quinta-feira, agosto 31, 2006

News you won't find on CNN

Why Bush will Choose War Against Iran, by Ray Close.

O manifesto da direita e um Deus irónico

Uma vez não são vezes, desta gostei do apontamento de Pacheco Pereira na "Sábado". Certeiro. Dir-se-á que a lucidez lhe chega pela pior das vias (o ódio que dedica a Portas) mas.. paciência!! É preciso reconhecer a verdade quando ela se manifesta.

Manuel Monteiro e o PND divulgaram um documento a que chamaram proposta para um Manifesto da Direita em Portugal. O documento foi recebido com a habitual comiseração com que as iniciativas de Manuel Monteiro são recebidas, mas merece uma atenção mais cuidada. A começar porque essa comiseração é um reflexo comunicacional do banimento com que o PP de Portas pretende ostracizar Monteiro, mais do que uma consideração do real mérito do documento.
Se não fosse Monteiro o autor, mas sim Portas, o documento teria certamente outro tratamento e seria saudado de outra maneira, em vez de ocultado. O que é, em primeiro lugar, interessante no manifesto é que ele é uma síntese das ideias que deram origem ao PP, e que circulam nos corredores de uma "nova direita" ligada ao grupo de Portas no CDS-PP (grupo parlamentar, blogues, revista Atlântico, etc.), e que Paulo Portas não pode hoje enunciar, mas que Monteiro pode. É um caso de punição divina em que um Deus cruel e irónico misturou protagonistas e ideias, dando a cada um a fala do outro, e a impossibilidade de falar a própria. Monteiro diz aquilo que disse (e pensa) Portas, porque ele, Monteiro, nasceu com essa fala a que deu o seu corpo político. Portas não pode dizer aquilo que diz Monteiro porque o uso daquela fala, com que fez o PP, era para ele instrumental em relação a uma ambição maior, a de tomar conta do PSD. Enquanto para Monteiro o PND é a encarnação actual e virgem do projecto do PP, que ele tomou e toma a sério, para Portas o PP servia para se demarcar do velho CDS e do PSD e para colocar na ordem os dirigentes do PSD que se opunham a uma "frente de direita", os "cavaquistas” que foram o seu alvo preferencial n’ O Independente, o cadinho do PP. Para prosseguir esse objectivo, Portas vendeu o seu corpo político a tudo - ao PS, ao PSD, à Constituição Europeia, ao estatismo antiliberal - , mas não conseguiu e ficou num limbo de onde não sabe sair. Tem um partido na mão, mantendo Ribeiro e Castro numa teia de que não se consegue livrar, mas hesita em querer ou não o CDS- PP porque não sabe o que lhe é mais útil, a única consideração que conta. Por isso a Proposta para um Manifesto da Direita em Portugal lhe é particularmente incómoda e tudo fará para que não seja levada a sério. É como se uma parte do passado se recusasse a ir embora e viesse todos os dias para morder o presente.
Como esse banimento aqui não se aplica, voltaremos ao Manifesto.

quarta-feira, agosto 30, 2006

Fraudes intelectuais

Com frequência as teorias da história correspondem apenas a projectos políticos mal disfarçados. Apresentam-se como interpretações do real, mas não passam de expressões dos desejos dos seus autores.
Obviamente que, enquanto caucionadores de crenças, desempenham também um papel instrumental nada negligenciável no desempenho prático das ideologias que servem.
A fé na inevitável marcha da história rumo à sociedade sem classes, a confiança na inevitabilidade da sucessão das idades que nos levaria do capitalismo para o socialismo e deste para o paraíso terreno que seria o comunismo, confortou os sequazes do marxismo em todos os transes do século e meio que a utopia durou.
Hoje quase toda a gente olha com piedade para essas teorias pretensamente científicas, encontrando para elas tanto apoio da ciência positiva como para as profecias do Bandarra, o sistema joaquimita ou o mito do Quinto Império.
A marcha da História não obedece a quem julga descobrir-lhe os segredos.
O mesmo acontece com as construções contemporâneas.
A recente glória de famosas teorizações sobre “o fim da História”, apresentando como consumado o final da marcha da humanidade com o raiar da globalização do sistema hoje hegemónico (o que traria a eliminação das fontes de contradição e conflito, como prometia o marxismo oitocentista!) e a mais recente generalização interessada de teses sobre o “confronto de civilizações” (só na aparência expressando aspirações diferentes do exemplo anterior) servem também para corroborar as afirmações iniciais.
Espalhar a convicção da inevitabilidade de “choques de civilizações” contribui para reforçar as possibilidades de tais choques se agudizarem. Convém aos interessados em fomentar esses antagonismos, por reforçar a sua própria função liderante no bloco que querem ver solidificado. Ajuda a cortar pontes, a eliminar as vias de diálogo e comunicação, a calar os dissidentes e os moderados no campo que se pretende monopolizar.
Estamos perante criações intelectuais que visam dar um aval científico ao que no princípio e no fim não passa do desenvolvimento de estratégias políticas pensadas e deliberadas.

O fim de "O Independente"

Enquanto me divertia a comentar a nova descoberta de Bush, Rumsfeld e sus muchachos (ressuscitar o antifascismo gasto e rançoso como mito mobilizador), esqueci a notícia do dia cá na pequena casa lusitana.
Desculpem-me a distracção, mas é realmente uma delícia imaginar o consolo de toda aquela malta que escreve os discursos da camarilha perante o seu triunfo semântico: para velhos trotskistas como são quase todos, isto representa a certificação moral, a legitimação póstuma das suas perdidas adolescências. Afinal, sempre estiveram no mesmo lado! A luta continua!
Deixemo-los, pois, com as suas obsessões de jumentude.
A notícia do encerramento de "O Independente" veio confirmar o que todos sabiam: a crise da imprensa escrita é mesmo séria, e veio para ficar.
A alguns deve ter percorrido um calafrio na espinha: não custa imaginar uma situação semelhante num futuro mais ou menos distante, em que uma reunião de alto nível na administração do BCP/Millenium termine com o anúncio do fecho de "O Sol", por não ser mais possível justificar o dinheiro ali enterrado.
Para quem esforce a memória, o panorama é mesmo assustador. Quem se lembra de "O Jornal", do "Tempo", de "O País", de "A Rua", sei lá de quantos semanários foram desaparecendo até se chegar a "O Independente", ou ao "Semanário" que penosamente se arrasta.
O certo é que não há publicidade, e não parece haver leitores. Onde procurar as receitas?
Por outro lado, o assunto "Independente" pode ter a maior importância política. Basta lembrar que ainda não há muito tempo um grupo político/económico parecia estar em vias de consolidar nas suas nãos notável parcela do poder político/económico/mediático. Havia um partido (CDS), um jornal ("O Independente"), uma televisão (TVI), múltiplos outros investimentos em curso ou em estudo, e chegou-se mesmo ao Governo.
De súbito, o Governo desmoronou-se fragorosamente, o partido fugiu, o jornal faliu, a televisão foi vendida, outras ideias tiveram que ser abruptamente congeladas.
Certo que a alienação da televisão deixou o sector financeiro do grupo com um importante encaixe, a que terá que ser dada aplicação mais tarde ou mais cedo.
Mas na frente política as coisas não são animadoras. Será preciso reconsiderar os projectos de retorno ao CDS? Não será arriscado demais com uma envolvência mediática demasiado hostil? De facto, os anticorpos semeados não permitem antever nada de bom dos lados do "Expresso" ou do "Sol", da TVI ou da SIC...
Haverá ainda uma saída para o portismo (com o aberto)?

Fascistas debaixo da cama

A oficialíssima CNN já anunciou solenemente “the new GOP buzzword”: - Fascismo!
De facto, dava para notar: recentemente o President Bush tinha proclamado com ênfase que andava em "war against islamic fascism". Bush usou a expressão no princípio do mês, falando sobre as detenções de suspeitos de terrorismo na Grã-Bretanha. E voltou ao termo num discurso posterior, em Green Bay, Wisconsin, alertando de novo para contra os “islamic fascists".
Também o “spokesman”, Tony Snow, passou a usar variantes da expressão nos briefings da Casa Branca.
O senador republicano Rick Santorum, da Pennsylvania, na sua batalha pela reeleição, discursou repetidamente sobre o paralelismo entre a Segunda Guerra Mundial e a corrente confrontação contra o "islamic fascism”.
E o Secretário da Defesa Donald Rumsfeld na semana passada, num discurso perante a Legião Americana, em Salt Lake City, deu mais um passo, acusando os críticos da administração quanto aos assuntos do Iraque e do “contra-terrorismo” como suspeitos de grave complacência perante "a new type of fascism".
A conclusão impunha-se: “Fascism, in fact, seems to be the new buzz word for Republicans in an election season dominated by an unpopular war in Iraqi”.
White House aides and outside Republican strategists said the new description is an attempt to more clearly identify the ideology that motivates many organized terrorist groups, representing a shift in emphasis from the general to the specific”.
"I think it's an appropriate definition of the war that we're in," said GOP pollster Ed Goeas. "I think it's effective in that it definitively defines the enemy in a way that we can't because they're not in uniforms".
Ora aí temos: uma guerra sem inimigo é impossível de travar. Voltemos então ao bom e velho fascismo, o inestimável papão. (Recordo a definição de fascismo que já aqui adiantei: fascismo é um problema que se inventa para esconder aqueles que existem).
Regressemos à cruzada das democracias! Contra o fascismo, marchar, marchar!

Breaking the Great Taboo

terça-feira, agosto 29, 2006

Sobre o "manifesto da direita"

Escreveram O Povo e É a Hora!

Marcelo e "O Sol"

Um sinal inequívoco da renovação da nossa vida pública seria a passagem a uma era pós-marcelista.
Há trinta e mais alguns anos que o país político e jornalístico vive ao ritmo dos comentários de Marcelo, dos boatos de Marcelo, das intrigas de Marcelo, das ficções de Marcelo.
O actor e a personagem entranharam-se de tal modo na paisagem que já é difícil imaginar o fluir quotidiano da nossa existência colectiva sem essa presença obsidiante.
O borbulhar efervescente daquela cabeça onde não cabe qualquer desígnio sério, o irrequietismo travesso e lúdico que vai desfrutando a Corte sem nada trazer à Cidade, estão omnipresentes na história portuguesa das últimas décadas (pequena história, que outra não houve nem noutra teria cabimento a figura).
Por tudo isso, repito, um acontecimento simbólico e marcante que ficaria a assinalar uma esperança de regeneração seria o afastamento do Prof. Marcelo para a galeria das curiosidades do passado, uma personalidade pitoresca que ficaria para os romancistas que quisessem retratar a época em que foi gente.
Infelizmente, não há sinal de que esteja à vista esse marco de viragem. O Prof. Marcelo continua pomposamente a encher os domingos, disparando sentenças sobre tudo o que mexa - qual Conselheiro Acácio para quem tudo de súbito se tivesse tornado prodigiosamente simples.
Nas suas elocubrações na mais recente edição do "Semanário", o dono e director deste, Rui Teixeira Santos - uma espécie de sub-marcelo -, dá como certo que entre os responsáveis do anunciado "Sol" e o famigerado Marcelo estaria acordado que este ocuparia lugar de honra no periódico. A ser verdade o que ali se escreve, Marcelo daria o tom ao jornal; ocuparia o espaço nobre do comentário político, tornaria aquilo logo à nascença um novo púlpito para as suas homilias.
Não pode ser verdade. Rui Teixeira Santos deve estar a intrigar, a criar factos políticos, copiando o estilo que tornou famoso o outro.
A confirmar-se, bem podem os arquitectos do Sol limpar as mãos à parede. Mais valia que estivessem quietos. Para não dizer que mais valia meterem o jornal num sítio que até nem digo.

