sábado, dezembro 31, 2005

Histórias de quadradinhos

Leitura da manhã, pilhada no "Diário de Notícias",
onde Eurico de Barros consigna a sua indestrutível vinculação aos quadrinhos.

Um conhecido de um amigo meu telefonou-me há dias. Sabia que eu tinha a colecção inteira, em estado óptimo, do Tintin português, e estava disposto a pagar-me uma quantia muito simpática por ela. "A minha colecção tem muitos buracos e vários exemplares que parece que andaram debaixo das rodas de um camião", explicou. "E como o Tintin fez parte da minha formação, estou pronto a fazer-lhe uma boa oferta."
Fê-la, e recusei-a com amabilidade, porque o Tintin português - e, intermitentemente, o Tintin belga e o Pilote - também fizeram parte da minha formação, e nem morto me desfaço daquela colecção. Nem dos exemplares desirmanados do Tintin belga, nem dos sucessivos anos encadernados do Pilote, nem de um só álbum da minha algo considerável colecção de banda desenhada (BD) franco-belga clássica. (Sublinhar clássica).
Na "guerra" BD franco-belga/comics americanos, pertenço ao primeiro partido desde que me conheço. Que foi, tradicionalmente, o mais forte em Portugal, pelo menos até meados dos anos 70, quando começaram as importações em massa de comics directamente dos EUA e uma nova geração impôs o consumo em grande quantidade das revistas de super-heróis.
A verdade é que muitas das pessoas mais cultas, mais inteligentes, com maior variedade de interesses e mais solidamente formadas e educadas que conheço são consumidoras da grande BD franco-belga desde a mais tenra idade.
Mais do que só um entretenimento, uma leitura de mera distracção, uma mania que "passava com a idade", a BD franco--belga da "idade do ouro" foi parte fundamental da formação estética, intelectual e moral de muita e boa gente, e serviu de porta de entrada para toda uma variedade de outros interesses e gostos, das artes plásticas à História, passando pela engenharia. Lembro-me de um colega de liceu que foi para Clássicas por causa do Alix, outro que seguiu Ciências por causa da paixão pelas aventuras de Blake e Mortimer, outro ainda que a leitura voraz, entusiástica, de Buck Danny levou a uma carreira na Força Aérea.
Vender a minha colecção inteira, em estado óptimo, do Tintin português? Nem dez professores Miloch me conseguiam obrigar.

Néctar dos deuses

Quem goste de ler do fino, que comece o dia no Caminhos Errantes: sirva-se dos dois artigos mais recentes, um sobre as presidenciais da nossa cacocracia e o outro sobre o poder moderador enquanto mito constitucional.

sexta-feira, dezembro 30, 2005

The Great Betrayal

Uma formidável evocação das memórias do velho Ian Smith pelo nosso colega Euro-ultramarino. A grande traição.
Obrigatório ler (para todos, e muito especialmente para o amigo que anda fascinado por políticos vencidos e mal amados).

ANO NOVO?

À meia-noite do dia 31 acordei sobressaltado com o foguetório que festejava, a seu modo grosso e ruidoso, o nascimento da coisa nenhuma que se dá o nome de Ano Novo. Confesso que meu primeiro sentimento foi o de uma justíssima irritação, mas logo sobreveio um segundo sentimento de admiração diante de tão comovente e estúpida obstinação. Quê? Então ainda esperam alguma coisa das folhinhas e das órbitas planetárias? Ou inventaram mais uma vez um modo de fingir que inventaram? Porque na verdade fingidor não é só o poeta, nem é ele que quase merece este título como definição de seu absurdo modo de ser, não; fingidor é o mundo inteiro. Finge tão ruidosamente que chega a fingir que espera do Ano Novo o que ainda já dos dias só desespera. Pobre gente.
Naquela meia-noite de 31, acordado pelo ruidoso foguetório, pensei no planeta que, nos seus trinta quilômetros por segundo (se não me trai a memória aposentada do astrônomo que não cheguei a ser) acabava de traçar seu arco habitual de eclipse onde só existe marca ou sinal de estremecimento na cabeça dos homens. Nada é mais uniforme, mais liso, mais plácido, mais impávido do que as órbitas dos astros. Em torno da forma delas e sobretudo de suas inter-relações houve muita querela de que nunca participaram o sol, os planetas e as estrelas distantes, porque essas sonolentas criaturas mal acordadas do nada, ex nihilo, nada sabem dizer de si mesmas, de suas excelências e de suas prevalências. Mal sabem balbuciar seus nomes sendo o que são. Imagino o espanto de Messer frate il Sole se lhe fossemos dizer que ele tinha sido nomeado por Copérnico, ou por seus maus discípulos, centro imóvel em torno do qual descreviam os planetas suas insípidas órbitas circulares. E, se o astro-rei tivesse mais apurada capacidade de se espantar, imagino sua apiedada estupefação quando lhe dissessem que aquela demarcação trouxera aos homens da Renascença uma euforia maior do que a dos pobres 31 de dezembro convencionais e fatigados.
Na minha infância, alegremente astronômica, aprendi com o bom Flammarion que o sistema planetário, guiado pelo sol, não fechava suas eclipses, não voltava jamais ao ponto de partida: num cortejo que hoje me parece sinistro, despencávamos todos na direção da constelação de Hércules. Hoje sabemos que é tão acertado ou tão estúpido dizer que o sol anda ao redor da terra como dizer que é a terra que gira ao redor do sol. Na física pós-einsteineana não há referenciais absolutos no universo. Quem quiser pensar em centro, ou em ponto referencial, terá que procurar fora e acima da física outra linguagem: a do senso-comum e a da mais apurada filosofia: em ambas eu volto a dizer que o centro é o observador e portanto é ainda aqui mesmo, e não no sol, que podemos fazer alguma demarcação sensata. A própria constelação de Hércules deixou de ser o objetivo, ou a estação para a qual nos dirigimos porque, a rigor, esse conjunto de estrelas a que associaram o nome mitológico de Hércules só existe por invenção nossa, e só existe enquanto, apesar do caminho já feito, ainda permanece praticamente constante a figura do conjunto estelar. Quando lá no meio delas nós chegarmos, veremos que as Alfa, Beta, Gama etc. debandaram, e que o Hércules do céu evaporou-se em todas as direções.
Volto a admirar a tenacidade com que a humanidade inventa suas demarcações, como esta sucessão dos anos e a outra dos séculos. Já não diria o mesmo da demarcação das horas que mais diretamente nos é imposta pela natureza das coisas.
Nesta estação do ano durmo com a janela aberta, e quando o despertador às seis horas me acorda, a primeira coisa que me surpreende, ou que me agride, é aquele retângulo lívido a me dizer um bom-dia que soa como um escárnio. Estremunhado, pergunto ao monstro: — Estou vivo?
Cada manhã acordo como um sobrevivente... E aqui me acode a lembrança de Rubem Braga, nosso gracioso cronista que desapareceu. Terá emigrado para Marte? Creio que seu gênero mais se inclinaria por Vênus do que pelo rubro Mavorte dos guerreiros.
Sento-me na cama olhando os meus pés sem nenhuma admiração, apesar do incitamento do profeta que clama: “Como são belos os pés dos que anunciaram pelos montes a vinda do Senhor...” Isaías? Creio que sim, mas agora a memória me salta para Dimitri Karamazov, preso sob suspeita de parricídio, e para maior de suas desgraças, sentado na cama, vê que tem os pés nus — e no espetáculo miserável dos artelhos dados em espetáculo do mundo, Dimitri sente tamanha humilhação que logo, para todos os policiais presentes, se transforma em evidência de culpa. Agora é um verso de Guerra Junqueiro que emerge de minha adolescência. O piedoso autor de "A Velhice do Padre Eterno", devendo pagar os dízimos da estupidez da época, não podia ficar omisso à injustiça social: descreve o despertar do lavrador como um coice do monstro que em outro contexto será docemente chamado “rosicler da aurora”. Mas esse rosicler é um luxo capitalista. O lavrador é sacudido da enxerga nestes termos:
Levanta-te, animal! Tens fome e não tens pão”.
Quando meu desgosto de acordar se prolonga, e sobretudo quando me chegam aos ouvidos os rumores dos “sete deveres de estado” de que me queixei a Manuel Bandeira — but that’s another story — costumo me sacudir com o alexandrino de Guerra Junqueiro: “Levanta-te, animal! Tens fome e não tens pão”. Na verdade não preciso trabalhar para o pão já que mais sofro de inapetência do que de fome, mas tenho carro e preciso pagar a gasolina no preço em que está para que os reis da Arábia tenham mil mulheres e automóveis de ouro — coisas que me irritam mas não me trazem a mais tênue inveja.
No dia 1° de janeiro acordei assim cercado e disposto a continuar a caminhada que neste dia começa meu octogésimo ano. Neste ponto perdi a vista e a possibilidade do gosto da leitura, mas os pés conservam a mesma disposição de me levar pelos vales e montes no serviço do Senhor. Vão calçados, e assim pode ser que não desmintam a profecia. Chego assim a este ponto da vida “comme un vieux mouton qui a perdu sa laine aux ronces du chemin”. Como Mauriac, sinto-me levado dia a dia, pouco a pouco, até a hora em que Deus me quiser arrematar por inteiro. No regaço da Mãe da Misericórdia, ensaio não sei quantas vezes por dia o que devo dizer naquela hora: — Eis aqui o servo do Senhor, faça-se em mim segundo a Vossa Palavra.
GUSTAVO CORÇÃO

Tempo de Natal

São Paulo nos ensina que o que parece ser loucura de Deus é mais sábio que os homens, e o que parece ser fraqueza de Deus é mais forte do que toda força humana.
O Verbo veio no meio de nós na fraqueza e na indigência, revelando-nos, desde o Seu nascimento até a Sua morte na cruz, a sabedoria divina que é escândalo para os judeus e loucura para os pagãos.
A festa de Natal está marcada por esse contraste, esse confronto entre a luz e as trevas, a verdadeira e a falsa sabedoria, a humildade e o orgulho.
Nada mudou desde então, pois entre a luz e as trevas nunca haverá conciliação.
Sem cessar, até o fim do mundo, veremos os inimigos da cruz, os inimigos da sabedoria divina levantarem suas bandeiras e investirem contra a Cidade de Deus com toda a sorte de erros e heresias.
Em nossos tempos, a nova teologia, ou seja, o progressismo, como um novo Herodes, tenta matar Nosso Senhor presente pela Fé na alma dos católicos.
"Se eu não tivesse vindo e não lhes tivesse falado, eles não teriam culpa, mas agora eles não têm desculpa de seu pecado". (Jo. 15, 22).
Nosso Senhor já veio e já nos falou. Sua Santa Igreja já definiu, já condenou desde os séculos passados os erros modernos. Já não há desculpa para o seu pecado. Já não há argumento para sua defesa. Já não há fundamento para sua doutrina.
Nos dias sombrios em que vivemos, fixemos nossos olhares no autor de nossa Fé e ao desfrutar as alegrias da festa de Natal peçamos a graça de estarmos sempre prontos para continuar o bom combate para um dia receber a coroa que o justo Juiz nos dará se seguirmos nosso Salvador que veio ao mundo conquistar nossas almas pela Santa Cruz.

ir. Tomás de Aquino, O. S. B.
(Mosteiro de Santa Cruz)

Os Blopes

Uma descoberta: os blogues são uma ferramenta importante na área da Educação.
Uma ideia: há que generalizar o seu uso por professores e alunos.
Uma iniciativa: os Blopes, ou seja prémios para os melhores blogues em português ou espanhol na área da Educação.
Para saber mais, informem-se no blogue criado para promover o projecto - Os Blopes - ou no blogue Educar Para os Media.
Pela minha parte, deixo já as minhas nomeações: os óscares podem ir todos para o GEOGRAFISMOS, fantástico trabalho de Luís Palma de Jesus começado no Inverno de 2003 na Escola de Santa Clara, e continuado depois nos anos lectivos seguintes na Charneca da Caparica e na Luísa de Gusmão, em Lisboa (ou, com ironia triste, com "duzentos e quarenta alunos, sem blogs e sem computadores").
A brincar, só este professor estará já na origem de centenas de blogues juvenis... Que faria se houvesse um mínimo de condições favoráveis, em termos de estabilidade, de continuidade, de meios materiais?

