quinta-feira, setembro 30, 2004

Passado remoto

Ainda uma vez recorro a Papini para titular uns farrapos de memória.
Foi há muito, muito tempo. Alguns mocinhos inconscientes com que me orgulho de acamaradar então, foram por horrendos delitos levados a experimentar a arquitectura prisional deixada pelo Estado Novo, em estágio prolongado.
Lembro-me de ter chegado à Tomás Ribeiro, num dia assim como todos os dias, e ter dado de caras com um velho amigo (hoje por sinal com assento no hemicirco de São Bento), que em visível nervosismo andava afanosamente ocupado a fazer não percebi bem o quê – agora como tenho melhor instrução jurídica sei que estava a consumar um crime de destruição de provas (não tem importância, já prescreveu). Em tom imperativo e gritado incitou-me repetidamente a que me fosse embora, que não fizesse perguntas, que desaparecesse quanto antes – depois explicaria. Embora com cara de ponto de interrogação tive que aceitar contrafeito que aquilo era a sério, dado o tom do rapaz, e lá me fui embora, inquieto e decidido a tirar tudo a limpo o mais depressa possível. Corri então à Sampaio e Pina. Nessa época eu tinha o hábito de passar da Tomás Ribeiro para a Sampaio e Pina indo por São Sebastião da Pedreira e atravessando o topo do Parque Eduardo VII, o que fiz em velocidade acelerada. Chegado a esse outro antro apitei até me ser aberta a porta, o que tardou. Nem foi aberta, foi entreaberta, e lá de dentro espreitou a face magra de outro velho camarada, por sinal também António Maria (já faleceu, este). Com cara de caso, perguntou-me o que é que queria, sem abrir a porta e sem se desviar. Preocupado que estava já, notório como era que algo de grave se passava, disse-lhe que vinha falar com o Victor. Fez um ar de admiração, e exclamou espantado: “- Mas não sabe o que se passou?” Não, eu não sabia. Nesta altura ele hesitou, nitidamente a pensar que atitude tomar – só um instante, decidindo-se logo pelas cautelas. Acabou por dar-me com a porta, com o mesmo recado – “vá, vá, a ocasião não é boa, é melhor desaparecer, depois saberá”.
Obviamente, o meu estado de espírito não sossegou. Mas não me lembro que mais diligências fiz então nesse dia, a quem telefonei ou com quem me encontrei, para esclarecimento do mistério. Certo é que este acabou por esclarecer-se.
Lembrei agora este filme por causa de uns poemas que aqui tenho. É que, com efeito, a tal experiência prisional desse grupo acabou por traduzir-se num enriquecimento para o nosso património poético. Assim de repente serviram de musas inspiradoras a três poetas, que eu saiba.
Com a esperança que algum deles por aqui navegue, ou algum leitor amigo lhes leve o recado, cá estão os três poemas fruto dessa delinquência juvenil.

CANÇÃO PARA CAMARADAS PRESOS

Vale a pena estar preso nas mãos da mentira
Vale a pena – se é presa, connosco, a verdade.
Quando no céu de pedra, do cárcere, gira
Sobre as manchas dispersas, um sol sem idade.

Vale a pena escutar a noite das cadeias
Se as grades são pautas para um cântico antigo
Se as “cantigas d’amor” são “cantigas d’ameias”
De espada a clavejar no metal inimigo.

Vale a pena descer o degrau do degredo
Se relumbra, nos fundos, minaz, o minério
Se na teia das sombras se encerra o segredo
Como em bosque, doirado, um fruto de império.

É livre o que é preso. E astros, sóis, pensamentos
São livres se presos, a um centro, a rodar.
São cativas, da águia, as asas nos ventos
A adejar, são cativas as ondas do mar.

Vale a pena estar preso nas mãos da mentira
Vale a pena pesar as grilhetas adversas
Quando no céu de pedra, do cárcere, gira
Um sol sem idade sobre as manchas dispersas...

LUÍS SÁ CUNHA
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SOB O SIGNO DE PIRANESI (E DE PESSOA)
(Ao Victor Luís e a tutti quanti...)

Só de quanto vos escrevo sou escravo,
e, se até com a esperança fiz as pazes,
foi graças a vocês. A vós o devo. – Bravo,
rapazes!

Que a pátria os predestine
E que um dia Deus lhes pague!
(Nem só o Soljenitsine
conhece os cantos ao Goulag...)

Agora sei de que maneira
é que a gente recupera
a primeira
primavera!...

Se a rua o quiser (e quererá!)
triunfaremos – na calma...
Pois venha o que vier, nada será
maior que a vossa alma.

RODRIGO EMÍLIO
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CANÇÃO ÀS GRADES
(Para o meu sobrinho José Pedro)

Porque é que o dia demora?
Prenderam a madrugada:
A noite ficou cá fora
Parada.

Porque é que tarda em florir?
Prenderam a Primavera:
O Inverno não quis partir,
À espera.

Porque é que a pátria envelhece?
Prenderam a mocidade:
Seiva, sol, que fortalece
A idade.

Porque choras, Portugal?
- Prenderam o meu futuro:
Jamais terei ideal
Mais puro.

ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA

Alentejo Magazine


Gostei tanto deste banner que não resisti a copiá-lo. É dos compadres do litoral, para o Alentejo todo.

É A BLOGOSFERA, ESTÚPIDOS!

Chegam-me ecos de profunda perturbação nas hostes que, por coerência de investimento, se têm desunhado a defender o ex-cônsul de Portugal em Toronto. As suas movimentações são, no mínimo, impagáveis. Ontem à noite, na antiga sede do primeiro clube que os portugueses ergueram em terras canadianas, o First Portuguese Canadian Club, essas hostes reuniram, tremendo de raiva e emoção. Dali saíu um luzido grupo de cruzados que foi para Lisboa, direitinho ao Largo do Rilvas, pedir a cabeça do embaixador de Portugal em Otava, Silveira de Carvalho, e, se possível, trazer de volta e em ombros, o Sr. Artur Monteiro de Magalhães. O povão diz que esta iniciativa vai ser tão fracassada como o antigo clube. É que o First, depois de a esquerda ali ter abancado logo após a revolução dos CRAVAS, foi descendo todos os degraus da credibilidade e acabou por falir, indo à praça a casa, que logo foi arrematada por um novo rico que, para não variar, parecia um primeiro-ministro em Lisboa: disse que fazia aquilo para salvar uma jóia da comunidade portuguesa e depois, lampeiro, abriu ali uns bilhares e uns bares pró esquisito e ordinarote, mas que gozam do grande privilégio de ter como porteiro, ali no vasto passeio, o busto do Camões (não valeu de nada alertar para o desconchavo o anterior cônsul, o João Perestrello, a quem a comunidade chamava "aquele Zequinha", um que está agora a gozar as delícias de Sidney).
Também me chegam ecos de intensa irritação na agência noticiosa LUSA, que nós pagamos obrigatoriamente através dos impostos por ser uma vaca nacional onde mamam os governos todos que se querem louvados e promovidos. É que, tendo em Toronto um correspondente que é do PSD e tudo, absolutamente a condizer com a reinação de Lisboa, e ainda por cima casado com a funcionária consular Arlete Antunes, a providencial confidente do ex-cônsul Magalhães quando se viu de pulsos arranhados pelas algemas que lhe puseram estes malandros dos polícias canadianos, portanto um correspondente que está por dentro e bebe do fino, a pobre da LUSA fez figura de mulher enganada em toda esta novela. Todos sabiam menos ela.
E porquê? E como?
É a Blogosfera, estúpidos! Chegado o nosso país ao que chegou, só a Blogosfera resta a uma Diáspora causticada de incompetência e desonestidade, a um povo farto de partidocracia reles. Hoje, quem quer saber a verdade não lê jornais nem perde tempo com TVs, lê blogues.
Em 1974/75, quando os totalitários tomaram conta de toda a grande comunicação social, e nisso o José Saramago foi uma vedeta incontestada ao serviço da pátria soviética, os patriotas portugueses faziam panfletos ou escreviam nas paredes. Podiam ler-se coisas extraordinariamente bem pensadas e melhor ditas, como aquela de: Putas ao poder que os filhos já lá estão!
Eu mesma, à falta de melhor meio, naquela horrenda noite em que a canalha do MRPP (que era o Clube do Durão Barroso) e das outras franjas da extrema-esquerda saquearam e incendiaram a embaixada de Espanha, a que assisti, trespassada de espanto e raiva, com a Teresa Tarouca e o Nuno Salvação Barreto, que ali encontrei por acaso, eu mesma, por ter visto um conhecido jornalista, meu colega, um da UDP, saír da embaixada ajoujado com uma mala cheia de pratas, dei comigo, dali a bocado, a pintar a spray, no Chiado, este desabafo:
UDP = Unidos Dividiremos as Pratas
Pouco tempo depois, comprei o Templário e parti quanta loiça pude, até dar com os ossos no exílio.
Em tempo de guerra até as paredes servem para dizer ao povo o que realmente se está a passar. É até uma honra escrever nas paredes em certas épocas que a Pátria atravessa.
Felizmente, porque Deus não dorme, apareceram em cheio os computadores, a internet e os blogues. Hoje temos muitos mais meios, mais rápidos meios, de escrever o que é preciso ser escrito.
De que estão à espera todos os jornalistas honrados de Portugal, todos os patriotas em geral, mesmo os que escrevem com erros?
FERNANDA LEITÃO

