, e querer partir outra vez. A Índia é sentir estes restos de memória de naus e império e este sentimento do irremediável histórico de alguma coisa muito grande que se perdeu à deriva, do facto de estarmos, outra vez, de volta da viagem que não faremos mais, encerrados na mãe Europa, com o mar pela frente, agora intransponível.
A Índia é acima de tudo e por tudo isto, a vontade de ainda navegar. A Índia é querer chegar lá.

JAIME NOGUEIRA PINTO

Socialismo maçónico

Há um projecto e um programa de "socialismo maçónico"?
É o que defende o recente livro de AG Michel, publicado nas Éditions du Trident.
Compre, antes que esgote...

domingo, julho 24, 2005

O primeiro voto de aniversário

Eu bem tinha dito que existia já informalmente uma Liga dos Amigos do SA...
Na aproximação do segundo aniversário da casa, no final deste mês, eis o primeiro voto de congratulação a chegar. De um Misantropo já conhecido dos leitores.
E vejam lá se não é amizade em estado puro!

«Muito antes de começar a "blogar", era já um ávido frequentador da blogosfera, na mira, pobre de mim, de aprender os segredos do "métier". E logo deparei com uma tríade de "blogs" que fixei como exemplares. Um já faleceu; dos dois que restam, cabe hoje destacar O Sexo dos Anjos.
Da sedutoríssima escrita de Manuel Azinhal tudo apela aos meus afectos e à minha admiração: a análise acutilante e justa da actualidade, a erudição sem fastio, o amor por um Alentejo que também fiz meu e uma generosa preocupação em dar a conhecer o que de menos mau vão fazendo os outros bloguistas.
Não tenho a felicidade de conhecer pessoalmente o Manuel. É sem essa causa de suspeição que, alegremente, me congratulo com a passagem do segundo aniversário desta Nobre Casa.
Os meus sinceros parabéns!
E o Nome, tão notável, revela-se uma verdadeira e fina ironia - não retoma as ociosas questões dos sábios de Bizâncio, consegue é ser um alerta constante contra os velhos e novos perigos turcos que nos rodeiam.
Bem haja!
O misantropo encantado
Paulo Cunha Porto»

QUE FAZER?

Porque importa ir além das fórmulas rituais e das banalidades vazias da circunstância, transcrevo a última crónica de Nuno Rogeiro na revista "Sábado", sobre a questão do terrorismo, a qual, não sendo certamente a que eu escreveria, contém já algumas orientações (a meu ver) na boa direcção.

Quando Lenine escreveu "0 Que Fazer?", no confortável exílio de Munique, em 1901, tratava-se de encontrar a via concreta para a revolução, ou aquilo que se pretendia fazer passar por ela. A linha geral fora traçada pelos autores de "0 Capital", mas o diabo estava nos detalhes.
Com a questão do terrorismo "Jihadista", está também (quase) tudo sabido, em teoria, mas a prática "revolucionária", destinada a desarticulá-lo, precisa de ser combinada. Outra vez.
Da consulta com líderes, letrados, militantes ou simples crentes do Islão, que vivem na Europa há décadas, tentei colher um pequeno manual de instruções.
Por onde começar?
Pelas palavras e pelos motivos, pelo dogmatismo e pela crítica. O Ocidente precisa de ser claro: não quer explorar o Iraque, não quer perpetuar um statu quo injusto na Palestina. Se a retirada total de tropas e pressão adicional sobre Israel forem úteis, que se usem.
Por outro lado, convém não insistir no "islamismo" dos terroristas. A qualificação não nos conduz a sítio algum, e dificulta a discussão. 0 que é preciso é salientar que há uma linha de humanidade a separar quem está a favor e contra o terrorismo internacional, como forma de resolução dos problemas. Todos os países e regimes do mundo devem ser obrigados a definir-se sobre isto.
A seguir, sobre massas e consciência. Se os radicais são recrutados como ovelhas, fascinados e hipnotizados, é preciso que chefes religiosos locais, dirigentes comunais, famílias e escolas se envolvam na detecção, denúncia, desarticulação e combate a essas redes informais de atracção.
Tal "confronto activo" tem de continuar em sindicatos, círculos negociais e culturais, e em todas as estruturas do moderno estado "social democrata", que ambiciona à integração harmoniosa das minorias.
Os meios de comunicação precisam de ser chamados à luta, e toma-se necessário rever (fortemente) a legislação que condene os apelos, apoios e incentivos à violência: não pode haver liberdade de gritar "fogo" num teatro apinhado.
Sabemos que é potente e decisiva, em fatwas ou interpretações "cultas", a descrição pseudoteológica dos "prémios" que esperam o suicida, passada a porta do Além. Então que cada prelado, cada voz autorizada, cada pregador, cada mestre se mobilize na criação de documentos condenatórios - de forma igualmente forte e "visual" - dos mecanismos do terror. Porque é que a ameaça com os fogos do inferno é mais "primária" do que a promessa do Éden?
Pode também melhorar-se a cooperação entre serviços de informações, de segurança e polícia, da Europa e dos países islâmicos (em particular, árabes)?
Sim, se bem que muito se esteja a fazer, desde 2001, sem grandes alardes, da Jordânia ao Marrocos, da Argélia à Indonésia.
0 importante é mostrar, "do lado de cá", que ninguém é perseguido, ou investigado, pela sua crença, e, do lado "de lá", que ninguém é desculpado pela sua presumível fé.