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Marcelo entre nós

Por um impulso intrigante, o Rui Albuquerque resolveu partilhar com as massas umas longas reflexões sobre a esquecida figura histórica do Pof. Marcelo José das Neves Alves Caetano.
Talvez a deixar transparecer que os motivos do arrazoado estão mais no presente que no passado, chama-se a prosa "os filhos do viúvo".
Sobre o conteúdo, fiquei com uma sensação de estranheza. Não irei ao ponto de citar o citado, aproveitando a sentença que lhe atribuem e dizendo que o artigo tem coisas boas que não são originais e coisas originais que não são boas. Nem me parece a propósito: com sinceridade, não encontrei no texto nem nada propriamente novo nem nada que me parecesse especialmente bom. O que não é vulgar é este interesse pela osctracizada figura do malogrado político. Daí a minha estranheza.
Tenho a impressão que aquilo demanda continuação. O que era para dizer ficou por dizer. Ou eu sou péssimo entendedor.

Roteiro

Interessantíssima dissertação sobre os carlistas e a guerra civil americana, da autoria de Rafael Castela Santos.
Oportuna recordação de um ilustre esquecido, Maurice Allais, no Batalha Final.
Lugar também para recordar a resposta portuguesa à estratégia comunista, umas décadas volvidas.
E uma bela amostra sobre Sepp Hilz, em galeria virtual a visitar.
Boa viagem!

Recados

Ainda para o Jansenista: se quer falar de Robert Heinlein, é ali com o Velho da Montanha. Já se tinha aqui descoberto que para essas fantasias ele é que é autoridade. Eu sou um estranho nessa terra estranha.
E para o Eurico: se não dominas essa língua maldosa ficas proibido de comentar aqui na tasca. "Arcas encoiradas!" O Larcher Nunes!

Postal para o Ashram

Dispara-me o matreiro Jansenista, de sorrisinho malicioso: “Que é feito da rapaziada que tinha o bom hábito de saborear a ficção científica de Robert Heinlein enquanto tentava digerir umas garfadas doutrinárias do Vale de Figueiredo?”
Assim, de mistura aos bons votos de Ano Novo (escrevendo sem acentos, em miseranda submissão a bárbaras tecnologias e linguagens) lança ele o isco a ver se me puxa pela língua e tira nabos da púcara. É um malandro. Mas ele é que andou lá por movimentos democráticos de libertação, que eu a mim democratices e spinolências fizeram-me sempre urticária. De modos que da rapaziada a que alude não identifico ninguém.
Confesso, porém: gosto do Zé Valle. Não sei é dele; como hei-de saber eu, que nunca vou a Viseu? O meu exílio é bem real, também não vou à capital…
Só vou sabendo o que me dizem. Olhe, de várias fontes me chegou que está em vias de a publicação de uma recolha da poesia completa do vate. Há-de ser coisa importante, solene. Deve é demorar, que quando se fala no Zé Valle o breve costuma ser alongado.
Já há uma carrada de anos eu tinha insistido com ele para tratar disso. Comecei a lembrar-me aos vinte e cinco anos de vida literária, aos trinta… Lembrei uma exposição; nunca houve nada. Agora, pode ser que ao passar dos cinquenta.
A verdade é que o panhonhas estranhamente nunca se dedicou a cultivar a glória própria, ao menos que fosse por egoísmo ou por vaidade; ao invés esbanjou décadas e energias sem fim no que o Jansenista chama doutrinação, para o que (e digo isto baixinho e só para si) não se confirma que ele tenha nascido.
Desse aspecto, está melhor. Já há anos. Creio que se pode chamar-lhe uma espécie de fascista não praticante, ou retirado. Mas tem pena; sei que lhe pica a nostalgia. Certa vez, despedindo-se de mim num passeio lisboeta, quando ao fundo se descortinava um táxi, desabafava comigo: “Eh pá, os tempos estão mesmo maus… Agora só levanto o braço para chamar os táxis…”
De resto, não sei nada. Mas imagino; nem custa imaginar. O que é que acha o Jansenista? Com a respeitável idade que o Zé Valle entretanto acumulou, junta à bonomia do fácies, o jeito afectuoso, gorducho e de cabelo impecavelmente branco, por estes dias só pode ter andado a fazer de Pai Natal, para animar os netos.

quarta-feira, dezembro 28, 2005

História antiga

Aqui há anos, com perspicácia jesuítica e crueldade pombalina, o Fernando Larcher falava-me da "direita patibular".
O crisma pareceu-me então excessivo e inútil, ingénuo que então era e caridoso como ainda vou sendo, mais por fraqueza que por bondade.
Depois, muitas voltas deram os teóricos com as classificações para as direitas, discussões infindas sobre legitimistas, bonapartistas, orleanistas, o Crane Brinton e o René Rémond, volumosos estudos que sempre lembram o sábio Prezzolini (há sempre mais uma, entre as que lembramos e as que esquecemos). O Jaime, só ele, enche uma biblioteca com papel impresso sobre as direitas.
E eis que de súbito me lembra o Larcher. A "direita patibular"...
E não é que ela existe mesmo?!!!
Falta ensaiar devidamente a respectiva caracterização. Mas existe!!!

É a cultura, estúpidos!

Confirma-se: seja uma pessoa quanto baste polida e lida e está vacinada contra esta chungaria.
A distância, ou divertida ou nauseada, do observador está em relação directa com o antídoto.
Penso sempre nisto enquanto navego pelos blogues da Divisão de Honra (aqui o "Sexo dos Anjos" prefere jogar nos Regionais).
Oh, a distinção ilustrada do Je Maintiendrai, do Jansenista, do Combustões... A lucidez cortante e desencantada do Euro-ultramarino... Quem me dera, quem nos dera!
Um correspondente que muito me honrou escrevia-me há dias que "os blogues portugueses são, tanto quanto tenho podido avaliar, na sua maioria tão detestáveis como a conversa de café do lusocidadão médio actual: sempre no registo do "eu cá acho que"; da mão na anca; do palavriado incontinente; da exibição satisfeita (e vaidosa, e vaidosa!) da mais omnívora ignorância. A imprensa é péssima: mas a blogosfera, se tem ex ipsa natura (e enquanto não for amordaçada) a vantagem de fazer circular alguma informação espontânea que de outro modo se perderia, no comentário consegue ser, muitas vezes, ainda pior: ainda mais plebeia, ainda mais tontamente alienada."
Assim é, queira-se ou não. Entre a rua e o país vai o passo de um anão. Entre o país e a blogosfera nem essa lonjura medeia. Temo-lo aqui chapadinho e ao vivo.
Daí também a minha estima e gratidão pelos outros.

Um regalo para os Reis


À venda na Loja SHIP

Carta Aberta às Vítimas da Descolonização

Se há livro que me salte à lembrança, quando o tema vem à baila, é este de Jacques Soustelle, que li em português ainda antes do desastre. Não aprendemos nada com os outros...
Hoje a "Lettre ouverte aux victimes de la décolonisation " encontra-se apenas entre os livros raros.
É pena. Gostava que todos os amigos o lessem; e depois poderíamos começar a conversa.
Procurem então a "Carta Aberta", as vítimas de cá e de lá (como bem via Soustelle as vítimas de lá são muito mais, e a tragédia é bem maior), e os que não sendo pessoalmente vítimas sentem que terrível amputação também a si foi feita.
Soustelle é um personagem fascinante: sobretudo etnólogo e antropólogo, mas também arqueólogo, professor e homem político (foi governador da Argélia) deixou uma obra de escritor que resultou das suas experiências de infatigável viajante, estudioso e e explorador (México e América Central, Norte de África, Sahara, África Negra, Polinésia e Nova Caledónia).
Na sua "Carta Aberta" analisa a situação do Terceiro Mundo após a vaga descolonizadora. A quem aproveita a descolonização. Qual a sorte dos povos anteriormente colonizados. Mitos, mentiras e imposturas. O fiasco descolonizador. Ajuda ao Terceiro Mundo e neo-colonialismo. O racismo oficializado. A conspiração internacional ao assalto da África Portuguesa.

Caro Manuel Brás...

Numa peça de grande valor, a marca da ingenuidade juvenil: "o grande inimigo político das nações europeias não são os EUA, mas sim a UE e a ONU".
Caríssimo, a "União Europeia" e a "Organização das Nações Unidas" não existem. São miragens. Podem ser poderosas, enquanto miragens, e podem ser miragens perigosas, mas são só miragens. Não passam de luz emprestada. O que conta é o Sol.
O Amigo deve gostar muito de biombos.
A UE e a ONU? Pfff... ainda não acabaram? Como? Acabam amanhã? Aii, que alívio!
(- Vejam como o mundo mudou! ... - Não se nota nada?!!)

Bandeira ao alto

Quem não se conforma, e permanece firme, inacessível ao desalento, é o Camisa Negra.
Leia-se a sua desafiadora entrevista, no blogue In Silêncio.

Afinidades

O meu pobre blogue em cada dia se assemelha mais no destino à desgraçada casa lusitana a que pertence. Uma pátria pequena, muitas vezes invadida por espanhóis. E a descer em todos os indicadores.

terça-feira, dezembro 27, 2005

Da Quimera

Da Quimera

Um açoriano útil

Outro serviço da prestimosa editora da Rua da Escola Politécnica: saiu em volume a poesia de Eduíno de Jesus, fruto de décadas de labor silencioso e discreto.
Chama-se, apropriadamente, "Os Silos do Silêncio".

Salvé, Eduíno!

Novidades

Dizia o Orlando Vitorino, sagaz e informado, que calculava que houvesse em Portugal umas quinhentas pessoas que lêem. Claro que já não há tantas, porque decorreram alguns anos e muitas morreram. Uma delas era o Afonso Botelho, que para além de ler até escrevia. E nada mal.

Serve este intróito para informar que na INCM apareceu agora um livro póstumo do autor de "Como o Senhor Jacob enganou o socialismo". Demos graças à amizade e dedicação de António Braz Teixeira, e atiremo-nos à leitura da prosa de Afonso Botelho - um dos quatro ou cinco que, em Portugal, além de ler até escreviam.

Três poetas alentejanos

Três vozes do Alentejo: Mário Beirão, António Sardinha, Conde de Monsaraz.
Repare-se nos três poemas. Na presença da natureza, na tragédia humana, no fundo sonoro do canto, na lírica e na mística, no sentimento trágico da vida... Há ou não há uma poesia alentejana?
(- E Florbela?!!!)
Coisas de rústico, estas minhas manias, recorrentes e teimosas.