Foreign Follies

Readings in the Age of Empire, by Doug Bandow.

segunda-feira, agosto 28, 2006

UM MANIFESTO DA DIREITA EM PORTUGAL

Disponibilizado por Jorge Ferreira, já se encontra em linha o documento: UM MANIFESTO DA DIREITA EM PORTUGAL.
Aconselha-se a leitura antes da comentadura.

Ave Azul

"Má língua em Torres"

Um forum para Torres Novas, onde se "pretende perpetuar na net o que se ouve pelas esquinas". O mal está no começar...

Right Hook

"Conservatives rebel against the War Party", by Justin Raimondo.

domingo, agosto 27, 2006

Nova Direita

Enquanto Manuel Monteiro anuncia o "Manifesto da Direita", coube a Manuel Brás o esforço de explicitar a ideia.
Ora aqui têm o artigo de Manuel Brás no jornal do PND.
Está bem feito. Será Manuel Brás o António Ferro de Manuel Monteiro?

O dia de hoje pode ficar para a história das ideias políticas em Portugal. Que nos últimos 30 ou 40 anos não tiveram qualquer história, a não ser a esquerda – o marxismo e seus derivados – a exercer a sua hegemonia ideológica sobre a “Direita” partidária – entenda-se CDS e PSD – conforme exigido pelo pacto “MFA-Partidos”. Essa direita partidária, que pensa rigorosamente o mesmo que a esquerda, vive satisfeita consigo própria, convencida que faz imenso com os lugares que dispõe na AR, quando na verdade, nas últimas 4 décadas não teve um único ideólogo ou doutrinador político que se visse, embora tenha tido um ou outro orador de peso, como Sá Carneiro ou Amaro da Costa. Mas, nada mais. É o vazio de ideias.
Ao fim de 30 ou 40 anos a esquerda continua, cada vez mais, a ter a direita que criou e a direita continua a ter a esquerda que merece.
O comício de Vila Praia de Âncora poderá ser a ruptura com a ditadura política e cultural da esquerda, devidamente suportada pela direita sonolenta e partidária.
Desde já surge uma necessidade premente: a NovaDemocracia, ao assumir a marca da Nova Direita, através da proclamação de um Manifesto, tem que se demarcar da direita não pensante. Mais, não chega demarcar-se, tem que fazer com que o eleitorado sinta e entenda a diferença, o que é um desafio e um risco.
Mas, que diferença?
Desde logo a identificação com o ideário do conservadorismo liberal. O “liberal” seria aqui escusado, se por conservador se entendesse, como é devido, um “liberal imerso pela realidade”, parafraseando Irving Kristol.
Neste ideário, é central e radical o realismo da condição humana, por contraste com as utopias da esquerda e, por arrastamento, da direita. A Nova Direita assume, assim, o realismo antropológico, por contraste com a ingenuidade antropológica.
A Nova Direita sabe que nem o mundo, nem os homens são perfeitos e recusa as utopias, sejam elas a sociedade sem classes ou o “paraíso na Terra”. A Nova Direita é anti-utópica.
A Nova Direita recusa o igualitarismo radical que se tenta impor por decreto. Não é tudo igual, não é tudo a mesma coisa.
A Nova Direita tem no Homem comum, real e concreto, um dos seus pilares, a par da Nação e do Estado, e anterior a uma e ao outro.
A Nova Direita reconhece a liberdade pessoal como uma capacidade intrínseca de que todo o ser humano é dotado e, consequentemente, encontra na responsabilidade pessoal um critério para o discernimento e a fundamentação de escolhas.
A Nova Direita consigna responsabilidades e protagonismo às estruturas históricas da sociedade civil: família, associações profissionais e culturais, municípios e Nação.
A Nova Direita concebe o Estado como uma emanação da Nação, como instrumento e organização para o serviço desta, e não o contrário. Por isso mesmo, deverá combater, em nome da tão apregoada liberdade, o monopólio estatal da educação, promovendo o cheque-ensino e considerando público o serviço que todas as escolas prestam, independentemente de serem estatais ou privadas.
A Nova Direita é soberanista e independentista, pugna por uma Europa de Nações e “vê” Portugal no Eixo Atlântico.
A Nova Direita recusa o ambientalismo malthusiano e catastrofista, que considera o homem como mais uma forma de vida igual às demais, quando não mesmo o grande mal da natureza. A Nova Direita reconhece a singularidade, a primazia e a centralidade do homem na natureza e preconiza o respeito pelo ambiente baseado nesse pressuposto.
A Nova Direita introduz no conservadorismo a dimensão intelectual e a base argumentativa.
A Nova Direita abre um novo paradigma político, na medida em que recentra as batalhas civilizacionais, não nos velhos dualismos direita-esquerda ou conservador-liberal, mas sim no confronto da utopia com a realidade e da anti-História com a História.

O escândalo de Setúbal

Todos estamos lembrados do episódio em que Durão guloso fugiu para Bruxelas lambendo os beiços, abandonando o cargo de Primeiro-Ministro em vista de um tacho mais apetitoso.
Nessa altura ergueu-se um coro de protestos indignados perante a eventual nomeação para o cargo do sucessor indigitado, Santana Lopes. Observava-se, justamente, que ninguém tinha votado no tal Santana. Como se propunha, a substituição era imoral e politicamente ilegítima - ainda que legalmente permitida.
Ainda assim, a cooptação consumou-se. Não porque alguém duvidasse da perversidade do processo, mas tão só porque outro raciocínio ainda mais perverso se sobrepôs.
Foi ele o caso de o Presidente Sampaio, sabidão, ter reflectido que a dissolver de imediato a Assembleia e convocar novas eleições teria pela frente um PSD vitimizado e refrescado e um Santana Lopes fogoso e virgem de responsabilidades, muito difícil de enfrentar. Era muito de recear então a derrota do PS e o fiasco presidencial.
Ao contrário, engolir o sapo, fazer um ar de legalismo compungido e empossar o governo Santana/Portas era jogada certa e segura. Uns meses de trapalhadas e forrobodó e o povinho estaria ansiando pelas urnas. Meu dito meu feito: rigorosamente como previsto por qualquer que conhecesse os sujeitinhos, de todo incapazes de gerir em condições nem que fosse o bar da esquina, o governo afundou-se, Sampaio dissolveu com largos aplausos e Sócrates alcançou a sua maioria absoluta.
O enredo veio-me à lembrança por causa dos acontecimentos recentes na Câmara de Setúbal.
É pacífica a convicção geral de que o resultado das eleições foi determinado por um lado pela imagem desastrosa do executivo PS/Mata Cáceres e por outro lado pela prestígio pessoal de Carlos Sousa. O certo é que o PCP ganhou; e ninguém sabe se ganharia sem Carlos Sousa.
Agora, num repente, o directório partidário resolveu romper com Carlos Sousa e o vereador Figueiredo e accionar as respectivas substituições. Também aqui o procedimento se afigura conforme ao que a lei permite, mas de legitimidade mais que duvidosa.
O que surge deste processo não é um executivo municipal inteiramente diferente do que resultou das eleições? Alguém pode seriamente dizer que os setubalenses votaram ou votariam na D. Maria das Dores Meira?
Outros já dissertaram sobre o que isto significa enquanto situação de autêntico confisco, ou esbulho, dos votos populares por parte das nomenklaturas partidárias.
Por mim limito-me a anotar a vergonha que constituem tanto a manobra como as cumplicidades que a permitem. E se a atitude do PCP ainda se percebe (se pode ter tudo sem riscos para quê arriscar eleições de resultado incerto?) e se a estratégia do PS também se compreende (a altura é má, só o peso da coincineração ameaça levar ainda mais para o fundo os resultados eleitorais) não posso deixar de comentar que as tergiversações do PSD me parecem indesculpáveis. O que pretendem obter com o arrastar de pés, o discurso enrolado e o hesitantismo cobarde?
Dos outros nem falo, já que se resignam à inexistência (não sei de mais nenhuma força política que se tenha pronunciado sobre os acontecimentos de Setúbal).
O que me importa são os cidadãos do Município de Setúbal. Exijam eleições, porra! Digam a esses gajos que não os conhecem nem os reconhecem! Somos gente ou somos gado, que eles pastoreiem como lhes apraz?

Hyping Up the Iran "threat"

"Recognizing Iran as a Strategic Threat: An Intelligence Challenge for the United States" - os comentários de Ray McGovern.

sábado, agosto 26, 2006

O nascer do Sol

Ao que entendi de diversas leituras na imprensa de fim de semana, aliás convergentes com alguns zunzuns que vão chegando aqui às brenhas, a batalha mais importante da rentrée política, aquela que está a concentrar todas as atenções do pequeno universo político-mediático, não está este ano em nenhum acontecimento da vida partidária ou da agenda directamente política.
O que está a ocupar e a criar suspense, em crescendo, entre a classe política e os seus apêndices jornalístico-empresariais, é o aparecimento do novo semanário "O Sol".
Recordo que os políticos formam uma corporação, cada vez mais fechada, com tendência a dedicar-se sistematicamente a assuntos que não são aqueles que a generalidade dos seus concidadãos deles esperaria.
Diga-se porém a esse propósito que essa corporação é a única que nunca é atacada, nem mencionada, pelo anticorporativismo da moda, que até promove blogues expressamente destinados a combater o corporativismo (dos outros). Estranho esquecimento, se pensarmos que se trata da única corporação que decide sobre nós todos; facilmente compreensível, se pensarmos que para decidir sobre nós todos com a liberdade que pretende precisa de quebrar todas as resistências que se lhe possam opôr.
Pois o meio político, dizia eu, anda agitado e preocupado com a próxima aparição do "Sol".
A questão merece ser observada, sem displicências ingénuas.
Na sociedade em que vivemos um grande órgão de informação é um instrumento de poder essencial. Quem deseja ter poder não pode prescindir de, mais tarde ou mais cedo, impôr-se nessa área.
Por isso se observa, entre nós ou nas restantes sociedades com que gostamos de comparar-nos, que os grandes grupos económicos têm as suas televisões, os seus jornais nacionais, os seus "grupos de comunicação social", para usar o vocabulário em uso. Os que não têm querem ter, como acontece com as armas nucleares entre as potências.
Ora aqui é que bate o ponto: em Portugal não existe uma correspondência entre os principais grupos económico-financeiros e os principais "grupos de comunicação social". Existem algumas distorções importantes, uns têm e outros não têm. Não é normal que se domine parcela maior da economia nacional e não se tenha o correspondente peso na comunicação social, e a influência política daí resultante.
Este é o busílis do falado "Sol", que ao contrário do que anunciarão os publicitários mais imediatistas não vai certamente nascer para todos.
Tenho como certo que a relevância da batalha que se anuncia vai justificar extrema rudeza no combate. Não estranharia se viessemos a assistir mesmo a um desencadear de golpes baixos.
O que ninguém discutirá é que desde 1973 para cá o órgão de informação mais importante e mais influente na história política portuguesa tem sido o "Expresso". Esse facto fez nascer em diversos momentos projectos destinados, de forma declarada ou velada, a substitui-lo nessa posição. Para tal objectivo reuniram então os meios que os seus promotores julgaram necessários. Lembro, como exemplos mais próximos e mais evidentes, os casos do "Semanário" e do "Independente", cujos restos ainda sobrevivem.
Até ao presente, todas as experiências que visavam destronar o "Expresso" falharam as suas metas, ainda que tenham vivido alguns instantes de efémero triunfalismo. E não falharam por falta de meios financeiros... não foi esse, manifestamente, o problema decisivo.
Será que o "Sol" vai ser capaz de criar para si melhor sorte? Não vai ter a vida de um meteoro?
A aposta parece ser muito alta, da parte de gente que não pode jogar para perder. Aguardemos, portanto, para ver.
Mas não duvidem que o que está tem muita força.