A depuração das bibliotecas

Com surpresa minha encontrei hoje o "Público" trazendo como tema forte um assunto que eu próprio já tinha agendado há muito para este blogue, mas que afazeres múltiplos me tinham levado a protelar para melhor ocasião.
Trata-se do processo agora esquecido da depuração das bibliotecas, ocorrido em 1974/1975, pelo qual foram efectivamente expurgadas as bibliotecas dependentes do Ministério da Educação de largas toneladas de livros, considerados então indignos de viver.
Como estou com pressa, limito-me a recordar por agora que as bibliotecas em causa ascendiam a umas centenas (todas as bibliotecas escolares, nomeadamente).
E não se tratou de um processo espontâneo, nascido dos excessos de uns tantos revolucionários exaltados. Foi um processo conduzido oficialmente pela hierarquia do Ministério da Educação.
O "Público" reproduz o despacho do então secretário de Estado da Orientação Pedagógica, Rui Grácio, datado de 17 de Outubro de 1974:
"Tendo sido informado de que nas Bibliotecas dos estabelecimentos de ensino existe quantidade apreciável de livros e revistas de índole fascista, determino que seja elaborada uma circular ordenando a destruição das publicações com esse carácter, depois de arquivados um exemplar, pelo menos, de cada revista e alguns livros a seleccionar, que fiquem como documento ou testemunho de um regime."
Acrescento o texto da circular nº 1/75 do Ministério da Educação, Investigação e Cultura, elaborada na sequência do despacho e recebida em todos os estabelecimentos de ensino:
"Exmo Sr Encarregado da Biblioteca: é chegada a oportunidade de, numa primeira fase, proceder nessa biblioteca ao saneamento dos livros que não reunam condições ideológicas, literárias ou técnicas para continuarem a ser dadas à leitura:
Nesta conformidade deve V.Ex.ª seguir, com toda, a urgência, as intruções seguintes:
a) Retirar da biblioteca e inutilizar pela forma que achar mais conveniente e perante 2 testemunhas, todas as obras que constam da lista “A” anexa a esta circular;
b) Lavrar auto dessa destruição em duplicado, de onde conste o nome de todas as obras inutilizadas e o modo como o foram, arquivando um exemplar no processo da biblioteca e enviando o outro a esta Direcção-Geral;
c) Cortar a página que contém uma frase dos ex-presidentes do concelho, em todos os livros constantes da lista “B” anexa a esta circular, livros estes que continuam depois disso a figurar na biblioteca.
Deve ainda V.Exª aguardar que oportunamente se lhe envie segunda lista de mais obras a destruir numa segunda fase.
Com os melhores cumprimentos – A Direcção Geral
a) Maria Justina da Fonseca

Finalmente, relembro a título exemplificativo algumas das obras condenadas então à fogueira, constantes da tal lista anexa (conferir em Barradas de Oliveira, "Quando os Cravos Murcham").
Biografia de Santo António, do Padre Félix Lopes; A família, a mulher e o lar, de José Francisco Rodrigues; História Breve de Portugal, de Caetano Beirão; A revolução portuguesa, de Jesús Pabon; Forças Armadas Portuguesas; Exposição Henriquina; Rapaziadas teatrais, por Zé Ninguém; O livro da cortesia, de Carlos Fiore; Virtudes da Raça, de Pereira da Conceição; Serões rurais, de Albano de Melo;O natal em Portugal, de Luis Chaves; De passeio à Beira-alta, de A. Lucena e Vale; Santos de Portugal, de Américo Cortês Pinto; O livro do caçador, de João Maria Bravo;A Nação, de Mário Simas; O pomar, de Miguel da Mota Melo; Os grandes escritores portugueses, de João Gonzalo de Carvalho; Pintura da nossa terra e da nossa gente, do Prof. Flórido de Vasconcelos e Arq. Marcelo de Morais; A matemática não é difícil (2 volumes) de Manuel de Sousa Ventura; Geometria ao canto da lareira, de Manuel de Sousa Ventura; O comércio, de Rui Gomes Tarroso; Gago Coutinho Geógrafo, de Jorge Ramos Pereira...
E muito mais poderia escrever-se. Por ora fico por aqui. Voltarei oportunamente ao assunto.

Sobre os dois anos de "O Sexo dos Anjos"

"O Sexo dos Anjos" surgiu numa quinta-feira, dia 31 de Julho de 2003.
Podem confirmar lendo agora o que escrevi nesse dia.
Desde então tem continuado, fiel ao seu propósito inicial, parte importante da vida de quem o faz aparecer todos os dias.
Apesar desse carácter pessoal, o blogue criou amizades, consolidou cumplicidades.
Existe já, atrevo-me a dizê-lo, uma liga dos amigos do "Sexo dos Anjos", ainda que sem escritura nem publicação no DR.
Antes de falar em qualquer balanço próprio destes dois anos de actividade (que me reservo o direito de não fazer, por motivos vários) gostaria de contar com a análise e as opiniões dos outros. Aqueles que são os destinatários deste blogue.
Portanto, estimados amigos, aqui fica o desafio: a quem se disponha a tal, solicito que durante estes tempos mais próximos (falta uma semana até ao dia do aniversário) me escrevam o que se vos oferecer dizer sobre "O Sexo dos Anjos" e sobre estes dois anos que se completam a 31 de Julho que aí vem.
Podem utilizar as caixas de comentários, mas quem quiser pode enviar a sua colaboração por mail para o endereço indicado no cabeçalho - para que eu a possa publicar no blogue.
Mãos à obra.

sábado, julho 23, 2005

Saldos

O "Público" titula hoje que "Manuel Alegre está disponível para ser candidato a Presidente da República".
O "Portugal Diário" por sua vez anuncia que "a candidatura de Soares está iminente".
Como se vê, abriu a época dos saldos.

Para a antologia

Os artigos de Mendo Castro Henriques e André Bandeira em Duas Cidades.

Cidadania em acção

Atenção Setúbal: o movimento Cidadania em Acção desta vez questionou os candidatos a Presidente da Câmara de Setúbal.
Podem ler-se as perguntas e as respostas no blogue Cidadania Em Acção.

Ai que parvo!

O melhor humor da rede, ao sabor da aragem.

Alentejo em imagens

No Alentejo blogal a imagem teve sempre um lugar privilegiado (lembre-se o Nikonman).
Nos últimos tempos surgem cada vez mais blogues em que as imagens falam mais do que as palavras: Monsaraz, Monforte, Terena, Beja, Veiros, Igrejinha, Marvão, Diário de Blogdo...
É um mundo de olhares.

sexta-feira, julho 22, 2005

Boi de piranha

Conhecem a estratégia do "boi de piranha"?
E a que propósito isso lembra Campos e Cunha?
Está tudo bem explicadinho no "Velho da Montanha".