A CIMEIRA IBÉRICA DE 1 DE OUTUBRO

A data de 1 de Outubro de 2004 caracterizar-se-á por uma Cimeira Ibérica, desta vez em Santiago de Compostela. É assinalável a regularidade com que estes encontros têm decorrido, principalmente após a restauração das democracias na Península desde 1974-1975.
Equipas de especialistas de ambos os Estados discutirão vários "dossiers", sendo de esperar avanços em vários domínios, num clima de cordialidade. É isso que se deseja. Ninguém de bom senso quererá que Portugal mostre má-vontade, ou desejará que a Espanha tenha uma atitude negativa. Claro, lamentar-se-á que Portugal não consiga dividendos assinaláveis, ou que não consiga equilibrar mais a seu favor várias questões, quase todas de âmbito económico. Isso dependerá da atitude portuguesa nessa cimeira, embora, como sabemos, muito do que poderia ter sido feito neste sentido tenha vindo a ser "adiado" ao longo dos anos. Não são os espanhóis que muitas vezes se têm posto em vantagem em relação a Portugal. Têm sido os portugueses a permitir, e por vezes a aplaudir (!), que uma tal relação de forças se tenha vindo a estabelecer.
Caberá aos responsáveis portugueses, sejam quais forem os governos (o actual, e os futuros), elaborarem e porem em prática estratégias e políticas que "melhorem" a situação, ou a "classificação" de Portugal neste "Torneio" Ibérico. E, claro, a toda a sociedade... a começar pelos reputados especialistas que denunciam (e bem!) as fraquezas e os erros da sociedade e do País em geral, mas que (e mal!) não tentam sequer apontar soluções, preferindo o discurso, que parece estar na moda, de que só resta a Portugal chorar sobre os seus "podres" para os quais não há solução possível. Triste País que tais elites ouve... e aplaude!
O que não se pode negar, penso, é a inegável vontade de Lisboa no sentido de "limar arestas" em relação a Madrid. Em qualquer cimeira, a vontade portuguesa tem sido quase sempre a de chegar a acordo com os políticos espanhóis. Atitude que, aliás, é, em geral, louvável. Também muitas vezes Madrid "lima" algumas "arestas".
Afinal, o bom relacionamento entre os dois países convida a um clima de amizade.
Todavia, em muitos "dossiers", tem-se a sensação de que os pontos de vista espanhóis são quase sempre os adoptados pelos negociadores de Lisboa. è incompreeensível que tal assim tenha sido em alguns dos casos conhecidos. Parece haver um medo de "contrariar" Espanha, mesmo em detalhes insignificantes, por parte da maioria dos governantes portugueses. E esta atitude não será talvez muito saudável nem conveniente. Uma amizade verdadeira pressupõe discussões, perdas e ganhos. Nunca uma sujeição total de um ou outro interveniente.
Vários casos se poderiam citar de "capitulação" portuguesa... passe o exagero da expressão. Mas há um que não pode ser deixado em claro. É um caso que, por ser talvez o mais antigo, e por ter reflexos ao nível da partilha dos lençóis de água criados com o Alqueva, está sempre presente. Refiro-me, como já muitos terão percebido, a Olivença. Não tanto pelo facto de o Estado Português, como se sabe, apesar de não reconhecer a soberania espanhola sobre a Região, adiar quase constantemente a colocação na Agenda Diplomática da Questão (o que é inadmissível; basta comparar com a persistência espanhola em torno de Gibraltar ). Mas principalmente, neste momento, pelo que se está a passar em torno da Ponte da Ajuda,sobre o Guadiana, entre Elvas e Olivença.
Convém recuar um pouco no tempo. Em 1994, Portugal decidiu, nomeadamente graças ao Ministro Durão Barroso, que Lisboa tomaria a seu cargo, integralmente, para que não houvesse sinais de que abdicava de reivindicar a região, a construção de uma nova ponte no local e a recuperação da Velha Ponte Manuelina, o que foi aceite por Madrid. Em Outubro de 1999, forças policiais espanholas intervieram decididamente nas obras em curso, paralizando-as. Já depois de a nova Ponte ter sido inaugurada em 11 de Novembro de 2000, soube-se que se fizera um estranho acordo, pelo qual o Instituto de Estradas de Espanha poderia recuperar a velha Ponte após parecer do IPPAR.
Sem esperar este parecer, que aliás acabaria por ser negativo, a Espanha começou a efectuar obras na velha ponte em 2003, o que motivou tantos protestos que foi decidido parar.
Com estupefacção, soube-se que a Espanha apresentara novo projecto ao IPPAR, a que este não respondeu, talvez por considerar o seu primeiro "não" definitivo, e que tal ausência de resposta fora interpretada como um sim ao recomeço das obras por Madrid, já a partir de Outubro de 2004 (Jornal "Hoy", Badajoz, 11 de Setembro de 2004), a "confirmar na Cimeira Ibérica de 1 de Outubro"(!). Pior, a Junta da Extremadura (espanhola, evidentemente), declarou, por essa altura, a Ponte da Ajuda "monumento extremenho/espanhol"... sabendo perfeitamente que a mesma fora declarada monumento português desde 24 de Janeiro de 1967. O que significa que tomou uma decisão unilateral, com laivos ofensivos. Mesmo porque, a 25 de Junho deste ano, todos os partidos políticos parlamentares portugueses revelaram, sem excepção, que havia dúvidas fundamentadas sobre a administração espanhola em Olivença!
A Imprensa Portuguesa quase não noticiou estas decisões extremenhas/espanholas de Setembro. Aguarda-se com alguma impaciência qualquer afirmação que esclareça o que pensa Lisboa de tudo isto. Não o fazer, poderá significar que se abdicou até do Direito à Indignação. Ou até do Direito de ter uma Diplomacia própria dum país independente, séria, capaz de se fazer respeitar dentro das normas mais elementares do Direito Internacional, a que Portugal e Espanha estão subordinadas.
É de presumir que Madrid compreenderá que, numa amizade verdadeira e entre entidades soberanas e iguais em direitos e DEVERES, não é possível tomar este tipo de atitudes. E talvez Lisboa comece finalmente a comprender que é quando existe um clima favorável na relação entre dois povos que se devem resolver os litígios pendentes. Sem pôr em causa amizades, mas sem abdicar de princípios justos.

Estremoz,24 de Setembro de 2004
Carlos Eduardo da Cruz Luna (Prof. História)

Eleições na Vendinha: qual o valor do teste?

Constato com alguma estranheza que o resultado das eleições intercalares do passado domingo na Freguesia de São Vicente do Pigeiro/Vendinha não provocaram até ao momento qualquer comentário na blogosfera eborense.
A estranheza explica-se pela atenção dada ao confronto que se adivinha nas eleições para a Câmara de Évora, que bem se percebe estar nos seus desenvolvimentos iniciais - mas com a corrida já lançada - e que, este sim, tem tido merecido relevo.
Ora as referidas eleições intercalares, a esta distância das últimas e já à vista das próximas, não podem deixar de ter valor de teste, a justificar análise mais aprofundada (que estou em crer estará a ser feita, mas pelos vistos mais ou menos à porta fechada).
Algumas vozes estarão nesta altura com a sentença já definida: estes resultados têm um significado meramente local, têm explicações circunstanciais e acidentais, a amostra é pequena, numa palavra não é legítimo tirar conclusões com pretensões de generalização, não se pode extrapolar nada.
Admito que efectivamente existam motivações de ordem meramente local, e personalizadas. Mas não é possível iludir a realidade e apagá-la num passe de mágica. A verdade é que o PCP entre as últimas autárquicas e estas intercalares perdeu mais de metade do seu eleitorado. Numa freguesia rural onde nunca tinha perdido. É uma derrota dura e pesada, ao fim de 30 anos de vitórias por maioria absoluta.
A existência de problemas com duas pessoas que compunham a última Junta (prevaricações que o PCP aliás condenou, demarcando-se e retirando confiança política a tais pessoas, e apresentando outros candidatos de sua escolha) não chega para explicar a debandada do eleitorado.
A característica fidelização do eleitorado comunista teria funcionado perfeitamente até há não muito tempo: sendo A ou B o candidato, ou sendo a mula da cooperativa, o eleitor típico do partido nunca hesitaria em votar no que o partido indicasse.
As tais perturbações não teriam efeitos de maior, para alem do afastamento das tais duas pessoas.
Todavia, o que temos é um naufrágio sem precedentes. Mesmo que em parte se deva às razões a que o PCP gostaria de atribuir o todo, não me parece que tais razões possam explicar senão uma parte.
E quais as explicações de ordem mais geral que então se nos apresentam?
Pode bem ser o que o PCP não quer admitir: a quebra dos laços entre o partidão e seu eleitorado cativo. O desmoronar da base rural do PCP alentejano. Neste lapso de tempo desde a perda da Câmara os mecanismos conjugados do envelhecimento e do cansaço, e do funcionamento dos sistemas de aliciamento conhecidos de todos no poder autárquico, teriam alcançado este efeito de erosão na base eleitoral comunista. O Dr. Ernesto seria finalmente não apenas o sucessor mas o verdadeiro herdeiro do Dr. Abílio (embora não no partido). Um fenómeno concretizado silenciosamente, desapercebido aos nossos olhos de citadinos letrados entretidos a falar uns para os outros nos areópagos limitados em que julgamos traduzir a opinião pública.
Se assim for, o resultado pode servir para prever o comportamento de uma franja sigificativa dos eleitores das nossas freguesias rurais. E nesse caso, ocorrendo nelas essa sangria que se verificou em São Vicente do Pigeiro, o PCP nas eleições autárquicas que se façam no Concelho de Évora não só não ganhará nada como irá perder tudo o que tem. Para satisfação e proveito do Dr. Ernesto.

Dia Mundial da Música assinalado em Évora

A Associação Cultural Trítono, instituição eborense que se propõe divulgar a cultura e os valores regionais e nacionais nas suas diversas vertentes, promove um concerto comemorativo do Dia Mundial da Música, que terá lugar no dia 1 de Outubro, pelas 21.30 horas, na Capela de São Joãozinho (Igreja de São Francisco), com a presença do Grupo Vocal Trítono e do Duo de Acordeão Eolis.

quarta-feira, setembro 29, 2004

A TRANSFORMAÇÃO DO MUNDO

Estou a ler dois livros que nos falam da transformação do mundo. Dois livros que nos fazem estremecer, um pela lucidez do pensamento, outro pela crua verdade da vivência pessoal. O primeiro, nascido do desengano de um pensador perante a decomposição do Ocidente, o segundo da desfiguração humana, característica da experiência comunista. Trata-se de "O Modelo Desfigurado", de Thomas Molnar, e de "O Tremor dos Homens", de Paul Goma - cujo subtítulo não é menos sugestivo: "Pode viver-se hoje na Roménia? " - aparecidos ambos em Paris; imagens do mundo em que vivemos. Húngaro o primeiro, romeno o segundo, os dois escritores fazem parte daquela geração do pós-guerra que, em etapas diferentes, quero dizer, em tempos distintos, já que Goma é mais jovem do que Molnar, tiveram de enfrentar o Estado e partir, escolhendo o exílio não só para continuarem a escrever como para continuarem a viver. A diferença entre os dois está em ser Goma um novelista e falar-nos dos seus últimos meses em Bucareste, enquanto Molnar é professor de Ciências Políticas numa Universidade de Nova Iorque, e relata a transformação experimentada pela sociedade norte-americana nas últimas décadas, modificando as instituições modelares que estavam na sua base e dirigindo-se, pouco a pouco, para um tipo novo de sociedade totalitária.
Sabemos, através de tantos livros de História e também através de tanta novela, do desengano daquela geração perdida que não podia suportar, após a Primeira Guerra Mundial, o peso despersonalizante do "big money" na medida em que os Estados Unidos, uma vez abandonado o modelo puritano, começaram a transformar-se num país dominado pelo dinheiro. Na medida, pois, em que o berço da democracia ocidental, louvada por Tocqueville, tem vindo, e não vagarosamente, a transformar-se em algo que lembra aquelas ilusões que despertavam o entusiasmo e a esperança das almas perseguidas e dos enganados do mundo inteiro. Há uma novela de Herman Broch, intitulada "Esch ou a anarquia", segundo tomo da trilogia "Os Sonâmbulos", que descreve perfeitamente o estado de ânimo de um pequeno burguês alemão dos princípios do século, enamorado da liberdade... e que tem na sua frente dois ideais para ele inalcançáveis: uma mulher a quem nunca consegue declarar o seu amor e partir para o país da última Thule, a autêntica pátria dos homens, que na mesma época Walt Whitman definia como o desejado refúgio da pureza. Escreve Thomas Molnar: “... e não se confunde a liberdade americana com um individualismo beatamente optimista, esgotando-se num activismo muitas vezes cego? E, no fim, a liberdade inicial não tem seguido insensivelmente o passo da tirania - da maioria, da burocracia, da opinião pública, dos mass media - e a autonomia local o da centralização? Sob o rótulo imutável da democracia, não nos tem conduzido a América a uma certa forma de Estado tutelar que Tocqueville considerava a grande tentação das sociedades igualitárias? "
Existe nos Estados Unidos uma tirania da sociedade civil que, segundo Molnar, está transformando as mesmas instituições em grupos de pressão, transformação que, no padrão da democracia regida pela liberdade e igualdade, reduz a nada os melhores. O esmagamento do escol é ali tão violento e eficaz como na URSS. O “big money” e todas as suas consequências visíveis e invisíveis pode ser tão deformador como o partido único. A modificação da estrutura democrática dos Estados Unidos está liquidando, pouco a pouco, mas a uma velocidade crescente, os últimos restos de uma resistência humana face à investida do desumano. O desaparecimento do romance nos últimos anos dá perfeitamente conta da crise. O romancista era o refúgio e o alívio. Através de John dos Passos, de Hemingway, de Faukner, de Fitzgerald, o homem da sociedade norte-americana podia respirar e esperar. Entretanto, a igualdade gastou-se com a liberdade, tal como na Rússia, e a novela já não é possível senão como vulgar passatempo e "best-seller" comercial. O livro-guia, salvador das essências, desapareceu, tal como o teatro depois da morte de O'Neill. O modelo político desfigurado acabou por desfigurar uma totalidade humana, que foi, durante tanto tempo, o sonho de todos.
O livro de Paul Goma é a história de um exílio. Quando os escritores checoslovacos, na Primavera de 1977, dirigiram uma carta às autoridades pedindo o respeito pela Constituição em nome dos direitos humanos, Paul Goma conseguiu convencer um grupo de intelectuais romenos a escreverem uma carta de adesão aos seus colegas de Praga. O resultado foi o isolamento. Durante meses, o novelista viveu cercado pela polícia na sua própria casa, cortadas as ligações telefónicas com o resto do mundo, proibidas as visitas, recusado o direito de publicar, etc. Toda uma série de medidas tomadas pela polícia para que a ideia não se divulgasse. Contudo, gente de todo o país, intelectuais ou empregados, camponeses ou operários, conseguia romper o cerco e estabelecer contacto com o sitiado. O terramoto também facilitou a ruptura, durante aqueles terríveis momentos de Março de 1977, quando grande parte da capital romena se desmoronou enterrando sob os escombros milhares de pessoas. O livro não é mais do que o relato daqueles momentos de angústia provocada pelos homens e pela natureza, enquanto um espírito livre pensa no destino dos outros e só pede o respeito da lei.
Goma acabou por ser expulso da sua terra e vive agora em Paris. O seu testemunho é a crónica da miséria do século XX. Já ninguém pode dizer nada. Colossos pré-fabricados, pensados sob a luz da utopia, erguem-se cada vez maiores ante a pequenez cada vez mais ameaçada da pessoa humana. Tanto no Oeste como no Leste, o homem procura esmagar o homem. Com o fim evidente de construir uma sociedade planetária dominada pelas ideias da Ilustração, que engendraram as revoluções de 1788 e de 1917. Em França e na Rússia. Desde então, vivemos uma transformação à escala mundial. Sob um ou outro aspecto, a liberdade, que é incompatível com a igualdade, foi deslocada por esta última. É este o fenómeno mais característico ocorrido no padrão das democracias, ajudado pelo desenvolvimento da técnica. O homem, como medida da liberdade, está a desaparecer sob o avanço da igualdade inumana. A realidade afunda-se sob o peso do utópico, de um e outro lado de uma grande fronteira que parecia muito firme e que, no fundo, deixou de existir.
VINTILA HORIA

Encontro de blogues em Beja


Falta mais de um mês, mas convém começar já a divulgar.
Passem na Praça da República em Beja.