CANTOS AO DIVINO

Envolviam-se em mantas e rojavam
Os pesados bordões
Pelas ruelas do burgo desgastado
Por cismas e claustrais melancolias,
Sobressaltado
De evocações,
Oscilando no mar das ventanias,
Envolviam-se em mantas e cantavam...
Que gélidas, atrozes,
As noites desse Inverno! Entanto,
O bando
Dos cantadores, pelas ruelas divagando,
Prosseguia em seu canto!
Cálidas rescendências
Cresciam do florir das densas vozes,
Dessas vozes de tardas ressonâncias,
Extinguindo-se ao largo, nas distâncias,
Em hálitos de luz, em transcendentes,
Incertas refulgências
De auréolas de nascentes e poentes...
Era um coro que vinha, gemebundo,
Das almas, do profundo
De tudo o que há de humano,
Remontando-se a místicas Moradas,
Embebidas em sonho imorredoiro,
A cimos relumbrantes como brasas,
E, regressando, enfim, das extasiadas
Romagens do seu voo soberano,
Em um desmaio de oiro,
- Plenas de glória, as asas! –
Cavadores, ganhões, heróis da gleba,
Dos páramos de Beja,
Lá onde, sempre a errar, minha alma adeja,
Emergiam, fantásticos, da treva,
Erguendo cantos, como a erguer troféus...
Eram esses que enlaçam
A Terra aos Céus,
Nos coros que de assombros nos trespassam,
Longe de si - presentes só em Deus!
Cantavam ao Divino!
Cantavam, arroubados de Harmonia,
Àquela Nova Estrela que nascia;
Ao Deus-Menino,
Que, embalado nas vozes, lhes sorria!

Mário Beirão

OS SANTOS REIS

A noite é fria. A lua é fria. A aragem corta.
Gelam os poços... P'lo silêncio fundo
Calaram-se os ganhões, de porta em porta
Cantando, ensamarrados, as janeiras.

Os campos amortalham-se em geada.
Não sei o que será das sementeiras
Com essa peneirinha arrenegada!

Quem são os três cavaleiros
que fazem sombra no mar?
Quem são, quem é que procuram
de noite e dia a trotar?

São os três reis do Oriente,
juntaram-se em romaria.
Andam a ver o Menino,
filho da Virgem Maria.

E a noite é só...
Num ar de maravilha
O círculo da lua amaciou-se.
Entre os piornos a geada brilha
Com um fulgor mais doce.

E a terra dorme...
Sob céus pasmados,
florescem descampados,
a aragem, enternece a um bafo morno.
Um grande alvor dos longes se apodera
Toda a paisagem de Janeiro em torno
se alarga, se alumia, em Primavera!

António Sardinha

NATAL

Natal frio. O vento sopra
Desordenado
E o nevoeiro gela nos poços
E o nevoeiro cerrado
Cega a vista e emperra os ossos.

O mar esfarrapa as ondas
Nas penedias.
As faias levam açoites:
Noites rudes como os dias,
Dias negros como as noites.

Pelas gargantas das serras
Encarquilhadas,
Tragando muros
gados, troncos e levadas
Despenham-se ameaçadoras.

Mês de Dezembro: horas brancas,
Horas de neve,
As plantas têm arrepios
E o orvalho muito ao de leve,
Chora nos ramos esguios.

Na igreja dá meia-noite.
Repica o sino…
Depois da missa do galo,
Beija-se o pé ao Menino
E o povo corre a beijá-lo.

O altar flameja entre flores;
Junto ao bercinho,
Sorrindo à gente que passa,
Lá está guardando o seu ninho
A Virgem cheia de graça.

Toca o órgão: que ternura
Nos olhos dela,
Vendo o filhinho deitado
Dentro da sua capela,
Gordinho, branco, rosado.

Pobres e ricos do mundo,
Todos lá vão
Levar-lhe velas e flores;
Caem, fazendo oração
De joelhos os pastores.

Na rua, meu Deus, que frio
E que negrume!
Mas nos casebres da aldeia,
Se há frio, que lindo lume,
Se há fome, que boa ceia.

Crianças, de porta em porta,
Sob goteiras,
Geladas que desatino –
Andam cantando às janeiras,
Em louvor do Deus Menino.

«Lá vai, lá vai, raparigas,
já mal podeis
Cantar, rouquinhas as vozes,
Repletos os saquitéis
De frutas, passas e nozes!»

Corre que Nossa Senhora
Desce do altar
E vai, em sonhos doirados,
Dar o Menino a beijar
Aos presos e encarcerados.

Leva nas dobras do manto,
Chegado ao peito,
Por causa do temporal,
Com todo o amor, todo o jeito
Dum coração maternal.

Mas, como a voz dum profeta,
O vento norte,
Por onde quer que ele passa,
Entoa pragas de morte
E lamentos de desgraça.

E a Virgem sente aflitivos
Pressentimentos,
E escuta vozes aziagas:
A dela nesses lamentos,
E as dos judeus nessas pragas.

Conde de Monsaraz

segunda-feira, dezembro 26, 2005

Resignação

Estou a ver que tenho de ler as memórias de Maria Filomena Mónica...

Só mesmo ele!

Pois é, o Corcunda apanhou-me descalço. Mal tinha eu lançado a publicidade ácerca dos calhamaços de Alain de Benoist contendo o seu levantamento pessoal sobre as direitas em França e logo o jovem curioso me saltou ao caminho: e o Sirinelli, o que é que acha do Sirinelli?
Tenho que confessar envergonhado que não acho nada. Nunca li uma linha assinada pelo dito.

Sei que o homem, Jean-François Sirinelli, tem lugar de destaque no panorama da investigação actual sobre História Contemporânea francesa (a avaliar pelos postos). Tenho reparado na projecção que tem sido dada a obras dele, onde sobressaem precisamente a "Histoire des droites en France" e "Les Droites françaises: de la Révolution à nos jours". Também me chegaram alguns ecos sobre o interesse de "Sartre et Aron" e "Les Baby-boomers".
Todavia, para desgosto meu e desilusão certa do Corcunda, não tenho qualquer opinião a dar: nem minha, porque nunca o li, nem de terceiro, porque não conheço ninguém que me tenha transmitido a sua...
Os sabe-tudo da Amazon situam-no na linha do "ensaio fundador" de René Rémond "La Droite française". Simplismos de publicitários. Mas têm um bom número de títulos do autor. Terá o Corcunda que recorrer a quem saiba mais do que este seu humilde criado. A juventude deixa-nos sempre ficar mal.

"Bibliographie générale des droites françaises"


Diferentemente do que aconteceu com "Vu de Droite", que cedo foi traduzido e editado em Portugal, a monumental obra de Alain de Benoist intitulada "Bibliographie générale des Droites françaises" não se prevê que possa ter igual destino.
Vai já em quatro volumes, e pode ser localizada na LIBRAD.COM ou na DUALPHA.COM - ou simplesmente na FNAC.
Para estimular os apetites, eis a lista dos autores tratados em cada um dos volumes.
Volume I: Arthur de Gobineau, Gustave Le Bon, Edouard Drumont, Maurice Barrès, Pierre Drieu La Rochelle, Henry de Montherlant, Thierry Maulnier, Julien Freund.
Volume II: Georges Sorel, Charles Maurras, Georges Valois, Abel Bonnard, Henri Béraud, Louis Rougier, Lucien Rebatet, Robert Brasillach.
Volume III: Louis de Bonald, Arthur de Tocqueville, Georges Vacher de Lapouge, Léon Daudet, Jacques Bainville, René Benjamin, Henri Massis, Georges Bernanos, Maurice Bardèche, Jean Cau.
Volume IV: Joseph de Maistre, Ernest Renan, Jules Soury, Charles Péguy, Alphonse de Châteaubriant, Jacques Benoist-Méchin, Gustave Thibon, Marc Augier (Saint-Loup), Louis Pauwels.

domingo, dezembro 25, 2005

Post-scriptum

As duas proclamações que antecedem podem causar estranheza, e motivar questões sobre o seu interesse entre nós. São francesas, de escritores e historiadores franceses, e dirigidas muito directamente a leis e acontecimentos franceses.
Permito-me pensar que têm muito interesse para todos; a perversão política do Direito Penal, a que aludia brilhantemente o Prof. Cavaleiro Ferreira não há muitos anos, é um fenómeno que tende a tornar-se uma constante nas sociedades contemporâneas. A História é um terreno dessa invasão: é uma tentação para os que dominam o presente, convencidos de que dominando o passado poderão dominar o futuro.
Aqui ficam os documentos, à meditação de todos e especialmente dos que estudam - para que um dia destes as conclusões não lhes cheguem ditadas por decreto-lei.

La liberté de débattre

«La France, du moins ceux qui la dirigent ou la régente, succombe à un singulier idéalisme, non plus celui qui se satisfait de proclamer des principes, mais celui de la contrition et de l'épuration. On veut croire qu'en interdisant l'expression des mauvaises idées et en légalisant la vérité on assainira les mentalités et on se mettra à l'abri du pire. On imagine qu'en remplaçant l'idée d'une France inventant la liberté moderne par la commémoration de nos fautes, on dégagera un avenir. En fait nous voyons que la liberté, le civisme, la vérité sont ensemble perdants quand on essaie de gouverner la pensée, de pasteuriser la démocratie.
Les lois contre le négationnisme, pour la reconnaissance du génocide arménien, de l'esclavage et de la traite, aussi bien que sur les mérites de la colonisation française, débordent le domaine de la loi tel que défini par l'article 34 de notre constitution. Plus généralement, le devoir des politiques est d'assurer l'avenir de la nation, non de fixer en dogmes son histoire. Certes, pour gouverner un peuple il faut connaître son passé et en tenir compte, il faut s'appuyer sur une conscience historique commune tout autant que sur une moralité commune. Mais le pouvoir ne saurait régler, encore moins arrêter, les perpétuels réaménagements de la conscience collective, le travail de la mémoire, le dialogue continué avec le passé qui est indissociable de l'exercice des libertés publiques, dans la vie politique, dans la littérature, dans l'historiographie. L'incitation au crime relève des tribunaux, il n'en va pas de même des opinions aberrantes. Celles-ci on les réfute ou on les dénonce. Quand on ne fait pas confiance à la liberté de débattre, le mot de république perd tout sens. C'est pourquoi nous demandons l'abrogation de toutes les lois (Gayssot, Taubira, Accoyer…) qui ont pour objet de limiter la liberté d'expression ou de qualifier des événements historiques.
Quelles qu'aient pu être leurs justifications particulières, leurs vertus immédiates, ces interventions ont produit un enchaînement dangereux. Par moralisme et désir de se mettre à l'abri de tout reproche, nos politiques ont ouvert la voie à des demandes successives de pénalisation et à la sanctuarisation des mémoires particulières. Le morcellement qui en résulte de la mémoire nationale favorise des durcissements et des affrontements dont nous voyons les prodromes. C'est au contraire d'un travail de vérité et de compréhension qui porte sur toute notre histoire que nous avons besoin. Ceci exige que la liberté de débattre soit pleinement rétablie.»