Pátria, Nação, Estado

O Engenheiro abriu o livro: ei-lo sem temor a aventurar-se por terrenos perigosos e minados.
Pátria, Nação, Estado - o que os distingue e onde se confundem, o que os liga e onde se desligam?
Tudo no Mas o Rei Vai Nu!

A filosofia no secundário

Alexandre Franco de Sá escreve sobre "a filosofia no secundário", no seu "Caminhos Errantes".
Ele bloga pouco e irregularmente, por isso é aproveitar.
E se tiverem blogue podem retomar o tema, que me parece de crucial importância.

quinta-feira, julho 21, 2005

Ministro não cumpre a lei

Anuncia-se agora que o novo ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, não entrega ao Tribunal Constitucional a sua declaração de património e rendimentos, como está obrigado legalmente devido aos cargos executivos que ocupava até assumir a direcção do ministério, o que acontece desde o ano de 2000.
Se recordarmos que se trata de uma lei aprovada pela classe política em nome da transparência, do rigor, da seriedade da mesma classe política não podemos deixar de sorrir perante o pouco que lhe ligam. O novo ministro já nem se lembrava certamente dessa maçada, depois de cinco anos esquecido de tal assunto.
Espera-se que seja mais cuidadoso em matéria de declarações ao fisco.
Outros já se têm demitido por menos.

É grave!

Depois das embrulhadas dos últimos dias, nomeadamente com o ainda Ministro dos Negócios Estrangeiros e com o ex-Ministro das Finanças, receia-se o pior.
Como se sabe, Jorge Sampaio não é um presidente que se fique a olhar perante «uma série de episódios que ensombra decisivamente a credibilidade do executivo e a sua capacidade para enfrentar a crise», e os «sucessivos incidentes e declarações, contradições e descoordenações que contribuem para o desprestígio do governo e das instituições em geral».
Muito oportunamente o recordou o Geraldo Sem Pavor.

Hoje na blogosfera

Lição sobre a Identidade Nacional, pelo nosso Engenheiro (não confundir com aquele em que estão a pensar).

“Quem pode contar os grãos de areia do mar e as gotas da chuva de todos os dias?"

Tanto se fala agora na importância da comunicação que me pareceu oportuno transcrever uma passagem de Gustavo Corção, no seu artigo "Formação e Informação".

(...) E aqui já se entrevê qual é a fraqueza, a rigidez, a opacidade deste espesso mundo moderno em que vivemos. Diríamos que essa fraqueza está justamente na força em que o mesmo mundo se gloria, isto é, na mecanização do conhecimento, ou na robotização do homem. A tendência de valorizar as causas materiais, os dados, os fatos, e de supervalorizar a informação leva o homem, irresistivelmente, a pretender impor essa técnica a todos os grandes problemas humanos.
Ora, hoje no século XX, como ontem no XIX, e anteontem no século de Péricles, o homem é sempre o mesmo incôngruo ser que depende imediatamente de coisas materiais mas aspira sempre às coisas que transcendem o mundo inferior onde tem o pé e onde aplica as mãos. A vida humana é uma longa procura e uma longa conquista. E qual é o objeto dessa ansiosa indagação? Responderíamos como Santo Agostinho a si mesmo respondeu: quero conhecer Deus e a minha alma.
O saber tem muitos graus, desde os mais baixos onde o homem procura a ciência das coisas inferiores de que depende, até os mais altos em que procura a sabedoria que lhe diz o que é ele, de onde vem e aonde vai. E nesse grau de saber não é por um somatório de informações que o homem progride, e sim por uma integração de princípios, de valores, de normas que se incorporam à alma dando-lhe os habitus com que saberá atender com facilidade e firmeza aos difíceis desafios da vida.
A sabedoria dá ao homem uma formação interior, um modo global e íntegro de ser, e uma aptidão pronta e segura para as mais altas exigências do espírito.

quarta-feira, julho 20, 2005

Trapalhadas, ou a vingança de Santana

O dia termina com a operação relâmpago de troca de Ministro das Finanças. Sai Campos e Cunha e entra Teixeira dos Santos, tudo despachado a grande velocidade de forma a minorar os danos. Com a preciosa ajuda de Sampaio, claro.
Depois tenta-se assobiar para o ar e dizer que não foi nada. Como se a substituição de Ministro das Finanças, após quatro meses no cargo, e num governo que tinha posto a sua bandeira precisamente nesse terreno, fosse um pormenor insignificante.
Será que deste modo vai regressar a ordem numa das zonas de turbulência do Governo?
Então e as outras, quando irão rebentar na praça pública?
Passaram só quatro meses, e este governo tinha o mundo a seus pés...
Começa a adivinhar-se que Santana Lopes vai ser vingado ainda mais cedo do que se esperava.

Em Évora chovem milhões

De água nem uma pinga; mas multiplicam-se as notícias sobre um dilúvio de projectos, investimentos, fábricas, centros comerciais, empregos às centenas, digo aos milhares, euros aos milhões e milhões...
Serão alucinações ou miragens? Será da seca e do calor?
Das eleições não é certamente...
Instalem-se, apertem os cintos (é melhor, falamos de aviões), e acompanhem a História (com agá grande). De preferência no Mais Évora e no Geraldo Sem Pavor, que andam por aí no mundo. Este vosso amigo ermitão observa, mas de longe.

Who is John Roberts?

Em rigor, parece-me que ninguém sabe a resposta. Como de costume, virá com o tempo.