The Neocons Ride Again

Um artigo bem humorado de Justin Raimondo about the marketing campaign for war with Iran.

sexta-feira, agosto 25, 2006

Palavras de outros

Sobre a geografia do futebol enquanto retrato do país escreve A Voz Portalegrense, com muito a propósito.
Sobre a lei penal que só dispunha para o passado, que aqui recordei, comenta O Meu Monte com não menor oportunidade.

A direita, as direitas e os partidos

Maria José Nogueira Pinto voltou mal humorada das férias e quem apanhou foi Manuel Monteiro.
Leia-se este artigo no DN:

Chego da Tunísia e verifico que, a propósito de quase nada, a silly season conseguiu produzir um aparente facto político.
Trata-se do famigerado congresso da direita portuguesa, depois tratado como "Estados Gerais". Aos iludidos promotores parece bastar a ocorrência do evento. A substância da questão está manifestamente fora das suas intenções e preocupações.
A convocatória seria do presidente do PND, mas, como ele próprio afirma, a título individual, visto que o seu partido ainda não decidiu se está à direita ou se está à esquerda.
A substância da questão é, contudo, muito diferente. E por isso o tal congresso da direita portuguesa não acontecerá certamente e uns "Estados Gerais", se acontecerem, o presidente do PND será certamente o último a saber.
A organização partidária do espaço da direita no post-25 de Abril sofreu uma evidente má formação genética explicável pelas circunstâncias históricas, o PREC, o pacto MFA-partidos e tudo o mais que se conhece, o que levou ao assentamento de uma direita "consentida". Nesse mesmo tempo, embora noutros espaços, uma parte significativa e representativa da direita portuguesa não viu nesses partidos nem poder de convocatória nem legitimidade representativa (releiam-se os programas então apresentados pelo PPD ou CDS) e optou por se manter à margem deles, resistindo quando foi preciso, votando útil quando e em quem considerou um mal menor.
A matriz partidária da direita sofreu esta perversão fundacional, o que explica que as respectivas bases estejam, em regra, mais à direita que os seus dirigentes e o facto de serem estes, e não os partidos organicamente considerados que, recorrentemente, mudam pelo discurso ou pela prática, os respectivos fundamentos doutrinários, com as consequências da deslocalização do eleitorado, a multiplicação das crises internas, a confusão do discurso e a mudança sucessiva de prioridades e programas.
Se é certo que a crise político-partidária é generalizada, atingindo do mesmo modo a esquerda, a ruptura histórica de 74/75, à direita, constituiu um ónus, ainda não ultrapassado.
A oportunidade da refundação da direita não decorre, contudo, do mau estado partidário, mas antes, por exemplo, da necessidade de fornecer enquadramento ideológico e doutrinário a modos concretos de ver Portugal, de rever conceitos face às grandes transformações das sociedades, de dar forma a aspirações e reivindicações quanto ao fundo e ao modo de governação.
Neste sentido - o único que realmente interessa - esta refundação parte de um exercício intelectual, cultural e político ocorrendo por definição fora do território partidário, caracterizado hoje por separar mais do que junta e partir mais do que une, ciclicamente desgastado por discórdias e cizânias internas.
Para este exercício são indispensáveis os que, para além dos partidos, reflectem estas questões, constroem pensamento, estudam, se informam e debatem com uma liberdade e rasgo que a cultura dominante subtrai aos que exercem actividades partidárias, em regra limitados a uma agenda mediatizada e medíocre.
É neste universo muito mais vasto - hoje curiosamente visível, por exemplo, na blogoesfera - que as direitas (e as suas novas gerações) se manifestam e se arrumam numa organicidade inorgânica, muito mais produtiva no plano das ideias e muito mais estimulante no plano interventivo. É assim que exercem a sua influência com um alcance transversal, suprapartidário, e comprovada eficácia.
Esta refundação só pode ocorrer por uma conjugação de vontades, na sua esmagadora maioria exógena aos partidos. Ou seja, a refundação da direita a partir de uma reflexão cruzada das direitas não é uma intenção ou iniciativa partidária. Ela ocorrerá se e quando estas vontades se conjugarem e nunca porque conjugadas.
Entende-se quanto a refundação da direita a partir das direitas - a que prosaicamente os partidos chamam "Estados Gerais" - seria útil para dar à intervenção partidária um rumo e um vigor que parecem perdidos.
Mas, neste caso, não basta wishfull thinking...
Fui sempre uma mulher de direita. Sou também, por livre e consciente opção, militante do CDS/PP.
Nesta dupla condição não quero ver precipitadamente queimadas estas ideias que noutras condições poderão ter valor substantivo e pernas para andar. Estou certa de que o partido saberá, sempre, qual é o seu lugar.

quinta-feira, agosto 24, 2006

Amnistia Internacional

Relatório sobre a guerra no Líbano.

Memórias de Marcello Caetano

Continuei a ler com interesse as "Memórias de Marcello Caetano" que Nuno Rogeiro está a publicar na "Sábado", e que hoje tiveram a sua segunda parte.
Não contendo obviamente nenhuma revelação sensacionalista, nem em boa verdade obrigando a alterar as imagens conhecidas de Marcello (parece-me que todos podem ali encontrar argumentos para reforçar a sua) o certo é que o trabalho constitui um importante contributo para o conhecimento da personalidade do falecido Presidente do Conselho e, se não do ambiente político em que ele se movia, ao menos da sua forma mentis. Testemunho tanto mais valioso quanto é proveniente do conhecimento pessoal e do olhar arguto e inteligente de quem a este respeito, e ao longo da sua já extensa obra de publicista, tinha mantido até agora notória e compreensível reserva.
Só uma pequena nota: a dado passo escreve Nuno Rogeiro que Marcello "desabafava não querer regressar a Portugal, por estar ainda em vigor, segundo ele, uma norma que o levaria à prisão, até ao fim dos seus dias". Com efeito, era verdade: formalmente não tinha sido revogada, apesar de repetidas declarações de inconstitucionalidade em sentenças judiciais, a Lei n.º 8/75. Esta logo no seu art. 1º condenava o antigo Presidente do Conselho em pena de prisão maior entre 8 e 12 anos, explicando no prólogo que prescindia da prova de matéria criminal por esta se traduzir em "factos públicos e notórios". Ao eventual julgador competiria apenas a fixação da pena concreta, dentro dos limites da moldura fixada.

Para a história do Direito Penal

Já por várias vezes me lembrei de comentar aqui o curioso fenómeno teratológico que se denominou Lei n.º 8/75 de 25 de Julho, também ao tempo chamada de "lei de incriminação da ex-PIDE/DGS".
Fui sempre adiando, até porque comentar propriamente exigiria alguma demora.
Motivado agora pelo que direi no postal que a este se seguirá resolvi transcrever,ainda que sem comentários, a referida Lei.
Julgo que a mesma deveria ser objecto de estudo em todas as cadeiras de Direito Penal; em nenhum outro exemplo é possível encontrar tão completa violentação de todos os princípios que constituem as traves mestras da disciplina. Todavia, a aberração em causa é hoje virtualmente desconhecida. É possível que já esteja esquecida até pelos que apressadamente a redigiram, e que ao que sei ainda estão vivos, gozando os largos proventos de uma rica advocacia de negócios e da passagem pelos mais altos cargos do poder político.
Na literatura de referência só lhe conheço uma alusão: no "Direito Penal Português" do Prof. Cavaleiro de Ferreira, quando o ilustre Mestre, ainda assim de passagem, fala na "perversão política" do Direito Penal.
Especialmente para os estudantes de Direito, que somos todos os que nos interessamos por estas coisas, eis a Lei n.º 8/75 de 25 de Julho, na sua formulação original.

LEI N.° 8/75, DE 25 DE JULHO
1. É do conhecimento geral que a extinta Direcção-Geral de Segurança e polícias políticas que a precederam, entre 28 de Maio de 1926 e 25 de Abril de 1974, constituíram autênticas organizações de terrorismo político e social, com o objectivo de impedir o livre exercício dos direitos cívicos no nosso país.
2. Essas organizações visaram, durante a sua existência, a prática sistemática de crimes contra o povo português e o arbítrio e a desumanidade de que deram sobejas provas sempre mereceram a condenação da opinião pública nacional e internacional.
3. As actividades terroristas das mencionadas organizações, que fizeram do crime institucionalizado a sua razão de ser, desenvolviam-se na mais completa impunidade dos seus agentes, já que era o próprio regime fascista que lhes dava cobertura.
Daí que, não permitindo as leis vigentes sob o fascismo, como é óbvio, a incriminação e punição desses indivíduos, haja que publicar legislação que, assente na legitimidade revolucionária do poder democrático instituído pelo Movimento das Forças Armadas, corresponda à profunda exigência sentida pela consciência colectiva dos Portugueses da punição dos elementos responsáveis pela repressão fascista.
Só assim se poderá reparar a histórica injustiça que constituíram as actividades criminosas exercidas durante dezenas de anos contra o povo português pela extinta polícia política e seus directos responsáveis.
4. Sublinha-se ainda que a prolongada existência das mencionadas organizações, bem como os métodos de repressão que utilizavam - dos quais avultavam os vários processos de sistemática tortura física e psicológica exercida sobre os presos -, constituíam factos públicos e notórios, por tal forma que a nenhum dos seus elementos, do quadro ou colaboradores, era lícito ignorar o carácter essencialmente criminoso das suas actividades.
Nestes termos, e no uso dos poderes conferidos pelo artigo 6.° da Lei Constitucional n.° 5/75, de 14 de Março, o Conselho da Revolução decreta e eu promulgo, para valer como lei constitucional, o seguinte:
ARTIGO 1.º
Serão punidos com a pena de prisão maior de oito a doze anos:
a) Os membros do Governo (Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Interior) responsáveis directos pelas actividades criminosas da Direcção-Geral de Segurança e da sua predecessora Polícia Internacional e de Defesa do Estado;
b) Todos os funcionários da Direcção-Geral de Segurança, pertencentes às categorias de pessoal dirigente e pessoal técnico de investigação criminal, superior e auxiliar, até chefe de brigada, inclusive, nos termos constantes do mapa I anexo ao Decreto-Lei n.° 368/72, de 30 de Setembro, e bem assim os funcionários da sua antecessora Polícia Internacional e de Defesa do Estado, das categorias de pessoal de direcção e investigação, até chefe de brigada, inclusive, conforme o mapa I anexo ao Decreto-Lei n.° 39 749, de 9 de Agosto de 1954.
ARTIGO 2.º
1. Serão punidos com a pena de prisão maior de quatro a oito anos todos os demais indivíduos que pertenceram aos quadros de investigação das polícias mencionadas no artigo 1.°.
2. Os médicos que prestaram serviço nas mesmas polícias, e acerca dos quais existam provas de terem excedido as suas funções de assistência aos doentes, para colaborarem nas actividades criminosas daquelas organizações, ficam sujeitos à pena prevista neste artigo.
ARTIGO 3.º
A pena de prisão maior de dois a oito anos será aplicada a todos os demais funcionários do quadro da Direcção-Geral de Segurança e das polícias políticas suas predecessoras, bem como aos professores da respectiva escola técnica, desde que existam elementos comprovativos da sua participação nas actividades repressivas fascistas.
ARTIGO 4.º
A pena de prisão maior de dois a doze anos poderá ser aplicada:
a) A todos aqueles que, por sua iniciativa ou mediante remuneração, colaboraram com a Direcção-Geral de Segurança e polícias políticas que a precederam, formulando denúncias ou prestando informações sobre actividades políticas;
b) Aos que utilizaram os serviços dessas polícias causando prejuízos morais ou materiais a qualquer pessoa física ou jurídica.
ARTIGO 5.º
Todos os indivíduos abrangidos pelo presente diploma que exerçam quaisquer actividades visando a perturbação, por meios violentos, do processo revolucionário iniciado em 25 de Abril de 1974 ficam sujeitos à pena de quatro a doze anos de prisão maior.
ARTIGO 6.°
1. Na graduação da pena ter-se-ão em conta as actividades desenvolvidas pelo arguido, bem como a gravidade da culpa, e ainda o grau da sua responsabilidade hierárquica e funcional.
2. As penas aplicadas, nos termos deste diploma, aos indivíduos referidos nos artigos 1.°, 2.° e 3.° não prejudicam o apuramento de responsabilidades pelas actividades criminosas como tal definidas na lei penal e que igualmente tenham sido praticadas pelos mesmos indivíduos.
ARTIGO 7.°
As penas previstas neste diploma não podem ser suspensas na sua aplicação, nem substituídas por multa, sendo, no entanto, passíveis de atenuação extraordinária.
ARTIGO 8.º
Na pena aplicada será levado em conta, por inteiro, o tempo de prisão do arguido, posterior a 25 de Abril de 1974.
ARTIGO 9.°
1. Serão julgados à revelia, como se estivessem presentes a todos os termos do processo, incluindo a audiência de julgamento, os indivíduos que, abrangidos por este diploma e encontrando-se em liberdade à data da sua publicação, não se apresentarem até à data do julgamento.
2. O réu julgado nos termos do número anterior não poderá requerer que se proceda a novo julgamento pelos mesmos factos por que tenha sido condenado.
ARTIGO 10.º
1. Verificando-se a prática de diversas actividades criminosas pelos indivíduos abrangidos no presente diploma, as penas serão graduadas pela seguinte forma:
a) Se forem julgados no mesmo processo, a pena correspondente ao crime mais grave sofrerá aumento não inferior a metade da pena máxima prevista para cada um dos outros crimes;
b) Se forem julgados em processos diferentes, a pena correspondente ao crime mais grave sofrerá aumento não inferior a metade da pena efectivamente aplicada no processo anterior.
2. O cúmulo das penas autónomas aplicadas é obrigatório, mesmo que as decisões respectivas tenham transitado em julgado, fazendo-se sempre a discriminação das penas parcelares.
3. O tribunal competente para efectuar o cúmulo das penas, no caso da alínea b) do n.° l deste artigo, é o da última condenação.
ARTIGO 11.º
O procedimento criminal pelos factos a que se refere o presente diploma é imprescritível.
ARTIGO 12.º
Da sentença que condene qualquer dos indivíduos abrangidos pelos artigos 1.°, 2.° e 3.°, pelos motivos aí referidos, cabe recurso com o único fundamento de erro de identidade do réu.
ARTIGO 13.º
1. Compete a um tribunal militar o julgamento dos indivíduos abrangidos por este diploma, para apuramento dos factos criminosos nele assim definidos.
2. Com o fim de garantir a necessária celeridade processual, serão definidos em lei própria o funcionamento e as normas processuais a adoptar no julgamento a que se refere o número anterior.
3. O mesmo tribunal militar será também competente para julgar os indivíduos abrangidos por este diploma pela prática das actividades criminosas a que se refere o n.° 2 do artigo 6.°.
4. Nos casos mencionados no número anterior serão observadas as normas processuais que regulam o processo criminal militar.
ARTIGO 14.º
A execução das sentenças proferidas nos termos deste diploma compete às autoridades militares e regula-se pelas disposições do Código de Justiça Militar.
ARTIGO 15.º
Este diploma entra imediatamente em vigor.
Vista e aprovada em Conselho da Revolução.
Promulgada em 22 de Julho de 1975.
Publique-se.
O Presidente da República, Francisco da Costa Gomes.