Signataires:
Elie Barnavi, Alain Besançon, Rony Brauman, Jean Daniel, Philippe De Lara, Vincent Descombes, Jacques Donzelot, Michel Fichant, Elisabeth de Fontenay, Max Gallo, Marcel Gauchet, Pierre Grémion, Jean-Claude Guillebaud, Anne-Marie Le Pourhiet, Jean-Pierre Le Goff, Elisabeth Lévy, Pierre Manent, Michel Marian, Abdelwahab Meddeb, Edgar Morin, Krzystof Pomian, Pierre Nora, Philippe Raynaud, Paul Thibaud.
Vendredi 23 Décembre 2005

Liberté pour l’Histoire

«Émus par les interventions politiques de plus en plus fréquentes dans l'appréciation des événements du passé et par les procédures judiciaires touchant des historiens et des penseurs, nous tenons à rappeler les principes suivants:
L'histoire n'est pas une religion. L'historien n'accepte aucun dogme, ne respecte aucun interdit, ne connaît pas de tabous. Il peut être dérangeant.
L'histoire n'est pas la morale. L'historien n'a pas pour rôle d'exalter ou de condamner, il explique.
L'histoire n'est pas l'esclave de l'actualité. L'historien ne plaque pas sur le passé des schémas idéologiques contemporains et n'introduit pas dans les événements d'autrefois la sensibilité d'aujourd’hui.
L'histoire n'est pas la mémoire. L'historien, dans une démarche scientifique, recueille les souvenirs des hommes, les compare entre eux, les confronte aux documents, aux objets, aux traces, et établit les faits. L'histoire tient compte de la mémoire, elle ne s'y réduit pas.
L'histoire n'est pas un objet juridique. Dans un État libre, il n'appartient ni au Parlement ni à l'autorité judiciaire de définir la vérité historique. La politique de l'État, même animée des meilleures intentions, n'est pas la politique de l'histoire.
C'est en violation de ces principes que des articles de lois successives – notamment lois du 13 juillet 1990, du 29 janvier 2001, du 21 mai 2001, du 23 février 2005 – ont restreint la liberté de l'historien, lui ont dit, sous peine de sanctions, ce qu'il doit chercher et ce qu'il doit trouver, lui ont prescrit des méthodes et posé des limites. Nous demandons l'abrogation de ces dispositions législatives indignes d'un régime démocratique.»
Jean-Pierre Azéma, Elisabeth Badinter, Jean-Jacques Becker, Françoise Chandernagor, Alain Decaux, Marc Ferro, Jacques Julliard, Jean Leclant, Pierre Milza, Pierre Nora, Mona Ozouf, Jean-Claude Perrot, Antoine Prost, René Rémond, Maurice Vaïsse, Jean-Pierre Vernant, Paul Veyne, Pierre Vidal-Naquet et Michel Winock.
(«Libération», 13/12/05)

Terra patrum


Quem sai do Mogadouro segue pela estrada de Miranda até alturas de Variz. Aí encontra-se, à direita, um estradão municipal, hoje sofrivelmente empedrado e alinhado, que levará o forasteiro de boa vontade através de um demorado descampado, para os lados do rio profundo e fronteiriço.
De um lado e outro, um ou outro chavascal ou plaino de pousio. Aqui e além, algum olival ou vinha. Casais raros. É uma terra boa para caça, mas bastante avara para o seareiro.
Andando sempre, através da planura relativamente monótona e erma, descobre-se, em dado instante (...)

Memórias


Era uma vez...

sábado, dezembro 24, 2005

Dizer saudade é dizer pouco...

Votos


Os cumprimentos de Natal dos amigos do TUDOBEN

NATAL

Há um sapato pequeno para encher de brinquedos;
um sapatinho azul
como uma história antiga.

Há uma espera no olhar
da criança que espera
a sonhar cavaleiros e canções.

E os meus braços caem abertos,
paralelos à vida.

(As arcas da Índia
de sândalo e pérolas
ignoram a chama de um sapato frio.)

A noite envelheceu.
O sapatinho azul
(história antiga)
vazio de brinquedos,
cansado de sonhar,
adormece sem fé.

FERNANDO GUEDES
(a pensar no Jansenista)

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Pendre les architectes?


Poderá parecer uma ideia demasiado radical, mas receio que já tenha ocorrido a um bom número de portugueses, ao ver a arquitectura que se espalha por aí.
Embora, valha a verdade, grande parte dela não seja praticada por arquitectos...
Nesta pequena obra, o autor, Philippe Trétiack, arquitecto de formação, lança a polémica sobre a arquitectura contemporânea. Em França, obviamente. Mas muito do que se diz aplica-se perfeitamente a outras paragens. Só que cá é pior.
Uma realidade a merecer discussão, ainda que não seja para enforcar os arquitectos.

Sociologie du communisme, par Jules Monnerot



Leituras em dia

As confidencialidades do Senhor Conde Alexandre de Marenches, ou a história vista pelo buraco da fechadura (das melhores portas, claro). Aqui.
A China e o seu agente PCP, ou o fenómeno da deslocação do Sol. Aqui.
"The Portuguese Answer", Kaulza e Moçambique, ou a persistência teimosa da memória de África. Aqui.
"Respeito muitos as fezes das pessoas", ou as desventuras do macróbio. Aqui.
E não me peçam mais, que eu não tenho mais tempo para ler.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

A história de uma geração


De Alain Madelin a Gérard Longuet, Patrick Devedjian, Philippe de Villiers, Alain Robert, François Grosdidier, Claude Goasgen, Frédéric de Saint-Sernin, Pascal Gauchon, Manuel Aeschliman, muitas das personalidades de primeira linha da actual direita francesa, entre políticos e intelectuais, partilham um passado comum.
Do movimento Occident à Fédération des Étudiants Nationalistes, este livro de Frédéric Charpier descreve a saga dessa geração, traçando o seu percurso desde a extrema-direita estudantil de 68 à direita dos nossos dias.
"Génération Occident", à venda na Librairie Nationale.

Martyre et heroïsme des femmes de l'Allemagne Orientale


Um mundo esquecido: as coisas mais cruéis e mais terríveis ficarão enterradas, e ignoradas no silêncio eterno dos mortos?
O que foi feito da Silésia?
Para rasgar um pouco do véu, leia o livro de Johannes Kraps.
"Martyre et heroïsme des femmes de l'Allemagne Orientale", edição Akribea, disponível na LIBRAD.COM

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Michel Houellebecq


Outro franco-atirador narcisista, como Maurice G. Dantec, é este Michel Houellebecq.
Romancista recentemente premiado, ensaísta apaixonado por H. P. Lovecraft (o seu «H.P.Lovecraft - Contre le monde, contre la vie» foi publicado na América com um prefácio de Stephen King), Michel Houellebecq é hoje uma presença polémica na intelectualidade francesa.
Como o vinho do Porto, é aconselhável aguardar uns anos para ver como fica.

O porco clandestino


Le porc clandestin, por Alain Sanders

Ce petit livre est une fabuleuse projection dans un Paris soumis à la loi du Prophète par les fous d'Allah.
Parodiant le grand classique de Claude Autant-Lara "La traversée de Paris", Alain Sanders nous fait suivre des résistants, "des vrais", qui provoquent l'occupant musulman en faisant du trafic de porc.
C'est de l'humour, bien-sûr, mais aussi une caricature au vitriol des Français...

Maurice G. Dantec

Pour un authentique écrivain, le pire ennemi reste le plumitif de service, au sens propre, qu’il soit cubain, teuton, nippon, montréalais ou parisien. Son pire ennemi c’est l’agent de l’infection culturelle qui a pris possession de ce qui fut un jour la littérature. Son pire ennemi reste l’homme moyen qui non seulement nous fait l’injure de prétendre savoir lire, mais y ajoute l’outrage répugnant de se convaincre qu’il est en mesure d’écrire quoi que ce soit sur le Monde, dont il n’est qu’un vulgaire technicien de surface.
Tão só um provocador com o sentido da publicidade, ou realmente um grande homem de letras? Quem é Maurice G. Dantec?

Aforismos

Esta fez-me rir com vontade (não é fácil, acreditem).
"Portugal é um país de modas. Primeiro foi a picanha, a seguir o porco preto, depois o sushi e agora, de repente, toda a gente enche a boca com liberalismo."
(de Eduardo Nogueira Pinto, in What do you represent)

Pátria exangue

Diz um estudo do Ministério da Administração Interna que mais de 20 esquadras da PSP e dezenas de postos da GNR poderão fechar total ou parcialmente já no próximo ano.
Percorrendo o país, deparamos a cada passo com escolas que fecharam. São centenas e centenas. Das primárias, mas agora também as secundárias, e também as universidades, muitas terão que fechar. Asseveram os governantes.
Nos mesmos passos damos com estações de caminho de ferro que fecharam, aos milhares; não admira, que também as linhas fecharam.
A paisagem é povoada por altas torres de silos da antiga EPAC, de Norte a Sul. Todos fecharam. Tem toda a lógica, a produção de cereais também fechou.
Segundo o douto ministro que nos trata da saúde, temos médicos a mais e hospitais a mais. Vão fechar, os hospitais e os centros de saúde e as maternidades.
Ao que se sabe das reformas em estudo no ministério que nos garante a justiça, prepara-se a extinção de tribunais, às dezenas, fala-se em setenta ou oitenta, país fora. Estão a mais, não são precisos.
Pelo que vai nos gabinetes que desenvolvem a reforma administrativa, também inúmeras freguesias e concelhos terão que acabar. Estão a mais, fecham-se.
Ainda não ouvi dizer nada de concreto, mas é de supor que aplicando os mesmos critérios em breve se assista ao encerramento em todo o país interior de conservatórias, de notários, de repartições de finanças, de tudo o que é público e não atinja os mínimos definidos abstractamente no Terreiro do Paço.
A seguir, fechando tudo isso e não havendo gente, também o restante não poderá manter-se: as agências bancárias não ficarão no deserto. E se não há ovelhas não há pastor: de igual modo os senhores bispos extinguirão as paróquias.
Somos um país em vias de extinção, entregue nas mãos da comissão liquidatária.

De entre as brumas da memória


"A guerra de África em 1895" - ou a descoberta de um Portugal tão antigo como eterno: de António Ennes, de Paiva Couceiro, de Afonso Lopes Vieira, de Mouzinho de Albuquerque, de Caldas Xavier, e de tantos outros que foram "Sabendo-o bem, sabendo-o mal,/ Poetas, ou Santos ou Heróis/ De Portugal".
"Os que, soldados da alta glória,/ Deram batalhas com um nome,/ E de cuja alma a voz da história/ Tem sede e fome".
Memórias de um tempo em que não havíamos ainda transitado de nação de missionários para nação demissionária.

Olhando da direita


Este livro é o resultado da "publicação, em antologia crítica e adaptada" dos editoriais da revista Futuro Presente, existente há 20 anos. Diz Jaime Nogueira Pinto que "as páginas de Futuro Presente são um documento da história intelectual e política dos últimos vinte anos: de uma história alternativa, que não adoptou os convencionalismos "socialistas" ou "liberais" de esquerdas e direitas sistémicas; são a história de uma aventura interior da nossa geração ou das nossas gerações, as que viveram activamente o Império e o fim do Império, a guerra de África e a revolução de Abril, a resistência e o Thermidor de Novembro de 1975; ou que chegaram depois, mas tiveram curiosidade de saber o que existia para além dos clichés oficiais." (Ed. HUGIN)

terça-feira, dezembro 20, 2005

Postal de Natal

Ao que dizem e sou forçado a acreditar, atravessamos a temporada natalícia.
O barulho excede o comum, as maçadas idem, a burundanga nataleira enche as ruas e os sentidos.
Canso-me a abstrair da presença invasora do velho da Coca Cola, das cançonetas frenéticas de caixa de corda, das luzes de néon, dos ritos e obrigações que ameaçam a todo o passo a tranquilidade e a pacatez de quem não pedia mais do que o conforto do silêncio.
Soma-se que hoje esteve um frio que me trouxe todo o dia mais encolhido e parado do que o costume.
Duras provações para quem nasceu singularmente inapto para as exigências práticas da sobrevivência quotidiana.
Deixo-me ir, navegando por entre os escolhos deste mar de agitações, à espera que passe. Não sei se navegador solitário se náufrago. Sem bússola, leme nem vela. Só à espera que passe.

O papel da Fraternidade Sacerdotal São Pio X no seio da Igreja

Para compreender o tempo que passa: ler a conferência pronunciada pelo Arcebispo Dom Marcel Lefebvre em Buenos Aires, a 13 de Agosto de 1981.

Colóm catalão?