A visão do Prof. Trocado

Ele anda como uma visão persistente, e as imagens começam a tornar-se cada vez mais nítidas.
É como um filme, onde o seu sonho de sempre se torna realidade.
Entretanto tem de mostrar-se, para lembrar que existe e está disponível. Mas nada de palavras que comprometam, sim ou não trazem escolhos.
Basta avançar devagarinho, sem criar atritos, e estar lá no momento certo.
Passar à segunda volta, isso é que é preciso. Sejam quem forem os candidatos das esquerdas, sejam quem forem os candidatos das direitas (sobretudo se for o outro, como se prevê).
Passar à segunda volta, e mantendo todas as pontes em aberto.
A seguir, na segunda volta, ser o Chirac da esquerda portuguesa: o candidato de quem ninguém gosta mas onde todos votam.
Possível, se o outro candidato em presença for o outro (como se prevê, repito).
Cavaco não é Le Pen, estão a dizer-me daí? Pois não. Mas a esquerda é mais ou menos igual. Mais difícil é essa segunda volta.
Depois verão (o que o Prof. Trocado já está a ver).

Cidadania em acção

O Movimento Cidadania em Acção dirigiu algumas perguntas ao Governador do Banco de Portugal.
Podem ler a carta com a interpelação, e também poderiam ler a resposta se a houvesse, no blogue respectivo.

Crónicas da manhã

No "Diário de Notícias" de hoje realce para duas crónicas de opinião: na primeira António Costa Pinto debruça-se sobre a obra de José Gil que tanto impacto teve no último ano - "Portugal Hoje - o medo de existir".
Pareceu-me interessante a tentativa, mas tímida; e, atrevo-me a dizê-lo com o devido respeito, talvez mesmo superficial. Exemplo: a dado passo, ACP escreve que a "ameaça do "desaparecimento" de Portugal" constitui "tema recorrente das elites intelectuais portuguesas pelo menos desde o século XIX". Pensando melhor, diria que é um tema sempre presente na cultura portuguesa desde o século XVI. Não se sente já essa angústia do "finis patriae" em Camões e em Sá de Miranda?
Na segunda, Francisco Sarsfield Cabral entra no debate sobre a ocupação do Iraque e o terrorismo no Ocidente. E desassombradamente escreve que um erro é um erro.

terça-feira, julho 19, 2005

Palavras dos outros

Acabei a leitura da análise de Christian Bouchet sobre os atentados de Londres e a "guerra global" em curso, publicada em VOX NR, e que recomendo a todos os desalinhados.
Interessante e original também o artigo de Rebatet sobre os "excluídos úteis" e a extrema esquerda actual, surgido no "Batalha Final".
Sobre a mesma temática publica ainda o "Pena e Espada" os dois últimos artigos, Guerra e Os Integrados.
E o mesmo já tinha feito Ernesto Milá em INFOKRISIS.
A blogosfera tem tudo.

Mais segurança

Apresento-vos um novo blogue, dedicado sobretudo à temática da segurança e da ordem.
Porque as pessoas de bem têm o direito de viver em paz, é o Mais Segurança, do colega Editor.

Última hora

Hoje saiu para as bancas mais uma edição do semanário "O Diabo".
Para além de muito mais, em que não reparei, publica um artigo deste vosso companheiro de blogosfera.
Aquilo está a ficar um jornal importante.

Sobre a criminalidade

Recém chegado da estranja, o nosso amigo engenheiro discorre sobre um tema de ponta do nosso presente: "sobre a actual vaga de criminalidade".
É um blogue de assinatura obrigatória!

segunda-feira, julho 18, 2005

Nova Cidadania

A revista de João Carlos Espada publicou o seu número 25: destaco muito em especial a homenagem ao Prof. Jorge Borges de Macedo.
Não esqueçam a Nova Cidadania, agora a completar seis anos de um combate cultural que tem marcado presença singular na nossa vida pública.
É já sem dúvida um caso raro de longevidade e continuidade no pobre panorama das revistas de ideias em Portugal.

Encontro Blogalgarve

Um encontro para bloguistas, parentes e amigos já no próximo dia 30 de Julho: no Algarve, em Querença, bloga-se à mesa, de faca e garfo!
Podem inscrever-se junto desta rapaziada.

domingo, julho 17, 2005

Últimas notícias

A primeira respeita a este vosso blogue: depois de ponderar o peso das cunhas em causa, resolvi aceder a vários pedidos e abrir os comentários ao público.
Portanto, caros amigos, façam favor. Sirvam-se das caixinhas.
A segunda é sobre a política aqui do burgo (em que eu tinha decidido não me meter nestes tempos mais chegados).
Anuncia aqui este camarada que amanhã segunda-feira pelas 18.30 h. irá decorrer a apresentação pública da candidatura CDS/PP às eleições municipais eborenses, precisamente na Praça do Giraldo (onde todos giralmente passam).
Recordo que a lista para a Câmara Municipal tem à frente Mariana Cascais, para a Assembleia Municipal o primeiro nome é António Pestana de Vasconcelos, e como apresentador-mor estará presente Ribeiro e Castro.
Para animar a candidatura surgiu um novo blogue, HIC ET NUNC.
Ficam os eborígenes devidamente informados.

A guerra contra o Irão terá começado em Londres?

É o que pergunta Michel Collon, um esquerdista francês e pretensioso.
Não liguem, eles estão sempre a ver fantasmas. São mesmo mal intencionados.

THE MYTH OF THE GOOD WAR: THE USA IN WORLD WAR II

Aos que procuram ver para além das ideias feitas e da cortina de propaganda, recomenda-se Jacques Pauwels.
Este estudo desmistificador sobre o "mito da guerra boa", ou da bondade beligerante, é um refrescante desafio aos lugares comuns - e ainda por cima, para utilizar a linguagem de Roger Garaudy, aos "mitos fundacionais" da nossa era.

A nacionalidade herda-se?