Uma estratégia portuguesa

A organização da diáspora portuguesa - um dos principais factores de afirmação de Portugal no Mundo

A actual situação de vulnerabilidade das bases económicas e culturais da independência nacional que se manifesta não só ao nível das estruturas económicas internas, mas também ao nível de afirmação do país no contexto internacional e em particular no contexto europeu, exige dos nossos governantes a realização de uma profunda reflexão visando identificar os factores que possam reforçar a posição de Portugal no mundo na componente da mundialização.
Os responsáveis políticos e os investigadores nacionais têm orientado de um modo limitado e redutor, as suas análises e propostas estratégicas para os factores de competitividade das estruturas económicas internas, e também para a eficácia administrativa dos sectores público e privado.
Esta visão redutora leva os nossos responsáveis a consciente ou inconscientemente esquecer um factor estratégico que já é de facto, e pode revelar-se ainda mais importante no futuro para a afirmação de Portugal no sistema de poder ao nível mundial, a diáspora portuguesa : constituída por comunidades que se implantaram e desenvolveram em grande número de países de vários continentes que se aproximam hoje dos 15 milhões, sendo 5 milhões de portugueses directos, e os restantes luso-descendentes com nacionalidade portuguesa, dupla nacionalidade, ou simplesmente uma ascendência portuguesa. Pelo elevado número, e pela sua cada vez maior importância no contexto social, económico, e político, dos países de acolhimento, as comunidades portuguesas constituem sem dúvida um dos maiores vectores da influência e da afirmação de Portugal ao nível mundial.
É incompreensível em termos políticos e mesmo históricos, que os nossos dirigentes não tenham até agora «devido a uma cegueira política e ideológica que infelizmente tem afectado partidos e intelectuais» tomado consciência, nem concebido estratégias adequadas para dar expressão real à grande força de redinamização e de reforço da nação portuguesa que constitui a nossa diáspora. Esta deve ser organizada de maneira inteligente para poder dar uma nova dimensão, não só politicamente através da participação dos emigrantes na vida política dos países de acolhimento, mas sobretudo ao nível sócio económico por meio de estabelecimento de redes de cooperação empresarial e de solidariedade profissional, ao potencial de afirmação e de influência histórica dos portugueses, e ao reforço da portugalidade no mundo.
O poder político e as administrações públicas e diplomáticas de que o nosso país tem nesta conjuntura, não dispõem de meios, nem de um projecto político à altura para realizar a grande tarefa nacional que é a organização da diáspora portuguesa ao nível mundial.
Face a esta insuficiência, - incapacidade actual do estado, da administração, e do nosso sistema político, - o caminho preferível, o mais evidente, é o do fomento da auto-organização da diáspora através da sua capacidade de iniciativa e dinamismo, cujos grupos mais activos poderão suprir estas insuficiências públicas formando e dinamizando um projecto político e organizativo, um projecto naturalmente virado para defesa dos interesses dos portugueses e de Portugal no mundo, alargada a todos os países de expressão portuguesa, e regiões onde a língua e a memória portuguesa ainda subsiste, como ex. Malaca, Goa, Damão e Diu, Casamança (crioulo português), Indonésia (Flores) Togo e o Benim, sem esquecer a Europa onde em países como a França e Luxemburgo a comunidade portuguesa tem grande relevo.
Malaca, onde 3 milhares falam, cantam, sentem, vivem, e rezam à maneira portuguesa, esquecidos há muitos anos pela pátria de origem que lhes deu uma identidade, sem escolas ou apoios culturais que lhes permita não só a continuação evolutiva da língua, como da sua própria expansão nesse canto da Ásia; Guiné e Senegal onde a língua portuguesa entrou oficialmente nas universidades; S. João Baptista de Ajudá, África do Sul, que começa a despontar a importância nacional da língua portuguesa como forma diferenciada da colonização inglesa com influência e apoio de moçambicanos e angolanos, ocupa já uma posição de relevo nos lugares das línguas oficiais; na Califórnia e na Costa Leste dos Estados Unidos.
Timidamente o governo central de Lisboa começa a tomar conhecimento deste potencial, embora sem ter um projecto político à altura, nem estruturas consequentes de apoio.
Aproveitando os recursos das novas tecnologias da comunicação, há que promover a criação e multiplicação de cyberespaços e de redes Internet de contacto, diálogo e solidariedade entre os grupos que constituem a diáspora portuguesa alargada no mundo.
Existem hoje meios instrumentais e técnicos que nos permitem com facilidade organizar, auto-organizar, as centenas de milhões de indivíduos que falam português e reivindicam a portugalidade no mundo.
Esperemos que este potencial irrefutável possa ser compreendido pelos nossos responsáveis políticos.
António Sustelo
Presidente do Centro Português de Arte e Cultura de Bruxelas

(Artigo no CIARI- Centro de Investigação e Análise em Relações Internacionais)

Comunicado do Grupo dos Amigos de Olivença

Reunindo-se o Presidente do Governo de Espanha e o Primeiro Ministro de Portugal, no âmbito da XX Cimeira Luso-Espanhola, o Grupo dos Amigos de Olivença, torna público o seguinte:
1. A Questão de Olivença continua por resolver: Portugal não reconhece a soberania de Espanha sobre Olivença e considera o território, de jure, português.
Designadamente, a Assembleia da República levou o assunto a discussão em Plenário, os Tribunais portugueses têm indicado que o conflito exige solução pela via diplomática e, facto inédito entre dois Estados europeus, não é reconhecida a fronteira nem estão fixados os limites entre os dois países, na zona, ao longo de dezenas de quilómetros.
O assunto é tema na imprensa internacional e suscitou a atenção das chancelarias. Em Espanha, enquanto sectores político-diplomáticos autorizados associam a situação de Olivença aos casos de Gibraltar, Ceuta e Melilha, outros evidenciam incomodidade e nervosismo, tudo abundantemente reflectido na comunicação social.
Também o actual Primeiro Ministro de Portugal, pouco antes de assumir o cargo, manifestou publicamente a sua simpatia pela reivindicação de Olivença e declarou que «há alguma incoerência nalgum esquecimento em relação aquela que é a história de Olivença».
Inquestionavelmente, a Questão de Olivença está presente na realidade política Luso-Espanhola.
2. O Governo português, conforme o comando constitucional, tem, repetidamente, explicitado que «mantém a posição conhecida quanto à delimitação das fronteiras do território nacional» e que «Olivença é território português». Se o anterior Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Martins da Cruz, reiterou que «temos um problema mas temos de o resolver», mais recentemente a então Senhora Ministra, Dra. Teresa Patrício Gouveia, veio explicitar que «o Governo português se mantém fiel à doutrina político-jurídica do Estado português relativa ao território de Olivença».
3. O litígio à volta da soberania de Olivença, propiciando, pela sua natureza, desconfiança e reserva entre os dois Estados, tem efeitos reais e negativos no seu relacionamento.
Se o confronto se evidencia, aparentemente, em episódios «menores», também é certo que muitos dos atritos e dificuldades verificados em áreas relevantes da política bilateral têm causa na natural persistência da Questão de Olivença.
4. É escusado, é insustentável e é inadmissível, prosseguir na tentativa de esconder um problema desta magnitude.
A existência política da Questão de Olivença e os prejuízos que traz ao relacionamento peninsular, impõem que a mesma seja tratada com natural frontalidade, isto é, que seja inscrita – sem subterfúgios – na agenda diplomática luso-espanhola.
Não é razoável nem correcto o entendimento de que tal agendamento põe em causa as boas relações com entre Portugal e Espanha e prejudica outros interesses importantes. Uma política de boa vizinhança entre os dois Estados não pode ser construída sobre equívocos, ressentimentos e factos (mal) consumados. A hierarquia dos interesses em presença não se satisfaz com a artificial menorização da usurpação de Olivença.
5. As circunstâncias actuais, integrando Portugal e Espanha os mesmos espaços políticos, económicos e militares, verificando-se entre eles um clima de aproximação e colaboração em vastas áreas, são as mais favoráveis para que, sem inibições nem complexos, ambos os Estados assumam finalmente que é chegado o momento de colocar a Questão de Olivença na agenda diplomática peninsular e de dar cumprimento à legalidade e ao Direito Internacional.
6. O Grupo dos Amigos de Olivença, com a legitimidade que lhe conferem 66 anos de esforços pela retrocessão do território, lança um desafio aos Governantes dos dois Estados para que, no respeito pela História, pela Cultura e pelo Direito, dêem início a conversações que conduzam à solução justa do litígio.
O Grupo dos Amigos de Olivença, fazendo seus os anseios de tantos e tantos portugueses, apela ao Governo de Portugal para que, resolutamente, leve por diante a sustentação dos direitos de Portugal.
O Grupo dos Amigos de Olivença dirige-se a todos os cidadãos e pede-lhes que, no pleno exercício dos seus direitos, se manifestem e tornem público o seu apoio à defesa da Olivença Portuguesa.

Lisboa, 29 de Setembro de 2004.
A Direcção.

terça-feira, setembro 28, 2004

O "Público" e as fontes

Reparem bem nos três artigos de Fernanda Leitão, aqui publicados tal como a sua autora os escreveu. Como se constata, os mesmos estiveram na origem de uma notícia no "Público" de hoje, com menção de ser trabalho do "Público/Lusa".
Estão a ver como é útil a nossa blogosfera?

É incrível!