E ficou tudo pior

A opinião do jornalista Ruben de Carvalho:

Assiste-se nos últimos dias a uma curiosa modificação do discurso dos comentadores que tiveram uma posição - quase sempre exuberante, diga-se de passagem - de apoio a Israel na sua agressão ao Líbano.
A mais frequente das afirmações é a de que a "comunidade internacional" se portou muito mal ao não acompanhar Telavive na sua demencial destruição de bairros, escolas, fábricas, estradas, pontes, etc., tudo objectivos que manifestamente jamais se poderiam enquadrar numa acção para salvar dois soldados "raptados" pelo Hezbollah.
A afirmação pode ser analisada de dois ângulos. Por um, revela até que ponto a cega defesa da política israelita leva a ignorar completamente os inaceitáveis custos humanos e materiais provocados por toda esta aventura. Mas, mais grave, revela que, tornado claro o erro, o proselitismo leva à crítica de quem, desde a primeira hora, a condenou.
A questão assume ainda outros contornos. É uma evidência que, tendo em conta as posições que se conhecem, haveria todas as probabilidades de Israel ficar exclusivamente com o militarmente poderoso mas politicamente embaraçoso apoio da Administração Bush. Foi efectivamente o que se passou, mas o grave da questão é que seria de elementar bom senso tê-lo em conta desde o início. Os israelitas não o fizeram e esse é mais um dos factores de crítica que hoje se ouvem em toda a parte - em Israel inclusive.
Por duas vezes no último mês esta coluna falou de um factor que se afigurava de certa forma novo: o despudor israelita não o era, mas tudo indicava uma falta de sensatez, de controlo, de elementar bom senso inteiramente inquietante. Agora, surgem as surpresas com a "capacidade de resistência" do Hezbollah, o seu armamento, a reacção internacional. A Mossad não sabia dos mísseis ou dos equipamentos antitanque? Os Negócios Estrangeiros não previram que nenhuma opinião poderia apoiar os bombardeamentos dos F16 israelitas? O Tsahal não estuda o adversário antes de se lançar em guerras?
O pior problema, contudo, é que, sendo certo que toda a situação no Médio Oriente e no mundo piorou, os principais protagonistas continuam os mesmos. E agora? George W. Bush continua na Casa Branca.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Há um caminho à direita?


Manuel Monteiro e os seus têm-se esforçado por criar um crescendo de expectativas em relação ao documento que prometem divulgar no sábado.
Pois cá ficamos na expectativa.

Mais blogosfera

Prémios:

O melhor observatório de imprensa:
No Direita Conservadora.

Os melhores blogues de Setúbal:
- É a hora!
- O Sítio do Ruvasa.

Amnistia Internacional

Relatório sobre a guerra no Líbano.

Pela blogosfera

De Friz Freleng a Hugo Pratt, na Voz Portalegrense.
O sangue dos outros, no Dragoscópio.
Mensageiros da derrota, no Jardim do Arraial.
História em construção, no Reverentia.

Preferência nacional

Ler: sobre o papel do Club de l'Horloge no debate político em França e o conceito de "preferência nacional".

Diário da República

terça-feira, agosto 22, 2006

Lembranças de "O Diabo"

Na edição de hoje do semanário das terças-feiras destaco um artigo de João Luís Mota Campos, "Acerca da Guerra Civil de Espanha", evocando os 70 anos do início do grande conflito.

Ciberpolítica: os meios do futuro

Veja-se este artigo (Le Monde) sobre as apostas estratégicas do partido governamental francês. A opção pela presença na net, a cibermilitância, corresponde a um imperativo do tempo que venho destacando insistentemente há já três anos, perante o pouco entusiasmo dos destinatários.

L' UMP ouvre une plate-forme d'hébergement de blogs militants, à l'occasion de son université d'été à Marseille, du 1er au 3 septembre prochain. "Les blogs de la France d'après" servira de plate-forme d'hébergement de blogs.
Annoncés en juin, ces blogs offriront aux élus, permanents et militants la possibilité de "donner libre cours à leur engagement politique personnel", a précisé lundi 21 août Thierry Solere, conseiller exécutif en charge des blogs. Ils serviront à "augmenter la présence et la visibilité de l'UMP sur Internet". La plate-forme, qui repose sur le service Typepad commercialisé par Loïc Le Meur, fera office d'annuaire des blogs, classés par catégories : santé, international, immigration, etc. L'objectif est d'encadrer les initiatives de militants dont les blogs fleurissent sur la Toile, les faisant converger vers ce blog "amiral".
L'université d'été du parti sera également l'occasion de former les militants à la création de ces blogs, à travers la mise en place à Marseille d'un espace cybercafé de 150 m2. L'UMP veut aussi surfer sur la vague du podcast, en organisant un concours vidéo sur le thème "Internet, mobiles, de nouvelles formes de militantisme politique". De quoi donner quelques idées au parti sur sa stratégie de cyber-communication qui s'esquisse depuis quelques mois.

STRATÉGIE SOIGNEUSEMENT ÉLABORÉE
En mars, Thierry Solere insistait déjà sur la nécessité d'investir la Toile: "Les élus sont méfiants à l'égard de ce média. Beaucoup d'entre eux ont créé des sites Web lorsque c'était la mode, il y a cinq-six ans. Ça leur a coûté cher, et comme ils ne l'actualisaient que très peu, ces sites sont restés confidentiels." L'argument qu'il comptait alors faire valoir : "A la différence d'un site Web, les blogs sont gratuits et facilement actualisables."
Pour l'année 2006, on estime qu'Internet devrait représenter plus de 50 % du budget communication du parti. Pour le nouveau site ump.org, lancé fin mars, 60 000 euros ont été dépensés. Outre Thierry Solere et deux consultants extérieurs, spécialistes des blogs, quatre personnes sont mobilisées à plein temps sur Internet : deux à l'UMP, deux autres chez L'Enchanteur des nouveaux médias, une web-agency à qui l'UMP fait appel depuis juin 2005.
A côté, la stratégie du Parti socialiste apparaît plus modeste: selon M. Feltesse, secrétaire national du PS aux NTIC, son budget est bien moindre. L'équipe dédiée à Internet est composée d'un webmaster et son assistante, un chef de projet Internet recruté dans la perspective de 2007 et une personne chargée de répondre aux e-mails. Et la rédaction de l'hebdomadaire du PS, L'Hebdo, contribue à mettre à jour le site. Mais les candidats potentiels n'ont pas attendu que le parti montre l'exemple pour lancer leurs sites. En témoignent les succès du forum de pré-campagne de Ségolène Royal "
Désirs d'avenir", ou des sites de Laurent Fabius, Dominique Strauss-Kahn, Jack Lang... .

segunda-feira, agosto 21, 2006

O segredo do sucesso

Afinal já se sabe qual foi a chave dos êxitos deste ano na política de combate aos incêndios: pode ler-se aqui e aqui.

Lembrando Jan Pallach


Na passagem de mais um aniversário da invasão de Praga, a nossa homenagem:
Jan Palach (Všetaty, 11 Agosto 1948 – Praga, 19 Janeiro 1969)


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sábado, agosto 19, 2006

Sobre as evocações de Marcello Caetano


O melhor comentário: Um país pequeno.

Último Reduto

Completa hoje três anos o fiel companheiro Último Reduto (somos rapazes da mesma geração).
Que melhor homenagem do que visitá-lo todos os dias?

No centenário de Marcello

Ler "As minhas memórias de Marcello Caetano", de Nuno Rogeiro.

A paz impossível no Médio Oriente

Mais um artigo lúcido e realista de Francisco Sarsfield Cabral sobre as questões do Médio Oriente.