Evidentemente, a resposta é não.
Dizer que a nacionalidade herda-se permite de imediato a pergunta-resposta óbvia: posso deixar a minha a quem quiser?
Lego-a em testamento ao meu vizinho paquistanês? Ou talvez ao meu gato?
Para um jurista, a perplexidade do cidadão vulgar dotado de senso comum tem explicação fácil. A nacionalidade adquire-se, mas não se herda.
O fenómeno sucessório verifica-se normalmente nos direitos de carácter patrimonial; o sucessor fica investido na posição daquele a quem sucede. O direito é o mesmo, o seu objecto é o mesmo, o sujeito é que muda.
É bem de ver que o que se verifica na propriedade de uma casa não é identificável com o que se passa com a nacionalidade.
Para ver o absurdo da afirmação criticada, se levada ao seu desenvolvimento lógico, basta lembrar que em regra os direitos subjectivos de natureza patrimonial transmitem-se não só por morte ("herdam-se") como se transmitem entre vivos: compram-se, doam-se, etc.
Nesse caso, se fosse possível configurar a nacionalidade como um direito subjectivo teria que se analisar também a possibilidade da doação ou da venda, como uma faculdade própria da autonomia privada do sujeito. Nada impediria o cidadão no pleno gozo dos seus direitos de vender a sua a um interessado indiano à procura de legalização.
A verdade é que nesta existe aquisição originária e não aquisição derivada, seja transmissão ou sucessão (se fosse este o caso, para um sujeito ter outro deixaria de ter, fosse por morte fosse por negócio jurídico).
A confusão´é fácil de desfazer: a nacionalidade não se herda porque não é um direito subjectivo, muito menos de carácter patrimonial.
A nacionalidade (não vou agora cuidar de distinções entre nacionalidade e cidadania) é um estatuto pessoal, um complexo de direitos e deveres, e as condições da sua aquisição são reguladas pelo Direito interno de cada entidade soberana.
Como estatuto, pode estabelecer-se a regra de que o adquire automaticamente, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade, quem seja filho de outros que já o detenham. Como se vê, não se trata de "herança": os progenitores não precisam de morrer, nem o filho de esperar por isso, para se dar a aquisição.
Este critério base tem sido geralmente o preferido pelos velhos estados, de população estabilizada e em regra fornecedores de emigração.
O outro critério base mais comum é o que se baseia na aquisição tendo por elemento definidor o lugar de nascimento: adquire certa nacionalidade, de imediato e sem qualquer processo administrativo ou judicial para isso, quem nascer dentro das fronteiras definidas pela soberania em causa.
Este critério tem sido preferido pelos estados jovens, criados por imigração e precisados de massa crítica populacional. Os Estados Unidos, o Brasil, a Austrália ou o Canadá não podem nesta matéria ter a mesma regulamentação que convém a Portugal, à Suíça, à Dinamarca ou à Irlanda.
E deixamos de lado o caso atípico de Israel, que tenta assegurar a coesão interna e ao mesmo tempo os laços com as comunidades exteriores estabelecendo para si critérios rácicos que consideraria grave escândalo se fossem escolhidos por qualquer outro.
O que me parece certo neste momento em que de novo se discute a Lei da Nacionalidade em Portugal é que convém saber do que se fala antes de emitir opiniões ou palpites.
Portugal carece de definir e estabilizar normativamente o modelo que sirva melhor os seus interesses na actual conjuntura histórica, e com os olhos postos no futuro.
Para discutir esse modelo com seriedade é indispensável ter algum conhecimento na matéria, não ajudando de nada andar por aí a gritar por ou contra esta ou aquela "Lei da nacionalidade" sem nunca ter lido nenhuma.

Nova divisão administrativa em Lisboa?

A reorganização administrativa das grandes áreas urbanas poderia representar uma saudável novidade no nosso desactualizado e desajustado mapa da administração local.
Surge agora alusão a essa ideia na campanha da candidatura Lisboa em Boas Mãos.
Projecto pensado, ou alvitre eleitoral?

sábado, julho 16, 2005

A reconquista

Com este título escreve no "Semanário" o Jorge Ferreira um excelente e oportuno artigo, para relembrar que o combate contra a insegurança e o crime diz respeito a todos.
Leia-se o artigo "A reconquista", e depois não se deixe cair esta causa.
Sublinho o essencial: trata-se de um combate pela lei e pela ordem, pelo bem estar e tranquilidade públicas, que não se pode confundir nem enredar com armadilhas simplórias e reducionistas.
O crime combate-se por ser crime, não por serem estes ou aqueles que o praticam. Falar de cores para mobilizar contra o crime, ou alimentar automatismos desculpabilizantes quando os autores têm cor, são atitudes simétricas que ambas esquecem que o crime não tem cor, mesmo que o criminoso tenha.
E o mais grave é que esses reflexos, pelas inibições que despertam e pelos impasses que criam, contribuem decisivamente para que tudo fique na mesma.

"Deficiências de carácter"

Estão a acompanhar a troca de mimos entre o filósofo anti-ruga, candidato à Presidência da Câmara Municipal de Lisboa, e o arquitecto Manuel Salgado, que esteve a um passo de ser o seu número dois?
Se ainda não sabem também não vos digo nada, que isto é um sítio decente e não quero aqui peixeiradas.

Engenheiros de férias?

Fui espreitar o Absonante e o nóvel Mas o Rei Vai Nu!, e não há nada de novo.
Ou estão demasiado ocupados ou estão de férias.
Pede-se ao menos mais um postalinho, se fazem favor! Se não puderem dizer mal, digam bem de alguma coisa, por uma vez admite-se.