O Ministério dos Negócios Estrangeiros acaba de encarregar o secretário de estado das Comunidades, Carlos Gonçalves, de conduzir um inquérito ao desprestigiante incidente ocasionado pelo ex-cônsul de Portugal em Toronto, Artur Monteiro de Magalhães.
É absolutamente inacreditável que um inquérito destes, envolvendo um diplomata que é acusado pela polícia canadiana de agressão e obstrução de justiça, que é acusado por grande parte da comunidade portuguesa de falta de respeito pelas funções e pelo estado português ao oferecer um almoço de despedida dentro do consulado em que se dedicou à nobre tarefa de lavar roupa suja do embaixador e do MNE, é inacreditável que tenha sido escolhido Carlos Gonçalves, um antigo deputado pela emigração, um homem do aparelho partidocrático, a quem deve o que é e a ninguém mais. Portanto, um homem a quem não se reconhece imparcialidade.
Já não há diplomatas de carreira, dos bons, dos garantidos, para pôr as coisas no são? Ou servem-se dum andarilho da partidocracia para melhor honrarem o espírito corporativista do MNE, esse espírito que leva a encobrir, por longos anos a fio, funcionários como este Magalhães, o Tânger, o Ritto e companhia? Será que o MNE está falido, ao menos de bons colaboradores?
É que já se especula nos meios da televisão e jornais, em Portugal, que o MNE deve estar fechado para obras, ou fechado por falência, porque, por dias e dias seguidos, os seus telefones não atendem. “É um regalo viver agora no nosso país. Não se aguenta de tanta felicidade” – dizia-me há dias, em amargo telefonema, um colega meu de Lisboa.
Não, senhores do governo, assim não nos entendemos. Assim é demais. Das duas, uma: ou há um mínimo de transparência, de correcção e de isenção, ou está o caldo entornado. Bem basta a incompetência trapalhona quanto mais estes golpes baixos. Nós, emigrantes, estamos fartos, estamos por cima da cabeça com o pessoal desconchavado que nos mandam e os silêncios que o MNE faz quando eles, depois de anarquizarem os consulados, com graves prejuízos para as comunidades, decidem armar em chicos espertos terceiromundistas.
Basta.
FERNANDA LEITÃO

TORONTO NÃO É BISSAU

No dia 22 de Setembro os empregados do consulado de Portugal em Toronto eram convidados pelo titular da missão, Artur Monteiro de Magalhães, para um almoço, oferecido por ele, dentro das instalações consulares. O cônsul, em pessoa, instava os funcionários a não faltarem por ter, dizia, uma importante comunicação a fazer. Grande expectativa. Nessa noite, alguns deles especulavam que aquilo devia ser “transferência para tacho na União Europeia”. Não achei disparatada a sugestão porque, tendo Portugal batido no fundo com este governo, tudo pode acontecer.
O dia 23 trouxe aos funcionários consulares um lauto almoço, regado a champagne alemão, e uma desilusão de todo o tamanho. O cônsul comunicou que partiria para Portugal dali a dois dias para não mais voltar ao Canadá, destituído do cargo pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Não sabia porquê, mas calculava que fosse por, na noite de 21 de Agosto, depois de um jantar fora de portas, ter sido obrigado a parar o carro na autoestrada para passar pelo sono, tendo sido acordado por dois agentes da OPP (Ontario Provincial Police, um ramo da Polícia Montada), que o queriam pôr a soprar o balão e verificar-lhe os documentos. Recusou uma coisa e outra, afirmou, porque um diplomata é um diplomata, e aqui infere-se que é um ser acima da lei e das regras. E vai daí, contou, aqueles brutos botaram-lhe algemas e deram-lhe voz de prisão, estando ele inocente como um bébé de mama. Até, por sinal, lhe tinham ferido os pulsos porque ele, macho lusitano, resistiu. Neste passo ergueu-se uma funcionária consular, Arlete Antunes, casada com o correspondente local da Lusa, em brados de revolta incontida, contando que era verdade, o senhor cônsul só a ela tinha mostrado os arranhões e contado a história. Toda a sala se dobrou perante a imponência da Confidente e lhe admirou ter sabido guardar intacto aquele segredo para o marido transformar em “caxa” quando lhe conviesse. Mas Artur de Magalhães, tomado de uma verve incontrolável, adiantou mais pormenores. Depois das algemas e da voz de prisão tinha chegado uma oficial da polícia chamada pelos dois agentes. Diz que uma mulher e tanto, a avaliar pelo ar meio assustado com que Magalhães referiu que se ela lhe tivesse dado uma “barrigada” ele não aguentaria o golpe. Portanto, um pedação de mulher mas, pelo que se verá de seguida, cortês e calma. Nada burra e bem treinada, adiantarei ainda. Por certo com medo da “barrigada”, Magalhães entrou pela vida da negociação: pediu à oficial da OPP que retirasse o mandato de prisão e as algemas e, em troca, ele faria o teste de alcoolémia e mostraria todos os documentos. A mulherona, cordata e delicada, aceitou. Magalhães soprou no balão, a oficial leu os papéis e tomou todas as notas que entendeu, após o que mandou tirar as algemas e disse ao cônsul-geral de Portugal para o Ontário e Manitoba que podia seguir caminho. O diplomata mostrou os arranhões à Confidente e considerou o caso arrumado. Poucos dias antes do almoço oferecido no consulado, recebeu ordem de destituição e de marcha do MNE. Pensou logo em traição do embaixador de Portugal em Otava, Silveira de Carvalho. E, perante os funcionários consulares reunidos na Última Ceia, despejou o saco acerca do embaixador, contou histórias medonhas desde o tempo da Guiné-Bissau, chamou-lhe tudo menos santo. E de caminho, destratou o MNE, aquela corja de maus colegas e piores chefes. A Confidente passou ao ataque, corroborando o que Magalhães dizia. Levantaram-se algumas vozes sugerindo que o Sindicato dos Empregados Consulares se empenhasse na defesa do cônsul. Mas a delegada sindical, Clara Santos, opinou que se devia era mobilizar a comunidade para esta cruzada. A Confidente aplaudiu, secundada por umas quantas e quantos que se regem pela cartilha profissional do “quanto pior é o cônsul, melhor é para mim que posso meter férias umas poucas de vezes por ano, vou a Lisboa quando quero, gasto tempo a jogar no computador em vez de despachar os documentos que aqueles tugas lá foram esperam e pagam, e me passa cartas de recomendação para abichar viagens, cursos e publicações de livros oferecidas pelo governo dos Açores”. Grande cartilha. Abençoada cartilha que tão bons frutos tem dado aos que a usam. Mas, nessa mesma noite, uns quantos funcionários consulares faziam saber que não se deixavam enrolar, que não se vendiam por almoços nem por champagne. Como sei o que a Lusa gasta e o que gasta o correspondente local, nessa mesma noite mandei a notícia para Portugal e para a diáspora. Just in case.
Na manhã de 24 o semanário Sol Português publicou uma prosa anónima, mas que toda a gente percebeu ser de Fernando Cruz Gomes, intitulada MNE “HOSTILIZA” COMUNIDADE PORTUGUESA. Na tarde desse mesmo dia, o serviço português da estação canadiana OMNI NEWS transmtiu uma peça sobre o assunto. Foi relatado, sem meias palavras, o que afirmou o porta-voz da OPP: convidado a mostrar os documentos, Artur de Magalhães, não só recusou como agrediu os agentes da autoridade. Seguiu-se o que é inevitável nestes casos: algemas e voz de prisão. E chamar a oficial de serviço à zona. Depois da negociação acima descrita, a oficial e os agentes apresentaram o caso ao Ministério dos Negócios Estrangeiros do Canadá, conforme relatou a OMNI NEWS, e este declarou, peremptoriamente, que aquele era um incidente em que não havia imunidade de qualquer espécie. A OPP foi à vida e a ocorrência foi notificada ao embaixador de Portugal que, como era seu dever, comunicou ao Palácio das Necessidades.
Pelos vistos, Magalhães contava ser encoberto, isto é, que o embaixador não cumprisse o que lhe incumbia. Mas como, santo Deus, se Toronto não é Bissau? É que Bissau é outra largueza para a asneira, como é próprio de países do Terceiro Mundo. Lá, por exemplo, pode um funcionário superior mandar botar luz vermelha na porta do gabinete e transformá-lo em alegre Bataclan, com mulatas e tudo. Ou falhar a entrega do carregamento de medicamentos e alimentos para populações carenciadas, por andar na borga, e depois de desaparecida a mercadoria, estando o patrão fora, dar à sola e andar fugido como um vulgar bardina. Ou estampar um carro CD na Recta do Cabo, com uma alegre companhia lá dentro, e vir-se apurar que era fruto duma contabilidade paralela. Nesses países a liberdade é isto, para os que comem, porque as populações de barriga vazia nem se podem queixar. Em Toronto, e no Canadá todo, é diferente. Ninguém está acima da lei e qualquer um que ponha o pé em ramo verde, mesmo que seja ministro ou diplomata, leva algemas e pode ir parar à prisão. O país alberga emigrantes de 160 países, a quem dá a liberdade de manter a sua língua e tradições, a quem dá até o direito a voto depois de obtida a cidadania, mas não tolera abusos, rebalderias e violências gratuitas. Definitivamente, Toronto não é Bissau – como gostariam alguns desperdícios do império que se arrastam pelos ghettos do atraso.
No dia 25 de Setembro, foi posta a circular uma carta dirigida ao actual primeiro ministro português em que se defende Magalhães e se pretende enterrar o embaixador. Passo os olhos pelas assinaturas e verifico que, além dum imbecil de nascença, dum cadastrado que defraudou o estado canadiano em mais de meio milhão de dólares e de alguns caloteiros profissionais, há o correspondente da Lusa e mais uns quantos fabricantes de panelas sobejamente conhecidos. É um documento notável e exemplar. Ao que oiço este luzido grupo anda por aí a angariar parceiros para irem a Lisboa fazer um protesto. Benza-os Deus.
Dou comigo a sentir-me muito feliz, e também orgulhosa, de ser marginal. De viver à margem de toda esta podridão que desprezo. Mas podridão que dói, porque é por causa deste establishment que a comunidade não tem o avanço social e a visibilidade que os seus 50 anos e muito trabalho honrado da grande maioria dos portugueses aqui radicados amplamente pede.
Resta rematar com uma constatação: na comunidade portuguesa do Ontário eram muitos os que esperavam uma saída destas, embora não a esperassem tão cedo. Querido do establishment que tomou de assalto alguns clubes, associações e jornais, Artur Monteiro de Magalhães foi um cônsul que, um mês depois de estar em Toronto, já tinha mostrado o que é – arrogante, pedante, linguareiro, gabarola e incompetente. Deixa o consulado numa anarquia. E muita gente, e muito boa gente, contra ele. Desde o princípio se percebeu que não tem linha. O que se passou agora e a sua reacção, só o confirma.
FERNANDA LEITÃO

CÔNSUL DE PORTUGAL EXPULSO DO CANADÁ

Um incidente grave com a polícia canadiana, numa autoestrada do Ontário, na noite de 21 de Agosto, levou as autoridades locais a intervirem junto da embaixada de Portugal em Otava e o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal a destituir Artur Monteiro de Magalhães do cargo de cônsul geral para o Ontário e Manitoba.
O assunto foi manrtido no maior segredo (excepto para a mulher do correspondente local da lusa) até 23 de Setembro, dia em que o cônsul ofereceu aos funcionários um almoço privado, regado a champagne, nas instalações das missão diplomática, para lhes contar a sua versão da história, arrasar o embaixador Silveira de Carvalho e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, parecendo agradado com a disponibilidade de alguns empregados consulares incitarem a comunidade a uma rebelião contra as autoridades portuguesas, directamente e através do Sindicato do Pessoal Consular.
Artur Magalhães apresentou-se como vítima da polícia canadiana mas do seu relato ressaltaram várias contradições. Sabe-se, no entanto, que na noite referida vinha de um jantar, na autoestrada, quando se sentiu sonolento e parou para dormitar um pouco. Pouco depois, porque um carro parado na berma de uma estrada ultramovimentada, e com carros a grande velocidade, é proibido por perigoso, foi abordado pela polícia, que quis fazer o teste do balão. Magalhães recusou-se, invocou o seu estatuto de diplomata, resistiu vivamente. Os agentes chamaram oficiais superiores, que chegaram em poucos minutos, mandando seguir Magalhães para casa com uma multa simbólica, procedimento usual em incidentes com diplomatas estrangeiros porquanto a polícia de imediato notifica o ministério dos negócios estrangeiros canadiano e este, por sua vez, notifica o embaixador.
Artur de Magalhães, embarca defintivamente para Lisboa no dia 26 de Setembro, sabendo que tem os ordenados pagos apenas até 30 de Novembro.
Pessoalmente, penso que é uma rude prova para o (des)governo de Lisboa, pois perde um servidor fiel como uma imagem no espelho. Mas a crónica das incompetências, irresponsabilidades e arrogâncias deste cônsul fica para dentro de pouco tempo.
FERNANDA LEITÃO

domingo, setembro 26, 2004

Antevisão

"Vemos desenhar-se um tipo de sociedade onde, após a quase total eliminação dos grandes, ficarão apenas pequenos devorando-se entre si. É para esta sociedade inorgânica e sem unidade, semelhante ao tecido desfiado em que as cerziduras se desfazem cada vez mais e se anulam reciprocamente, que nos levam as reivindicações permanentes dos indivíduos e dos grupos de pressão, todos eles encarregando o Estado - um Estado omnipotente em direito e cada vez mais impotente de facto - de remediar as suas carências e de satisfazer todos os seus desejos.
Eis-nos muito próximos do mito do Estado providência e vampiro que, por volta de 1850, Bastiat definia genialmente como sendo "a grande ficção pela qual cada um quer viver à custa de toda a gente".
A solução não está num igualitarismo degradante para todos e de resto impossível, pois a colaboração entre os homens implica diversidade e hierarquia nas situações e nas funções. A única solução está na restauração de uma ordem viva que encorajará cada um, grande ou pequeno, a servir o bem comum em proporção com a sua envergadura, apoiando-se o fraco no forte e este protegendo o fraco de modo a eliminar, tanto quanto o permita a imperfeição humana, o parasitismo e a opressão.
"
GUSTAVE THIBON