É surpreendente a quantidade de pessoas a proporem soluções para o conflito entre árabes e israelitas. Até parece fácil resolver aquele que é, provavelmente, o mais antigo e complexo conflito da cena internacional.
Em plena primeira Guerra Mundial (1917), a Grã-Bretanha decidiu apoiar a criação na Palestina de um Estado para o povo judeu. Três anos depois, os britânicos tornaram-se administradores da Palestina e daquilo que é hoje a Jordânia e o Iraque.
Naturalmente, não agradou aos árabes da Palestina a perspectiva de serem expulsos para darem lugar aos judeus, que entretanto iam para ali emigrando. Em 1933 rebentou uma revolta árabe que durou três anos.
Mas as autoridades britânicas na região também eram alvo da violência dos judeus, que - nessa altura - não tinham escrúpulos em recorrer a acções terroristas. Nestas se destacou M. Begin, depois primeiro-ministro de Israel. O hotel Rei David em Jerusalém, então quartel-general britânico, sofreu em 1946 um atentado judaico que provocou mais de 40 mortos.
Mal foi declarado o Estado de Israel, em 1948, rebentou a guerra com os árabes. Guerra que, em rigor, nunca mais parou. O Estado de Israel ainda não é aceite por muitos árabes, até porque em 1967 os israelitas ocuparam novos territórios. Aliás, a rejeição muçulmana de Israel é hoje mais forte do que era há anos atrás. E o prometido Estado palestiniano já esteve mais perto de se concretizar.
Houve alguns progressos, é certo. O Egipto fez a paz com Israel, que reconheceu como Estado - levando à morte do presidente egípcio Sadat às mãos de extremistas islâmicos.
E quando parecia haver abertura de Israel para aceitar um Estado palestiniano, trocando "terra por paz", o primeiro-ministro israelita Y. Rabin foi assassinado por um extremista judaico.
Mesmo assim, ainda levantou algumas esperanças a aceitação, algo tardia e relutante, do Estado de Israel pela OLP de Arafat. Só que o líder palestiniano não só deixou a OLP atolar-se em corrupção como foi incapaz de travar os terroristas.
Em 2000, Arafat recusou em Camp David aquela que terá sido a derradeira hipótese de paz israelo-palestiniana, patrocinada por Clinton no fim da sua presidência. Este fracasso reforçou o desinteresse da nova Administração americana pelo processo de paz no Médio Oriente, hoje morto e enterrado.
O novo líder da OLP, M. Abbas, sucedeu a Arafat. Bush detestava Arafat e apoia Abbas. Mas tal apoio de pouco lhe serve: a autoridade de Abbas na Palestina é mínima. Mandam os extremistas do Hamas, que chegaram ao Governo através de eleições democráticas.
Assim, ainda com Sharon primeiro-ministro Israel desistiu dos processos de paz e passou a actuar unilateralmente. O que se percebe, dada a incapacidade de qualquer interlocutor palestiniano para garantir que Israel deixaria de ser alvo de atentados. A retirada israelita de Gaza há um ano bem como a retirada do Sul do Líbano em 2000 não acabaram com os mísseis e os ataques terroristas.
Entretanto, a invasão do Iraque só veio complicar as coisas. É verdade que, agora, soldados americanos estão fisicamente próximos de Israel. Mas isso pouco ou nada acrescenta à segurança israelita. Aumenta, sim, a hostilidade do mundo islâmico contra o eixo Israel-EUA. A situação no Iraque reforçou, por outro lado, a influência do Irão. Apesar de assustar o Egipto, a Arábia Saudita e a Jordânia, a aliança de Teerão com os xiitas iraquianos, o Hamas, o Hezbollah e a Síria está à beira de conquistar a liderança do mundo muçulmano. Incluindo os entusiastas da jihad que vivem na Europa. A sunita e antixiita Al-Qaeda já teve de saudar publicamente os xiitas do Hezbollah.
Os ataques de Israel em Gaza e no Líbano foram mais do mesmo. Dali não surgirá um "novo Médio Oriente". O Hezbollah não será desarmado. Pelo contrário, vai sair politicamente reforçado.
Nada que os israelitas não saibam. Eles já fizeram pior no Líbano, país que invadiram em 1982, matando mais de seis mil libaneses na primeira semana de guerra. Depois ocuparam o Sul do Líbano durante 18 anos.
Mas, com líderes muçulmanos como os do Irão (a caminho de produzir armas nucleares) apelando à destruição de Israel, este sente que, para não ser varrido do mapa, só lhe resta a via militar - com maior ou menor sucesso (desta vez, o sucesso foi curto).
A hipótese de paz com o mundo muçulmano, coisa diferente de um cessar-fogo, continua adiada por muito tempo.

sexta-feira, agosto 18, 2006

Férias grandes

Como lembrei, o Verão traz blogação.
É o caso deste BigMac (núcleo da Al Qaeda descoberto no Martim Moniz...) e deste Litle MEC (Miguel Esteves Cardoso continuando a descer a rampa).

Pat Buchanan

Perante alguma escassez da nossa melhor blogação, há que procurar outras leituras.
No seguimento do que já fez o Último Reduto, recomendo Patrick Buchanan (todo).
No imediato, este "Olmert's War, and the Next One".
Mas muito se ganha em continuar a ler mais artigos de Buchanan.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Regressos

Voltaram à tela os colegas do Euro-Ultramarino e de A Voz Portalegrense, e logo com palavras simpáticas para este vosso amigo.
Bondade deles, bondade deles.
Só temos que agradecer, e retribuir as amabilidades. Um abraço desde o Alentejo a Buenos Aires!

quarta-feira, agosto 16, 2006

Está alguém em casa?

É uma pergunta que nos assalta neste meado de Agosto.
"O Sexo dos Anjos" está, como já se sabe.
E pelos vistos há mais gente, como o novo bloguista que doutamente pergunta.
Aliquisne domum est?
Ao contrário do que se poderia pensar, as férias do Verão costumam ser férteis para a blogação. Recorde-se que foi também nesta altura que surgiram tanto "O Sexo dos Anjos" como vários outros blogues da nossa especial estima.
Que venha a ser este o caso do novo Aliquisne domum est?, agora aparecido a interpelar-nos no pino do Verão.

terça-feira, agosto 15, 2006

Aberto para férias

Não está apenas "O Sexo dos Anjos"; com efeito, "Aberto para férias" é um blogue sem qualquer tipo de nexo que apareceu precisamente para fazer estas férias. Podem sempre dar um saltinho até lá.

Leituras do dia

Compreender o «sistema», no Batalha Final.
Panicofilos versus terroristas, no Dragoscópio.

Mais uma Terça d' O Diabo

Na edição de hoje do semanário "O Diabo" destaco duas peças sobre temas essenciais: a energia e o ensino.
Sobre a primeira escreve José Maria Martins, sublinhando a prioridade da opção pela energia nuclear: "a aposta do futuro rumo à competitividade da economia nacional".
Sobre o ensino escreve Pedro Guedes da Silva, apontando "o totalitarismo laicista e a liberdade de aprender e ensinar". Também está no Alameda Digital.
Ponham a leitura em dia!

Porque a vida não tem férias

segunda-feira, agosto 14, 2006

Marcello Caetano

No passar do centenário do nascimento de Marcello, parece estar a dar-se um curioso crescimento do interesse dos observadores da vida política portuguesa do século XX quanto à polémica personalidade do Professor.
Não falo dos exercícios algo freudianos dos filhos políticos de Marcello, como Diogo Freitas do Amaral e Marcello Rebelo de Sousa - que parecem querer falar do outro para encontrarem um modo novo para falar sobre si mesmos, como sempre fazem. Não falo também do interesse de Vasco Pulido Valente, sempre consabidamente narcísico e superficial.
Refiro-me aos bons textos surgidos na blogosfera.
Tinha anotado aqui há tempos os interessantes ensaios de Rui Albuquerque que se chamaram "O Mal Amado" e "Os Filhos do Viúvo".
Apareceram agora os artigos de Paulo Cunha Porto, intitulado "Marcello com 2 ll" e de Miguel Castelo Branco, com o título "Salazar e Caetano".
Finalmente, recorde-se o velho texto de Manuel Maria Múrias: O Marcelismo. Este foi escrito a quente, logo em Julho de 1974. Creio que, para além de Manuel de Lucena, terá sido o primeiro escritor político a tentar a caracterização do "marcelismo". E, com o devido respeito, está lá tudo o que de útil os outros dizem.

O MEDO E O SANTO TEMOR DE DEUS

Leiam este artigo, datado de há várias décadas, e digam-me que idade tem...

Os acontecimentos desses últimos dias marcados de violência levaram-me a pensar que têm muita razão os que já apontaram o predominante papel do medo na cultura moderna.
No princípio deste século — quando a noite era vencida nas cidades pelo arco-voltaico, quando os recantos mais secretos da vida e do mundo eram vasculhados pela luz da ciência, e quando os fantasmas, os lobisomens e as assombrações, expulsos de seus últimos redutos, eram relegados às anedotas e ao folclore — muita gente certamente pensava que esta civilização científica e arejada iria progredindo de claridade em claridade, de descoberta em descoberta, até o dia confortável em que o Medo, esse anacrônico personagem, fosse definitivamente dominado pela Razão.
Era assim que pensava o cidadão otimista e comodista que se extasiava diante dos pavilhões iluminados na Exposição Universal em Paris, em 1900.
Ora, no meio-dia deste mesmo século desce uma sombra sobre o mundo. O prestígio da Razão, ainda alto no domínio das ciências e das técnicas, nunca esteve tão baixo na vida cotidiana. O racionalismo deu lugar ao instintivismo. A alma humana já não é procurada na linha da razão e sim na dos instintos. O homem tem como seu, propriamente seu, não o que vê e conhece, mas o que dele mesmo se esconde nos porões da memória trancada. E o comodismo tranqüilo deu lugar a um comodismo inquieto; e o grande Medo expulso voltou sob a forma do medo do Terror.
Houve tempo em que o homem tinha um terrível medo religioso de perder a alma; depois, no apogeu da moral leiga, o homem teve um medo supersticioso de perder sua honra; mas hoje ele tem medo do abismo que, de certo modo, adivinha o itinerário de um mundo liberal que quer marchar para o socialismo.
Houve tempo, em nossa vida, em que tínhamos medo de almas do outro mundo e nos abrigávamos desse temor no regaço materno; depois tivemos medo de ladrões e púnhamos embaixo do travesseiro um apito para chamar a polícia; mas hoje há teorias que nos induzem a ter medo do regaço materno, campanhas de “slogans” que nos querem levar a ter medo dos policiais e não dos assassinos.
E de todos os temores dispersos e difusos que hoje nos assaltam, filhos do comodismo otimista, o menor e maior numeroso, o básico, medo atômico fundamental, que supera os restos de amor pela justiça e pela verdade, é o medo de mudar de vida.
Agora, chegados neste ponto, detenhamo-nos e procuremos adivinhar, prever, deduzir o que acontecerá nessa sociedade amolecida em que o santo temor de Deus foi substituído por esses medos pequenos, de meio quilo, de meio metro, que formam o traço mais característico desta civilização.
É fácil prever: uns poucos, por uma série de circunstâncias, vão se encontrar em posição de paralisar essa sociedade de timoratos e vão agir simultaneamente em dois sentidos, prometendo segurança e espicaçando os pontos sensíveis da pusilanimidade, tranqüilizando e metendo medo. E esses mesmos cuja maior volúpia consiste em meter medo, esses mesmos viverão constantemente com medo. E então começa aí, nessa raiz de covardia, nesse germe de abdicações, o reino da violência procurado pelos terroristas.
Vejam bem que a lógica do erro é a contradição, e que não é de admirar que seja a violência a sucessora do comodismo. Examinem bem a precisão de nosso raciocínio quando anunciamos que numa sociedade em que todos têm medo da pobreza haverá miséria. E houve. Aconteceu isto nos países que se entregaram a formas totalitárias, por comodismo. E continua acontecendo um pouco em todo o mundo. A violência é a filha mal-educada do comodismo. O instintivismo é o único filho que se poderia esperar do racionalismo.
Estamos sob o império da violência. Mas, por favor não comparem esses tumultos com o retinir das armas que encheu a Idade Média. Há violência e violência. Há violência que se organiza em cruzadas, há violência que toma de assalto o próprio Reino de Deus; mas há também essa outra violência telúrica, semi-voluntária; a violência dos mornos que só se traduz em pânico, em salve-se quem puder, em massacres de reféns inocentes e em gavetas onde se trancam, com o ódio dos fracos, a verdade e a justiça.
Andei ouvindo nesses dias o belíssimo livro, o último que Bernanos escreveu, Dialogues des Carmelites, e logo no frontispício o trecho transcrito de La Joie, do mesmo autor, que reza assim: Ën un sens, voyez-vous, la Peur est tout de même la fille de Dieu, rachetée la nuit de Vendredi-Saint. Elle n’est pas belle à voir — non! — tantôt railée, tantôt maldite, renoncée par tous... Et cependant, ne vous y trompez pas: elle est au chevet de chaque agonie, elle intercede pour l’homme”.
Bernanos nos fala aqui do Medo, desta terrível paixão que abala os alicerces da alma, e no-la apresenta ora escarnecida, ora maldita e sempre, repelida, mas também filha de Deus, resgatada na noite de Sexta-Feira Santa, essa mesma paixão que se debruça nos leitos de agonia e intercede pelos moribundos.
Deus quer de nós a inteligência e a vontade, mas quer também as paixões porque o homem sem paixões, é menos homem. Quer o nosso amor, quer a nossa alegria, quer as nossas tristezas. Quer também o nosso temor.
Do amor, que Deus espera todo de nós, rendido, incondicional, Ele mesmo decretou que essa grande oferta seja profusamente espalhada por tudo e por todos. E assim, dispersa, solta aos quatro ventos que a grande paixão do amor obedece melhor à Caridade que é o Santo Amor, jovem capitão de um exército inumerável de afeições.
Da alegria, que Deus manda servir à Esperança (como às vezes também a tristeza se serve do seu modo) Deus espera de nós a mesma generosa profusão, porque “un saint triste est un triste saint”, e ele mesmo nos legou palavras de agradecimento para todas as criaturas de sua gloriosa mão.
Mas o caso do temor é diferente. Ainda se refrata nas criaturas, sendo bom que exista e condicione certas relações, mas eu diria que se refrata em ângulo apertado, sem muita dispersão, porque depende disso, dessa concentração, dessa economia, o equilíbrio do homem entre os homens. A Deus dizemos: “Sanctum et terrible nomen ejus. Initium sapientiae timor Domini”. Santo e terrível é o seu nome. O início da sabedoria é o temor de Deus.
E depois de termos assim temperada a nossa alma, nós podemos cantar o hino de nossa coragem perfeita, como na oitava da Ascensão a Igreja canta em seu Intróito: “Dominus iluminatio mea, et salus mea, quem timebo? Dominus protector, vitae meae, a quo trepidabo?” Senhor, luz minha e minha salvação, a quem temerei? Senhor, protetor de minha vida, o que me fará estremecer?
Eis aí, ó leitor, o segredo dessa paixão de nossa alma, que parece feia (elle n’est pas belle à voir...) que parece desprezível, que parece maldita, e que, entretanto, não duvide, ó leitor, está na cabeceira de cada agonia, intercedendo pelo homem. Eis aí, ó amigo, a antiga receita dos bravos, como Santa Joana d’Arc, como São Luís de França, que só tinham medo de uma coisa: pecar contra Deus.
E eis aí também a triste explicação das nossas fraquezas. Onde morre o temor de Deus pululam os vermes de todos os medos.