A RTP2 transmitiu hoje um documentário já gasto sobre o "Enigma Colombo", focado nas teses de Charles Merryl sobre as origens do navegador.
A novidade, se é possível chamar-lhe assim, que trouxe o referido trabalho foi a insistência numa possível pista catalã, para responder ao evidente naufrágio da tese genovesa.
Porém, e para lá do afastamento da tese italiana, a tese catalã também não apresenta qualquer demonstração convincente. Tão somente a semelhança do tipo de caligrafia usado numa carta do navegador com aquela que se usava então na Catalunha, esquecendo que a carta foi ditada a um secretário; as conclusões de um exame lexicográfico, que constatou a existência de múltiplos erros no castelhano usado nas cartas de Colóm, o que seria compatível com o catalão como língua materna, mas sem se analisar a hipótese mais que estudada por Mascarenhas Barreto do afastamento do léxico castelhano conduzir precisamente ao português; e sempre como pano de fundo a existência de uma família Colóm em Barcelona - o que é inegável, mas cujo significado não se vislumbra: se Colóm pertencia a essa família porque razão ele e os seus familiares mais chegados, bem como todos os seus contemporâneos, nunca deram a menor indicação nesse sentido? E se queria esconder a identidade, como explicar que sempre tivesse usado precisamente esse nome, Colóm, tal como os seus irmãos e descendentes?
Enfim, o documentário tem pelo menos o mérito de puxar para a actualidade a questão da nacionalidade do descobridor da América, apresentando-a como uma questão em aberto.
A este respeito, reitero o convite a todos os leitores a que leiam o material já reunido na página dos Amigos da Cuba.
E não descurem a importância da História.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

A negação da realidade

Fazendo o balanço das recentes turbulências em França, o magazine POLÉMIA acaba por centrar-se na cobertura (entenda-se ocultação) noticiosa que os acontecimentos sofreram no próprio país.
Constatação: "Pendant la 2e guerre mondiale, beaucoup de Français avaient pris l’habitude d’écouter Radio-Londres. Pendant la guerre froide, «Le Figaro» prétendait faire connaître à ses lecteurs ce que le journal communiste «L’Humanité» leur cachait. Aujourd’hui c’est la «Pravda» qui révèle aux lecteurs du «Figaro» ce que ce journal leur cache".
Subscrevam o boletim mensal POLÉMIA, e terão informations et analyses pour des temps chaotiques - como se precisa.

Il coraggio di dire di no

Desafiado por Pedro Guedes, e prosseguindo o diálogo com o Jansenista, decidi-me a oferecer aos leitores (agora promovidos a ouvintes) uma amostra da música de Leo Valeriano.
Porque a idade também conta, senti um certo rubor perante a excessiva vibração das mais militantes (mas ouvi! Estive a relembrar Budapest, e Berlin, e Tempo da lupi) e escolhi para amostra, mais melancólica, Una vita perduta. Fica em modo false, para que ninguém seja obrigado a ouvir: só toca a pedido. Ora então lá vai. Sinceramente, passados quarenta anos, o velho Leo Valeriano não me parece mal.

Vai também um abraço para o Engenheiro, que me deu a conhecer o cantautor italiano (como o tempo passa!... Nem ele era engenheiro, nem eu era azinhal...) e para o Nuno Rogeiro, que fez anos há poucos dias, e também é admirador do bardo negro. O homem que nos gritava e nos dava Il coraggio di dire di no.

Nós já sabíamos!

Anuncia o "Jornal de Notícias" que os "Europeus foram gerados na Península Ibérica".
E explica que segundo os estudos de um grupo de investigadores portugueses e estrangeiros sobre as origens da actual população europeia esta resulta de migrações que partiram da Ibéria, durante o último período glaciar da Terra.

É mesmo assim. E se continuarem a estudar verificarão que uma localização mais rigorosa dos ancestrais conduz ao Alentejo.
Somos os pais da Europa!

domingo, dezembro 18, 2005

Cantar d`A Milésima Segunda Noite

Eu vi o Sol em plena noite,
quando ninguém podia vê-Lo...
Eu vi o Sol da meia-noite
a raiar no teu cabelo!...

Eu vi, na luz que não havia,
teu vulto aceso, e, num açoite,
a noite dar lugar ao dia:
ser meio-dia à meia-noite!

Quando ninguém podia vê-las,
vi tuas mãos de Dulcineia.
Não sei se foi noite de estrelas,
mas sei que foi noite de estreia.

Cantavas tu como uma fonte
— canto do cisne, ou de sereia... —
à flor da pele de mar e monte...
E o resplendor da tua fronte,
cingindo todo o horizonte,
dava-te o ar de Cassiopeia!...

E foram mil-e-uma noites,
de fulgor inapagável...,
de boémia, a mais profunda...!

Foram mil-e-uma noites...
Mas nenhuma comparável
à milésima segunda!...

Eu vi luzir, como um tesouro,
no horizonte que me enleia,
o teu cabelo rubrilouro
de medusa e de Medeia!

Quando ninguém podia vê-lo,
vi-te a roubar o arrebol.
Por isso há Sol no teu cabelo,
E sol em Ti, Noite de Sol!

Eu vi soltar-se a areia de ouro
da preia-mar, da maré-cheia,
quando em teu corpo, ó lírio louro,
deu meia-noite, ou noite-e-meia...

E ouvi, então, cantar em côro,
em cada artéria, em cada veia,
o sol do sangue, e o fulvo touro
que te anuncia e me incendeia!

E foram mil-e-uma noites,
de fulgor inapagável...,
de boémia, a mais profunda...!
Foram mil-e-uma noites...
Mas nenhuma comparável
à milésima segunda!...

Há uma seara no teu rosto;
e o assombro todo, que semeia,
tem o seu quê de fogo-posto
a agonizar no azul d`Agosto...
Mais que sol-nado ou que sol-posto,
é como um Sol de lua-cheia!

Eu vi o Sol em plena noite,
quando ninguém podia vê-Lo...
Eu vi o Sol da meia-noite
a raiar no teu cabelo...!

E foram mil-e-uma noites
de fulgor inapagável...,
de boémia, a mais profunda...!

Foram mil-e-uma noites...
Mas nenhuma comparável
à milésima segunda...!

Rodrigo Emílio

ATÉ VER

Já não sei,
com franqueza,
se ter caule
e matriz

é um bem
de nascença
ou um mal
de raiz...

Haja alguém.
aí, depressa,
natural
deste país

que diga o que diz
o Eça,
mais o que o Eça
não diz...

... E que, ao vai-e-vem
que atravessa
quintal de tal natureza,
ponha os pontinhos nos iis.

Não. Já não sei,
com toda a franqueza,
se ter, afinal,
Portugal por matriz

é um bem
de nascença
ou um mal
de raiz...

— Ó harém
d`areia acesa
nos Estoris
da estreiteza,
euro-eira
de brasis,

Reino sem pés
nem cabeça,
Carnaval
de cama e mesa,
Canaveral
d`imbecis:
Que é do sinal
de grandeza
que fez de Ti
um País?!...

Não sei,
afinal,
com toda a franqueza,
se ter Portugal
por caule
e matriz

é um bem
de nascença
ou um mal
de raiz...

Rodrigo Emílio

Évora, Portugal


Local para onde se prevê a colocação da lápide assinalando a passagem do Misantropo Enjaulado pela nossa cidade.

Dos alentejanos primordiais

Heranças dos eborígenes

E por falar em músicas alternativas...

A morte de Gordon Duncan, a vida dos Gaiteiros de Lisboa, dos Roncos do Diabo e dos Chuchurumel, tudo nas notícias da Associação Gaita-de-Foles.
Tudo a afinar a palheta.

Nostalgia

Rosso è il cielo dalla fiamme,
rosse le strade di sangue,
rossi sono i carri armati:
sta bruciando Budapest!
Oh Budapest, Oh Budapest!



Quem se recorda de Leo Valeriano?
Provavelmente, só o Jansenista...

Ama la donna che ti cammina accanto
con gli occhi chiari come acqua corrente
che orna le tue notti senza pregare niente
senza badare a ciò che dice la gente
Ama la tua terra senza vergogna
canta il paese che più ti rassomiglia:
i soli inumiditi di quegli inquieti cieli,
senza badare a ciò che dice la gente.

sábado, dezembro 17, 2005

Uma cunha para Chávez

Escreve Eurico de Barros no "Diário de Notícias", na sua crónica "O buraco da agulha" (bom livro e excelente filme, como seria de esperar de uma lembrança de Eurico), a propósito das distinções a Hugo Chávez:

O Prémio José Martí deste ano, criado em 1994 no âmbito da UNESCO e no valor de 5 mil dólares (4 100 euros), acaba de ser atribuído ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez.
José Martí (1853-1895) foi um poeta, intelectual, diplomata, tradutor e combatente pela independência de Cuba, de que é chamado o "paladino". A distinção com o seu nome pretende honrar "um indivíduo ou instituição que tenha contribuído para a unidade ou integração dos países da América Latina e das Caraíbas e para a preservação das suas identidades, tradições culturais e valores históricos". Os galardoados anteriores são um sociólogo mexicano, um pintor equatorenho e uma historiadora dominicana. Até aqui, parece tudo normal.
Só que Chávez é um tropa demagogo, excêntrico e populista, um loony leftist bananeiro, que preside a um dos mais corruptos e repressivos governos da história do seu país, que abriu uma profunda divisão na sociedade venezuelana, que tem sido um factor de grave perturbação política e económica na zona, demonstrado profunda simpatia e solidariedade por Fidel Castro e dito cobras e lagartos do inimigo ianquí. Assim se transformou num dos poster boys da marabunta altermundialista, e não só.
Ou seja, à primeira vista, Hugo Chávez encaixa neste prémio como uma cavilha redonda num buraco quadrado. É como distinguir Vladimir Putin por obras humanistas ou Kim Jong--Il por contribuições para a paz mundial.
Mas some-se o facto de o Prémio José Martí ter nascido por iniciativa do Governo cubano, que o financia e tem sempre um representante no júri, deste júri fazerem parte pessoas como a escritora sul-africana Nadine Gordimer, já condecorada por Fidel Castro, e os três anteriores laureados terem todos obra com mochila ideológica e estética a tombar pesadamente para a esquerda, e tudo faz sentido.
O Prémio José Martí é uma distinção política com maquilhagem cultural e "identitária", e no caso de Hugo Chávez foi uma descarada cunha metida por Cuba a um amigo do peito do director do gulag tropical.
E é a Havana que Chávez o irá receber, em Janeiro, decerto sob o olhar desvelado de altos representantes da inefável UNESCO.

Uma boa agenda

Também sou capaz de rezar por isto tudo!
Síntese de Paul Johnson, em texto publicado no mais recente The Spectator:
“I pray for the return of England to the Holy Mother Church, for the end of pop music and TV, for the destruction of Modern Art, Picassoism and all that rubbish, the demolition of Tate Modern (though I’m not sure that is lawful), the collapse of militant Islam, the freeing of China, North Korea and Cuba and the rescue of England from vulgarity and the European Union. I am patient…”.
Fiquei a conhecer o programa através do novo blogue Je Maintiendrai, a que cheguei partindo do Jansenista.
Já agora, irei pedir também pela conversão do Jansenista.
Ficará Au plaisir de Dieu, como preferiu o aristocrático Jean d'Ormesson, mas irei insistir.

Julian Marías

Faleceu há poucos dias em Madrid o filósofo Julian Marías, provavelmente o mais conhecido continuador de Ortega y Gasset e um dos mais consagrados pensadores do país irmão, com obra afirmada em dezenas de títulos, espalhados ao longo de uma vida de 91 anos.
Em Fevereiro de 2004 tinha sido Rafael Gambra, outro grande do pensamento espanhol, a desaparecer de entre nós.
Ficou o vigor das suas obras, e as palavras que nunca calaram.
Em homenagem e agradecimento a Julian Marías, ficam aqui uma breve entrevista e um pequeno texto com que ele decididamente resolveu intervir num combate que também entendeu como crucial para o futuro do homem e da civilização.
O nosso obrigado também a A Aldeia, que os deu a conhecer.