The eye of the needle

Escreve hoje Eurico de Barros no Diário de Notícias, na sua habitual crónica:

Inimigo? Qual inimigo?
Em 1982, Clint Eastwood realizou e interpretou um filme chamado Firefox, onde faz um piloto da Força Aérea que se infiltra na URSS para roubar o protótipo de um novo e avançado caça supersónico soviético. Em 1982 ainda havia uma superpotência totalitária, uma ameaça militar para o Ocidente democrático e um muro sinistro em Berlim, e Hollywood podia fazer filmes de aventuras anticomunistas como Firefox sem se preocupar com protestos diplomáticos ou grupos de pressão minoritários - só com a bílis dos críticos e uma bilheteira raquítica.
Este ano, vai estrear-se nos EUA um filme chamado Stealth, sobre um grupo de pilotos da Marinha que tem que destruir um novo e avançado caça supersónico americano controlado por um programa de computador, que se "revolta" e ameaça recriar a catástrofe de 11 de Setembro. Em 2005, já não há nenhuma superpotência totalitária, o Muro de Berlim foi vendido aos bocadinhos aos turistas e o Ocidente cada vez mais securitário e menos democrático é ameaçado por um borrão com tentáculos longos e difusos chamado "terrorismo".
Mas Hollywood tem tanto medo de ofender seja quem for, de melindrar quem quer que seja, que os filmes de acção já não são "anti" nada. E os inimigos de serviço, que ainda há pouco eram neonazis gelados, antigos comunistas virados criminosos amorais ou fanáticos árabes mal barbeados, estão agora reduzidos, como em Stealth, a software desobediente.
Melhor ou pior, sempre tinha havido alguma sintonia entre Hollywood e o público americano sobre quem era o inimigo. Os alemães e os japoneses na II Guerra Mundial, mesmo que caricaturados até à animalização; os comunistas (e os extraterrestres dos discos voadores), no pós-guerra e na Guerra Fria; o próprio Governo dos EUA, nos anos de Watergate e da ressaca da derrota no Vietname. Actualmente, enquanto se discute nos EUA o perigo do terrorismo islâmico, os erros da política do Médio Oriente, as consequências da invasão do Iraque ou a influência descarada de Israel na Casa Branca, Hollywood tapa os ouvidos, fecha os olhos e faz um filme onde o vilão é um avião vazio pilotado por um computador psicopata. Só falta mesmo que os informáticos se sintam ofendidos por Stealth
.

Eu acrescento que ainda pode recorrer-se a caminhos já antes trilhados por formidáveis filmes da série B: por exemplo, "a ameaça dos tomates assassinos", "a praga das minhocas devoradoras" ou "a invasão dos piolhos-vampiros". Não se ofende ninguém, e as entidades visadas não se queixam.

Preto Guedes goes to States!

Mas não pensem que se safa assim sem mais nem menos: já seguiu aviso para uns camaradas de lá que são de toda a confiança.

Évora ao rubro

A temperatura subiu mesmo. Se não acreditam vão ler o que tem aparecido diariamente no Mais Évora e no Geraldo Sem Pavor, dois prestigiados órgãos da comunicação social da terra.
E até Outubro isto promete aquecer ainda mais!

sexta-feira, julho 15, 2005

A terra dos eslavos do sul

A crença que esteve na origem da invenção da Jugoslávia é essencialmente a convicção ingénua de que a identidade genética basta para cimentar uma comunidade política.
Acreditava-se nesse tempo do final da Primeira Guerra Mundial, em que desabavam impérios, que a melhor forma de reorganizar a vasta região dos Balcãs em que desde há muitos séculos estavam estabelecidos diversos povos pertencentes à grande família eslava seria reconhecer a sua unidade fundamental e traduzir esse facto numa unidade política.
Para quem acredita que a nação não é uma criação humana, nem uma realidade histórica, mas um dado da natureza, a conclusão parecia perfeita.
Com efeito, sérvios, croatas, eslovenos, macedónios, bósnios, montenegrinos, todos são da mesma raça, e do mesmo ramo (os eslavos meridionais). Só a história, a religião, a cultura, as fronteiras, as diversas influências exteriores, tinham ao longo do tempo separado esses povos.
Para o materialismo rácico, a consanguinidade bastaria para assegurar a manifestação da tal unidade fundamental. Concretizada a unificação política logo o facto natural se imporia, contra todos os artificialismos divisores.
E no caso até a língua contribuía para unir esses grupos humanos, visto que o servo-croata lhes era comum (o esloveno em pouco se diferencia, e era residual no conjunto).
A primeira tentativa de unificação política dá-se então em 1918, quando o consenso internacional fez nascer o “Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos”, em torno da monarquia sérvia.
A partir de 1929 passou a denominar-se “Reino da Jugoslávia” (“Jugoslavija” é precisamente a palavra que nas línguas eslavas meridionais significa “terra dos eslavos do sul”).
A precária unidade durou pouco mais de vinte anos: por volta de 1941 tudo rebentou na explosão de guerras civis de extrema violência e crueldade (sérvios contra croatas, comunistas contra anticomunistas).
Porém, finda a Segunda Guerra Mundial o novo poder emergente era o comunismo triunfante.
E para o marxismo, como decorre da visão do materialismo dialéctico, a divisão daqueles povos situa-se apenas num plano que se reduz à “super-estrutura”. Mude-se a “infra-estrutura” económica e o problema estará resolvido por si.
Nasceu então a Jugoslávia comunista, que a partir de 1945 se foi chamando sucessivamente Jugoslávia Democrática Federal, República Popular Federal da Jugoslávia, República Socialista Federal da Jugoslávia.
Durante as décadas seguintes nenhum método foi esquecido para assegurar a unificação dos espíritos. Tudo se fez para apagar dos homens os laços que os faziam identificar-se com outras comunidades de origem; as religiões, já que uns eram católicos, outros ortodoxos, outros muçulmanos, as tradições próprias, que faziam de uns eslovenos e de outros croatas, sérvios, bósnios, macedónios ou montenegrinos, as diferenças culturais resultantes das experiências históricas, uns mais ligados ao mundo austro-húngaro, ou à Itália, outros mais afectos aos irmãos eslavos mais a Norte ou Oriente, outros ainda decisivamente marcados pela ocupação turca.
O que é certo é que o final da experiência veio a ocorrer já nos nossos dias e é lembrado por todos: o edifício político laboriosamente construído e teimosamente mantido de pé, à custa de repressão impiedosa, ruiu fragorosamente.
De novo guerras civis sangrentas assolaram a terra dos eslavos do sul. A consanguinidade não fez com que se sentissem irmãos, e nem a unidade política os fez sentir-se integrados numa unidade de destino.
A Eslovénia, a Croácia, a Macedónia, a Bósnia-Herzegovina, a Sérvia, o Montenegro, seguiram os seus destinos próprios, que cada um reclamou ferozmente para si.
O que falhou? Não foi certamente a falta de “identidade étnica”. Dentro das fronteiras políticas do estado que se chamou Jugoslávia só tinham ficado umas franjas de albaneses e de húngaros, e marginalmente de ciganos, que não faziam parte da família eslava, concretamente do ramo designado por “eslavos do sul”.
Pelo que se viu isso não chegou. Nunca chegou a existir uma “nação jugoslava”, apesar dos elementos reunidos para isso (um poder político unificador, um território próprio, uma população notavelmente homogénea do ponto de vista genético).
Devia falar-se mais nisto, e estudar-se mais esta experiência. Não falta quem observe que a ilusão da “Nação-Europa” não passa duma reedição em ponto grande do que foi o equívoco da “Nação Jugoslava”.