GUSTAVO CORÇÃO - in Permanência.

A guerra no Líbano pode estar a começar...


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Fraternidade São Pio X


Fraternidade Sacerdotal São Pio X (Brasil)
Em Portugal: Estrada de Chelas, 29-31, em Lisboa.

domingo, agosto 13, 2006

Curiosidades históricas

Para os mais curiosos, aqui vão em repetição alguns apontamentos que já publiquei em Setembro de 2003 e que podem ainda ajudar a entender o passado recente das forças políticas presentes no Médio Oriente árabe (pese embora a rápida e profunda transformação dessa realidade).

Baasismo e nacionalismo árabe
1- Explicação breve
Há algum tempo atrás deixei neste blogue uma sequência de artigos sobre os acontecimentos do Iraque. O decurso do tempo parece-me ter reforçado a pertinência de muito do que aí ficou escrito.
Numa das análises de então, como terá entendido o leitor, eu considerava que no mundo árabe há que contar com duas forças substancialmente diferentes e a prazo incompatíveis entre si, todavia agora a agitar-se e a confluir contra as intromissões ocidentais.
Uma delas é o nacionalismo árabe, de pendor modernizante e laico, mas com um projecto de unidade e independência árabe que se confronta com as divisões e o domínio que desde os tempos coloniais o Ocidente assegura nas terras dos árabes (aproveitando e incentivando muitas vezes as divisões já existentes).
Essa orientação é bem visível nos partidos governantes no Iraque, antes da actual guerra, e agora ainda na Síria, como também é visível na Organização de Libertação da Palestina. E atraiu sempre um escol notável de árabes cristãos: veja-se no caso da Síria Michel Aflaq, fundador do baasismo, no Iraque com Tarek Aziz, na Palestina Georges Habache, e a própria mulher de Arafat.
Esta tendência política está fatalmente destinada a chocar-se com o integrismo religioso (ou o contrário!), o qual assola as populações árabes como os demais países islâmicos no mundo. Melhor seria dito integrismos, no plural, já que pela sua natureza esse integrismo se traduz no acirrar de divisões internas, conforme as linhas de fractura dos particularismos religiosos da religião islâmica, onde sempre proliferaram escolas, correntes, seitas, orientações teológicas diversificadas.
Esta onda integrista assumiu clara visibilidade no Irão, no Afeganistão, na Palestina e no Líbano, com o Hamas, a Jihad, o Hezbollah, ultimamente no Iraque ou até na Indonésia. De imediato se constata, como consequência, por exemplo, a existência de um clima conflitual entre os dois grupos maiores, sunitas e xiitas, tal como há muitos séculos não se verificava. A esse respeito, veja-se a situação interna no Iraque ou no Paquistão.
Por se me afigurar que a compreensão desta problemática ganha com algum conhecimento histórico sobre o nacionalismo árabe no século XX, o qual necessariamente se prolongará no nosso século, ainda que sob outras roupagens e designações, resolvi reincidir, e publicar alguns apontamentos sobre a mais importante das forças históricas do nacionalismo árabe, o BAAS.
2 - O partido.
O partido BAAS foi fundado por um grupo de intelectuais árabes, fundamentalmente de Damasco, destacando-se como teórico Michel Aflaq. De carácter nacionalista, socializante e panarabista, o partido BAAS (ressurgimento, ou renascimento, em árabe) organizou-se em quase todos os países árabes, e inclusivamente dentro da OLP, com Al Saiqa, alcançando o poder na Síria e no Iraque em 1963. Ao longo dos anos, tanto na Síria como no Iraque, sofre diversas vicissitudes, pelo que as cisões e enfrentamentos internos darão lugar à presença de numerosos partidos de inspiração baasista em diversos países árabes. Assim, por exemplo, no Líbano chegarão a coexistir três partidos baasistas confrontando-se entre si.
Os dois pilares doutrinais sobre que assenta, desde as origens, o partido BAAS, são o nacionalismo e o socialismo. Deste modo, cada país árabe formaria parte da grande nação árabe, pelo que a actual estrutura estatal, herdeira em parte do colonialismo europeu, deveria desaparecer progressivamente. O segundo pilar do edifício teórico do baasismo é o socialismo, pouco definido e, em qualquer caso, não marxista.
Ambos os conceitos estariam inseparavelmente unidos dentro de um projecto revolucionário e de transformação; nas palavras de Aflaq: "A identificação que efectuamos entre a unidade (árabe) e o socialismo consiste em dar corpo à ideia da unidade. O socialismo é o corpo e a unidade é a alma, se assim se pode dizer".
3 - Os fundadores
Como ficou dito, o nascimento do moderno nacionalismo árabe, laico e socialista, tem na sua origem um cristão sírio: Michel Aflaq.
O partido BAAS, motor do nacionalismo árabe moderno, juntamente com o nasserismo, está inseparavelmente ligado, durante os seus primeiros vinte anos de existência, à personalidade de Michel Aflaq.
Na fundação do partido destacam-se dois personagens: o cristão sírio Michel Aflaq, nascido em 1910, como teórico do partido, e Salah Bitar, como o seu organizador. Ambos faziam parte da pequena burguesia de Damasco. Os dois estudaram na Sorbonne, onde contactaram com as ideologias que se confrontavam na Europa dos anos trinta: marxismo e fascismo.
Michel Aflaq regressará depois a Damasco, onde trabalhará como professor de história, ao mesmo tempo que se destaca como doutrinário das ideias nacionalistas árabes e anticolonialistas.
Conheceu a prisão em várias ocasiões. Em 1939 foi preso pela administração francesa. Participa na fundação de diversos círculos políticos que darão origem ao futuro partido BAAS. Em 1948 foi de novo encarcerado, sendo então chefe do governo Shukri el Quwatli. Em 1949 foi novamente encarcerado pelo governo de Husni El Zaim, autor do primeiro golpe de estado na Síria após a independência da potência colonial, a França. Sob o governo de Adib El Shishakli, Aflaq entra outra vez na prisão em 1952, e posteriormente, de novo, em 1954.
4 - As origens
Existe alguma confusão quanto às origens e os primeiros anos da vida do partido.
As origens mais remotas do BAAS encontram-se em 1941, quando Michel Aflaq e Salah Bitar criam um comité sírio de apoio ao Iraque, para evitar a sua entrada na segunda guerra mundial.
Segundo Wahib al Ghanem, um dos primeiros dirigentes, o BAAS nasceu da fusão de dois pequenos grupos: “Ihya el Arabi” (o despertar árabe) de Michel Aflaq, e “Baas el Arabi” (a ressurreição árabe) de Takri Arzuzi.
Foi em 1947 que se celebrou o primeiro congresso, coincidindo neste ponto os diversos autores. A ele assistiram cerca de 250 intelectuais procedentes de diversos países árabes. Os assistentes tinham orientações ideológicas muito distintas, o que levou a um acordo programático final de compromisso, muito genérico. Essa aparente debilidade ideológica inicial permitiu, no futuro, uma ampla margem de flexibilidade táctica e doutrinal.
O congresso nomeou então Michel Aflaq presidente e Salah Bitar como secretário geral. O primeiro comité executivo será formado por Salah Bitar, Yalal As-Sayid e Wahib al Ghanem.
O BAAS, desde o seu nascimento, em parte pelo generalidade do seu programa em diversos aspectos, mostrou-se um partido realista e flexível nas suas alianças com outras forças políticas, pelo que pactuará depois com nasseristas e comunistas, por pura conveniência, de forma a alcançar o poder.
As suas principais ideias, nessa fase inicial, eram:
1 - Os povos árabes formam uma unidade política e económica, a que denominou de nação árabe, expressão que logrará grande aceitação.
2 - A nação árabe também forma uma unidade cultural.
3. Apenas os árabes, como habitantes da nação árabe, têm o direito a determinar o seu futuro. Daí o seu inicial posicionamento face ao colonialismo, e o seu neutralismo doutrinal.
O partido sofreu depois diversas transformações, incorporando-se no mesmo outros partidos socialistas e nacionalistas que alargariam a sua base sociológica, muito estreita nas suas origens (intelectuais, basicamente). Assim, em 1954, o BAAS funde-se com o Partido Árabe Socialista de Akram Hurani, pelo que desde então adoptará o socialismo como sinal de identidade, embora segundo alguns autores a sua denominação "socialista" figurasse já desde 1947.
O objectivo fundamental do BAAS era a unidade da nação árabe e o partido definir-se-à logo na sua constituição, por isso, como árabe, nacionalista, socialista, democrático e revolucionário.
5- A ideologia
Durante a sua permanência em Paris, inicialmente ambos os fundadores simpatizaram com o nacional-socialismo alemão, por haver conseguido, a seu ver, uma síntese entre ambos os conceitos, nacionalismo e socialismo, que eles queriam aplicar ao mundo árabe.
Como causa da debilidade deste diagnosticaram a fragmentação territorial e de poder que atingia os árabes. Em concreto, alguns autores referem o teórico alemão Alfred Rosenberg como inspirador de ambos.
Nacionalismo e socialismo são as colunas fundamentais sobre que se apoia a ideologia de Aflaq e que se transmitirá ao BAAS.
Dada a sua confissão cristã, concretamente greco-ortodoxa, vejamos a sua posição perante o islamismo. Alguns autores, egípcios especialmente, consideraram que nacionalismo e Islão eram incompatíveis. Tal pretensão logo foi tentada desmentir desde as altas instâncias do partido. Logicamente, Michel Aflaq, como principal teórico do partido, já em 1943, assinalará que:
"O Islão representa a imagem mais brilhante da sua língua e da sua literatura (árabes), e a parte mais importante da sua história nacional é indissociável dele, porque o Islão na sua essência e na sua verdade é um movimento árabe que representa a renovação e o apogeu dessa realidade, porque nasceu no seu solo e da sua língua, porque o apóstolo (Maomé) é árabe e os primeiros heróis que lutaram pelo Islão e o fizeram triunfar foram árabes, porque a sua visão da realidade se identificava com o espírito árabe, as virtudes que fomentou eram virtudes árabes, implícitas ou explícitas, e os defeitos que fustigou eram defeitos árabes em vias de desaparecer".
Para Michel Aflaq o Islão tinha-se regenerado na época moderna no nacionalismo árabe.
Em qualquer caso, apesar de tais afirmações, o BAAS sempre foi suspeito de laicismo para os movimentos islâmicos, confrontando-se com estes em numerosas ocasiões.
A busca de um nacionalismo socialista levou-o a uma neutralidade teórica em política exterior, não alinhando nas correntes europeias.
6 – Ocidente e comunismo
Perante o ocidente, Michel Aflaq assume uma oposição resoluta, por entender estar face às potências coloniais que um dia exploraram os árabes, e impediram a sua unidade.
Mas tampouco se identificará com os países comunistas, pois o marxismo, na sua base ideológica, é contrário aos nacionalismos, e, portanto, antiárabe.
Perante o comunismo, Aflaq mostra um absoluto desacordo que concretizará em três aspectos:
1 - Contra o determinismo marxista, considera a revolução como um acto explosivo de liberdade.
2 - Contra o internacionalismo proletário, afirma o nacionalismo árabe.
3.Quanto ao papel da religião, Aflaq, contra o afirmado pelo marxismo, considera que moral e religião são valores fundamentais e eternos.
Isto levará a que o partido BAAS nos anos 40 e 50 seja profundamente anticomunista. Posteriormente, já no poder, estabelecerá algumas alianças temporárias com partidos comunistas, seguindo a política de Frente Nacional.
Mas, dado que o Ocidente apoia tradicionalmente Israel, em particular os Estados Unidos, Aflaq considerara já em 1956 como lógica a convergência com a União Soviética, por esta convergir na sua luta contra o Estado de Israel, e precisar de apoios exteriores neste sentido.
Na sequência disso, já em 1971, Salah Bitar analisará a situação do partido de forma muito crítica, afirmando que os jovens tinham passado a estudar o marxismo-leninismo, não por convicção comunista, mas por necessidade de uma formação ideológica que o partido não havia sido capaz de proporcionar.
Com o decurso do tempo, o poder baasista na Síria e no Iraque, onde governavam os dois ramos principais, e rivais, do Baas, viria a ser transformado por dentro em estrutura de suporte às ditaduras pessoais de Hafez Al Assad e Saddam Hussein.
Mas isto já é história conhecida.