Associação Portuguesa de Demografia: Governos nada fazem perante diminuição populacional portuguesa

O presidente da Associação Portuguesa de Demografia considera que a diminuição da população portuguesa terá no futuro "consequências tremendas" mas lamenta que nenhum governo tenha tomado medidas para inverter esta tendência.
Segundo o demógrafo, a diminuição populacional não pode ser vista como benéfica e, pelo contrário, as sociedades têm de estar sempre em crescimento. Trata-se, garante, de uma "lógica terrível", em que "perder velocidade" demograficamente implica perdê-la também económica e socialmente.
Recorde-se que projecções do Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que em 2015 haverá menos um milhão de portugueses (cerca de nove milhões), e que em 2050 a população descerá para os 7,5 milhões.
Ainda de acordo com o presidente da APD, "o Estado tem de promover medidas que incentivem os casais a terem mais filhos", "mas não vejo ninguém, não vejo nenhum governo preocupado com isso".
Conclusões dos demógrafos? Assim apenas se vê a imigração como solução. Será essa a "única alternativa" que temos diante de nós?

sábado, setembro 25, 2004

O tempo que passa

Há uns tempos atrás ironizava-se entre amigos que o Prof. José Adelino Maltez se perfilava como o maître a penser do Partido da Nova Democracia.
A ironia trazia implícita um prognóstico, já que bem se via que a gente reunida no PND não estava lá para pensar - estava lá porque também queria ter um partido.
O tempo passou, e o Prof. José Adelino Maltez vive o seu exílio na solidão marítima da Ericeira. Embora ao que se lê deveras amargurado, com a solidão e com os desvarios da Pátria, escreve que se farta. E anima a blogosfera, apesar dos seus engulhos com o meio.
Vão apreciando o Valbom dos Gaviões e o Sobre o Tempo que Passa. Dois blogues que não são blogues.

Geopolítica e Relações Internacionais

O CIARI - Centro de Investigação e Análise em Relações Internacionais oferece amplas possibilidades de valorização e enriquecimento pessoal a todos os que se interessam pelas disciplinas ligadas ao campo das Relações Internacionais ou dos temas de Geopolítica.
Explorem o site, onde já se encontra vastíssima e útil leitura, frequentem as tertúlias, debates e restantes actividades.
Neste tempo em que tanto se impõe a definição de um novo conceito geoestratégico para Portugal, eis uma instituição a desenvolver, crucial para encontrar uma visão do futuro.
Por mim sou viciado nesses assuntos. Acompanho sempre GEOSTRATEGIE e POLEMIA, por exemplo.
Em Portugal não conheço nada de semelhante ao trabalho da jovem equipa do CIARI.

Causas do malogro da acção política contra-revolucionária

Editada há uns 25 anos por Roger Delraux, foi em tempos publicada uma tradução portuguesa de um dos mais importantes livros de filosofia política dados à estampa depois da Segunda Guerra Mundial: "A Contra Revolução", de Thomas Molnar.
Ao lado de Julien Freund, de Karl Schmitt, de Bertrand de Jouvenel, de Jules Monnerot, Thomas Molnar faz parte daquele grupo de politólogos que, depois de Maurras e do maurrasianismo e para além deles, não desistiu de analisar os malefícios da partidocracia e do desmesurado crescimento do Estado moderno, cuja crítica, desde Condorcet até Vilfredo Pareto, passando por Toqueville, e de Bonald e de Maistre, não tem cessado de ser feita.
Certo da importância e actualidade desta publicação, transcrevo ao diante algumas passagens do livro de Molnar, que me parecem especialmente estimulantes, e a merecer debate e análise nos dias de hoje, tal o acerto das observações.
Espero suscitar a reflexão e vir a contar com as opiniões dos interessados.

A restauração contra-revolucionária tem falhado regularmente, não por qualquer fraqueza intrínseca da posição ou da filosofia contra-revolucionárias, mas por os contra-revolucionários se revelarem largamente incapazes de utilizar a fundo os métodos modernos: organização, slogans, partidos políticos e imprensa. O processo publicitário foi abandonado aos media revolucionários, de tal modo que os contra-revolucionários regularmente surgem a uma luz desfavorável, quando ao menos conseguem fazer-se conhecer. Nessa conformidade, o homem da rua, mesmo não comprometido, traz em si um pequeno mecanismo que lhe dita reacções simpáticas aos heróis e às causas revolucionárias e um sentimento de estranheza ou relutância perante as causas contra-revolucionárias. Os meios de comunicação contra- revolucionários pouco ou nada fazem para corrigir essa atitude inicial, entretanto permanentemente reforçada pela influência contínua da propaganda de esquerda. Os contra-revolucionários dirigem-se essencialmente aos já convertidos, cujo número pode ser muito importante, e até representar a maioria, mas não aumenta após esse primeiro contacto. Por outro lado, o público contra-revolucionário é, em geral, "estático", não sentindo necessidade ou possibilidade de maior expansão, seja pelo conhecimento, pela mobilidade ou pela conquista das instituições: basta-lhe ser assegurado que as suas opiniões são justas. Os contra-revolucionários lêem os seus próprios jornais e livros para aí verem reflectidas as suas próprias convicções e também para confirmarem a existência de outras pessoas que as partilham.
Esta atitude não prevalece apenas entre os contra-revolucionários de uma Europa activíssima no plano ideológico, mas também nos Estados Unidos, embora aí os costumes políticos encorajem todos os partidos e as opiniões marginais a divulgar as suas ideias; mesmo assim, observa Willmore Kendall a propósito dos legisladores americanos, "é geralmente verdade que os resistentes (os conservadores expostos aos ataques dos liberais no Congresso) não mostraram até agora (1963) grande actividade no sentido de articular princípios. Toda a sua agitação raramente corresponde a uma filosofia conservadora autêntica e combativa, capaz de resistir ao moralismo militante dos liberais".(1)
Na arena política, a contra-revolução deve habitualmente esperar que os acontecimentos persuadam a população e os eleitores a aderir à sua causa; parece incapaz de os persuadir em períodos de calma e normalidade, em grande parte devido ao facto de os contra-revolucionários não fazerem sérios esforços nesse sentido e deixarem campo livre aos meios de propaganda revolucionários. Assim, sobrevinda uma crise, não dispõem de qualquer grupo organizado e experimentado, mas apenas de massas unidas pelas circunstâncias, invertebradas, clamando ansiosamente por imediata protecção - contra a agressão ideológica, o desastre financeiro, a anarquia. Disso duplamente sofre a reputação dos porta vozes contra-revolucionários: primeiro, porque, no período anterior à crise, são apontados como "profetas da desgraça"; depois, porque, eclodida esta, são acusados de incapacidade para restabelecer a situação. De qualquer maneira, fazem-se conhecer, antes e depois, como "homens de crise", emergindo apenas em circunstâncias excepcionais, assumindo os interregnos sob a forma de "homens providenciais" ou "ditadores".
O curioso é haver boa dose de verdade nestes rótulos. O contra-revolucionário deixa, por omissão, os revolucionários encarregarem-se de lhe pintar o retrato, por tal forma que a descrição da sua passagem pelo poder e a reputação que lega à posteridade são igualmente feitas (ou refeitas) pelos adversários. Poderia dizer-se que a filosofia contra-revolucionária, bem como os programas e os actos, são vistos pela opinião pública - e pela história - através das descrições e dos critérios de julgamento, essencialmente hostis, dos revolucionários.
O contra-revolucionário tem consciência deste estado de coisas, mas na generalidade não é capaz de o remediar. A sua análise é normalmente lúcida, mais até que a dos seus adversários. Os contra-revolucionários mediram perfeitamente, após 1789, os perigos da democracia, mas encontraram pouca audiência na imprensa ou nas massas. Pobedonostsev, reputado um ultra-reaccionário, diagnosticou a doença democrática de modo pouco diverso do de Platão. Nas Reflections of a Russian Statesman (p. 45), escreve: "A democracia é o sistema de governo mais complicado e mais difícil de manejar de toda a história da humanidade. Por isso, jamais apareceu salvo como manifestação transitória, as poucas excepções cedendo rapidamente lugar a outros sistemas." Claro está, o período de "transição" pode durar muito tempo, pois a degenerescência da democracia é por vezes muito lenta, por fases dificilmente perceptíveis. Cada uma delas é saudada pelos media revolucionários como um novo avanço, um novo progresso, uma conquista da liberdade, e a opinião pública aceita-a como tal. Em consequência, de cada vez que os contra- revolucionários tentam chamar a atenção para novo aprofundamento na degeneração, as suas exortações afiguram-se à opinião pública ainda mais extremistas que antes. Após 1918, os contra-revolucionários estavam na razão apontando o marxismo como a nova e grande ameaça para a civilização, maior que a democracia, embora emanado da doutrina democrática e encorajado pela tolerância democrática. Quando a chamada experiência russa do comunismo suscitava fortes aplausos dos ideólogos revolucionários ocidentais, foram dos contra-revolucionários as vozes que, não só a condenaram, mas também lhe assinalaram as raízes e a lógica de destruição. Precederam assim, pelo menos de uma geração, os fabricantes de opinião do Ocidente: o comunismo teve de calçar as botas e ocupar a pátria de cem milhões de europeus antes que o Ocidente mostrasse os primeiros sinais de inquietação.
Os contra-revolucionários encontraram-se desempenhando com inquietante regularidade o papel de Cassandra, enquanto a ameaça contra a qual advertiam a sociedade crescia em intensidade e alastrava geograficamente. Entretanto, a origem da ameaça, já apercebida logo após 1789, e mantendo-se a mesma, agravava-se: era ainda o estilhaçar da sociedade, a desunião e a atomização introduzidas pela democracia jacobina. Dando a essa desunião um nome novo e mais ameaçador - a luta de classes -, Marx não podia ser rotulado, na terminologia contra-revolucionária, de antidemocracia; bem pelo contrário, parecia simplesmente extrair as conclusões lógicas da fatalidade democrática. Sob as formas parlamentares da democracia, os diferentes grupos de interesses – as "clientelas" - travavam tacitamente uma verdadeira guerra civil; Marx simplesmente chamou as coisas pelos seus nomes, exaltando um desses "grupos de interesses” (ou "clientelas"), o proletariado, a lutar até ao fim para destruir o sistema.
Na verdade, este aspecto do marxismo - mas, é claro, com exclusão dos outros, trate- se do moralismo, da negação da acção ou do totalitarismo - encontrava certa simpatia nos peitos contra revolucionários.
Também o marxismo combatia o Estado liberaldemocrático nascido de 1789 e da revolução industrial; também ele era contra a atomização da sociedade e a dispersão da energia social; também ele pregava uma espécie de reunificação pela liquidação das classes e clientelas. Mas a comparação termina aí, e os caminhos do comunismo e da contra-revolução, por momentos paralelos, divergem radicalmente. Explica isto, porém, a atitude compreensiva dos contra-revolucionários em relação ao comunismo, na medida em que este, embora de maneira deformada e quão terrível, igualmente crê na unidade social (mas não na harmonia - harmonia das partes!) e numa fé que a exprime e protege. No Journal d'un homme traqué, Robert Brasillach escreveu: "O fascismo não é o marxismo, mas também combate e odeia as injustiças contra as quais o marxismo se levanta e contra as quais propõe os seus perigosos remédios."
Compreende-se que, com uma tal atitude (e Brasillach traduz bastante bem a posição contra-revolucionária entre as duas guerras), os contra-revolucionários tenham atraído simultaneamente a hostilidade dos marxistas e a dos capitalistas liberais, assim como a do Estado liberaldemocrático. Valendo isto dizer que a imprensa - nas mãos dos intelectuais marxistas, dos empresários capitalistas e do governo - tinha todo o interesse em silenciar e deturpar as vozes dos contra-revolucionários, assim agravando o seu isolamento e a sua amargura, muito para além do que tinham experimentado no século XIX, quando começara o processo, Privados de poder e de meios de comunicação, as contra-revolucionários adoptaram então um tom profético e apocalíptico, já que tanto a imprensa oficial e os representantes do Estado quanto os representantes da vida cultural ou universitária não pareciam compreender que, com a aparição do bolchevismo, a sociedade passara a não ser apenas maltratada, mas efectivamente submetida a desintegração. Como das várias outras ocasiões, antes e depois do período 1918-1939, os contra-revolucionários esperavam fazer-se compreender ao menos pelos revolucionários "à moda antiga", por exemplo aqueles que representavam o Estado e por ele eram responsáveis perante o inimigo comum: uma esquerda marxista ou orientada para o marxismo. Em casos isolados, efectivamente, essa esperança concretizou-se. Mas o contra-revolucionário lúcido sabia que o marxismo é um instrumento poderoso para extrair das profundezas da ideologia revolucionária o impulso à utopia, e que o próprio partido comunista constitui o elo de ligação natural de todos os revolucionários à deriva. Plínio Corrêa de Oliveira alega, designadamente, que o liberal aceita o socialismo porque um governo socialista (marxista) permite a "satisfação metódica, embora por vezes sob o signo da austeridade, das paixões mais baixas, como a inveja, e preguiça, a imoralidade. Por outro lado, o liberal percebe também que o desenvolvimento da autoridade central, a que normalmente deveria opor-se, não passa de um meio para assegurar a anarquia final", pois destrói a moralidade pública e a liberdade individual (2). Exactamente o que aconteceu com a instauração das "frentes populares” na Espanha e na França e com o fenómeno do Kulturbolschewismus na Alemanha.