A "mulher objecto" e o "menino tumor"

Texto de Julian Marías, publicado originalmente no ABC e dado a conhecer, traduzido para português, no inestimável A Aldeia:

A questão do aborto
A espinhosa questão do aborto voluntário pode colocar-se de maneiras muito diversas. Entre os que consideram a inconveniência ou ilicitude do aborto, o problema mais frequente é o religioso. Mas costuma-se responder que não se pode impor uma moral "particular".
Há outra posição que pretende ter validade universal, que é a científica. As razões biológicas, concretamente genéticas, consideram-se demonstráveis, concludentes para qualquer pessoa. Mas as suas provas não são acessíveis à imensa maioria dos homens e mulheres, que as admitem "por fé"; entende-se: por fé na ciência. Creio que faz falta uma abordagem elementar, acessível a qualquer pessoa, independentemente de conhecimentos científicos ou teológicos, que poucos possuem, de uma questão tão importante, que afecta milhões de pessoas e a possibilidade de vida de milhões de crianças, que nascerão ou deixarão de nascer.
Esta visão há-de fundamentar-se na distinção entre "coisa" e "pessoa", tal como aparece no uso da língua. Todas as pessoas distinguem, sem a menor possibilidade de confusão, entre "quê" e "quem", "algo" e "alguém", "nada" e "ninguém". Se se ouvir um grande ruído estranho, alarmar-me-ei e perguntarei: "que se passa? ou "o que é isso? Mas se ouço uma pedinte à porta, nunca perguntarei "que é?", mas "quem é?".
Perguntar-se-á que tem isto a ver com o aborto. O que aqui me interessa é ver em que consiste, qual é a sua realidade. O nascimento de uma criança é uma radical "inovação de realidade": a aparição de uma realidade "nova". Dir-se-á que deriva ou vem de seus pais. Sim, de seus pais, dos seus avós e de todos os seus antepassados; e também do oxigénio, do nitrogénio, do hidrogénio, do carbono, do cálcio, do fósforo e de todos os demais elementos que intervêm na composição do seu organismo. O corpo, o psíquico, até o carácter, vêm daí e não é rigorosamente novo.
Diremos que "o que" o filho é deriva de tudo isso que enumerei, é "redutível" a isso. É uma coisa, certamente animada e não inerte, em muitos sentidos "única", mas ao fim e ao cabo uma coisa. A sua destruição é irreparável, como quando se parte uma peça que é exemplar único. Mas ainda não é isso o importante.
"O que" é o filho pode reduzir-se a seus pais e ao mundo; mas "o filho" não é "o que", é. É "alguém". Não um "quê", mas um "quem", a quem se diz "tu", que responderá "eu". E é "irredutível a tudo e a todos", desde os elementos químicos até aos seus pais, e ao próprio Deus, se pensamos nele. Ao dizer "eu" enfrenta-se com todo o universo. É um "terceiro" absolutamente novo, que se acrescenta ao pai e à mãe.
Quando se diz que o feto é "parte" do corpo da mãe, diz-se uma insigne falsidade, porque não é parte: está "alojado" nela, implantado nela (nela e não meramente no seu corpo). Uma mulher dirá: "estou grávida" e nunca "o meu corpo está grávido". É um assunto pessoal por parte da mãe. Uma mulher diz: "vou ter um filho"; não diz: "tenho um tumor".
O menino não nascido ainda é uma realidade "vindoura", que chegará se não o pararmos, se não o matarmos no caminho. E se se diz que o feto não é um "quem", porque não tem uma vida pessoal, haveria que dizer o mesmo do menino já nascido durante muitos meses (e do homem durante o sono profundo, a anestesia, a arteriosclerose avançada, a extrema senilidade, o coma).
Às vezes usa-se uma expressão de refinada hipocrisia para denominar o aborto provocado: diz-se que é a "interrupção da gravidez". Os partidários da pena de morte têm as suas dificuldades resolvidas. A forca ou o garrote podem chamar-se "interrupção da respiração", e com uns minutos basta. Quando se provoca o aborto ou se estrangula, mata-se alguém. E é uma hipocrisia mais considerar que há diferença consoante o estado de gestação em que se encontre o menino que vem, a que distância de semanas ou meses do nascimento vai ser surpreendido pela morte.
Com frequência se afirma a licitude do aborto quando se julga que provavelmente o que vai nascer (o que ia nascer) seria anormal, física ou psiquicamente. Mas isto implica que o que é anormal "não deve viver", já que essa condição não é provável, mas segura. E haveria que estender a mesma norma ao que chega a ser anormal por acidente, doença ou velhice. E se se tem essa convicção, há que mantê-la com todas as suas consequências; outra coisa é actuar como Hamlet no drama de Shakespeare, que fere Polónio com a sua espada, quando este está oculto detrás da cortina. Há os que não se atrevem a ferir, salvo quando a vítima está oculta - pensava-se que protegido - no seio materno.
E é curioso como se prescinde totalmente do pai.
Atribui-se a decisão exclusivamente à mãe (mais adequado seria falar da "fêmea grávida", sem que o pai tenha nada que dizer sobre se deve matar ou não o seu filho. Isto, obviamente, não se diz, passa-se por alto. Fala-se da "mulher objecto" e agora pensa-se no "menino tumor", que se pode extirpar como um abcesso repugnante. Trata-se de destruir o carácter pessoal do humano.
Por isso se fala do direito a dispor do próprio corpo. Mas, para além de que o menino não é parte do corpo da sua mãe, mas "alguém corporal implantado na realidade corporal da sua mãe", esse suposto direito não existe. A ninguém é permitida a mutilação; os outros e o próprio poder público impedem-no. Se eu me quiser atirar duma janela, vêm a polícia e os bombeiros e impedem-me pela força de o fazer. (...)
Não se tratará disto precisamente? Não estará em curso um processo de "despersonalização", isto é, de "desumanização" do homem e da mulher, as duas formas irredutíveis, mutuamente necessárias, em que se realiza a vida humana?
Se as relações de maternidade e paternidade são abolidas, se a relação entre os pais fica reduzida a uma mera função biológica sem perdurar para além do acto de geração, sem nenhum significado pessoal entre as pessoas implicadas, que fica de humano em tudo isso? E se isto se impõe e generaliza, se a Humanidade viver de acordo com esses princípios, não terá comprometido, quem sabe até quando, essa mesma condição humana?
(...)

O aborto visto por Julian Marías

Uma entrevista de Julian Marías ao La Razón de 26/11/2003, traduzida e publicada em português no site A Aldeia:

-"60 milhões de abortos por ano no mundo", que reflexão lhe sugere este dado?
- Que se estendeu, de um modo aterrador, o máximo desprezo pela vida humana em toda a história conhecida, e, ao mesmo tempo, a negação da condição da pessoa.
- E o que é que acha de que lhe chamem "interrupção voluntária da gravidez"?
- Parece-me uma expressão de refinada hipocrisia. Os partidários da pena de morte têm as suas dificuldades resolvidas. Para quê falar de tal pena, de tal morte? A forca ou o garrote podem chamar-se "interrupção da respiração" (e com um par de minutos basta); já não há problema. Quando se provoca o aborto ou se enforca alguém, não se interrompe a gravidez ou a respiração; em ambos os casos mata-se alguém. E, evidentemente, é mais uma hipocrisia considerar que existem diferenças segundo a etapa do caminho em que se encontre a criança que vem, a que distância de semanas ou meses dessa etapa da vida que se chama nascimento vai ser surpreendido pela morte.
- O sr. Professor não põe o problema a partir da fé ou a partir da ciência. Que ponto de vista falta?
- Um que é elementar, ligado à simples condição humana, acessível a qualquer pessoa, independentemente de conhecimentos científicos ou teológicos, que poucos possuem. Esta visão não pode ser outra que a antropologia, fundada na simples realidade do homem tal como se vê, se vive, se compreende a si mesmo. Há, pois, que tentar regressar ao mais elementar, que por o ser não tem pressupostos de nenhuma ciência ou doutrina, que apela unicamente à evidência e não pede mais do que uma coisa: abrir os olhos e não voltar as costas à realidade.
- As feministas dizem que o corpo é seu...
- Mas é falso. Quando se diz que o feto é "parte" do corpo da mãe, diz-se uma insigne falsidade, porque não é parte: está "alojado" nela, melhor ainda, implantado nela (nela, e não simplesmente no seu corpo). Uma mulher dirá "Estou grávida", nunca dirá "O meu corpo está grávido".
- Que é a criança ainda não nascida?
- Uma realidade viva, que chegará, se não a pararmos, se não a matarmos no seu caminho.
- Alguns afirmam ser lícito o aborto quando se pensa que provavelmente o ser que vai nascer seria anormal, física ou psiquicamente.
- Mas afirmar isso implica que quem é anormal não deve viver, já que essa condição, em quem é anormal, não só é provável, mas é certa. E haveria que estender a mesma norma a quem chega a ser anormal por acidente, doença ou velhice. Se se tem essa convicção, há que mantê-la com todas as suas consequências.
Há quem não se atreva a ferir a criança senão quando ela está oculta, pensar-se-ia que protegida, no seio materno; o que acrescenta gravidade ao facto. Numa época em que quando se encontra um terrorista com uma metralhadora na mão, ainda fumegante, junto ao cadáver de um homem crivado de balas, se diz que é "um presumível assassino", a simples probabilidade de uma anormalidade é considerada suficiente para decretar a morte de quem está exposto ao risco de ser mais ou menos anormal.

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Recta final

Com a meta à vista, cresce a minha curiosidade: será que os candidatos a candidatos vão conseguir juntar as assinaturas necessárias?
É que com o fastio que os candidatos oficiais estão a causar aos portugueses qualquer um que venha a figurar nos boletins de voto arrisca-se a ganhar...
Mas quem reunirá as malfadadas assinaturas?
Botelho Ribeiro? Mário Nogueira? Manuela Magno? José Maria Martins? Nelson Magalhães? Luís Filipe Guerra? Garcia Pereira? Gonçalo da Câmara Pereira?
Nem que seja o Manuel João Vieira!!!