Pela independência nacional


Um forum que eu gostaria de ver mais participado e grandemente aumentado: FORUM PORTUGAL. Vamos até lá. Um ponto de encontro na rede.

Sobre o Líbano

Acompanhar o noticiário no LEBANON UNDER SIEGE (oficial do governo libanês) ou no LIBNANEWS (particular, de voluntários libaneses independentes).

Uma instituição a descobrir

Neste Verão, sobretudo aqueles que vivem na zona de Lisboa, não deixem de visitar o Palácio da Independência e conhecer a Sociedade Histórica da Independência de Portugal.
Uma antiga instituição a redescobrir e a valorizar.

Uma revista necessária


Um lançamento que não tem merecido a atenção e a leitura merecidas: Alameda Digital - actualidades, ideias e cultura.

Mea culpa

Dos lados do "Aliança Nacional" surgiu uma chamada de atenção sobre as minhas omissões (Manuel Azinhal estava distraído! )
Com efeito, tinha eu aqui destacado como blogues especialmente activos nesta quadra imprópria alguns blogues (Alma Pátria, O Jardim do Arraial, O Povo, o Dragoscópio, Estado Novo), e esquecido outros que não mereceriam menos destaque, pelo mesmo critério.
E são citados o Combustões, o Aliança Nacional, o Orgulhosamente Só, como blogues injustamente preteridos.
Pois eis-me contrito a reparar a omissão, que efectivamente não foi distracção (eu bem os topo, todos os dias, cá do meu observatório); mas é que (confesso) a minha escolha foi marcada por notório paternalismo. E, há-de reconhecer-se, alguns ainda precisam de incentivo, de aplauso, de encorajamento, enquanto outros ergueram-se a tais alturas que os meus insignificantes elogios soam quase como um despropósito, de atrevida presunção.
Porém, para reparar o agravo, aqui fica o acto de contrição: o “Combustões”, o “Aliança Nacional”, o Orgulhosamente Só - estão imparáveis!

sábado, agosto 12, 2006

Reflexões sobre o Iraque

Para que se veja como era fácil analisar os acontecimentos relacionados com o Iraque, repito a publicação do que aqui publiquei no primeiro dia de Setembro de 2003. Como se pode ver, há três anos já eu escrevia sobre muito do que só agora chegou às canetas de ilustrissimos comentadores. Não creio que isso prove a minha presciência, ou algum prodígio de inteligência (embora provavelmente demonstre a escassez desses dons nos tais comentadores).
Repito as minhas "reflexões sobre o Iraque" (caramba, o que eu já deixei escrito, para aí arrecadado nos arquivos deste blogue!), para que sejam lidas à luz da hora que passa.