1. Willmore Kendall, The Conservative Affirmation, Chicago, Henry Regnery, 1963, p. 18. O autor observa, por exemplo, não procurarem os senadores conservadores explicar os seus pontos de vista em termos filosóficos, de tal forma que dão a impressão de serem conduzidos por motivos sórdidos.
2. Révolution et contre-révolution (em francês), São Paulo, Ed. Catolicismo, 1960; p. 65.

Thomas Molnar

Mistérios eborenses

Um leitor interroga-se se já existe alguma certeza sobre o tal projecto da fábrica de aviões ligeiros que uma multinacional francesa iria instalar em Évora.
Bem que eu queria saber! Mas a verdade é que desde o anúncio feito ao "Expresso" pelo nosso estimado Presidente, que dava aquilo como favas contadas, e o consequente balde de água fria dos franceses, dando a saber que era um assunto a estudar, nunca mais ninguém falou disso.
Atrevo-me a sugerir aos leitores que perguntem directamente à Câmara. Uma vez que poderemos estar quase a entrar na época das farturas, pode ser que tenham sorte.
E de caminho perguntem também qual o destino previsto para o Salão Central Eborense e para a Fábrica da Música (outro leitor escreveu-me intrigado a este respeito), locais onde parece ter entrado uma estranha maldição.

sexta-feira, setembro 24, 2004

Começou a feira dos milagres?

"A Câmara de Évora aprovou esta semana por unanimidade a proposta de protocolo para a construção do Arquivo Distrital e Bibliotecas de Évora, a celebrar ainda durante este mês com o Ministério da Cultura. Os novos equipamentos serão construídos em terrenos situados na Zona de Expansão dos Leões, imediatamente a seguir ao Estabelecimento Prisional de Évora (junto à nova Variante)." (in NotíciasAlentejo)

A nova grande obra situa-se mais ou menos na mesma zona do novo Palácio da Justiça (protocolo há muito assinado com o respectivo Ministério), das novas instalações da PSP, e de mais uma série de grandes obras marcantes dos novos tempos. Por seu lado o Hospital novo ficará para os lados do ÉvoraHotel, e a fábrica de aviões, que empregará toda a gente, está para aterrar junto da estrada de Viana.
O Estádio Municipal, de que vimos maquettes há uns anos atrás, fica noutro ponto da cidade, para os lados do Bairro de Almeirim.
Já foram ver?

quinta-feira, setembro 23, 2004

Os de Évora

No "Geraldo Sem Pavor" continua a verificar-se que o plural por vezes pode ser deveras singular... São quatro no barco e só um é que rema!
Passando aos seniores (tenham paciência, mas o "Geraldo" ainda joga nos juniores) o "Mais Évora" confirma-se como o mais sério e temível crítico à desastrada gestão do nosso executivo municipal. Será possível encontrar um contendor à altura, assim documentado e capaz, que se habilite a bater-se publicamente em defesa da situação?
O Mário Simões puxou o lustro à sua bola de cristal e prognostica grande animação blogueira na urbe, à medida que aquecer a disputa eleiçoeira, e a certo passo até sugere que estará para breve o regresso às lides de Alberto Magalhães (a referência a "sus muchachos" não me permitiu concretizar a profecia em mais ninguém).
Pois que venham eles, e não nos façam esperar muito.

A função da Caixa

Depois de Mira Amaral, Celeste Cardona.
Bom mesmo não é ser ministro: é ter sido ministro e passar para a administração da Caixa Geral de Depósitos.
Talvez esteja na altura de discutir o que se pretende que seja a CGD. Neste momento a instituição corre seriamente o risco de ser considerada, pela generalidade dos portugueses e pelos políticos à procura da reforma, como a prateleira dourada mais cobiçada do regime.

Interrogação

Se a Universidade de Warwick, no Reino Unido, criou o seu próprio sistema para que cada aluno possa ter o seu próprio weblog (soube pelo BlogUE) por que não poderão as universidades portuguesas fazer o mesmo?
(Afinal, mesmo a nível dos primeiros anos do secundário, a ideia do Professor Luís do Geografismos, não foi muito diferente; e estava sozinho, e já provou que é exequível e dá resultados conduzir os alunos nesse sentido; por vezes o que mais falta não são os sempre alegados meios materiais...)
Entretanto, caso a ideia lhes agrade, os nossos universitários podem sempre ir aproveitando e abrindo o seu blogue na plataforma de Warwick.

Agora até o Cat Stevens foi de cana...

Vejam aqui e aqui.
Morning Has Broken...

O aparelho dos partidos é invencível?

Ou em Évora estará aberta a caça aos lugares "dirigentes de topo da máquina da Administração Pública regional"?
Já me tinha constado que sim...

quarta-feira, setembro 22, 2004

Dia Europeu Sem Charros

Já tinham ouvido falar no Dia Europeu Sem Charros?

Política caseira

Há poucos dias passou despercebido um comunicado da estrutura dirigente do PSD do Porto em que a cúpula respectiva se dedicou a criticar Pacheco Pereira e Marcelo Rebelo de Sousa pela intervenção política que estes exercem através da sua actividade de comentadores.
A pouca atenção dada a esta posição pública parece-me explicável apenas pela progressiva "futebolização" da política: cada vez é mais notória a tendência para sob a invocação da política se falar de toda a espécie de assuntos que podem remotamente relacionar-se com esta ou com algum dos seus protagonistas (até de santanettes!), sem que dela propriamente se fale. Pelo menos daquilo que nela realmente importa.
Ora a verdade é que a atitude do PSD do Porto afigura-se-me cheio de significado: a análise subjacente a todo o raciocínio (e nem se justifica dizer que está implícita porque me surge bem explicitada) dá por assente que a oposição relevante, com que o governo deve contar, é aquela que nasce desses e de outros, situados dentro dos meios afectos à maioria.
A convicção que ali está bem clara é que a estabilidade governativa só poderá ser ameaçada de dentro, e não pela oposição oficial, assim de barato tida como inofensiva.
A análise não é propriamente uma novidade absoluta; e valha a verdade que nestes dias ao ouvir Sócrates, Soares ou Alegre muita gente terá reforçado essa impressão.
Mas, ainda assim, observar como se espalha com cada vez maior naturalidade uma tese destas parece-me humilhante demais para o Partido Socialista.

O "Futebol"

Não sei se os leitores já repararam que em geral quando o tema anunciado é futebol muito raramente se fala de futebol. Quem tenha a paciência de observar as nossas televisões facilmente encontrará programas de uma hora em que só três ou quatro minutos são dedicados ao jogo, ou ao que se passou num jogo concreto. O tempo todo é gasto em exaltadas discussões sobre as arbitragens, os negócios da Liga, os dirigentes, as transferências, os empresários, os direitos das transmissões, os pagamentos ao fisco, a segurança nas bancadas, a publicidade nas camisolas ou nos estádios, o poder dos empresários, as claques, as eleições nos clubes, os milhões em disputa, até a vida familiar ou amorosa de alguns futebolistas - de futebol é que não se fala.
Em parte a minha aversão a essa temática deve-se a esta transformação, que tornou o jogo um mero pretexto, um aspecto secundário e esquecido de um fenómeno social que tem tanto de alienação coleciva como de gigantesca indústria de diversão, que mistura aspectos anacrónicos típicos de certa marginalidade em ascensão, à procura de influência e consideração social, com utilização de grandes meios de mobilização de massas, próprios da nossa era tecnologicamente sofisticada, caracterizada pela manipulação de instintos gregários e necessidades de afiliação em escala nunca antes vista.

Da geração menos nova, e da novíssima

Enquanto os mais novos vão tomando conta da blogosfera, os menos novos vivem outras experiências, inacessíveis aos primeiros.
Ora façam favor de espreitar.

Sinais dos Tempos

O José Adelino Maltez também se retirou para Vale de Lobos; no caso para Valbom, a olhar o mar Atlântico.
Podem encontrar aqui os seus mais recentes artigos. O país visto de São Julião da Ericeira.

terça-feira, setembro 21, 2004

Geração Nova

Ao mencionar uma nova vaga de bloguistas a renovar a blogosfera e a conferir-lhe uma nova face, já não identificável com a nomenklatura fundacional, estava a pensar em alguns que apareceram nos últimos tempos e que manifestamente têm a idade própria de quem nasceu há menos tempo do que os que já por aqui andavam antes.
Alguns já comprovaram potencialidades que os colocam para além de meras promessas, podendo com segurança falar-se em esperançosas realidades. De outros se pode legitimamente esperar que as comprovem. A todos cumpre observar e seguir com atenção.
Entre os que tenho sob vigilância atenta destaco o Pasquim da Reacção (ai a acentuação!...), o BlogUE (não se deixem cair na vulgaridade boçal do "não pagamos-não pagamos"!...), o Geraldo Sem Pavor (a equipa precisa de encontrar um rumo e um programa comuns...), o Porta-Bandeira (um blogue é difícil mas é nosso...), o Lápis de Minas (um tanto à procura de um caminho próprio), mesmo o Lusitânia XXI (ó jovem Sebastião, ao menos um endereço de email, uns links para o exterior, não seja insociável, menino, adapte-se às regras de sociabilidade blogosférica!).
E há mais, bem mais, que não perco de vista aqui do meu posto de vigia.

Nova Geração

Há algum tempo atrás chegou a falar-se em crise na blogosfera lusa. Que o diagnóstico era precipitado constata-se agora, em face dos números que demonstram um crescendo notório no número de visitantes e de visitas, bem como no número de blogues. Houve, portanto, um crescimento, e a capacidade de manter essa expansão quantitativa não parece estar esgotada.
De igual modo a influência, o que se poderia chamar expressão qualitativa, também cresceu e se refinou, como recentemente concluía Pacheco Pereira em certeira observação. A blogosfera é um meio de relevância crescente nas sociedades contemporâneas, pela sua capacidade de atingir os meios que importam, e de nessa medida criar opinião.
Outra coisa é a crise destes ou daqueles blogues que podem eventualmenter em certa fase ter marcado o meio em análise. Não há que confundir a parte com o todo. Os blogues parecem, certamente devido às suas características muito próprias, obedecer a um ciclo de vida bem diferente, mais breve e irregular, daquele com que nos habituámos a contar nos meios tradicionais.
É o resultado da natureza pessoal da sua génese. São muito susceptíveis ao cansaço, ao esgotamento, aos humores. Frequentemente vão-se como vieram, sem razão nem explicação. Mas não há que confundir a parte com o todo. A capacidade de renovação é quase infinita. Quando uns se fartam, ou acabam pura e simplesmente por não terem mais nada a dizer, ou porque as suas vidas mudaram, outros aparecem a ocupar o campo.
Estas as conclusões da minha observação diária, neste período de um ano e dois meses que já me torna um veterano no meio.
Assim é, e assim tem que ser. Que os que surgem substituam com vantagem os que saírem, e que tragam valor acrescentado à blogosfera, é o único voto que me apraz fazer a este respeito. Sejam bem-vindos todos os que chegam, e mais os que estão para chegar.