A perversão política da História e do Direito

Aplaudo a mãos ambas o inconformismo e a coragem de Duarte Branquinho (Fruto proibido) ao oferecer frontalmente o peito à artilharia do politicamente correcto.
Não, a verdade histórica não pode ser fixada pelo "Diário da República"; a História é uma disciplina científica e as polémicas históricas não podem ser objecto de decisão por via legislativa; não é aceitável a imposição de uma história oficial; é absurda uma situação em que são aplicadas sanções penais a quem questione e até a quem simplesmente exprima dúvidas sobre uma determinada versão de acontecimentos históricos definida legalmente como obrigatória.
A utilização política do Direito Penal, a criminalização de meras opiniões, conduzem a episódios de perseguição delirantes, como são actualmente os casos de David Irving, de Ernst Zundel, de Germar Rudolf, de Bruno Gollnisch, e como foram a seu tempo os processos de Robert Faurisson, do Abbé Pierre, de Roger Garaudy, até de Edgar Morin e tantos outros.
Pobre da "verdade" que precisa disto para sobreviver.
Resta a esperança em que a irracionalidade do que se passa traga consequências, e que as leis restritivas da investigação e do ensino da História venham a ser motivo de revolta em sectores cada vez mais amplos da inteligência universal.
A este respeito, percorre actualmente a França uma petição iniciada por dezanove historiadores de primeiro plano, em que se salientam Pierre Milza, Pierre Nora, René Rémond, Pierre Vidal-Naquet, Marc Ferro, Jacques Julliard, Jean-Pierre Azéma, Elisabeth Badinter, Françoise Chandernagor, Alain Decaux, Michel Winock.
Eis o texto:
«Émus par les interventions politiques de plus en plus fréquentes dans l'appréciation des événements du passé et par les procédures judiciaires touchant des historiens et des penseurs, nous tenons à rappeler les principes suivants :
- L'histoire n'est pas une religion. L'historien n'accepte aucun dogme, ne respecte aucun interdit, ne connaît pas de tabous. Il peut être dérangeant.
- L'histoire n'est pas la morale. L'historien n'a pas pour rôle d'exalter ou de condamner, il explique.
- L'histoire n'est pas l'esclave de l'actualité. L'historien ne plaque pas sur le passé des schémas idéologiques contemporains et n'introduit pas dans les événements d'autrefois la sensibilité d'aujourd'hui.
- L'histoire n'est pas la mémoire. L'historien, dans une démarche scientifique, recueille les souvenirs des hommes, les compare entre eux, les confronte aux documents, aux objets, aux traces, et établit les faits. L'histoire tient compte de la mémoire, elle ne s'y réduit pas.
- L'histoire n'est pas un objet juridique. Dans un État libre, il n'appartient ni au Parlement ni à l'autorité judiciaire de définir la vérité historique. La politique de l'État, même animée des meilleures intentions, n'est pas la politique de l'histoire.
C'est en violation de ces principes que des articles de lois successives - notamment du 13 juillet 1990, c'est-à-dire la Loi Gayssot, du 29 janvier 2001, sur le génocide arménien, du 21 mai 2001, tendant à la reconnaissance de la traite et de l'esclavage en tant que crime contre l'humanité, du 23 février 2005, sur la reconnaissance du caractère positif de la colonisation - ont restreint la liberté de l'historien, lui ont dit, sous peine de sanctions, ce qu'il doit chercher et ce qu'il doit trouver, lui ont prescrit des méthodes et posé des limites.
Nous demandons l'abrogation de ces dispositions législatives indignes d'un régime démocratique.»

Confirmação

Para quem tenha dúvidas sobre a imensa influência dos nossos blogues: os críticos do New York Times andam a espreitar o Nova Frente e a aproveitar as orientações literárias do autor!
Na lista que publicaram sobre "os livros do ano" que agora termina incluiram pelo menos dois ficcionistas recentemente revelados ao mundo pela intuição crítica do BOS: os livros são The March, de E. L. Doctorow, e The Sea, de John Banville.
E esta, hein?!!

quinta-feira, dezembro 15, 2005

De novo as direitas

Esperando não estar a cometer grande abuso, e visto que o autor não publicou no seu blogue o texto em causa, resolvi reproduzir aqui o artigo de Miguel Castelo-Branco na passada edição do semanário "O Diabo".
Está bem escrito e bem construído, é agradável de ler, e merece ser lido com olhos de compreender. Sem dramatismos - um dos exercícios habituais da direita portuguesa é a auto-flagelação, praticada correntemente em momentos de depressão, por vezes entremeados com fases de autoglorificação - mas com atenção e inteligência.
Ei-lo, porque Vocelências não haveis comprado "O Diabo" e tendes todo o direito de estudar para opinar em matérias tão transcendentes.

Direita moderna e messianismos, anacronismos e outros reaccionarismos

É sabido encontrarmo-nos prestes a sair de uma terra de ninguém epocal. Para trás ficaram os grandes antagonismos ideológicos que estiveram na origem de uma guerra mundial - que matou os fascismos - e de uma Guerra Fria, que erradicou o comunismo. Parece termos voltado, definitivamente, a página à herança do século XIX e deitado para o baú das antiqualhas as paixões mortais que assolaram o século XX.
A querela entre esquerdas e direitas já não se coloca, como antes, entre capitalismo e socialismo(s) - em que se inseriam, afinal, os fascismos - entre adeptos da Liberdade e defensores das «liberdades», monárquicos e republicanos, materialistas e espiritualistas, estatistas e civilistas, individualistas e colectivistas, nacionalistas e internacionalistas ou entre elitistas e democratistas.
Se bem que ainda se justifique plenamente a dicotomia entre Esquerda(s) e Direita(s), esta demarcação recobre hoje mais aspectos de sensibilidade e outros que dizem respeito a problemáticas próprias da antropologia filosófica e antropologia política - a ideia de homem e de comunidade, de justiça e bem comum - que a um «credo» pronto a-usar que foi característica dominante do fanático século dos totalitarismos. Há hoje a percepção clara que a divisão entre as famílias políticas se localiza mais entre aqueles que aceitam a civilização presente - i.e, a dos direitos do homem, da livre associação e participação dos cidadãos, da livre opinião - e aqueles que a negam. Já não se trata tanto de uma luta entre democracia e anti-democracia (nos seus estádios diferenciados, mas relacionados: autoritários e cesaristas, totalitários e concentracionários), mas de uma luta pela interpretação da democracia. Sabemos que o termo foi perdendo substância, por tão usado e reivindicado por aqueles que, no fundo, a ele se queriam associar. Nos anos 50, a URSS reivindicava-se de uma «democracia popular» - cobrindo com o ridículo as democracias liberais com o apodo de «democracias burguesas»- ; os regimes autoritários conservadores auto-crismavam-se de «democracias orgânicas» e pelo terceiro mundo campeavam as «democracias socialistas», «democracias paternalistas» e outros arranjos semânticos exóticos. É evidente que foi a forma «burguesa» (liberal) que triunfou. Hoje, só franjas insignificantes e sem capacidade interventiva ousam atacar a democracia. É precisamente em torno do tipo de democracia (burguesa) que se travam os maiores embates. Aparentemente, dir-se-ia uma querela bizantina, mas não é. Se todos aceitam a democracia (burguesa) - protagonizada por partidos políticos, aceitando a rotatividade produzida pelo voto livre dos cidadãos - por que razão se mantêm, vivas e bem activas, forças da extrema-esquerda à extrema-direita? É tão evidente o Bloco de Esquerda aceitar a democracia burguesa como o Sr. Le Pen. Submetem-se ambos a sufrágio, participam na vida do regime democrático e lutam por clientela no mercado de opinião, aqui como em França. A universalização da democracia (burguesa) é um dado de civilização, pelo que quem dele se afasta perde direito à cidadania plena.
A direita portuguesa é tradicionalmente autoritária, conservadora, confessional, paternalista e holística, pelo que não ousa identificar-se com a acidentalidade de um regime que vive do quotidiano. O facto de haver uma «direita sociológica» sem partidos assumidamente de direita é demonstrativa desta aversão. Imputa-se ao PREC o banimento da direita, à Constituição a danação de qualquer partido que contrarie o espírito da III República, mas a verdade é que essa direita se especializou mais na tertúlia opinativa - e no espírito do contra - pelo que se auto-excluiu da vida pública. Fora do tempo, contra o tempo, é uma torre de marfim que olha desdenhosamente para a realidade vibrátil e mantém-se presa de purismos sem ponto de aplicação. Essa direita - alguma até recusa identificar-se como tal - apresenta-se de três formas:
- A direita messiânica, que olha para o futuro como os maoístas dos idos de 60, acredita numa «revolução castigadora» que reponha a «ordem natural» e traga um «homem novo» incorruptível, meio monge, meio soldado. É, no fundo, uma herança delida e ajustada ao tempo presente do fascínio que as gerações dos anos 30 e 40 experimentaram pelo fascismo e pelo nacional-socialismo. Nunca teve qualquer expressão política e teve sempre, a alimentá-la, penas literárias de mérito. O grande e trágico erro desses eternos cultores da juventude é o da espera (messiânica) e o facto de desconhecerem que os factores que desencadearam a Grande Crise já não se podem reproduzir. O capitalismo e a cultura democrática (burguesa) são hoje tão fortes que tais posições serão sempre, pese a boa fé e ardor dos seus defensores, relegadas para posições excêntricas.
- A direita anacrónica, que julga possível reeditar um novo salazarismo sem Salazar, numa época de esvaziamento dos atributos tradicionais da soberania do Estado, de globalização e intensa circulação de ideais, mercadorias e pessoas. Sendo uma «direita» residual, está confinada a um dimensão memorialística ou a assomos de prédica anti-regime que muito pouco diferem da «conversa de taxista».
- A direita reaccionária, que discute com ardor as excelências da Constituição Tradicional, as liberdades municipais e sociais, sonha com a nunca existente aliança entre o Trono e o Altar, com uma sociedade rural e fechada, bem como uma monarquia «miguelista». O Integralismo Lusitano era, já nos anos 10 do século XX, uma excentricidade fora do tempo, mas mantém-se hoje, com cosméticas mais ou menos convincentes, no arsenal de convicções de muitos.
Ora, uma direita moderna aceita o tempo presente como ele é, é democrática e elitista (i.e, meritocrática), não estatista (i.e, confia na iniciativa individual, conquanto moderada pelo interesse social), aceita o capitalismo, é neutra no que concerne à confessionalidade dos cidadãos (mas não laica) e respeitadora das liberdades públicas, individuais e privadas. É, no fundo a direita que temos na Alemanha, na Itália e em França. Se a direita quer intervir, se quer ter voz e capacidade de intervir (legislar e governar), tem de aceitar o repto. A direita moderna pode ser nacionalista - pois o liberalismo oitocentista também o foi - pode ser intervencionista e pode até defender posições de maior severidade em matérias que se relacionem com a manutenção da ordem e da ecologia social. A direita moderna deve ser Ocidental e possuir a agudeza suficiente para compreender que qualquer pensamento estratégico na prossecução dos objectivos permanentes do Estado – independência e liberdade nacional, capacidade de agir na política mundial – deve aceitar o facto de vivermos a “Era Americana”. Sem isto, nada a fazer.

O regresso dos marretas


Ontem foi dia, melhor será dizer noite, de mais um mano a mano entre dois candidatos às presidenciais (uma desgraça nunca vem só; os presidenciáveis também não).
Não ouvi nada do que disseram, mas pelas figuras pareceram-me azedos e rezingões.
Quando a realização os colocava lado a lado no écran, em grande plano, era flagrante a semelhança com o mais célebre camarote do Muppet Show.
(Confesso que também me parece adequada a classificação numérica que se vê na imagem).

Sim Sim Não Não

O nosso contributo para as comemorações do aniversário do Concílio Vaticano II: um magnífico artigo do jornal romano anti-modernista "Sim Sim Não Não".
E que o vosso falar seja "sim sim não não", porque tudo o que passa disso vem do Maligno...

Pontos necessários para um reflorescimento na Igreja

Parece-nos de grande utilidade listar aqui os pontos necessários para o bem da Igreja, os caminhos inevitáveis a serem percorridos não apenas para um "saneamento" mas para um renascimento espiritual sólido e fecundo. Não se deve esquecer de que, qualquer que seja a gravidade da situação, a Igreja possui em si mesma não apenas os anticorpos para resistir aos ataques internos e externos, mas também todas as fontes para voltar a ser mais resplandecente do que nunca. A Igreja, na verdade, não é uma obra humana; seu Fundador e Esposo não é um homem, nem mesmo o mais rico e poderoso do mundo. A Igreja nasce do coração trespassado de Jesus: é lá que ela permanece, é lá que ela se alimenta; é lá que ela recebe todo o seu ser. Essa origem e o laço vital que a une ao Esposo divino fundamentam a firme esperança de todos os seus filhos verdadeiros e impedem que a dor e a tristeza se transformem em desânimo e pessimismo.