Reflexões sobre o Iraque
I
Embora com alguma distância sobre os factos, resolvi também eu escrever uns breves apontamentos sobre o Iraque. Eis o primeiro.
Em muito pouco tempo, a embaixada da Jordânia no Iraque, as instalações da ONU na mesma capital, e a multidão de xiitas reunidos à volta de Al Hakim em Najaf, foram severamente atingidos por atentados que implicaram a mobilização de meios humanos e materiais consideráveis.
Em resultado disso ficou comprometida a presença no país da representação diplomática do único país vizinho com condições para falar com todos os grupos étnicos e religiosos e da única organização com a potencialidade de reorganizar uma administração nacional em alternativa ao poder fáctico do ocupante americano.
E foi lançado poderoso combustível para a fogueira já dificilmente controlável das rivalidades religiosas, étnicas e regionais, tornando risíveis as metas temporais em tempos anunciadas quanto à reorganização da administração, ou para a transição de poderes, ou a realização de eleições gerais.
Os autores destes atentados escolheram estes alvos sem qualquer critério? Ou pelo contrário a escolha obedeceu a critérios e finalidades predeterminados?
Porque não escolheram alvos aparentemente mais apetecíveis, como comandos, quartéis ou centros de poder da potência invasora?
A escolha resultou apenas da circunstância de estes alvos concretos estarem deficientemente protegidos?
Nesse caso porque estariam estes deficientemente protegidos, enquanto outros estão aparentemente seguros?
Tinha ou não havido alertas dos serviços de informação sobre a existência dessas ameaças iminentes, como chegou a divulgar-se na imprensa?
Se houve, como se explica que tais alertas tenham sido ignorados, para mais estando em causa as personalidades de que se tratava?
São perplexidades que dão que pensar.
II
Observando as acções violentas ocorridas no Iraque desde que se consumou a ocupação americana, parece-me ser possível distinguir claramente dois tipos de actuação bem diferenciados.
Temos por um lado um conjunto de acções com características de guerrilha larvar, levadas a cabo por pequenos grupos com grande mobilidade e utilização de armamento ligeiro, que parecem ter como objectivo o desgaste das forças militares ocupantes provocando regularmente baixas, através de emboscadas e ataques rápidos, do tipo bate e foge, de modo a causar a desmoralização e a insegurança permanente nos efectivos em presença.
A esta actuação aplica-se a designação já usada pelos militares, de guerra de baixa intensidade. E o seu alvo tem sido exclusivamente o pessoal militar do contingente americano-britânico, ou forças locais ao serviço deste.
A par disso, temos os atentados contra a embaixada da Jordânia, as instalações da ONU e a mesquita de Najaf. Qualquer dos três acontecimentos seguiu um padrão de actuação semelhante, e inteiramente diferente do anteriormente referido. Tratou-se em primeiro lugar de acções usando meios caracterizados por grande poder de destruição, utilizados de forma a maximizar o impacto em termos de danos materiais e perdas humanas – com o inerente efeito psicológico.
E ressalta à vista que os alvos foram outros: em qualquer dos casos (Jordânia, ONU e linha xiita protagonizada por Al Hakim) trata-se de actores que ou por via diplomática ou por via política representavam uma alternativa ao velho regime iraquiano mas também à continuidade da administração americana.
A ideia que me fica, em face do modo de actuação, dos meios usados, dos objectivos visados, é que os responsáveis últimos de um e outro dos tipos de acção descritos não podem ser os mesmos.
Se os estrategas da actuação referida em primeiro lugar poderão ter em vista uma mobilização das forças da nação iraquiana (se é que ela existe, o que sinceramente não sei) contra o estrangeiro ocupante, os estrategas da segunda não podem ignorar que as suas acções queimam de imediato qualquer alternativa a essa ocupação, abrindo mesmo caminho à intensificação dela – e ao mesmo tempo destroem as perspectivas de vivência conjunta entre as diversas comunidades que compõem o Iraque, elevando ao rubro todas as divisões e tensões. E com isso, portanto, o resultado prático da segunda estratégia traduz-se em destruir os próprios pressupostos da actuação da primeira.
Os cérebros por detrás de uma e outra das linhas de actuação descritas não são os mesmos.
III
Um aspecto relevante do abundante noticiário, e conexos comentários, sobre os acontecimentos no Oriente Médio é a simplicidade redutora com que são generalizadamente etiquetados os actores em presença. E evidentemente que o simplismo da arrumação, em matéria de tal complexidade, dificulta seriamente a compreensão dos factos.
Veja-se o caso do “fundamentalismo islâmico”, deste modo sempre apresentado como uma realidade única. É sabido que o fundamentalismo, por sua natureza sectário, tende à divisão e não à reunião de forças; assim acontece também entre os muçulmanos, em que um fundamentalismo alimenta outro fundamentalismo, despoletando tensões incontroláveis – e sempre foi assim, como pode confirmar quem ainda que superficialmente conheça a história.
Quero eu dizer que, mesmo descontando escolas e correntes religiosas menores, o mundo islâmico tem assistido nas últimas duas ou três décadas a um recrudescer de dois “fundamentalismos islâmicos” já milenares, absolutamente antagónicos e irreconciliáveis, pois que se dirigem um contra o outro: o fundamentalismo de raiz sunita e o fundamentalismo de raiz xiita.
Essa oposição é essencial para compreender os acontecimentos na região do Iraque, e também no Irão, na Síria, no Líbano, no Paquistão, no Afeganistão – e, na rectaguarda, também na Arábia Saudita.
E tudo indica que esse factor seja do maior relevo para a explicação dos acontecimentos recentes, actuais e próximos futuros no Iraque e na sua zona de influência.
A reanimação desses ódios religiosos pode garantir a quem os incentiva, mexendo nos bastidores os cordelinhos certos, a eliminação por muitos anos da possibilidade de falar de um “mundo árabe” como uma realidade política capaz de constituir qualquer frente comum (e muito menos de um “mundo islâmico”, realidade ainda muito mais exigente).
IV
Confusão ainda mais grosseira e deturpadora tem sido a já corrente identificação de Saddam Hussein e dos seus com o tal “fundamentalismo islâmico”.
Com efeito, e na origem (o baasismo nasce na década de quarenta em Damasco, e o seu principal fundador e teorizador foi Michel Aflaq, cristão sírio) se algum fundamentalismo caracterizava o partido Baas e o seu regime era um fundamentalismo laico. Desde o início, na Síria e no Iraque, o laicismo e o pan-arabismo eram traços identificadores da ideologia baasista – o que determinou até posteriormente o seu alinhamento internacional duradouro pelos partidos integrados na Internacional Socialista.
Com a implantação do regime Baasista no Iraque, e mesmo durante muito tempo já com Saddam Hussein, o partido dedicou-se a destruir completamente as hierarquias religiosas, eliminar a sua influência, e modernizar, ou seja laicizar, a sociedade iraquiana. Isto explica que ainda agora a sociedade iraquiana fosse a mais aberta e tolerante, de entre os países islâmicos da zona, relativamente, por exemplo, ao papel da mulher e à situação das minorias, como os cristãos. Repare-se que o primeiro ministro era um cristão, Tarek Aziz, coisa impensável em qualquer outro país árabe, tirando o caso especial do Líbano.
Essa política garantiu o ódio, compreensível, de todos os fundamentalismos islâmicos já aludidos: o regime sempre foi caracterizado por eles como infiel, e os apelos à guerra santa contra esse regime repetiram-se sem interrupção durante o último quarto de século. Tal atitude tanto partia da hierarquia xiita, duramente reprimida, como dos activistas religiosos sunitas.
Recordo a este propósito não só a permanente guerra do regime contra o xiismo mas também as conhecidas, embora agora esquecidas por comodidade de análise, incompatibilidades com o activismo sunita: mesmo já no decurso da invasão americana todas as posições divulgadas pela Al Qaeda a respeito dos acontecimentos apelavam aos iraquianos para se unirem contra os invasores e também para derrubarem o regime infiel.
A irredutível inimizade entre o regime de Saddam e o fundamentalismo islâmico não era aliás desconhecida por Washington, que a utilizou para os seus interesses quando alimentou a sangrenta guerra lançada contra o recém-nascido Irão revolucionário. Saddam só veio aliás a adoptar uma retórica religiosa, postando-se então em protector de um islamismo sunita renovado, com nova hierarquia de sua criação, quando a ruptura das suas relações privilegiadas com a América e a ameaça daí resultante lhe veio impor novas estratégias e novas solidariedades.
Os fiéis do baasismo e de Saddam que ainda subsistam estão agora unidos na acção com os fundamentalistas religiosos, como parece depreender-se do noticiário espalhado pelas agências? Parece duvidoso. O contencioso é por demais inultrapassável. Tem mortos a mais. Se assim acontecer pontualmente, será uma daquelas alianças em que cada um dos lados vive a esperar o momento adequado para decapitar o provisório aliado.
V
Grande parte da opinião publicada sobre os acontecimentos que levaram à ocupação do Iraque tem defendido que a causa determinante das decisões americanas está no objectivo de lançar mão das reservas iraquianas de petróleo, de modo a garantir o controle dessas reservas estratégicas. Essa seria a explicação para a guerra, e do que se lhe seguiu.
Não compartilho as conclusões assim expostas. Em primeiro lugar, e tendo em conta tudo o que hoje é público e notório, parece-me indubitável que a guerra, até ao desmantelamento total do regime, estava realmente decidida, e foi planeada e preparada, com larga antecedência sobre o lançamento das operações militares.
Nisso estou de acordo – a condução dos acontecimentos por parte da administração americana e o desenrolar da própria ofensiva militar, como ressalta dos meios envolvidos, não deixa dúvidas quanto a esse ponto. E nem me parece que os actuais responsáveis americanos continuem seriamente a negar esse facto.
Temos pois como facto certo que a campanha de opinião que antecedeu em alguns meses o início da invasão propriamente dita não passou efectivamente de guerra psicológica, de preparação das opiniões públicas, de procura de pretextos e justificações – numa palavra, de sucessivas cortinas de fumo para dar cobertura ao plano em marcha.
Concretamente no que respeita à polémica sobre armas de destruição em massa, obviamente que se pode dizer que se tratou de monumental embuste – com os sofisticados meios de informação que possuem os responsáveis políticos em causa sabiam perfeitamente o que os iraquianos tinham e não tinham.
E atrevo-me a dizer que agiram com a absoluta certeza da inexistência dos perigos (químicos, biológicos, nucleares) que agitavam – caso contrário usariam de muito maior prudência nas suas decisões, como fazem em relação à Coreia do Norte.
Mas chegado a esse ponto encontro a minha discordância. Na verdade, a guerra até ao desmantelamento completo do regime iraquiano estava decidida e não dependia das “armas de desaparição massiva”, ou das resoluções das Nações Unidas, ou de quejandos assuntos que, como é notório por outros casos, não interessam muito os governantes americanos.
Todavia, não foi o petróleo que determinou essa decisão; se fosse essa a força motriz dos acontecimentos a guerra teria sido evitada. Os responsáveis do regime de Bagdad estavam dispostos a tudo para impedir o desencadear do conflito armado cujo fim não ignoravam. E o tudo incluía oferecer aos americanos o controle total sobre as reservas petrolíferas iraquianas, se fosse esse o preço da permanência no poder.
A sobrevivência era já o único objectivo. E, como reconhecerá quem esteve atento ao noticiário imediatamente anterior ao desencadear das hostilidades, esta transacção foi efectivamente oferecida a Bush. Que logo a rejeitou, declarando, com verdade, que nada tinha a negociar com o governo de Bagdad.
Ora fosse o petróleo a razão da guerra alguém duvida que a transacção teria sido consumada? O modelo americano não é, um pouco por todo o lado, aquele que daí resultaria?
Se o que se pretendia era pôr a mão no petróleo, uma vez garantido isso para quê fazer a guerra? Que interessava aos americanos que Saddam fosse um tirano assassino se este lhes garantisse o que queriam? Quantos tiranos assassinos não mantiveram e mantêm eles mundo fora, desde que os seus interesses estejam assegurados?
A decisão de desmantelar pela força o regime que vigorava no Iraque teve portanto outra razão e outras finalidades, que não o petróleo. Embora, naturalmente, e agora que lá estão, essa preocupação também não tenha sido descurada.
VI
Quem observe o Iraque no momento presente, creio que concordará com a conclusão de que, tirando o comando militar das forças de ocupação, nenhum centro de poder existe que abranja todo o país. E mais: nenhum centro de poder se apresenta de momento com a viabilidade de estender a sua efectiva jurisdição a todo o país.
Esta conclusão, que já se perfilava como verdadeira antes dos sangrentos acontecimentos que visaram a embaixada da Jordânia, a sede da ONU e a liderança xiita de Najaf, muito mais evidente se tornou após essas ocorrências. De tal modo é assim que apetece dizer que tais atentados tiveram em vista exactamente cortar em definitivo com qualquer perspectiva de solução unitária para o Iraque.
Temos assim a desenhar-se no horizonte uma situação de inviabilidade de qualquer poder interno unificador. E desse modo ou se caminha para uma administração unitária americana, indefinidamente prolongada, o que a meu ver representará a prazo uma situação que a América não estará disposta a suportar, ou acabará por se aceitar uma partilha de facto que, se bem observarmos, já é descortinável.
Passariam por essa evolução a existir na prática três estados independentes uns dos outros, um a Norte governado pelos partidos curdos, um na faixa central dominado pelas autoridades sunitas e outro mais a Sul, destinado aos xiitas. Como é evidente, nenhum desses pequenos estados, com ou sem protectorado expresso dos americanos, terá condições para fazer sombra ou rivalizar com o poder de qualquer dos estados vizinhos.
Torna-se neste ponto inevitável recordar que este objectivo de divisão do Iraque em três pequenos estados étnicos, como saberão os mais atentos, já vinha a ser defendida como objectivo estratégico de fundo desde anos antes do conflito americano-iraquiano, como sendo uma etapa necessária da recomposição do equilíbrio de poderes no Médio Oriente e dessa forma uma via para abrir caminho para a solução almejada no interminável conflito israelo-palestiniano.
Aqui se me afigura estar a chave certa para a compreensão dos acontecimentos, nomeadamente as raízes das determinações americanas. O regime iraquiano era mesmo para ser varrido, ainda que não exista qualquer plano coerente e viável para o substituir e ainda que os poderes emergentes com a sua queda tragam perigos nada negligenciáveis – porque a isso obrigava o objectivo radical de alteração dos equilíbrios de forças na região, se for preciso mesmo com a modificação do mapa político da zona, e em todo o caso com a mudança dos poderes políticos instalados nos principais países islâmicos da área.
VII
Se os acontecimentos avançarem no sentido da efectiva partição do Iraque, nomeadamente com a instauração de um estado curdo independente a Norte, incrementado pelos serviços secretos israelitas e pelos seus aliados curdos, será interessante ficar a ver como reagem os americanos. Com efeito, esse rumo das coisas deixa-os a braços com sérios problemas que terão de enfrentar sozinhos – e com a desajuda dos seus mais íntimos aliados.
Esses problemas serão evidentemente no espaço territorial correspondente ao Iraque, mas serão também e sobretudo no relacionamento sempre delicado com o importante aliado turco. Recorde-se que a aliança com a Turquia tem sido mantida (e com sérias dificuldades por parte dos governantes desta) a troco de promessas que para os turcos não são negociáveis, por corresponderem a interesses essenciais e permanentes do país. A primeira dessas promessas consiste precisamente na garantia de que não será permitido um estado independente curdo no flanco sul da Turquia.
Quebrada essa promessa, como será possível dominar a situação na Turquia? Com efeito, o segundo compromisso americano traduz-se em assegurar à Turquia que, para além de a manter como sua protegida na NATO, e para além dos grossos financiamentos, tudo seria feito para a sua plena integração na União Europeia. Ora esta promessa apresenta-se quase irrealizável, apesar de todas as vontades internas em fazer a vontade ao amigo americano – efectivamente, não parece provável que a União Europeia sobrevivesse a tal imposição.
Mas, enfrentando os americanos os previsíveis sarilhos com a Turquia, e as dificuldades daí decorrentes com a Europa, a somar às dificuldades experimentadas no vespeiro iraquiano restante, e aos acrescidos problemas no mundo árabe e islâmico (pense-se na inimizade com a Síria e o Irão, evidentemente sem solução enquanto estes viverem a pensar que podem ser “o próximo”), e aos impasses políticos em outros pontos estratégicos, como são o Paquistão e o Afeganistão, como irá evoluir a sua sensibilidade para a problemática global em jogo?
Tudo depende da efectiva solidez do poder da comunidade judaica americana. Mas há razões para pensar que este nosso tempo poderá trazer dilemas que virão a questionar até as ligações que mais inquestionáveis se apresentam. Não é certo que a grande América não venha um dia a sentir que também precisa das centenas de milhões de muçulmanos cuja amizade foi progressivamente alienando.