O Anacleto

Como saberão os leitores, um peru é um pavão mal sucedido. E era sempre no triste e ridículo peru que eu pensava perante as frequentes efusões de um certo animal com lugar cativo nas nossas televisões, que a propósito de tudo e de nada o exibem todo emproado, de crista arrebitada e olho arremelgado, o peito cheio de vento, sempre lançado em pretensioso gargarejar.
É preciso porém que alguém tenha o gesto simples e inteligente de recordar que um peru é apenas um peru para que todo o ridículo da situação ressalte subitamente aos nossos olhos, livrando-nos da usual sensação de enjoo através de saudável gargalhada.
Foi o que fez o inspirado autor do Anacleto - que consegue o milagre de tornar digerível um sujeitinho completamente intragável. A consumir, ainda assim, em pequenas doses.

As minhas campanhas


Não deixe de carregar neste botão: um clique por dia traz saúde e alegria!

"NÃO HÁ MEMÓRIA DE UMA CAUSA ASSIM"


O dia 21 de Setembro é o Dia Mundial do Doente de Alzheimer. Para assinalar essa data, a Associação Portuguesa de Familiares e Amigos dos Doentes de Alzheimer (APFADA) irá promover diversas iniciativas, nomeadamente uma campanha de imprensa visando esclarecer e sensibilizar para a causa dos doentes de Alzheimer.
Dou a minha pequena contribuição fazendo um apelo a todos os leitores para que se informem e na sua esfera de acção procurem também dar a conhecer o que é um dos maiores problemas do nosso tempo, e que normalmente se desenvolve silenciosamente e às escondidas, enquanto não entra a nossa porta.

segunda-feira, setembro 20, 2004

O povo é quem mais ordena

Manda o filho, manda o pai,
Manda a sogra, manda a nora.
Manda o bébé que na mão
Faz chichi e deita fora.

Manda até o nascituro
Que por não ter a visão
Do futuro
Ainda não chora.

Mandas tu e mando eu,
Tanto aqui como em Viseu!
Só para isto nascemos!
Para mandar uns nos outros
Enquanto somos e temos,
Que depois da vida ida
Arrefecemos...

Quem pára nesta corrida?
Quem não colou um cartaz?
Quem não listrou as paredes
Com essas letras que vedes
Fazendo guerra da paz?

Quem não sujou o país?
Quem não se disse feliz,
Não se babou de contente
Por não ter na sua frente
Nem correcção nem juíz?

Quem não gostou um momento
De tirar a própria fralda,
Com ela acenar ao vento
E gritar com todo o alento
Que o bom é viver à balda?

Manda o filho, manda o pai,
Manda a sogra, manda a nora.
Manda o bébé que na mão
Faz chichi e deita fora.

Manda até o nascituro
Que por não ter a visão
Do futuro
Ainda não chora...

Fernando de Paços
(...para não dizerem que aqui o Manuel só destaca poetas alentejanos hoje levam de presente um do Alto Minho)

ENIGMA, SER E VERDADE

Que é o homem? Um ser de enigma situado no real, esse "misto da cisão pelo qual nem o que é, é, nem o que não é, não é, nem a verdade pode assegurar-se, nem o pensamento consistir na não-verdade". Ser de enigma, em real enigmático, o homem é o filósofo. Se Unamuno pudera afirmar que só o homem é filósofo, José Marinho tivera então a nunca infundada garantia de responder, como de viva voz respondeu a Unamuno, que só o filósofo é homem. A filosofia, portanto, é entendida senão como o sinónimo operativo do ser humano em sua incisa individualidade, pelo menos como a interrogativa alma do homem: a filosofia é toda a interrogação enigmática do enigma, interrogação feita pelo homem a uma autoridade que, respondente, permanece surda e indiferente, como o Rochedo bíblico, ou como o firme firmamento que, impassível, é o único que se move. Filosofar é iniciar, trazer para dentro de, e, noutra instância, criar no homem o saber do homem acerca de si mesmo como homem e, dele, enquanto outro, que não homem, é possível de ser. Então, filosofia "é toda a iniciática, vive enquanto a pensamos, fecunda para aqueles a quem é dado repensá-la, sempre no entanto cingida, enquanto a exprimimos, de finitude, sempre tocada de caducidade". Eis o homem - ora infinito e eterno; embora, finito e caduco. A filosofia é a medida pela qual importa medir o homem e onde o homem mede, pesa e conta o que mais importa.
Antropologia extrema, humanismo idolátrico? Não, mas todo o contrário disso. Filosofia que não seja apenas filosofia, isente de toda a mácula de saber alterado, não é filosofia. Todas as ciências podem redimir-se pela filosofia; só a filosofia se redime por si mesma; melhor - todas as espécies do ser se redimem pelo homem, mas só o homem se redimirá por si mesmo, ainda quando o juiz da remissão seja outro, que não o homem.
Como entender essa acerada dificuldade? Quando medita o que surge como o que cria, ou que é anterior a toda a criação, o homem salta para além de si mesmo; mas, ao cair em si, na saudade finita da cisão entre criador e criatura, o homem está a braços consigo mesmo. É outra vez interrogação, e à interrogação "todo o pensar incessantemente regressa"; isto é, homem que a si regressa é interrogação que volve interrogação. Essa interrogação supõe que é uma viagem de trânsito e recurso:
"Na verdade, toda a interrogação sobre o ser do homem pressupõe que eu sou para mim um ser concreto, ser concreto que imediatamente se apreende como totalidade... Sempre, porém, quando interrogo, esse totalidade e a cumulativa unicidade do que sou e do por que me apreendo está em mim, ou como presença do que sou, ou como memória do que fui, ou como antecipação, virtualidade mais ou menos consciente do que serei. E careço então de saber se ela está apenas ou se verdadeiramente a sou... A autêntica antropologia é filosófica, quer quando interroga sobre as origens do homem, quer quando interroga sobre a plenitude do homem ou no homem, efémera embora e fugitiva no ser singular que é, cada um para si".
A filosofia é, portanto, a interrogação que o homem dirige à Verdade. Está, nesse caso, o homem separado da Verdade?
Sim e não; unido mas separado, separado, mas unido. A criatura é tanto em si como no Criador; a verdade do Criador é do Criador mas há, dela, uma com-munio na criatura. Na comunhão da Verdade, o homem quer assumir-se homem e cinde-se da Verdade para ser homem; homem, na vivência da humanidade, o homem cinde-se dela para ascender à Verdade. Interrogação é este movimento; filosofia é o pensamento que cria esse movimento - todo o homem, "móvel de relação em trânsito e recursos incessantes entre a visão unívoca e o saber multívoco do ser do tempo" - o enigma que não é dado para interrogar fora, mas que adere radicalmente ao ser. Mas é o homem, quem interroga? Que é o homem, para interrogar, se o interrogado é inefável e inefante?
O que interroga é o Espírito, "o que passa no que é e está com o ser em nós". Ou seja, o homem só tem a realidade que o Criador do homem lhe confere, mas, da cisão, sofrem ambos. Deus, porque é privado do homem; o homem, porque é privado de Deus. Só o Espírito, entre ambos, possui virtude unitiva, como na Trindade. Por ele e nele, a visão unívoca, remédio consolador de toda a cisão é efectiva e fecundativa. Uniente e unitiva. Por conseguinte do mesmo passo que é absurdo conceber o homem sem Deus, é absurdo conceber uma filosofia subsistente sem teologia. Com efeito, assim como o homem, por mais díspares caminhos que transite, ascende a Deus, assim a filosofia, "por mais que possa negar ou ultrapassar metodologicamente seus limites, ela ascende inevitável e incessantemente ao sentido da verdade suprema".
A razão, neste quadro, é humana ilusão para toda a errática humanidade. A razão confunde-se com o homem racional. "Tenho razão. Quem diz, porém, assim no nosso ouvir? - o homem". Só Deus recusa, para Si mesmo, o direito à razão. A razão é cisiva ou decisiva; seu antónimo ou sua antítese é a visão unívoca, pela qual "se diz o que une"; e da qual tudo parte, no reflexo diédico da ser e da verdade, em que o ser é para o ser e a verdade para a verdade, sob pena de nenhum ser para si. A teoria, outra forma de dizer visão, é onde o enigma é alumiado - ainda quando, por ser teoria, é assumida num limite, o limite do homem. Ilimitado porque, esse mesmo que interroga, o Espírito, é a mesma liberdade para o homem, que, na condição e no destino, é criado para a Verdade e só para a Verdade.
PINHARANDA GOMES

domingo, setembro 19, 2004

DOUTRINAÇÃO SOCIAL

- Vai o senhor escrever nova crónica? - Sim, senhor. - Progressista? - Sim, progressista. Em que sentido? - No sentido latino. - É bom esse sentido? - É o melhor, a nosso ver. Se não, é consultar os tempos primitivos do verbo progredir, e ficamos convencidos que não há melhor sentido. Ora pois. Falou-se aí muito de doutrinação social. E, como não podia deixar de ser, falou-se da doutrina social da Igreja. De feito a Igreja tem um corpo de doutrina social tão bem fundamentado no Direito Natural e nas luzes da Revelação como outro não há. A Igreja defendeu sempre o homem concreto "o homem que nasce, cresce, vive, morre e sobrevive"; para o dizermos com palavras de Unamuno. Mas houve quem entendesse a doutrina social da Igreja de maneira canhestra e esconsa. Congeminaram alguns que a Igreja, nos finais do século XIX, assomada aos ingentes problemas sociais, foi escrutinar os diversos sistemas que prometiam remédio, e debruçada sobre eles, com uma tesoura nas unhas, foi cortando erros e exageros aqui, e acrescentando acolá, para ficar num meio termo, nem carne nem peixe, vianda para todos os paladares. O que a Igreja fez não foi nada disso. Os seus filhos afanaram-se durante todo o século XIX por compreender o novelo de problemas de timbre social e por resolvê-lo no campo prático. Foram consciências de proa como Ozanam, Lamenais, o barão de Vogelsang, La Tour du Pin, Albert de Mun e tantos outros que alertaram o mundo para a embrulhada social onde a justiça ia a pique. 0 que eles fizeram foi auscultar na própria consciência o brado de protesto suscitado pelo Evangelho. A doutrina da Igreja depois exarada por Leão XIII, por Pio XI, por Pio XII, por João XXIII, por Paulo VI não se situa num clima intermédio, com sistemas avariados às duas bandas do seu discorrer. A doutrina da Igreja habita um clima transcendente que faz incidir seus raios de simplicidade actínica sobre a alma desejosa e carente dos homens que buscam e sofrem. Sabe a Igreja que o homem é chamado a construir a cidade terrestre; mas sabe por igual que nunca o homem poderá caber por inteiro nessa cidade. O mundo terreno fica-lhe sempre curto. Se o homem fosse apenas um bicho do presente, sem passado nem futuro, sem alma e sem anelo, talvez lhe chegassem a gleba e o seu castelo. Mas nem Kafka, que sabia a fundo de castelos, conseguiu lá meter e abrigar o seu personagem a meio nome, o seu José K. Mas talvez o castelo de Kafka se aureole precisamente com as cores prismáticas que irradiam já doutro mundo e tenha algo da Jerusalém celeste. Seja como for o homem é homem de castelos, de Kafka ou de Almourol...
A doutrina social da Igreja firma-se sobre constantes: a eminente dignidade da pessoa humana, a fraternidade universal, a família, a dignidade do trabalho humano. Quem quisesse tocar nas constantes para as subverter, não o alcunharíamos de progressista, seria antes um triste e improvável caranguejo, amante do às avessas das coisas. E vai o mundo cheio dessa bicharada. Formam-se e desfazem-se grupelhos, acobertam-se sob tiras da vestimenta de Carlos Marx, tinturam-nas de um vago cristianismo sem deveres práticos e vêm impar de progressistas, de avançativos, quando em verdade estão a chapinhar no ilógico de que já se ria Arístóteles, há séculos, em Estagira. É que tudo muda. Tudo não. Entra a gente com o já clássico "cabaz" no torvelinho dos supermercados. Levamos bem fixa a venerável regra três dos senhores matemáticos e o dois e dois são quatro dos mesmos. É o que nos vale para não sairmos arruinados daquelas Falperras! Os princípios do Direito Natural assemelham-se aos princípios matemáticos. Podemos, por perversão, tocar-lhes, para os desfazer. A natureza vinga-se e chama os azoinados, às vezes sob castigo, aos justos limites. Em torno da Família, vêem-se, de tempos a tempos e variadamente, inimigos numerosos, egoístas de todo o feitio, adiantados de ideologias perversas. Há descalabros, há portas forçadas, muros escalavrados. Depois... a mesma natureza humana, por aquilo que nela existe de não contaminado, volta a acender a lareira primitiva e a defender os direitos lesados. Ora a doutrina da Igreja chancela em primeiro termo esses direitos, vai no sentido mais profundo da natureza humana. Por isso o verdadeiro progresso sabe-o Ela discernir e apontar. Dir-me-ão que também há progresso na asneira. De acordo. Por demais o sabemos e já mestre Horácio, em Roma, dizia que os netos em vez de progredirem na verdade sobre os avós, avançam na tolice e com arrogância. Deus nos livre de mesa coxa e de pedra no sapato. Nem com uma coisa nem com outra se pode ser feliz. A mesa coxa é o progressismo desaustinado; a pedra na galocha é o preconceito reaccionário que também existe. 0 povo, porém, é muito sensível e dócil à voz da razão e os princípios de ordem natural têm nele um mordente que o predispõem a ouvir e a roborar a doutrinação social da Igreja. Vão-lhe lá com campanhas de culturalização dadas por indivíduos de mal com a ética, de mal com a gramática, em branco sobre a História, quiçá raposados à farta por mestres cansados de repetir as coisas! Estamos todos lembrados do que sucedeu por esse Portugal a cabo. A risotada e o convencimento de que o povo sabe mais nestas coisas que os problemáticos doutores empenados do entendimento...
JOÃO MAIA