1) NECESSIDADE DE VOLTAR À DEFINIÇÃO TRADICIONAL DA VERDADE
É este o título de um artigo incrivelmente actual do padre Garrigou-Lagrange. É preciso tornar consciência de que a desordem actual não afectou somente a fé e o sobrenatural, mas também a esfera natural da razão. Desde que é à inteligência que compete crer [é ela a sede da fé], é claro que toda a desordem substancial que envolve a inteligência se repercute na fé. O fim próprio e essencial da inteligência é a verdade, que é magistralmente definida por Santo Tomás de Aquino como "adaequatio rei ad intellectum", conformidade da inteligência à realidade. Dessa adesão (poder-se-ia mesmo dizer "aderência'') da inteligência ao real provêm as leis imutáveis do nosso pensamento: princípio de não contradição, de causalidade, de finalidade. A dinâmica da consciência, claramente posta em relevo por Santo Tomás, encontra sua origem e seu fundamento na abertura à realidade exterior, no ser: "illud quod primo intellectus concipit quase notissimum et in quo omnes conceptiones resolvit est ens". De acordo com a filosofia aristotélica, o conhecimento de um objecto nasce da constatação de sua existência, e não da dúvida cartesiana; o conhecimento é abertura ao ser e a suas leis, que a inteligência encontra "fora de si", sem tê-las produzido. A inteligência é, por sua natureza, aberta e relativa ao ser, como a visão às cores.
Os que não estão familiarizados com a filosofia podem pensar que essa questão é de pouca importância e não tem relação com a crise actual. Na verdade, o ponto nevrálgico da causa do afastamento do pensamento moderno está aí, na compreensão da relação entre ser e pensamento. É o pensamento que se funde no ser ou é o ser que se funde no pensamento, como quer o idealismo? É o pensamento que se conforma, que "obedece" à realidade ou é ao contrário? É esse o problema que São Pio X coloca a descoberto, com grande profundidade de reflexão, em suas intervenções contra o modernismo.
A perspicácia de Marcel de Corte permitiu-lhe delinear assim a questão: “O mal que aflige o homem individual (..) é o subjectivismo. A inteligência renuncia a seu poder de conhecer as coisas tais quais são em si mesmas, independentemente do espírito que as pensa. Ela se priva da realidade. Como se espantar de que ela confesse sua incapacidade de elevar-se até o Princípio da realidade? Ao exilar-se da realidade, a inteligência se fecha automaticamente em si mesma.
Para ela, só existirá o que se manifesta nela, nada mais. Não são mais as coisas que existem, mas as ideias que ela se faz das coisas. Assim, ela não está irais sujeita ao real, nem ao Princípio do real. A inteligência passa a depender só de si mesma, de sua faculdade de produzir ideias, entidades infinitamente maleáveis, que passam a submeter-se a seu poder criador. O mundo é o que eu penso do mundo. "
Se abrir-se ao real não é reconhecido como o primeiro acto da inteligência; se a inteligência não aceita a realidade como norma de sua acção, então tudo - ao menos potencialmente - é discutível: "A verdade é a adequação do pensamento à realidade. Se o modernismo se divorcia da realidade e do princípio do real, como pode ele defender uma verdade eterna e necessária no domínio da fé e da vida social? (...) Formas e categorias são produtos do pensamento e, portanto, o pensamento as domina e pode ultrapassá-las ".
É mais urgente do que nunca ter ideias claras sobre o que Hegel chamava de "início" do pensamento. [...] A autoridade suprema da Igreja, o Soberano Pontífice, cedo ou tarde terá de reafirmar com força, para o bem da Igreja, esse ponto tão essencial e tomar as medidas necessárias contra os que minam o dogma e a verdade em seu fundamento, colocando as bases para a realização do projecto satânico "eritis sicut Deus ". "Oriunda do subjectivismo, a heresia modernista volta para lá, destronando Deus e colocando o homem em seu lugar. (...) Não estando ligada a nada que a ultrapasse, a consciência humana só pode atingir a Deus em si mesma ".
Na teologia, aceitar a revolução do pensamento moderno significa minar pela base a possibilidade de ouvir a doutrina católica eodem sensu eademque sententia, obrigação clara para todo o católico. O Pe. Garrigou-Lagrange, no fim do artigo já citado, lança um apelo vigoroso: "Sem dúvida, é necessário voltar à definição tradicional da verdade: adequatio rei et intellectus, a conformidade do pensamento com o ser exterior e suas leis imutáveis. Os dogmas supõem essa definição (…). Não é por opção arbitrária, mas por sua própria natureza que nossa inteligência adere ao valor ontológico e à necessidade absoluta dos primeiros princípios como leis da realidade. Só assim é possível manter a definição tradicional da verdade que os dogmas supõem". Eis a conditio sine qua non para se construir sobre a rocha e não sobre a areia, e os piores inimigos são os que tentam negar ou esconder esse problema.
É esse o ponto de partida para uma verdadeira reforma da Igreja.

2) NECESSIDADE DE VOLTAR AO FUNDAMENTO DA FÉ
A essência do acto de fé é a adesão da inteligência às verdades reveladas por Deus, em virtude da autoridade d’Aquele que as revela. Não se crê porque o conteúdo da fé seja evidente, nem porque ele esteja de acordo com as aspirações e as exigências pessoais ou actuais. A razão formal da fé é o facto de ser ela revelada por Deus, e o respeito de nossa inteligência lhe é devido, porque Ele não pode nem Se enganar nem nos enganar.
A Revelação divina nos é transmitida e claramente interpretada pelo Magistério infalível da Igreja, ao qual devemos um assentimento humilde e filial, seja quando se exprime em sua forma extraordinária, seja em sua forma ordinária. Não é possível que a Igreja se tenha enganado, ensinando durante séculos uma verdade ou condenando durante séculos um erro. Devido a sua origem divina, a fé alcança uma certeza que o conhecimento humano mais evidente não pode atingir (uma certeza, nós repetimos, devida Àquele que revela, e não à evidência intrínseca daquilo que é revelado). Sempre por causa dessa origem divina, quem quer que negue um só artigo de fé corta a fé pela base, como explica Santo Tomás com clareza: "aquele que não adere, como a uma regra infalível e divina, ao ensinamento da Igreja, (...) não tem o habitus da fé. Se ele admite verdades de fé, é por outra razão diferente da verdadeira fé. (...) Fica claro também que quem adere ao ensinamento da Igreja como a uma regra infalível, dá seu assentimento a tudo que a Igreja ensina. Caso contrário, se ele admite somente o que quer, e não admite o que não quer, a partir desse momento ele não adere mais ao ensinamento da Igrejacomo a uma regra infalível, mas adere à sua vontade própria ".
Ora, é claro que, por causa da natureza estável da verdade e d’Aquele que a revela, ninguém, nem no seio da Igreja nem fora dela, jamais poderá se outorgar o poder de ensinar alguma coisa diferente ou oposta ao que a Igreja recebeu de Nosso Senhor e transmitiu ao longo dos séculos.
São Vicente de Lérins respondia assim aos que temiam que isso impedisse o progresso na Igreja: "Não haverá jamais nenhum progresso na religião e portanto na Igreja do Cristo? Certamente, haverá um progresso, e até um progresso considerável! [...] Mas com a condição de que se trate de um verdadeiro progresso para a fé, e não de uma mudança: há um progresso quando uma realidade cresce permanecendo idêntica a si mesma. Há mudança quando uma coisa se transforma em outra."
A segunda necessidade para resolver a crise actual e restabelecer a Igreja em sua fecundidade apostólica é livrar-se das posições que pretendem introduzir uma mudança em relação a todos os ensinamentos do Magistério constante extraordinário e ordinário, O dogma na Igreja teve um grande desenvolvimento; mas isso é devido às potencialidades que lhe são intrínsecas (as circunstâncias exteriores, como o perigo de heresia, foram apenas factores ocasionais). Em outros termos, foi uma penetração da verdade revelada e aceita, penetração que permitiu tirar do dogma, com a ajuda da razão, todas as consequências lógicas que ele já continha. O que acontece hoje, ao contrário - considere-se por exemplo o caso da liberdade religiosa - constitui uma mudança causada pela aceitação no seio da Igreja dos princípios do pensamento moderno (nesse caso, o princípio da absoluta liberdade de consciência), princípios que foram condenados em diversas ocasiões pelos Pontífices. Face a isso, é necessário meditar mais uma vez, palavra por palavra, o que São Vicente de Lérins exprimiu com espantosa actualidade: "Se começamos a misturar o novo com o antigo, o que é estranho com o que é familiar, o profano com o sagrado, essa desordem rapidamente se espalhará por toda a parte, e nada na Igreja ficará intacto, sem mancha, e onde se erigia o santuário da verdade pura e intacta, haverá um lupanar de erros sacrílegos e vergonhosos [...]. A Igreja do Cristo, guardiã vigilante e prudente dos dogmas que lhe foram confiados, nunca modifica nada neles, não lhes acrescenta nada, nada lhes retira: ela não rejeita o que é necessário, nem acrescenta o que é supérfluo; ela não deixa que lhe roubem o que só a ela pertence, ela não se apropria do que pertence aos outros [...]. Eis o que a Igreja sempre fez por meio dos decretos conciliares, sendo movida (a redigi los) pelas inovações dos heréticos. Ela sempre transmitiu à posteridade em documentos escritos o que ela tinha recebido dos padres pela tradição, resumindo em fórmulas breves uma grande quantidade de noções e, mais frequentemente, especificando com termos novos e apropriados uma doutrina antiga, para que ela fosse melhor compreendida.

3) CONCLUSÕES PRÁTICAS
Segundo as próprias palavras do actual Pontífice, na época cardeal, é claro que o Concílio Vaticano II constitui em alguns de seus textos (Dignitatis Humanae, Gaudium et Spes, Unitatis Redintegratio, para citar apenas os mais controvertidos) uma novidade que contradiz o passado, uma abertura a esse "mundo moderno" ao qual a Igreja tanto se tinha oposto até Pio XII. Enquanto ficarem apegados a essas posições, que não tinham direito de cidadania no ensinamento precedente da Igreja, não será possível um verdadeiro renascimento da Igreja. Poderão entrar num acordo sobre a denúncia dos abusos, sobre a condição miserável do mundo católico actual, sobre as inquietações a respeito do mundo actual..., mas sobre o ponto mais urgente e mais importante, isto é, o remédio, ficarão nas antípodas da verdadeira solução.
Sua Santidade bem sabe que a questão da tradição não pode ser diferida por muito tempo; mas o ponto chave consiste em compreender que não se trata apenas de resolver o "problema" da Fraternidade São Pio X. Acolher oficialmente [no Vaticano] o mundo da tradição significa reconhecer que a solução de todos os problemas que afligem a Igreja e o mundo reside na fidelidade incondicional a tudo que a Igreja nos transmitiu sem alteração até hoje. Só assim, por um acto de humilde e confiante abandono a Deus, desafiando todos os cálculos e previsões humanas, poder se à realizar não apenas uma restauração, mas também uma verdadeira reforma da Igreja, que. trará consigo toda a vivacidade e o dinamismo de que ela indubitavelmente tem necessidade.
Não é preciso ter medo de reafirmar tudo que a Igreja sempre ensinou; pouco importa que esses princípios soem como "desafinados" aos ouvidos deformados da mentalidade moderna. É preciso permanecer fiel a Jesus Cristo e à sua igreja, e não ao mundo e a suas expectativas.
O único acto de verdadeira caridade que podemos fazer a esse mundo desviado é sermos fiéis à tradição da Igreja; ensinar sem temor tudo o que nos foi transmitido, apoiando nos exclusivamente na ajuda de Deus.
Os reinos dos Corações de Jesus e de Maria serão somente instaurados pela coragem da fidelidade ao que o mundo considera como tolice, loucura, fanatismo mas que, ao contrário, parafraseando São Paulo, é sabedoria e poder de Deus. Frente às terríveis ameaças e às tristes realidades que temos sob os olhos, só há um caminho a percorrer: "A fé, meus irmãos, mais fé!"
É esse acto de fé corajosa que esperamos do soberano Pontífice; somente a verdadeira fé poderá fazer a Igreja renascer mais bela e resplandecente do que nunca.