Pois é, o rei vai nu...

Temos mais um engenheiro em blogue!
Faço votos para que vá encontrando tempo para a blogação regular.
Confesso que também já andava desconfiado que o rei ia nu, mas como ninguém dizia nada...

quinta-feira, julho 14, 2005

Escolhas do dia

Lá por eu estar a escrever pouco não quero que abandonem os hábitos das boas leituras.
Se aqui há pouco, vão servir-se a outro lado.
À maneira do Prof. Martelo, hoje recomendo o Interregno, que tem vindo a revelar-se um blogue com ideias próprias e que ainda não teve o destaque que justificaria; o Lusitana Antiga Liberdade, já nosso conhecido, onde realço um artigo de Fernanda Leitão; o Duas Cidades, onde pontifica Mendo Castro Henriques e fui encontrar textos bem interessantes do Dr. Fernando Amaro Monteiro e de um surpreendente André Bandeira (no nosso tempo extasiava-se com "O falecido Matias Pascal"...).
Podem ainda embrenhar-se n'O Misantropo Enjaulado, que anda muito produtivo, ou aproveitar os saldos do Nova Frente.
Vá, vão passear. Não quero que vos falte nada.

De novo a Direita

Sobre "a Direita e as suas refundações" escreve na revista "Atlântico" a Doutora Maria de Fátima Bonifácio.
Atenção, que a senhora é inteligente, lúcida e corta a direito.
Lê-la é um exercício salutar. Recomendo aos direitistas que não deixem de o fazer (e aos que não o sejam, também só lhes faz bem).

quarta-feira, julho 13, 2005

Qu'est-ce qu'une nation ?

Je me propose d'analyser avec vous une idée, claire en apparence, mais qui prête aux plus dangereux malentendus. Les formes de la société humaine sont des plus variées. Les grandes agglomérations d'hommes à la façon de la Chine, de l'Égypte, de la plus ancienne Babylonie ; - la tribu à la façon des Hébreux, des Arabes ; - la cité à la façon d'Athènes et de Sparte ; - les réunions de pays divers à la manière de l'Empire carlovingien ; - les communautés sans patrie, maintenues par le lien religieux, comme sont celles des israélites, des parsis ; - les nations comme la France, l'Angleterre et la plupart des modernes autonomies européennes ; - les confédérations à la façon de la Suisse, de l'Amérique ; - des parentés comme celles que la race, ou plutôt la langue, établit entre les différentes branches de Germains, les différentes branches de Slaves ; - voilà des modes de groupements qui tous existent, ou bien ont existé, et qu'on ne saurait confondre les uns avec les autres sans les plus sérieux inconvénients. À l'époque de la Révolution française, on croyait que les institutions de petites villes indépendantes, telles que Sparte et Rome, pouvaient s'appliquer à nos grandes nations de trente à quarante millions d'âmes. De nos jours, on commet une erreur plus grave : on confond la race avec la nation, et l'on attribue à des groupes ethnographiques ou plutôt linguistiques une souveraineté analogue à celle des peuples réellement existants. Tâchons d'arriver à quelque précision en ces questions difficiles, où la moindre confusion sur le sens des mots, à l'origine du raisonnement, peut produire à la fin les plus funestes erreurs.
Ernest Renan, "Qu'est-ce qu'une nation?", 1882

A Europa e as nações

Depuis la fin de l'Empire romain, ou, mieux, depuis la dislocation de l'Empire de Charlemagne, l'Europe occidentale nous apparaît divisée en nations, dont quelques-unes, à certaines époques, ont cherché à exercer une hégémonie sur les autres, sans jamais y réussir d'une manière durable. Ce que n'ont pu Charles-Quint, Louis XIV, Napoléon Ier, personne probablement ne le pourra dans l'avenir. L'établissement d'un nouvel Empire romain ou d'un nouvel Empire de Charlemagne est devenu une impossibilité. La division de l'Europe est trop grande pour qu'une tentative de domination universelle ne provoque pas très vite une coalition qui fasse rentrer la nation ambitieuse dans ses bornes naturelles. Une sorte d'équilibre est établi pour longtemps. La France, l'Angleterre, l'Allemagne, la Russie seront encore, dans des centaines d'années, et malgré les aventures qu'elles auront courues, des individualités historiques, les pièces essentielles d'un damier, dont les cases varient sans cesse d'importance et de grandeur, mais ne se confondent jamais tout à fait.
Ernest Renan, "Qu'est-ce qu'une nation?", 1882.

terça-feira, julho 12, 2005

Ah Dragão!!

Por vezes o Dragão é realmente tocado pelo génio (seja embora génio do mal, é génio mesmo).
Esta terça-feira estava especialmente inspirado. Apreciem só esta amostra.
"A Direita Colibri, ou Direita Beija-Flor, anda em permanente flirt com a Esquerda Arco-Íris. Lembram aquela menina atotozada em peregrinação do feiticeiro do Oz, na companhia de figuras tão épicas quanto um espantalho com miolos de palha, uma lata ambulante sem coração e um leão pusilânime proto-gay. É comovente. Estão condenadas ao final feliz."