sábado, setembro 18, 2004

PSD/Évora: António Dieb ganhou as eleições distritais

António Costa Dieb é o novo presidente da distrital de Évora do PSD. Nas eleições realizadas sexta-feira à noite, a lista liderada por Dieb recolheu 406 votos, mais 87 que a lista liderada por Inácio Esperança.
A lista de Dieb defendeu, durante a campanha, a «abertura do PSD ao debate externo» e a um «consenso de gerações», capaz de abrir «espaço de intervenção a novos protagonistas». Relativamente às autárquicas de 2005, a lista vencedora comprometeu-se ao «apoio político, técnico e jurídico aos autarcas do PSD em todo o distrito e colaboração activa e empenhada na preparação do próximo embate autárquico».
Cá ficamos à espera para ver.

Festival de Teatro de Amadores de Évora

Hoje continua em Évora o Festival de Teatro de Amadores, que ontem teve o seu início.
Não deixe de estar atento, acompanhando o programa e tudo o que se passa à volta do Festival.

Alto da Praça

Comprovando mais uma vez a fertilidade da planura alentejana, descobri hoje um novo blogue com sede na região: o Alto da Praça, centrado em Borba.
Dos concelhos vizinhos, Vila Viçosa e Estremoz já estavam representados; falta o Redondo...
Coragem para os blogues locais (pés na terra, asas para o mundo...) e que não lhes faltem forças para a blogação. Um abraço aqui da cidade do Geraldo.

Ao Fresco nos Degraus do Papança

Vivaço e interventivo, este blogue de Reguengos. Uns más-línguas, mas pelo menos agitam aquelas águas paradas. Contraste manifesto com a pasmaceira de outros, que por aí vão vegetando ou fechando a porta, esgotados após os primeiros arroubos.
Espero que não tenham vindo só para fazer a época das vindimas, e que se aguentem nas canetas por muito tempo, sem diminuir o ritmo nem lhes falecer a genica.

Recordando Azinhal Abelho

Sempre que em Évora calha em conversa falar com alguém menos novo sobre os cortejos históricos e etnográficos que em tempos assinalaram as Festas da Cidade, por São João e São Pedro, surge logo espontânea uma exclamação saudosa: - nunca mais se fez nada assim... Também é essa a minha reacção, lembrado ainda da minha meninice, quando toda a cidade se reunia para ver o desfile, olhar pasmada para aquela assombrosa encenação, os quadros magníficos sucedendo-se perante a nossa vista e imaginação...
Ninguém associa porém o nome esquecido de Azinhal Abelho a essa recordação gravada na memória de todos. Como certamente também os organizadores dos "santos populares" de Lisboa, e das suas marchas, não fazem ideia sobre quem tenha sido a pessoa que usou tal nome. E talvez mesmo em Elvas, na sua Estalagem de Santa Luzia, não haja ninguém com recordação sobre homem de um passado tão remoto. Só mesmo Orada, a sua aldeia, teve a ideia de dar o seu nome a um centro cultural, que não sei se, ou como, funciona.
Isto para dizer que toda a vida e obra de Azinhal Abelho foi marcada por amores constantes, imutáveis desde o seu aparecimento na vida cultural do país (as suas "Confidências de um Rapaz Provinciano" receberam o prémio de poesia Antero de Quental, dois anos depois de o mesmo ter sido atribuído a Fernando Pessoa) até ao seu final (os projectos que o animaram mesmo na fase final da vida visavam ainda levar à cena os autos populares que o fascinavam, e o último livro que viu impresso foi a antologia denominada "Cancioneiro do Vinho Português").
Hoje deu-me para evocar o artista (também era pintor e desenhador, de mérito reconhecidos) que nos deixou o vastíssimo "Teatro Popular Português", e o delicado lirismo ruralista de "Eu Fui Guadiana Abaixo", "Canto Chão", "os Anjos Cantam o Fado", "Domingo Ilustrado", "Abecedário de Lisboa", "Os da Orada", "Elogio da Província", "Meridianos Líricos" e sei lá que mais.
A composição poética que se segue também não deve ser conhecida
de ninguém... Na verdade foi impressa pelo autor numa pagela avulsa que ofereceu a alguns amigos no Natal de 1951. Todavia, é bem representativa das paixões que marcaram sempre a obra do autor: a sua província, o seu povo, o teatro.
Eis pois à apreciação geral um poema de Azinhal Abelho bem à maneira de Gil Vicente.


MONÓLOGO DO MAIORAL

Alto lá! Ó Camarada!
Nós somos d'Além do Tejo
E viemos ao cortejo
Assinalar o lugar
Lá das terras do Suão.
Nunca avistamos o Mar.
Nós somos também Nação,
Oito vezes secular,
Oito vezes geração.
Da cabeça, até aos pés,
Olhai-me bem que eu sou terra,
Sou a voz que não engana;
Co'a minha manta e cajado
Guardo o meu trigo e o meu gado,
Sou da terra alentejana.
Quero amostrar-me com brio,
Do que sou e do que valho
Nas galas do meu suor,
Que são o orgulho maior
Das gestas do meu trabalho.
Quem me julgar com apreço
Acerta num bom sinal,
Dizendo que no começo
Fui quem formou Portugal.
'Scutem a voz em surdina
Dita em coral de mistério:
- Eu sou a terra-madrinha
Que deu Portugal-Império, -
Nautas, santos, à ventura,
Porque Deus assim o quis,
Partiram da terra dura
Mas deixaram a raiz.
Por graças e por louvor,
A raiz tornou de novo
A dar galhos e a dar flor
A esta terra e este povo.
- Ainda hoje é terra firme...
- Ainda hoje é povo-chão...
O Alentejo não tem sombra.
- Digo eu, que sou ganhão:
Não tem, não tem nem a quer
Só tem a sombra da terra
E essa porque é mulher.
Nem quis avistar o mar.
Ó Mar! Tu és perdição...
Angústias, vidas sem par,
Por lá ficaram no Mar...
Ó Mar! Tu és um ladrão.
Na vida dos portugueses
Não sei o que representas.
Dizem alguns: és a glória.
Mentira, és mar das tormentas.
Foi um mal de Portugal
Botar os olhos pra além;
Na esperança de se alargar
Fugiu do colo da mãe.
Ficámos nós e cá estamos;
Cá 'stamos nós, os do chão.
Rego a rego, o nosso arado,
Foi transformando um eirado,
De castro fortificado
Numa serra de pão.
Sem pompas, esta epopeia,
Sangue e terra, nua e crua,
Ergueu padrões no alqueive
Cruzando a espada e a charrua.
Maiorais, tristes como eu,
Numa legenda sem fim,
Com enxadas e aivecas
Vão transformando em jardim,
Os arrifes das charnecas.
As nossas vestes sem cor...
As nossas mãos encardidas...
Olhai-as com tanto amor
Como se fossem garridas.
Não temos flores, é verdade...
Só as nossas raparigas
Trouxeram, lá duma herdade,
Em vez de rosas, espigas.
Nem a vista se alevanta,
Nem mesmo o riso pagão;
A nossa gente, se canta,
É em voz de cantochão.
Mas esquecidos no mapa
Sem ninguém saber de nós,
Ergo aqui o meu cajado,
Bato com ele o sobrado
E alevanto a minha voz:
"Nossos lamentos são ais,
Tristezas de mal-querer.
Somos como nossos pais.
... E SEJA O QUE DEUS QUISER".

AZINHAL ABELHO

Um soneto de Plínio Salgado

Em especial para algum visitante brasileiro que aqui venha parar, mas em geral para todos os apreciadores da poesia, tenho hoje um soneto de Plínio Salgado que creio bem ser desconhecido de quase todos (nunca foi publicado em livro).

A SUPREMA BATALHA

O vencedor de todas as batalhas,
o triunfador de todos os perigos,
que entre balas, granadas e metralhas
jamais tremeu em face de inimigos;

o que passou por apertadas malhas
de ciladas, ardis e ódios antigos,
e sacudiu as poeiras e cinzalhas
da terra ingrata onde não teve amigos,

não é o herói que desfraldou bandeiras
e combateu a própria covardia
assaltando redutos e trincheiras,

mas aquele que, humilde e sem história,
dia a dia lutou e poude, um dia,
contra si mesmo prclamar vitória!


PLÍNIO SALGADO

sexta-feira, setembro 17, 2004

Lides Alentejanas

Surgiu um novo blogue alentejano, este com acento tónico na promoção da tauromaquia.
Estive a ler, e nem calcula o seu autor a quantidade de gente que lá refere e que por coincidência é dos conhecimentos pessoais aqui deste humilde blogador. Só de Montemor e da Moita, é uma praça cheia...
Não identifico é o dito autor, o Miguel Soares. Ficamos empatados, ele também não sabe quem eu sou.
Que tenha uma boa lide, e que justifique volta ao ruedo, é o que daqui lhe desejo já. E continuarei a seguir os passes...

Logo à noite, na Rua da Lagoa...

Vai ser o confronto pela chefia dos PSDs do distrito de Évora.
Frente a frente a frente o menino e o matulão. Em princípio, ganha o segundo, a não ser que haja truque ou milagre.
Na fase final da corrida têm surgido algumas questões interessantes, como acontece às vezes nas zangas em que alguém resolve partir a loiça.
Por exemplo, qual a explicação para a ausência de candidatura do PSD nas eleições intercalares na Freguesia de São Vicente do Pigeiro? Ignoram os responsáveis eborenses que quem não aparece esquece? Ou querem deixar o Concelho para disputa entre o PS e a CDU?
E qual a razão para o esquecimento do papel do actual candidato "renovador" nas últimas autárquicas, como chefe da campanha? Será o reconhecimento tácito de que tal recordação não lhe honra muito o brasão? Ai essa imagem de mudança...
Quanto ao outro lado, ainda não entendi a coerência e a credibilidade de um dirigente distrital que ainda recentemente apareceu no Redondo em manifestação claramente anti-governamental. Ou era só contra a Administração Regional de Saúde?
E que se passa por essas bandas de Redondo e Vila Viçosa, por sinal câmaras dominadas pelo PCP? Há oposição ou há algo mais complexo?
A haver negociações, estas são com o PCP ou com os candidatos a trânsfugas do mesmo? No campeonato das transferências o PSD está em competição com o PS?
(Também há conversas sobre Vendas Novas...)
Enfim, um mar de mistérios. Mas alguns pormenores parecem ressaltar: fiquei com a impressão que em Vila Viçosa, pelo menos, cansaram-se de esperanças... Recordo que nesta concelhia, tradicionalmente, o prato vencedor, é bacalhau à cochicho; e eis que este trunfo está em peso na outra lista.
Um mar de mistérios a explorar e desenvolver. Quem poderia ocupar-se disso seria o Geraldo Sem Pavor, que conhece os cantos à casa.