Para o JSarto, para que regresse depressa

"Há no catecismo do Concilio de Trento quatro linhas, que todos os catecismos clássicos, desde os níveis destinados à primeira formação das crianças até aqueles destinados à perseverança dos adultos, sempre mantiveram e repetiram, e que agora, a onda progressista, de autodestruição da Igreja, quer apagar, raspar, esquecer ou contestar.
São muito simples essas quatro linhas que dominam e norteiam toda a problemática da relação Igreja-Mundo. Ei-las: “A Igreja Militante é a Sociedade de todos os fiéis que ainda vivem na terra. Chama-se militante porque está obrigada a manter uma guerra incessante contra os mais cruéis inimigos: o mundo, a carne e o Diabo”. Paralelamente a esse ensinamento, tornou-se clássica a transposição com a qual esses três inimigos da Igreja devem ser vistos também como inimigos de cada alma, que os deve combater, como toda a Igreja os combate.
Uma das maiores torpezas difundidas pela torrente revolucionária que se intitula de progressista foi o desfibramento, a emasculação pacifista que fez da capitulação Igreja Dialogante. Nós outros, desde o primeiro sinal de iniciação, aprendemos a pedir a Deus que pelo Sinal da Santa Cruz nos livre de nossos inimigos, e conseguintemente aprendemos que, com o Sinal da Cruz, nós nos armamos para o bom combate.
Agora ensina-se que não há mais inimigos, que não há mais lobos, e que a Igreja praticará o mandamento de amor se deixar seus filhos serem progressivamente devorados pelo mundo, pela carne e pelo Diabo que deixou de ser o inimigo do gênero humano. O termo “pastoral” tornou-se sinônimo de molezas e tolerâncias que roçam pelo obsceno. O “progressista” é antes de tudo um “entreguista”. E em cada passo de nova capitulação, de novo “diálogo”, ele se desmancha numa glossolalia destinada aos anais da ONU ou encaminhada ao Prêmio Nobel da Paz.
Qualquer pessoa de sadio bom senso, ainda que despreparada para discussões teológicas e metafísicas, sabe que um homem de bem deve lutar por sua honra, deve defender seus filhos com o sangue, deve lutar por seu Credo, deve combater e querer morrer por sua Fé. E para bem combater o bom combate é preciso conhecer seus inimigos. A Igreja ensinou-nos durante séculos a combater, mas agora, em dez anos, uma torrente revolucionária passou a ensinar que a virtude máxima consiste na entrega, na fuga, na covardia. Qualquer progressista, escolhido ao acaso, na legião, é mais bondoso do que Nosso Senhor Jesus Cristo, que com toda a simplicidade falava em guerra, e que oportunamente usou o chicote."

Gustavo Corção (in Permanência)

Guia para fazer dinheiro fácil sendo eurodeputado

É obrigatório ler este artigo do eurodeputado britânico Daniel Hannan que encontrei no Tomar Partido.
Não se privem!

A cidade antiga: a família

Le principe de la famille antique n'est pas uniquement la génération. Ce qui le prouve, c'est que la soeur n'est pas dans la famille ce qu'y est le frère, c'est que le fils émancipé ou la fille mariée cesse complètement d'en faire partie, ce sont enfin plusieurs dispositions importantes des lois grecques et romaines que nous aurons l'occasion d'examiner plus loin.
Le principe de la famille n'est pas non plus l'affection naturelle. Car le droit grec et le droit romain ne tiennent aucun compte de ce sentiment. Il peut exister au fond des coeurs, il n'est rien dans le droit. Le père peut chérir sa fille, mais non pas lui léguer son bien. Les lois de succession, c'est-à-dire parmi les lois celles qui témoignent le plus fidèlement des idées que les hommes se faisaient de la famille, sont en contradiction flagrante, soit avec l'ordre de la naissance, soit avec l'affection naturelle.
Les historiens du droit romain ayant fort justement remarqué que ni la naissance ni l'affection n'étaient le fondement de la famille romaine, ont cru que ce fondement devait se trouver dans la puissance paternelle ou maritale. Ils font de cette puissance une sorte d'institution primordiale. Mais ils n'expliquent pas comment elle s'est formée, à moins que ce ne soit par la supériorité de force du mari sur la femme, du père sur les enfants. Or c'est se tromper gravement que de placer ainsi la force à l'origine du droit. Nous verrons d'ailleurs plus loin que l'autorité paternelle ou maritale, loin d'avoir été une cause première, a été elle-même un effet; elle est dérivée de la religion et a été établie par elle. Elle n'est donc pas le principe qui a constitué la famille.
Ce qui unit les membres de la famille antique, c'est quelque chose de plus puissant que la naissance, que le sentiment, que la force physique; c'est la religion du foyer et des ancêtres. Elle fait que la famille forme un corps dans cette vie et dans l'autre. La famille antique est une association religieuse plus encore qu'une association de nature. Aussi verrons-nous plus loin que la femme n'y sera vraiment comptée qu'autant que la cérémonie sacrée du mariage l'aura initiée au culte; que le fils n'y comptera plus, s'il a renoncé au culte ou s'il a été émancipé; que l'adopté y sera au contraire un véritable fils, parce que, s'il n'a pas le lien du sang, il aura quelque chose de mieux, la communauté du culte; que le légataire qui refusera d'adopter le culte de cette famille, n'aura pas la succession; qu'enfin la parenté et le droit à l'héritage seront réglés, non d'après la naissance, mais d'après les droits de participation au culte tels que la religion les a établis.
L'ancienne langue grecque avait un mot bien significatif pour désigner une famille ; on disait epistion, mot qui signifie littéralement ce qui est auprès d'un foyer. Une famille était un groupe de personnes auxquelles la religion permettait d'invoquer le même foyer et d'offrir le repas funèbre aux mêmes ancêtres.

Fustel de Coulanges, "La Cité Antique", livro II, capítulo I)